NEUROPSICOLOGIA E ALCOOLISMO: LEVANTAMENTO DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS NACIONAIS. Resumo

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1 NEUROPSICOLOGIA E ALCOOLISMO: LEVANTAMENTO DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS NACIONAIS Gisele Roessler (UNICENTRO-Irati-Pr) Plínio Marco de Toni (DEPSI-UNICENTRO-Irati-Pr) Resumo A neuropsicologia estuda a relação entre o cérebro e o comportamento humano. A partir do conhecimento do funcionamento normal do cérebro, busca-se compreender alterações cerebrais, como disfunções cognitivas e comportamentais resultante de lesões, doenças ou desenvolvimento anormal do cérebro. Na área de abuso de álcool, a neuropsicologia descreve as alterações cognitivas, comportamentais e emocionais, a qualidade do funcionamento mental, bem como realizar atividades que visem à recuperação ou amenização dos déficits neurocognitivos encontrados no paciente. O objetivo deste trabalho é realizar uma sistematização da produção acadêmica brasileira sobre a temática do alcoolismo na perspectiva da neuropsicologia. Foi realizado levantamento nas bases de dados dos sites Scielo e Pepsic. Foram encontrados 2492 artigos em língua portuguesa. Quanto aos objetivos das pesquisas, foram encontrados artigos que comparavam efeitos do etanol, avaliavam a impulsividade, faziam associação fobias e alcoolismo, correlação entre expectativas sobre os efeitos e o padrão de consumo e relação entre danos cerebrais e seus efeitos na cognição e no comportamento do indivíduo. A produção científica a cerca do tema alcoolismo é vasta, já a produção na área da neuropsicologia não é tão significativa, em sua maioria estudos de revisão e avaliações, demonstrando-se frágil quanto à reabilitação desses danos. Palavras chave: neuropsicologia; alcoolismo; revisão de literatura. INTRODUÇÃO A neuropsicologia é uma subárea das Neurociências, exercida por psicólogos, que estuda a relação entre o cérebro e o comportamento humano (CUNHA & NOVAES, 2004; COSTA et al, 2004; FUENTES et al, 2008). O termo Neuropsicologia surgiu no século XX, mas a preocupação com as inter-relações entre cérebro e mente remonta aos antigos egípcios (MÄDER, 1996). Segundo Cunha (1993) a avaliação neuropsicológica pretendia, inicialmente, identificar e localizar lesões cerebrais focais, mas sua base atual é a localização dinâmica de funções, objetivando a investigação das funções corticais superiores, como, a atenção, a

2 memória, a linguagem, por exemplo. Segundo Luria (1981), a neuropsicologia entende a participação do cérebro como um todo no qual as áreas são interdependentes e inter-relacionadas, funcionando comparativamente a uma orquestra, que de- pende da integração de seus componentes para realizar um concerto. A esse tipo de interação, Luria denominou sistema funcional. Através dessa compreensão, a neuropsicologia acredita que a partir do conhecimento do desenvolvimento e funcionamento normal do cérebro, pode-se compreender alterações cerebrais, como no caso de disfunções cognitivas e do comportamento resultante de lesões, doenças ou desenvolvimento anormal do cérebro (COSTA et al, 2004). A neuropsicologia utiliza-se da avaliação neuropsicológica e da reabilitação cognitiva. A avaliação é o método para investigação do funcionamento cerebral através do estudo comportamental. O objetivo da avaliação é auxiliar o diagnóstico diferencial, estabelecer a presença ou não de disfunção cognitiva e o nível de funcionamento em relação ao nível ocupacional, localizar alterações sutis, a fim de detectar as disfunções ainda em estágios iniciais (MADER, 1996). A reabilitação cognitiva objetiva restaurar as funções, ou seja, fortalecer os padrões de comportamento cognitivo aprendido e estratégias compensatórias, representados pelo aprendizado de novos padrões que permitam ao paciente lidar com as disfunções persistentes (WILSON, BADDELEY, EVANS & SHIEL, 1994, apud SANTOS, ANDRADE &BUENO, 2009). Na área de abuso de álcool, a neuropsicologia tem o compromisso de descrever as alterações cognitivas, comportamentais e emocionais, bem como a qualidade do funcionamento mental do alcoolista, também realizar a análise de potenciais, prever o curso da recuperação e estimar o funcionamento cerebral anterior do usuário, bem como realizar atividades que visem à recuperação ou amenização dos déficits neurocognitivos encontrados nos pacientes (CUNHA & NOVAES, 2004). Estima-se que 90% da população adulta do mundo ocidental consuma algum tipo de bebida alcoólica e que, entre os bebedores, 10% irá apresentar uso nocivo de álcool e outros 10% se tornará dependente (RAMOS & WOITOWITZ, 2004). No Brasil, o consumo de álcool faz parte do contexto cultural como componente de socialização e também de festividade (GIGLIOTTI & BESSA, 2004). Por outro lado, já é

3 considerado problema de saúde pública devido ás consequências físicas, cognitivas, comportamentais e emocionais decorrentes de seu uso. Todos estes problemas geram um elevado custo econômico para a sociedade (MORAES et al, 2006; COSTA et al, 2004; FACCIO, 2008). Assim como outras drogas que causam dependência, o álcool reforça o seu próprio consumo através da ativação do circuito de recompensa do cérebro (ANDREO et al, 2006), relacionado às vias dopaminérgicas. Este interage direta e indiretamente com várias áreas e sistemas cerebrais, incluindo as relacionadas à vivacidade, emoção, memória, motivação, movimento, equilíbrio e controle dos hormônios (HERCULANO-HOUZEL, 2005). O uso do álcool é caracterizado pela ingestão esporádico/episódica ou para experimentação da substância. O abuso ocorre a partir do momento em que o consumo começa a ocasionar prejuízos de ordem psicológica, biológica ou social ao indivíduo. Já a dependência do álcool é resultante da prioridade de beber em detrimento de outras esferas da vida do usuário, dos sintomas de abstinência e alívio, ou do fato de se evitar os sintomas de abstinência através do aumento da ingestão da bebida (EDWARD et al, 2005; GIGLIOTTI & BESSA, 2004; HECKMANN & SILVEIRA, 2009). À curto prazo, o álcool ocasiona um estado de confusão mental, diminuição do nível de atenção, dificuldades motoras, tempo maior de reação aos estímulos e decréscimos na memória, prejuízos que são reversíveis quando em sobriedade (NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH, 2004). No entanto, no uso prolongado os danos são muito mais significativos. Esta substância tem o poder de atuar como depressor do sistema nervoso central, pois, em doses moderadas a altas, deprime os disparos neurais. Desta forma, o abuso do álcool pode acarretar danos que variam de déficits cognitivos leves, que podem ser detectados através de testes psicológicos, até danos graves que produzem grande incapacitação (KING et al, 2006; CUNHA & NOVAES, 2004; KOLLING et al, 2007). A conclusão entre os cientistas é que as funções executivas, como um todo, são afetadas, mas alguns defendem um maior prejuízo nas funções de memória, aprendizagem e atenção, enquanto outros, uma diminuição na capacidade de abstração, resolução de problemas, análise e síntese viso espacial, velocidade do processamento de informações e eficiência cognitiva, além de um controle deficiente de impulsos.

4 OBJETIVO O objetivo deste trabalho é realizar uma sistematização da produção acadêmica brasileira sobre a temática do alcoolismo na perspectiva da neuropsicologia, afim de proporcionar um conhecimento mais avançado sobre o que vem sido produzido na área, bem como do que ainda pode ser buscado. METODOLOGIA O levantamento dos dados foi realizado nas bases de dados dos sites Scielo e Pepsic, nas línguas portuguesa e inglesa, entre os anos de e 2.012, utilizando-se dos descritores álcool (alcohol), alcoolista (alcoholic) e alcoolismo (alcoholism) em combinação com neuropsicologia (neuropsychology), avaliação neuropsicológica (neuropsychological assessment) e reabilitação neuropsicológica (neuropsychological rehabilitation). Esses artigos foram avaliados quanto às categorias: ano, objetivos, participantes, tipo de metodologia empregada (qualitativa, quantitativa ou revisão teórica) e resultados. RESULTADOS E ANÁLISE DE DADOS Foram encontrados 5631 artigos sobre a temática geral do alcoolismo, em língua inglesa, sob diferentes perspectivas teóricas e 2492 artigos em língua portuguesa.

5 FIGURA 1: Produção acadêmica relacionada ao alcoolismo No que diz respeito à temática especifica do álcool sob a perspectiva da neuropsicologia, foram encontrados 8 artigos na língua inglesa e 7 na língua portuguesa. FIGURA 2: Produção Acadêmica Relacionada à Neuropsicologia Quanto à categorização por objetivos das pesquisas, foram encontrados artigos que: Categoria 1) comparavam o efeito agudo e crônico do etanol sobre o desenvolvimento do sistema nervoso; Categoria 2) avaliavam a impulsividade em dependentes de álcool;

6 Categoria 3) relação entre danos cerebrais e seus efeitos na cognição e no comportamento do indivíduo. Categoria 4) Verificar a produção de instrumentos utilizados para avaliar associação entre fobia social e alcoolismo; Categoria 5) associação entre fobia social e alcoolismo; Categoria 6) correlação entre expectativas positivas sobre os efeitos do álcool e o padrão de consumo entre adolescentes; Tabela 1: Classificação dos Artigos Encontrados Autores Ano Objetivos Participantes Metodologi a Resultados Aversi- Ferreira & Nascime nto 2008 Comparação entre efeitos agudos e crônicos do etanol sobre o desenvolviment o do sistema nervoso MEDLINE, SciElo, PubMed, LILACS, CAPES periodical, Open Journal System. Revisão de literatura Diversos estudos sobre os efeitos crônicos do etanol sobre o sistema neural de mamíferos, mas poucos estudos foram realizados sobre os efeitos agudos do etanol durante a gestação. Salgado, Malloy- Diniz, Campos, Abrantes, Fuentes, Bechara 2009 Avaliar a impulsividade em pacientes dependentes de álcool 31 pacientes dependentes de álcool a 30 controles saudáveis Quantitativa O grupo pacientes dependentes de álcool cometeu mais erros de comissão na Continuous Performance Task; fez escolhas menos vantajosas no Iowa Gambling Test e mais erros perseverativos no Wisconsin Card Sorting Test. & Correa Cunha & Novaes 2004 Relação entre danos cerebrais e seus efeitos na cognição e no comportamento do indivíduo. Revisão de literatura No uso agudo, o álcool tende a comprometer a atenção, memória, funções executivas e visoespaciais, enquanto no uso crônico altera a memória, aprendizagem, análise e síntese viso-espacial, velocidade psicomotora,

7 funções executivas e tomada de decisões, podendo chegar a transtornos persistentes de memória e demência alcoólica. Paiva; Araújo; Pereira; Ronzani & Lourenç o 2011 Verificar a produção de instrumentos utilizados para avaliar associação entre fobia social e alcoolismo. bases de dados Pubmed, PsycInfo e Web of Science, no período de 2006 a 2009, a partir do cruzamento dos descritores Social Phobia AND Alcohol. Revisão de literatura Evidenciou diferentes tipos de instrumentos e participantes, além de maior produção advinda dos EUA. Algumas investigações ressaltaram também que a fobia social foi precedente ao uso de álcool. Paiva; Araújo; Pereira ; Ronzani & Lourenç o Ronzani; Paiva; Cotta & Bastos 2008 Verificar a associação entre fobia social e alcoolismo Correlação entre expectativas positivas sobre os efeitos do álcool e o padrão de consumo entre adolescentes 56 pacientes Quantitativa Os resultados obtidos não apontaram uma correlação significativa entre o consumo de álcool e o nível de ansiedade 270 adolescentes, com idade média de 15,8, provenientes de três escolas públicas federais. Quantitativa Os resultados indicaram uma correlação positiva entre frequência do consumo de álcool, quantidade de doses e idade com as expectativas globais positivas No que diz respeito à metodologia foram encontrados 3 artigo de revisão de literatura e 3 artigos quantitativos.

8 FIGURA 3: Relação entre categorias de objetivos e metodologia Na psicologia de modo geral, o tema do alcoolismo é tratado há muito tempo, mas na neuropsicologia, como se pode perceber pelo número de artigos publicados e pelo ano das publicações, é recente e requer a disponibilidade dos pesquisadores da área. CONSIDERAÇÕES FINAIS A produção científica a cerca do tema alcoolismo, de modo geral, é grande, tanto em língua portuguesa quanto inglesa. Já a produção na área da neuropsicologia não é tão significativa, e está, em sua maior quantidade em estudos de revisão e avaliações dos comprometimentos cognitivos associados ao uso da substância, demonstrando-se frágil no que diz respeito à reabilitação desses danos. A partir de tais considerações indica-se a necessidade da ampliação dos estudos nessas temáticas, bem como a efetivação de estudos na área de reabilitação neuropsicológica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDREO, J. C.; SILVA, F. B.; SOUSA, S. M. G.; SANTOS, N. B. O Efeito da Dieta Alcoólica sobre o Desenvolvimento da Glândula Submandibular de Rattus Novergicus é Definitivo? Ciência Odontológica Brasileira. abr./jun.; 9 (2):

9 COSTA, D. I. et al. Avaliação neuropsicológica da criança. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 80, n. 2, Apr Available from < script=sci_arttext&pid=s &lng=en&nrm=iso>. access on 16 June COSTA,J. S. D. da; SILVEIRA, M. F; GAZELLA, F. K; OLIVEIRA, S. S; HALLAL, P.C; MENEZES, A. M.B; GIGANTE, D. P; OLINTO, M. T. A; MACEDO, S. Consumo Abusivo de Álcool e fatores associados: estudo de base populacional. Revista de Saúde Pública, v.38, n.2, São Paulo, CUNHA, J. A. org. Psicodiagnóstico. 4ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; CUNHA, P.J; NOVAES, M. A. Avaliação neurocognitiva no abuso e dependência do álcool: implicações para o tratamento. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, Available from < access on 16 June EDWARD, G., MARSHALL, E. J., & COOK, C. C. H. O tratamento do alcoolismo: um guia para profissionais da saúde. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, FACCIO, G. Alcoolismo: um caso de saúde Publica. Uma Revisão Bibliográfica sobre a dependência do álcool no Brasil. Especialização em Saúde Pública. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RG, FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, L. F.; CAMARGO, C. H. P.; COSENZA, R. M. (Orgs.), Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, p , GIGLIOTI, A; BESSA, M. A. Síndrome de Dependência do álcool: critérios diagnósticos. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v.26, 2004.

10 HECKMANN, W.; SILVEIRA, C. M. Dependência do álcool: aspectos clínicos e diagnósticos. In: Andrade AG, Anthony JC, Silveira CM. Álcool e suas consequências: uma abordagem multiconceitual. Barueri (SP): Minha Editora; p HERCULANO-HOUZEL, S. O cérebro em transformação. Rio de Janeiro: Objetiva, KING A L S, NARDI A E E CRUZ M S. Risco de suicídio em paciente alcoolista com depressão. Brasileira de Psiquiatria, 55(1): 70-73, KOLLING, N. M.; SILVA, C. R.; CARVALHO, J. C. N.; CUNHA, S. M.; KRISTENSEN, C. H. Avaliação neuropsicológica em alcoolistas e dependentes de cocaína. Avaliação Psicológica, 2007, 6 (2), PP LURIA A. R. Fundamentos de neuropsicologia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; MADER, M. J. Avaliação neuropsicológica: aspectos históricos e situação atual. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 16, n. 3, Available from < script=sci_arttext&pid=s &lng=en&nrm=iso>. access on 07 June MARQUES, A. C. P. R. O Uso do Álcool e a Evolução do Conceito de Dependência do Álcool e Outras Drogas e Tratamento. In: Revista IMESC: n. 3, pp MORAES, E; CAMPOS, G. M; FIGLIE, N. B; LARANJEIRA, R. R; FERRAZ, M. B. Conceitos introdutórios de economia da saúde e o impacto social do abuso de álcool. Revista brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v.28, n.4, v.1, 2006.

11 NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH. Alcohol alert (NIAA Publication No 63). U.S Department of Health & Human Services. RAMOS, S. P. & WOITOWITZ, A. B. Da cervejinha com os amigos à dependência de álcool: uma síntese do que sabemos sobre esse percurso. Revista Brasileira de Psiquiatria, 26 (supl.1), 18-22, SANTOS, F. H.; ANDRADE, V. M.; BUENO, O. F. A. Envelhecimento: Um Processo Multifatorial. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 14, n. 1, p. 3-10, jan./mar