Mudança no Estilo de Vida para Prevenção e Tratamento do Diabetes mellitus Tipo 2
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- Brenda Covalski Correia
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1 ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW ARTICLE Mudança no Estilo de Vida para Prevenção e Tratamento do Diabetes mellitus Tipo 2 Changes in Lifestyle to Prevent and Treat Type 2 Diabetes mellitus RESUMO O significativo crescimento da prevalência do Diabetes mellitus tipo 2 (DMT2) nas últimas décadas e os elevados custos ligados à doença sugerem a inclusão, entre outras condutas terapêuticas, de uma intervenção educacional com o objetivo de fornecer aos pacientes, mediante metodologia didática apropriada, informações objetivas a respeito da doença e de suas complicações. O propósito deste artigo é relatar alguns dos principais trabalhos de educação nutricional e mudança no estilo de vida publicados nas últimas décadas que mostraram a possibilidade de evitar, ou pelo menos retardar, o surgimento das complicações crônicas, que representam o maior problema do DMT2. Em todas as pesquisas relatadas, ficou demonstrada a eficiência da intervenção educacional, na prevenção tanto do DMT2, agindo em indivíduos de risco, como os portadores de tolerância à glicose diminuída (IGT), quanto de complicações, agindo nos pacientes já diagnosticados como diabéticos. Palavras-chave DIABETES MELLITUS TIPO 2 EDUCAÇÃO NUTRICIONAL ESTILO DE VIDA. KÁTIA CRISTINA DA CRUZ PORTERO Curso de Nutrição Faculdade de Ciências da Saúde (UNIMEP/SP) Faculdade de Nutrição Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCamp/SP) MARINO CATTALINI Curso de Nutrição Faculdade de Ciências da Saúde (UNIMEP/SP) Faculdade de Medicina de Catanduva Fundação Padre Albino (Fameca/SP) *Correspondências: Rua José Ferraz de Carvalho, 650, ap. 32, , Piracicaba/SP kaportero@yahoo.com.br ABSTRACT The significant increase of type 2 Diabetes prevalence during the last decades, as well as the high costs of the disease, suggest the inclusion of an educational intervention among therapeutic procedures to provide the patients objective information about type 2 DM and its complications through a proper methodology. We described here some studies, published in the last decade, that shows that it is feasible to avoid, or at least delay, chronic complications appearance, which are considered the main DM problem. All referred papers showed the educational intervention efficiency in type 2 DM prevention, acting on risk individuals, like IGT patients, as well as in complications prevention, acting on already diabetic patients. Keywords TYPE 2 DIABETES MELLITUS NUTRITIONAL EDUCATION LIFESTYLE. Saúde em Revista 63
2 INTRODUÇÃO A s doenças crônicas não transmissíveis com implicações nutricionais, como o Diabetes mellitus (DM), representam, por sua alta prevalência, sério problema de saúde pública em nosso meio. A progressiva ascensão delas, no Brasil, impõe a necessidade de uma revisão das práticas dos serviços de saúde pública, com a implantação de ações de saúde que incluam estratégias de prevenção e controle dessas doenças. 1 Entre as complicações crônicas decorrentes do mau controle metabólico do DM, destacam-se: retinopatia, nefropatia, neuropatia e cardiopatia, que comprometem a qualidade de vida do indivíduo, oneram o sistema de saúde e resultam em alto custo social. 2, 3 Essa enfermidade representa um considerável encargo econômico ao indivíduo e à sociedade, especialmente quando mal controlada, sendo a maior parte dos custos diretos de seu tratamento relacionada às suas complicações, que diminuem a produtividade, a qualidade de vida e sobrevida dos indivíduos e, muitas vezes, podem ser reduzidas, retardadas ou evitadas. 2, 3 Além dos custos hospitalares, devem-se levar em consideração os aspectos envolvendo custos sociais, como licenças para tratamento, aposentadorias precoces quase sempre resultantes de amputações, acidentes vasculares cerebrais, complicações tardias, cegueira, insuficiência renal, além da perda da renda do indivíduo, se ele tiver sua capacidade de trabalho comprometida por conta do DM, repercutindo negativamente nos planos pessoal e familiar e na qualidade de vida. 4 A prevenção primária protege os indivíduos susceptíveis ao desenvolvimento do DMT2, contribuindo com a redução tanto da necessidade de cuidados com a doença quanto das complicações a ela associadas. Já a prevenção secundária envolve a detecção e a prevenção precoce das complicações relacionadas ao DM. A mudança no estilo de vida (dieta balanceada, aumento na atividade física e controle do peso corpóreo), sustentada por um programa de educação e apoio contínuo (estratégias de baixa complexidade, alta objetividade e baixo custo), visa obter uma redução dos casos de diabetes no futuro próximo. 3 A educação em diabetes cumpre importante papel na prevenção do DM e de suas complicações. Programas de educação em DM enfatizam a importância do autocuidado e orientam as pessoas com diabetes a melhorar seu controle glicêmico. Tais medidas melhoram o controle glicêmico, reduzem as complicações e, portanto, representam benefícios econômicos tanto a curto 3, 5, 6 quanto a longo prazo. Segundo estudo realizado no município de Piracicaba, a educação participativa, facilitando a adoção de mudanças no estilo de vida, pode melhorar o controle metabólico e a qualidade de vida de pessoas com DMT2. 6 O objetivo deste artigo é relatar alguns dos principais trabalhos de educação nutricional e mudança no estilo de vida publicados nas últimas décadas que mostraram a possibilidade de evitar, ou pelo menos retardar, o surgimento do DMT2 e/ou de suas complicações crônicas. Mudança no Estilo de Vida e Prevenção do Diabetes Os portadores de DMT2 são freqüentemente assintomáticos, independentemente da taxa de glicemia, e relatam falta de atividade física, vida sedentária e hábitos alimentares inadequados, evoluindo, dessa forma, para complicações crônicas. Entre os motivos desse comportamento, nas pessoas com DM, são relevantes a falta de sintomas e distúrbios em geral, bem como a dificuldade de receber e aceitar as informações específicas sobre a doença que poderiam prevenir ou pelo menos retardar o surgimento das complicações. 6 As considerações acima assumem importância ainda maior no quadro metabólico da tolerância à glicose diminuída (IGT), comumente subestimado por profissionais da saúde e, conseqüentemente, pelos portadores dessa alteração. Isso posto, se realizar uma educação preventiva com os portadores de DM representa um desafio gigantesco, atuar na informação específica aos pacientes com IGT caracteriza até hoje, em certos meios, uma verdadeira utopia. Levando-se em conta o expressivo custo social da síndrome diabética, tanto em gastos com medicamentos como na terapêutica específica (hemodiálise, laser, internações hospitalares por tratamento de úlceras, amputações de extremidades, problemas cardiovasculares etc.), fica evidente a necessidade de organizar de forma ampla e sistemática atividades de educação e prevenção, desde o estágio de IGT até nos indivíduos com tolerância normal à glicose que apresentem fatores de risco para diabetes SAÚDE REV., Piracicaba, 7(16): 63-69, 2005
3 De acordo com Macedo, 7 para obter resultados positivos no tratamento e controle do DM, em primeiro lugar o portador da enfermidade deve ser conscientizado sobre todos os seus aspectos. Para que isso seja feito, a educação em diabetes exerce um papel fundamental, pois por meio dela o doente se conscientiza que é portador de um quadro grave e incurável, porém compatível com uma boa qualidade de vida, se for mantido um bom controle metabólico. Estudos realizados na Áustria concluíram que um programa estruturado de ensino ao portador de diabetes permite que o paciente assuma um papel ativo no tratamento, reduzindo substancialmente seu peso corporal e a necessidade de medicamentos hipoglicemiantes, melhorando, ao mesmo tempo, o controle metabólico. 8 A importância da educação no manejo de diabetes é conhecida desde a década de 30, mas a partir de 1990 os profissionais de saúde passaram a acreditar nela como forma de controle metabólico mais adequado. 9 No que diz respeito à educação na prevenção do diabetes, o primeiro estudo significativo ocorreu em 1980, na Suécia, evidenciando uma menor evolução do estágio de IGT para diabetes em um grupo de pacientes com orientação dietética e terapia oral, comparado a outro grupo com as mesmas características, mas sem orientação específica. 10 Porém, a partir dos anos 90 iniciaram-se estudos mais aprofundados na prevenção do diabetes em pacientes com IGT mediante educação nutricional e motora (tab. 1). 11, 12, 13, 14, 15 Malmö estudou, por cinco anos, dois grupos de pacientes com IGT, evidenciando no grupo de intervenção (educação nutricional e exercícios físicos) uma redução de 59% dos casos de diabetes em relação ao grupo de controle. Ficou demonstrado de forma clara que a incidência do DMT2 pode ser diminuída por meio de uma intervenção sustentada em modificações do estilo de vida (alimentação e atividade física). 11 Mas apenas em tempos mais recentes o sucesso de uma intervenção preventiva ficou demonstrado em estudos clínicos controlados. O trabalho chinês de Da Qing, realizado em uma extensa população de pacientes, permitindo a detecção de mais de 500 casos de IGT, demonstrou, após seis anos de observação, o sucesso da intervenção com dieta ou com exercícios físicos ou com as duas condutas associadas na prevenção do diabetes nessa população. De fato, os grupos de intervenção apresentaram uma redução do risco de diabetes de 40%, em relação ao grupo de controle (nenhuma conduta educacional). 12 O estudo finlandês de prevenção do diabetes foi o primeiro trabalho controlado na prevenção do DMT2. Os 522 participantes, pacientes com IGT, foram divididos em dois grupos: de intervenção (modificações intensivas do estilo de vida com educação individual) e de controle. Estipularam-se objetivos específicos para o grupo de intervenção (redução ponderal de pelo menos 5%, percentagem de lipídeos na dieta inferior a 30% do total de calorias, ingestão de gordura saturada inferior a 10% da energia consumida, aporte de fibras superior a 15 gramas por mil calorias ingeridas e pelo menos 30 minutos/dia de exercícios físicos). 13 No grupo de intervenção, o risco de DMT2 diminuiu 58% em relação ao grupo de controle e nenhum paciente que atingiu os cinco objetivos citados no parágrafo anterior desenvolveu diabetes. Entre aqueles que não atingiram nenhum dos cinco objetivos, 1/3 tornou-se diabético, comprovando que a redução no risco de desenvolver tal doença está ligada às mudanças no estilo de vida. O Diabetes Prevention Program (DPP), realizado nos EUA, foi um estudo multicêntrico com vista a comparar a eficácia de mudanças no estilo de vida e da utilização de metformina ao uso de placebo, em três grupos de pacientes com IGT, quanto ao desenvolvimento do diabetes. Tabela 1. Estudos de prevenção do diabetes em pacientes com IGT mediante educação nutricional e motora. ESTUDO ACOMPANHAMENTO TIPO DE TRATAMENTO Sartor et al anos Medicamento + dieta Eriksson e Lingarde 11 6 anos Mudança no estilo de vida Pan et al anos Mudança no estilo de vida Tuomilehto et al. 13 3,2 anos Controle do estilo de vida vs. mudança intensa no estilo de vida Knowler et al. 14 2,8 anos Placebo + estilo de vida Metformina + estilo de vida Modificação intensiva no estilo de vida Saúde em Revista 65
4 A intervenção intensiva no estilo de vida reduziu o risco de DMT2 em 58% no grupo de intervenção comparado ao grupo placebo, ao passo que a redução do grupo metformina em relação ao placebo foi de 31%. 14 Esses trabalhos evidenciam, portanto, que o DMT2 pode ser prevenido em pacientes de alto risco, como os portadores de IGT. 13, 14 Dessa forma, parece de grande importância em saúde pública a possibilidade de realizar uma prevenção primária do DMT2, por meio de uma intervenção educacional sobre o estilo de vida, com ênfase no aspecto nutricional e na atividade física. 15 A educação preventiva demonstrou ser mais eficaz até na terapia farmacológica, uma vez que as modificações no estilo de vida influenciam diretamente os fatores causais do DMT2. 14 É oportuno, portanto, iniciar ações amplas e intensivas de prevenção dessa doença pela intervenção educacional nos pacientes de alto risco, que podem ser detectados por meio de um sistema de pontos (Diabetes Prediction Risk Score) elaborado recentemente na Finlândia. 16 Além do mais, uma intervenção sistemática no estilo de vida deve tornar-se rotina nas estruturas de saúde pública, de modo a reduzir o surgimento de casos novos de diabetes já nessa década. EDUCAÇÃO NUTRICIONAL E MODIFICAÇÃO DO ESTILO DE VIDA COMO TRATAMENTO DO DIABETES A educação é um processo que visa capacitar o indivíduo a agir conscientemente diante de situações novas de vida com aproveitamento de experiências anteriores, tendo sempre em vista a integração, a continuidade e o processo no âmbito social, segundo as necessidades de cada um, a fim de serem atendidos integralmente o indivíduo e a coletividade. 17 Tendo isso em vista, a educação em diabetes tem como principal objetivo modificar o comportamento do indivíduo quanto à aceitação, ao conhecimento e ao controle de sua patologia, buscando superar dificuldades em favor de seu bem-estar físico, psíquico e social. Dessa maneira, melhora-se a qualidade de vida da pessoa com diabetes. 18 A educação como instrumento terapêutico em DM é uma prática relativamente recente e que muito irá contribuir para o controle da doença, via conscientização e conhecimento de suas limitações pelo indivíduo com DM. 19, 20 As diversas estratégias para a mudança de comportamento devem corresponder às necessidades pessoais, sociais e psicológicas da pessoa com DM, para que haja progresso e continuidade do tratamento. A orientação nutricional, em nível ambulatorial, é uma dessas estratégias, abrangendo trabalho em equipe com vários profissionais e atendimento integral e harmônico, do qual o próprio paciente com diabetes faça parte. 18 Uma atividade educativa que vise à transformação dos hábitos das pessoas com diabetes deve estimular a participação delas em discussões durante a terapêutica e transmitir conhecimentos básicos de nutrição, de modo lento e contínuo, para a adoção das práticas adequadas. 18, 21 Segundo Oliveira, 22 tal ação pode acontecer de forma individual ou em grupo, por meio de um processo de ensino-aprendizagem participativo, problematizador, reflexivo e dinâmico. Para as pessoas com DM que apresentam dificuldades em aceitar sua condição, são criados grupos de apoio, sobretudo emocional. Ainda que os problemas psicossociais não sejam resolvidos, tal suporte oferecido pelo grupo contribui para que elas sintam-se aceitas, mais motivadas para o tratamento e, conseqüentemente, vivam melhor. 6 A falta de conhecimento sobre o DM e o tratamento, mesmo por muitos profissionais da saúde, associada ao preconceito com que muitos encaram o problema, pode ser um fator que leva o indivíduo a rejeitar sua doença. Essa situação desencadeia mecanismos que culminam com comportamentos de rejeição e atitudes negativas, demonstrados de maneira verbal pelas pessoas com DM. O único modo de romper a cadeia formada pelo medo acerca da doença, pelo preconceito e pelo comportamento inadequado é a educação em saúde, a fim de provocar mudanças nos hábitos das pessoas com DM, tornandoas conscientes do perigo das complicações dela. Assim, é preciso prevenir as complicações agudas e crônicas por meio de pesquisa, tecnologia e programas educativos centrados em informações que favoreçam as transformações de comportamento. 22 Alguns estudos com enfoque em educação nutricional e caracterização do perfil glicêmico e dietético, realizados com pessoas com DMT2 em tratamento ambulatorial e/ou hospitalar, podem ser verificados na tabela 2. O levantamento de representações sociais de mulheres com DMT2 sobre a doença e seu tratamento, em um programa de educação nutricional 66 SAÚDE REV., Piracicaba, 7(16): 63-69, 2005
5 Tabela 2. Estudos com enfoque em educação nutricional e caracterização do perfil glicêmico e dietético de pessoas com Diabetes mellitus tipo 2 em tratamento ambulatorial ou hospitalar. ESTUDO POPULAÇÃO OBJETIVO DO ESTUDO Santos et al. 19 Pessoas com DMT2 atenção terciária *** Identificação do nível de conhecimento acerca da doença e admissão hospitalar Juárez 20 Pessoas com DMT2 atenção terciária Levantamento de idéias populares acerca do DM e seu tratamento Motta 23 Pessoas com DMT2 atenção secundária ** Educação nutricional participativa Piccolomini 25 Pessoas com DMT2 atenção primária * Caracterização do perfil glicêmico e dietético Boog et al. 26 Pessoas com DMT2 atenção terciária Programa educativo para DM em módulo único Cattalini et al. 29 Pessoas com DMT2 atenção terciária Intervenção nutricional participativa * Unidades básicas de saúde; ** centro de especialidades; *** hospitais. participante, identificou fatores que favoreciam e que dificultavam a adoção de comportamentos adequados. Entre os primeiros, destacaram-se o desejo de melhorar e alguns conhecimentos prévios sobre os determinantes da doença e a prevenção de complicações. Já com relação aos segundos, estavam a ausência de orientação sobre determinantes da doença, prevenção de complicações e alimentação adequada, além de informações médicas inadequadas, restritas e opressivas, baixa auto-estima, tendência ao isolamento social e renúncia ao prazer. 23 Com o Diabetes Control Complications Trial (DCCT), de 1993, pesquisadores passaram a afirmar a necessidade de uma equipe multiprofissional no desenvolvimento de ações de educação em DM. Nesse grupo educativo, o educador é um membro chave que poderá proporcionar o cuidado, a educação e o apoio vital para que o indivíduo alcance seus objetivos com sucesso, 22, 24 juntamente com a equipe. Piccolomini, 25 ao caracterizar pacientes com DM matriculados em duas unidades básicas de saúde (UBS) do município de Piracicaba, identificou mau controle glicêmico e dietas com inadequação na distribuição percentual de macronutrientes (carboidratos, lipídeos e proteínas), tanto entre freqüentadores da UBS como entre os que não a freqüentavam. Isso levou o pesquisador a sugerir a realização de programas de educação em saúde e a capacitação dos profissionais com vistas a uma atualização nas condutas e melhoria da qualidade dos serviços prestados. Outro pesquisador, ao considerar algumas idéias populares sobre o DM e seu tratamento de pessoas hospitalizadas, verificou que, para 85% dos pacientes, o tratamento médico por si só não estava sendo suficiente. 20 Portanto, observase a necessidade de sensibilizar os profissionais de saúde do nível de atenção primária para a promoção e continuidade de programas de educação em DM. Um relato da experiência de um programa educativo para diabéticos em módulo único relacionou, por meio de entrevista de avaliação, seis aspectos significativos aos participantes: aceitação da doença e adesão ao tratamento, oportunidade para compartilhar sentimentos, receptividade à informação, mudança de práticas associadas ao exercício e à alimentação e relacionamento com a equipe. 26 De acordo com Motta e Cavalcanti, 27 programas de atenção à pessoa com DM devem incorporar ações que ofereçam apoio psicossocial e promovam mudanças no estilo de vida, em paralelo à adequada utilização dos recursos terapêuticos. Alguns exemplos de ações recomendadas como apoio psicossocial são as orientações positivas, prazerosas e não restritivas, a atitude empática no ouvir efetivamente a pessoa com DM, as informações para o manejo do estresse, o incentivo ao autocontrole, com reconhecimento dos resultados positivos, o acolhimento do indivíduo e a manutenção de seu vínculo com a equipe de saúde. Um programa de educação em DM precisa oferecer orientação mediante ações associadas a estratégias de apoio emocional, oportunidades para interação social, valorização pessoal, resgate do prazer sensorial da alimentação, manejo do estresse e estímulo para a reconquista do apoio familiar. Além disso, mais do que apenas ouvir as orientações dos profissionais de saúde, as pessoas com DM necessitam que se lhes ofereça a oportunidade de expressar seus sentimentos, organizar seus pensamentos e refletir sobre sua realidade e seus problemas, reunindo recursos para alterar a situação limitadora, isto é, Saúde em Revista 67
6 transformar-se de beneficiárias passivas em agentes do seu próprio cuidado. 23 Santos e Baracho 19 constataram que 70% dos pacientes com nível de conhecimento ótimo acerca da doença apresentavam controle glicêmico regular e ótimo, além de um baixo índice de admissão hospitalar (30%) por complicações agudas e crônicas. Tal verificação condiz com a literatura, que afirma a eficácia dos programas educativos de diabetes na melhora do controle metabólico. Outros autores afirmam que não só as pessoas com DM, mas também seus familiares, os profissionais de saúde e a sociedade como um todo devem ser sujeitos de ação transformadora, visando promover o autocuidado, o autocontrole e a automonitorização. Dessa forma, estarão contribuindo para a prevenção de complicações, um melhor controle da patologia e, conseqüentemente, melhor qualidade de vida dessa clientela. 27, 28 Por sua vez, nosso estudo clínico mais recente, 29 realizado com 20 pacientes ambulatoriais portadores de DMT2, evidenciou como uma intervenção educacional participativa melhora o controle metabólico dos diabéticos. Após seis meses de intervenção com equipe multidisciplinar e participação ativa dos pacientes no processo de ensino-aprendizagem, houve uma melhora estatisticamente significativa dos marcadores metabólicos estudados (glicemia jejum e pósprandial, hemoglobina glicada, colesterol, triglicérides e glicosúria) e dos parâmetros físicos alterados (pressão arterial, peso corporal e IMC), inclusive com diferenças expressivas quanto aos resultados de um grupo controle. A evolução do controle metabólico aconteceu independentemente do nível socioeconômico e cultural dos pacientes, que revelaram também uma significativa melhora dos conhecimentos a respeito da síndrome diabética (avaliada por questionário específico). Apesar do número limitado de pacientes, este estudo sugere que é possível melhorar o controle metabólico de uma população de portadores de DMT2 por meio de uma intervenção educacional participativa, sendo um dos motivos do sucesso o maior conhecimento dos pacientes sobre a doença e suas complicações. 29 A educação é, sem dúvida, a estratégia básica para reduzir a morbimortalidade do DM, permitindo uma integração do paciente na sociedade. É importante a criação de grupos educativos estruturados, com a participação de instituições de saúde e entidades associativas, que visem conscientizar a pessoa com DM de sua condição e limitações, levando-a a participar ativamente no controle de sua doença, concretizando, assim, a verdadeira educação em saúde. 19 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar do significativo aumento da prevalência do DMT2 e da precocidade do diagnóstico na última década, a intervenção preventiva revelase ainda limitada, tanto em nível primário como no secundário. Por constituir-se em um dos maiores problemas de saúde pública mundial, o DMT2 deveria merecer atenção especial por parte das entidades governamentais envolvidas com a saúde. Em nosso país, especificamente, são poucos e restritos os programas de educação de grande abrangência populacional. Conforme relatado na literatura mundial, a orientação aos diabéticos e às pessoas de risco deve envolver a participação de uma equipe multidisciplinar. Além disso, a intervenção educativa deve contar com o envolvimento dos próprios pacientes e de suas famílias. Os programas educativos devem se apoiar nos seguintes princípios: 1. a educação em saúde precisa permitir que as pessoas aprendam a se proteger e a promover a saúde em suas vidas; 2. a prevenção é o melhor caminho para evitar as complicações crônicas e minimizar as suas conseqüências; 3. o investimento em programas que possibilitem a melhora do estado geral do paciente ou retardem a progressão da doença representa um grande passo social e individual a médio e longo prazo, com significativa economia das verbas alocadas à saúde. Nesse sentido, torna-se evidente que as entidades governamentais responsáveis pela saúde pública deveriam programar a curto prazo intervenções planejadas, amplas e prolongadas na população diabética, de modo a obter uma prevenção adequada das complicações crônicas, bem como nas pessoas de risco, visando prevenir o surgimento da doença. 68 SAÚDE REV., Piracicaba, 7(16): 63-69, 2005
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Portero KCC, Motta DG, Campino ACC. Abordagem Econômica e Fluxograma do Atendimento a Pessoas com Diabetes mellitus Tipo 2 na Rede Pública de Saúde de um Município Paulista. Saúde em Revista 2003; 5(11): Gross JL, Ferreira SRG, Franco LJ, Schmidt MI, Motta DG, Quintão E, et al. Diagnóstico e Classificação do Diabetes Melito e Tratamento do Diabetes mellitus Tipo 2. Recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes. Arq Bras Endocrinol Metab 2000; 44 (4) Suppl 1: [IDF] International Diabetes Federation. Diabetes Health Economics: facts, figures and forecasts. Brussels (Belgiun); Lessa I, Pousada JMDC. Qualidade da Assistência Médica ao Diabético. Arq. Bras. Med. 1988; 62 (6): Simmons D, Peng A, Cecil A, Gatland B. The Personal Cost of Diabetes: a significant barrier to care in South Auckland. NZ Med J 1999; 112: Motta DG. A Educação Participante no Controle Metabólico e Qualidade de Vida de Mulheres com Diabetes mellitus Tipo 2 [Tese de Doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; Macedo G. Tratamento do Diabetes mellitus. In: Lima JG. Aulas em Endocrinologia, São Paulo: Atheneu; 2001, Pieber TR. Avaliação de um Programa Estrutural de Ensino e Tratamento para Diabetes mellitus Tipo 2 em Clínica Geral numa Área Rural da Áustria. Diabetic Medicine 1995;12: Grossi SAA, Secoli SR. Terapia Farmacológica Oral em Pacientes com Diabetes mellitus Tipo 2: fundamentos para enfermagem. Diabetes Clínica 2003; 7,3: Sartor G, Schersten B, Carlstrom S, Melander A, Norden A, Persson G. Ten-year Follow Up of Subjects with Impaired Glucose Tolerance: prevention of diabetes by tolbutamide and diet regulation. Diabetes 1980; 29: Eriksson MF, Lingarde F. Prevention of Type 2 Diabetes mellitus by Diet and Physical Exercise. The 6-years Malmö feasibility study. Diabetologia 1991; 34: Pan XR, Li GW, Hu YH, Wang JX, Yang WY, Am ZX. Effects of Diet and Exercise in Preventing NIDDM in People with Impaired Glucose Tolerance. The Da Qing IGT and Diabetes Study. Diabetes Care 1997; 20: Tuomilehto J, Lindstrom J, Eriksson J, Valle T, Hamalainen H, Ilanne Parikka P. Prevention of Type 2 Diabetes mellitus by Changing in Lifestyle Among Subjects with Impaired Glucose Tolerance. N Eng J Med 2001; 344: Knowler WG, Barrett-Connor E, Fowler SE, Hamman RE, Lachin JM, Walker EA and the DPPRG. Reduction in the Incidence of Type 2 Diabetes mellitus with Lifestyle Intervention or Metformin. N Eng J Med 2002; 346: Tuomilehto J, Lindstrom J. Clinical Trials Confirm that Type 2 Diabetes mellitus is Preventable. Diabetes Voice 2003; 48: Lindstrom J, Tuomilehto J. The Diabetes Risk Score: a practical tool to predict type 2 Diabetes mellitus risk. Diabetes Care 2003; 26: Gouveia ELC. Nutrição, Saúde e Comunidade. Rio de Janeiro: Revinter; Viggiano CE. Participação do Nutricionista na Equipe Multidisciplinar de Saúde. In: Ministério da Saúde. Educação em Diabetes. Brasília: Divisão Nacional de Doenças Crônico-Degenerativas (SNPES/MS); Santos MGN, Baracho MFP. Educação em Diabetes: uma experiência no hospital do CRUTAC (UFRN, Sto. Antonio/RN). RBAC 1995; 27 (2): Juárez ENA. Ideas Populares Acerca de Diabetes y su Tratamiento. Rev. Med. IMSS 1998; 36(5): Motta DG. Atuação do Nutricionista em Consultório Dietético Particular: uma abordagem educativa. Revista de Nutrição 1988; 1 (1): Oliveira O. O Impacto do Processo de Educação em Saúde no Controle do Diabetes em Adolescentes [Tese de doutorado]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina; Motta DG. Subsídios para Educação em Diabetes: representações de mulheres sobre sua doença e tratamento. Saúde em Revista 2001; 2 (4): [DCCT] Diabetes Control and Complications Trial Research Group: the effect of intensive treatment of diabetes on the development and progression of long-term complications in insulin-dependent Diabetes mellitus. New Engl. J. Med. 1993; 339: Piccolomini AF. Caracterização de Indivíduos com Diabetes mellitus Matriculados em Duas Unidades Básicas de Saúde de Piracicaba/SP [Dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; Boog MCF, Trevisane RCG, Albertin RC. Relato de Experiência: programa educativo para diabéticos em módulo único. Saúde em Revista 1999; 1 (2): Motta DG, Cavalcanti MLF. Diabetes mellitus Tipo 2, Dieta e Qualidade de Vida. Saúde em Revista 1999; 1 (2): Moreira EAM, Batista SMM, Wazlawik E, Nezella E, Galego SR. Experiência de um Programa de Educação Nutricional Continuada a Pacientes Diabéticos Atendidos no Hospital Universitário (UFSC). Rev. Ciênc. Saúde 1995; 14 (1/2): Cattalini M, Stuk ML, Roberto RL, Goto SCS, Urbano LA, Teso A. Efeitos da Intervenção Educacional Participativa no Controle Metabólico de Pacientes Ambulatoriais Portadores de Diabetes mellitus Tipo 2. Diabetes Clínica 2004; 8: in press. Submetido: 30/set./2004 Aprovado: 27/abr./2005 Saúde em Revista 69
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