O Judiciário segundo os brasileiros *

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1 O Judiciário segundo os brasileiros * Joaquim Falcão Se percorrermos a história recente do Conselho Nacional de Justiça, não será difícil perceber que cada presidência tem sua agenda de prioridades. Estas prioridades são distintas, mas, juntas, convergem e moldam a própria razão de ser do CNJ: a reforma do Judiciário. Na verdade, só a reforma da Justiça legitima o CNJ. Nelson Jobim deu vida à Emenda n. 45/2004. Recebeu agenda pronta da sociedade: nepotismo, teto salarial, corrupção e lentidão. Acabou com o nepotismo e estabeleceu o limite do teto salarial. Ocupou-se, também, da instalação do CNJ, iniciou o Justiça em Números e um complexo processo de legitimação institucional, diante de públicos, muita vez, conflitantes: os desembargadores, os juízes de primeira instância, a opinião pública, a mídia, os políticos, os profissionais jurídicos e o próprio Supremo Tribunal Federal. Helen Gracie enfatizou a informatização, os autos virtuais, fortaleceu a criação do sistema de estatísticas judiciais e a mobilização em favor da conciliação para agilizar e equacionar conflitos. Na Presidência de Gilmar Mendes, vários bancos de dados de caráter nacional foram criados para reunir as informações necessárias para proporcionar uma melhor atuação jurisdicional dos juízes. O Ministro Gilson Dipp deu início a correições locais com audiências públicas, aproximando ainda mais sociedade e CNJ. O plenário criou a Ouvidoria Nacional e elegeu o Procurador José Adonis seu primeiro ouvidor. Foram também reunidos todos os 97 tribunais do país, iniciando nova fase da reforma: a modernização administrativa através do planejamento estratégico obrigatório. Alguns tribunais já implementavam o planejamento estratégico como instrumento de gestão. Mas é a primeira vez que isso ocorre em nível nacional. Pela resolução n. 70 do CNJ, a missão do Poder Judiciário é realizar a justiça. O que é uma obviedade. Mas a visão de futuro definida não o é. É avanço institucional. Ela determina que o Judiciário deve ser reconhecido pela sociedade como instrumento efetivo de justiça, equidade e de promoção da paz social. Sublinhe-se a palavra * Colaboraram neste artigo Marcela Montenegro, do Ipespe, e os pesquisadores Marcelo Lennertz e Isabelle Lessa da FGV DIREITO RIO.

2 reconhecido. Agora a legitimidade do Poder Judiciário está estreitamente vinculada ao seu desempenho operacional, à sua eficiência administrativa. A vinculação da legitimidade institucional ao desempenho operacional é senso comum entre os cientistas políticos, administradores e sociólogos do Direito. Não o era entre os magistrados. Agora o é. Com base nessa visão, tem-se que, além de Poder da República, o Judiciário deve ser entendido, também, como um prestador de serviços públicos. Tanto quanto segurança pública, defesa nacional, relações internacionais etc. Serviço essencial. Ao juiz-autoridade há que se somar a importância crescente do juiz-servidor. A pesquisa que a seguir expomos não tem como foco a relação de harmonia ou competição entre os três Poderes, nem as atuais questões sobre o ativismo do Supremo, embora, no final, esta relação venha a ser tratada, sugerindo-se uma nova perspectiva a partir dos dados desta pesquisa. O foco empírico são as relações entre Judiciário e sociedade. E por motivo simples. Se a tarefa é implantar um planejamento estratégico onde o Judiciário seja reconhecido como instrumento efetivo de paz social aspecto, aliás, sempre destacado por Niklas Luhmann, é necessário saber o que o brasileiro pensa atualmente do Judiciário. Como estão, hoje, essas relações? Qual a opinião da população? Os dados agora disponíveis são inputs indispensáveis à formulação de qualquer planejamento. Mais ainda: são indispensáveis para a sintonia operacional entre opinião pública e Judiciário. Trata-se de sondagem de opinião de âmbito nacional, realizada pela FGV DIREITO RIO e pelo Ipespe. 1 Os resultados são analisados e interpretados a seguir. 2 Tudo indica que as relações entre os brasileiros e o Judiciário muito mudaram nos últimos cinco anos. Se esta é mudança decisiva, um turning point, ou apenas oscilação de tendência, o futuro dirá. De qualquer maneira, estamos diante de um cenário muito positivo para avançar com a reforma da Justiça. Oportunidade preciosa. 1 Pesquisa de opinião pública organizada pelo Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO RIO) e pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), realizada no período de 9 a 11 de fevereiro de Amostra nacional extraída aleatoriamente com entrevistas, representativa da população adulta brasileira com acesso à rede telefônica (nos domicílios e/ou nos locais de trabalho) de todas as regiões do país. Destes, 200 entrevistados têm ou tiveram processo na Justiça nos últimos 12 meses. Foram definidas quotas de localidade, sexo e idade a partir do que foi aleatória a seleção dos entrevistados. A margem de erro é de 2,9%. As variáveis utilizadas foram: sexo, idade, instrução, renda, região e uso da Justiça. 2 Ver também as versões resumidas e anteriores desta análise: FALCÃO, Joaquim. Menos Poder e Mais Serviço. In: Folha de S. Paulo, edição de 5 de abril de 2009; e. O Brasileiro e o Judiciário. In: Conjuntura Econômica, vol. 63, n. 4, abril de 2009.

3 A confiança no Poder Judiciário Os Quadros 1 Confiança nas instituições e 2 Confiança nos profissionais 3 demonstram que a população tem mais confiança nos juízes do que no Poder Judiciário. Como instituição, o Judiciário está em 9º lugar, 4 enquanto o juiz é o 5º profissional em que a população mais confia. Quadro 1: Confiança nas instituições (%) Instituição Confia Não confia NS/NR Saldo 1. Forças armadas (+70) 2. Escola (+68) 3. Polícia federal (+50) 4. Igreja Católica (+37) 5. Ministério Público (+34) 6. Imprensa (+25) 7. Sindicato de trabalhadores (+25) 8. Governo Federal (+24) 9. Poder Judiciário, ou seja, Justiça (+18) 10. Igreja Evangélica (+12) 11. Governo do Estado (+11) 12. Prefeitura (+4) 13. Assembléia Legislativa (-21) 14. Senado (-33) 15. Câmara dos Vereadores (-40) 16. Câmara dos Deputados (-44) 17. Partidos Políticos (-59) Quadro 2: Confiança nos profissionais (%) Profissionais Confia Não confia NS/NR Saldo 1. Professores (+82) 2. Policiais Federais (+49) 3. Promotores de Justiça (+49) 4. Presidente da República (+45) 5. Juízes (+42) 3 Os percentuais nesses quadros foram arredondados e, por isso, em alguns casos, a soma pode não ser exatamente 100%. 4 Vale ressaltar que, segundo pesquisas do IBOPE Opinião sobre a confiança nas Instituições, de 1999 até 2005, a confiança da população no Poder Judiciário cresceu progressivamente de 37% para 54% dos entrevistados.

4 6. Jornalistas (+40) 7. Militares (+40) 8. Prefeito de sua cidade (+21) 9. Padres (+19) 10. Governador de seu Estado (+17) 11. Empresários (+14) 12. Advogados (+9) 13. Sindicalistas (+1) 14. Pastores Evangélicos (-12) 15. Senadores (-34) 16. Deputados Estaduais (-34) 17. Deputados Federais (-35) 18. Vereadores (-38) 19. Políticos em geral (-63) A proeminência dos professores é tradicional, presente em todas as pesquisas de opinião. Já as do Ministério Público e dos promotores de justiça vêm desde a Constituição de l988. De defensor do Estado no regime autoritário, o MP passou a ser a voz da sociedade na democracia. A confiança é fruto desta mudança constitucional. As Forças Armadas, também, nos últimos vinte anos, pelo menos, contam com a confiança da população brasileira. 5 O fato novo é a elevada confiança na Polícia Federal e nos policiais federais. Deve-se, em grande parte, às operações de combate a múltiplos tipos de fraudes realizadas desde a gestão de Márcio Thomas Bastos e à intensa visibilidade midiática das operações. O Supremo tem entendido que, muita vez, esta intensa visibilidade fere direitos e garantias individuais, como nos casos das algemas. 6 Também para proteger a privacidade, foi objeto de normativização pelo CNJ o uso, pelos magistrados, dos nomes-fantasia das operações da PF. Se a visibilidade diminuir, a confiança tenderá a seguir o mesmo caminho. A confiança no Presidente da República destoa da desconfiança generalizada nos políticos apenas 14% confiam, enquanto 77% não confiam e reflete a associação do cargo com seu ocupante: o Presidente Lula, de prestígio individual confirmado em todas as pesquisas. 5 Ver a respeito: IBOPE Opinião Pesquisa sobre Confiança nas Instituições, 1999 a Ver a respeito: STF, Súmula Vinculante n. 11, 2008: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

5 O importante, porém, é ressaltar esta dualidade mais confiança nos juízes do que na instituição que estará clara ao analisarmos os demais dados da pesquisa. Nem mesmo a variável uso da justiça pelo entrevistado nos últimos anos, como autor ou réu muda esta dualidade. A pesquisa mostra que 80% dos brasileiros acreditam que vale a pena procurar a Justiça. Mostra também que um em cada cinco brasileiros, no período de fevereiro de 2008 a fevereiro de 2009, usou os serviços da Justiça como autor ou réu. Ou seja, independentemente da crítica ao desempenho da instituição, que é muito precisa e de todos os grupos da amostra, o brasileiro tem a justiça como gênero de primeira necessidade, matéria prima indispensável ao cimento social. Neste sentido, procurar o Judiciário é originalmente menos uma opção do que uma condição para a vida social pacífica. Justiça é, cada vez mais, amálgama da coesão social. No entanto, parece claro que o brasileiro entende que existem outros meios, provavelmente até mais eficazes do que o Poder Judiciário, para garantir seus direitos. O modelo de judicialização dos conflitos, até a década de noventa, assentava-se no monopólio do Judiciário como único órgão legítimo para resolver os conflitos sociais. 7 Este monopólio não mais se sustenta enquanto tal, pois o quotidiano do Judiciário é moldado pelo desequilíbrio estrutural entre o excesso de demandas e a oferta de sentenças. Na verdade, o modelo de judicialização se confundiu com o modelo de adjudicação. Dependeu menos do monopólio do Judiciário como instituição e mais do monopólio do Judiciário como adjudicação. Aqui, talvez, resida a grande mudança. Nos últimos anos, pouco a pouco mas consistentemente o Judiciário tem trazido para si a tarefa de conciliar e mediar. 8 Com esta mudança estratégica o Judiciário se abre como sistema, aumenta sua complexidade operacional, se amplia e se sintoniza com a sociedade. A conciliação em suas diversas formas mediação, arbitragem, negociação, por exemplo é, cada dia mais, o ideal de resolução de conflitos da sociedade. Daí, inclusive, o crescente sucesso do programa Conciliar é Legal, do CNJ, que no último ano obteve conciliações (44,3% do total de audiências realizadas). Interessante 7 Ver a respeito: FALCÃO, Joaquim. O Monopólio da Justiça, In: O Globo, edição de 26 de junho de 1993, Justiça; e FALCÃO, Joaquim (Org.). Invasões Urbanas: conflito de direito de propriedade. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, Ver a respeito as práticas de conciliação premiadas no I Prêmio Innovare: A Reforma Silenciosa da Justiça. Organização: Centro de Justiça e Sociedade da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas. Rio de Janeiro, 2005.

6 notar, ainda no Quadro 3, que, quanto menor a renda mais a população prefere procurar a Igreja quando sente que seus direitos foram desrespeitados (12%). Observe-se, também, a pouca preferência do brasileiro pelos caminhos tradicionais, formais e legais, como procuro um advogado ou procuro por conta própria o Poder Judiciário, a Justiça. Quadro 3: Atitude em situações nas quais sente que seus direitos foram desrespeitados (%) TOTAL Até 2 SM RENDA FAMILIAR De 2-5 SM Mais de 5 SM 1. Procuro por conta própria uma solução amigável, com conciliação Procuro um advogado Procuro por conta própria o Poder Judiciário, a Justiça Procuro a Igreja Procuro a delegacia Deixo pra lá Procuro a Defensoria Pública Procuro autoridades na minha comunidade 9. Procuro resolver diretamente, se preciso, usando a força Outro (espontânea) Nenhum destes (espontânea) Não sabe / Não respondeu A dualidade juiz/poder Judiciário começa a ser explicada quando analisamos o Quadro 4 Opinião em relação a características e aspectos do Poder Judiciário. As perguntas foram divididas em pares de características contrárias. As respostas demonstram que a Justiça é vista como lenta por 88% dos entrevistados e que somente 8% consideram a agilidade uma de suas características. Os custos da Justiça são caros para 78% dos entrevistados, enquanto 12% acham que seus custos não são caros. Além disso, 69% acreditam que o Judiciário beneficia alguns setores da sociedade, contra apenas 22% que entendem que sua atuação é neutra; e 63% acham que o Judiciário se deixa influenciar pela mídia, empresários ou políticos, ao passo que 28% o consideram independente. Já em relação à honestidade, um empate técnico: 39% acham que o Judiciário é honesto, enquanto 37% o consideram corrupto. Ou seja, embora o brasileiro

7 tenha necessidade de Justiça e confie nos juízes, ele ainda é bastante crítico em relação ao desempenho operacional da instituição. Quadro 4: Opinião em relação a características e aspectos do Judiciário (%) Poder Características Total (%) Ágil 8 Lento 88 NS/NR 4 Honesto Corrupto NS/NR Independente Se deixa influenciar pela mídia, empresários ou políticos NS/NR Age com Neutralidade Beneficia alguns setores NS/NR Seus custos são caros Seus custos não são caros NS/NR No entanto, aqueles que procuraram o Judiciário nos últimos 5 anos estão muito satisfeitos ou satisfeitos com o atendimento recebido e resultados obtidos. É o que nos indica o Quadro 5 Satisfação em relação ao atendimento recebido e resultados obtidos na Justiça. Este é o turning point a que nos referimos no começo. Se esta satisfação é verdadeira, tudo leva a crer que existe uma dissintonia entre a ênfase crítica da mídia em relação ao desempenho do Judiciário e a opinião dos brasileiros, muito mais positiva. Os efeitos dessa imagem negativa divulgada pela mídia parecem se confirmar quando percebemos que, entre aqueles que não utilizaram os serviços da Justiça, a questão das irregularidades/corrupção é mais mencionada (40%) como ponto negativo do Judiciário do que entre os que utilizaram (32%). O mesmo acontece quanto à opinião sobre os custos da Justiça entre os que não utilizaram os serviços da Justiça, 17% consideram altos os seus custos, enquanto entre os que utilizaram esse número é de apenas 10% - e quanto à avaliação geral do Poder Judiciário entre aqueles que utilizaram os serviços da Justiça nos últimos 5 anos, a avaliação é boa ou ótima para 45%, percentual que cai para apenas 36% entre os que não os utilizaram.

8 Quadro 5: Satisfação em relação ao atendimento recebido e resultados obtidos na Justiça Satisfação em relação ao: Atendimento recebido (%) Resultado obtido(%) Muito satisfeito 7 7 Satisfeito Insatisfeito Muito insatisfeito NS/NR 6 8 Existe explicação plausível para este nível de satisfação do brasileiro em relação ao Judiciário. A Reforma Fiscal até hoje não foi realizada. Nem a Reforma Política. Nem a Reforma Previdenciária. Nem mesmo uma eventual modernização da legislação de trabalho. A única reforma que se iniciou e está em curso é a Reforma do Poder Judiciário. O seu marco inicial é, sem dúvida, a Emenda Constitucional n. 45 de 2004, que criou não somente o Conselho Nacional de Justiça, como também as Escolas Nacionais da Magistratura, os institutos da Súmula Vinculante e da Repercussão Geral, e, ainda, ampliou a competência da Justiça do Trabalho. Esta Reforma continuou em 2005, com o Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano, que em menos de 3 anos aprovou 13 projetos de lei, dos 28 que os três Poderes em conjunto submeteram à apreciação dos parlamentares. Esta interpretação tem seu fundamento empírico na opinião expressa no Quadro 6 Avaliação da evolução da Justiça nos últimos 5 anos. Ou seja, 44% dos brasileiros acreditam que o Poder Judiciário melhorou nos últimos cinco anos. Quadro 6: Avaliação da evolução da Justiça nos últimos 5 anos 9 Nos últimos 5 anos, a Justiça está: (%) Melhor 44 Igual 33 Pior 19 NS/NR 3 Neste contexto positivo, os brasileiros estão percebendo a existência de maior acesso à Justiça e que está havendo um maior controle das irregularidades e corrupção, 9 Os percentuais nesse quadro foram arredondados e, por isso, em alguns casos, a soma pode não ser exatamente 100%.

9 conforme indica o quadro 7, Pontos positivos do Poder Judiciário. A visibilidade midiática, a expansão dos Juizados Especiais e a atuação moralizadora do CNJ no combate ao nepotismo, limitação de vencimentos e inspeções correcionais nos estados, com certeza, contribuem para esta opinião. Neste ponto, ao contrário do que acreditavam vários segmentos e lideranças da magistratura, a divulgação pela mídia de eventuais irregularidades e da corrupção de magistrados não tem como conseqüência o desprestígio do Poder Judiciário diante da população. Ao contrário, o brasileiro percebe que algo está sendo feito. Algo está mudando. E isto é positivo. Melhora a imagem do Judiciário. Em outras palavras, a transparência compensa. Ela fortalece, e não enfraquece as instituições. Quadro 7: Pontos positivos do Poder Judiciário 10 Quais são os pontos positivos do Poder Judiciário? Total das menções 1. Acesso à população de baixa renda Combate às irregularidades / corrupção As boas condições de trabalho dos juízes A agilidade Age com neutralidade com todos os setores da 13 sociedade 6. O baixo custo dos serviços 9 7. A preocupação com a situação dos presos 8 8. Não sofre influências da mídia, empresários ou 7 políticos 9. Nenhum destes Não sabe / Não respondeu 50 Obs: A soma é maior do que 100% porque cada entrevistado poderia apresentar mais de uma resposta A ampliação do acesso está em sintonia com o fato de que as Justiças melhores avaliadas são aquelas mais diretamente vinculadas aos interesses da maioria da população brasileira: a Justiça do trabalho e os juizados especiais, já denominadas Justiças do povo, para onde correm, seguramente, trabalhadores e consumidores. Sobre esse ponto, interessante destacar, também, outra correlação evidenciada na pesquisa, que aponta para a influência da avaliação positiva do desempenho da Justiça do Trabalho e dos Juizados Especiais sobre os itens confiança no Poder Judiciário e confiança nos Juízes. A confiança cresce à medida que cai a faixa de renda. Ou seja,

10 ela é maior entre os de menor renda, os clientes, por excelência, da Justiça do Trabalho e dos Juizados Especiais. Outro dado que também aponta para essa correlação é que a falta de agilidade é mais mencionada nos estratos de instrução e renda mais elevados. Na verdade, quanto mais socialmente acessíveis os serviços judiciais, mais se verifica sua boa avaliação. Aliás, é por isto que a Justiça Eleitoral, universalizada no Brasil, é, também, bem avaliada. Quadro 8: Instituição do Poder Judiciário que tem a melhor atuação Instituição do Judiciário com melhor atuação (%) Justiça do Trabalho 41 Juizados Especiais 23 Justiça Federal 22 Justiça Eleitoral 18 Justiça Militar 11 Justiça Estadual 9 Tribunais Superiores 20 NS/NR 56 A crítica nuclear A dualidade confiança nos juízes e crítica à instituição é mais bem entendida quando constatamos a firme opinião dos brasileiros de que o Judiciário é, sobretudo, lento. A lentidão e a necessidade de medidas que promovam a agilidade é, de longe, a característica negativa maior do desempenho do Judiciário. É seu problema maior. Acresçam-se, ainda, os custos e a insuficiente crença na imparcialidade da Justiça, vista como bastante suscetível de influências exógenas. O brasileiro não acredita que seja prioridade aumentar o número de juízes ou melhorar salários e condições de trabalho para os magistrados. O que, aliás, corrobora opinião dos próprios juízes do Tribunal de Estado de Minas Gerais, conforme pesquisa realizada também pela FGV DIREITO RIO. 11 Em contrapartida, é quase unânime a opinião contrária dos brasileiros às atuais férias de 60 dias para os juízes. Aliás, não são 10 Estimulada. 11 Pesquisa realizada pelo Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV DIREITO RIO nos meses de outubro e novembro de 2008 com os juízes do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Relatório Final, p. 24.

11 60, e sim 75 dias, pois existem 15 dias de recesso no final do ano. É o que demonstra o Quadro 9 Opinião sobre férias de 60 dias para juízes. Quadro 9: Opinião sobre férias de 60 dias para juízes Você é a favor ou contra as férias de 60 dias por ano dos juízes? (%) A favor 17 Contra 81 NS/NR 2 Existiam também férias de sessenta dias em Portugal, que, desde agosto de 2007, foram reduzidas para trinta dias. O resultado foi matemático: aumento de cerca de 9% na produtividade da magistratura portuguesa. Esta questão já está sendo enfrentada no Congresso Nacional, através de Projeto de Lei do Senador Eduardo Suplicy, e o será, necessariamente, quando da apreciação no Projeto da Nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), que o Min. Gilmar Mendes pretende enviar ao Poder Legislativo ainda em A crítica nuclear, refletida em todas as perguntas, é, pois, a falta de agilidade. A crença de que o Judiciário seria melhor se fosse mais ágil é tão forte que, no quadro 10 Ação mais eficaz no combate à violência, os entrevistados consideram que uma justiça mais ágil é mais apta a combater a violência do que o aumento da repressão ou o aumento do número de policiais. Na verdade, o brasileiro prefere para o combate à violência uma combinação de leis mais duras com maior aplicação e efetividade. Esta posição, no fundo, reflete uma opção por medidas de caráter permanente e institucionalizador, mais do que medidas efêmeras e midiáticas como mutirões ou ocupações de favelas por militares. O Brasileiro sabe que a repressão passa e a situação de violência anterior volta. O conceito de agilidade na opinião do brasileiro é a capacidade de produzir decisões definitivas efetivas e permanentes, em prazo razoável. Este prazo razoável, agora princípio constitucional, ainda não foi, porém, operacionalizado nem pelo STF, nem pelo CNJ, nem pelos Tribunais. O princípio ainda não se transformou em experiência concreta da cidadania. De qualquer maneira, esta combinação entre melhor legislação e maior agilidade revela uma crença muito favorável à implantação do Estado Democrático de Direito aquele onde as leis são cumpridas, isto é, onde vigora o império da lei-legal, e não da lei do econômica ou fisicamente mais forte.

12 Quadro 10: Ação mais eficaz no combate à violência Qual seria a ação mais eficaz no combate à violência (%) Criação de leis mais rigorosas 58 A Justiça ser mais ágil 48 Aumento do número de policiais 43 A Justiça ser mais acessível 15 Aumento da repressão 11 NS/NR 21 Ainda neste item de combate à violência, é interessante notar que a sociedade está dividida, tendendo a aceitar a permissão para as escutas telefônicas, conforme demonstra o quadro 11 Tolerância às escutas telefônicas. Quadro 11: Tolerância às escutas telefônicas Escutas ou grampos telefônicos são um desrespeito à privacidade e intimidade das pessoas? (%) São 48 Não são 45 NS/NR 7 Na verdade, a única situação onde o brasileiro é decisivamente contra o uso da escuta telefônica é quando esta escuta tem como fim o combate à sonegação fiscal. Neste caso, a escuta é uma invasão de privacidade, ou seja, não haveria um interesse público maior que superasse a privacidade e intimidade das pessoas, como demonstra o quadro 12 Quando escutas telefônicas deveriam ser permitidas?. Exceto no combate à sonegação fiscal, a escuta telefônica tende a ser aceita. Quadro 12: Quando escutas telefônicas deveriam ser permitidas? Em que situações a Justiça deveria permitir escutas ou grampos telefônicos? (%) Envolvimento com pedofilia 47 Envolvimento com crimes como assassinatos e seqüestros 41 Envolvimento com drogas 40 Envolvimento com lavagem de dinheiro 38 Casos em que não se pagam impostos 6 Em todas essas situações (espontânea) 39 Em nenhuma situação (espontânea) 1 NS/NR 9

13 Obs: A soma é maior do que 100% porque cada entrevistado poderia apresentar mais de uma resposta Na verdade, parece haver clara dissintonia entre a prioridade que o Min. Gilmar Mendes, na qualidade de Presidente do CNJ, possa estar concedendo à questão das prisões e a opinião dos entrevistados. Quando comparadas as prioridades de ação, ou seja, as prioridades que deveriam seguir as políticas públicas de administração da Justiça e que são competência do CNJ, os entrevistados colocam a regularização dos presos sempre em último lugar. Se tivéssemos incluído como prioridade o cumprimento dos mandados de prisão até agora expedidos e não cumpridos, estimados em mais de duzentos mil, provavelmente a sociedade diria que daria prioridade ao cumprimento destes mandados à eventual regularização da situação dos presos. Uma Justiça que assegure maior segurança é o desejo recôndito e expresso do brasileiro. Quadro 13: Ação mais importante para melhorar a atuação da Justiça Ações ou aspectos do Judiciário mais importantes para melhorar a atuação da Justiça no Brasil (%) Mais agilidade 54 Ampliação do acesso à Justiça para a população de baixa renda 29 Combate às irregularidades 22 Mais transparência no Judiciário e esclarecimentos a população 18 Maior defesa das crianças e dos adolescentes 16 Mais informatização 15 Aumento do número de juízes 10 Melhoria do salário e das condições de trabalho dos juízes 5 Regularização da situação dos presos 5 Outros 7 NS / NR 19 Obs: A soma é maior do que 100% porque cada entrevistado poderia apresentar mais de uma resposta. Para melhor se entender esta questão da regularização da situação carcerária cumpre fazer uma distinção. Por um lado, trata-se de definir uma prioridade de política pública judicial, isto é: diante de recursos humanos, financeiros, temporais e procedimentais escassos, qual o objetivo que deve ser antes de todos perseguido? O que implica escolher entre esta política, ou aquela. Não se pode tudo fazer ao mesmo tempo. Não há recursos para tanto. Conceder à política pública de regularizar a situação dos presos a mesma prioridade que se dá à necessidade de agilidade é uma dissintonia com as preferências

14 da sociedade. O que não quer dizer que a defesa dos direitos dos presos não deva ser preocupação constante e mereça uma atuação decisiva por parte do Supremo. E assim tem sido. Mas, no fundo, há que se distinguir entre o dever do Supremo Tribunal Federal de assegurar, jurisdicionalmente, os direitos individuais dos presos, sempre que forem ameaçados ou violados nos processos, e uma prioridade de política pública judicial a ser implementada pelo CNJ. Para este caso, a busca da agilidade é a preferência do brasileiro. A propósito, desde 2003, a Lei. n alterou a Lei de Execução Penal (Lei n /84) para obrigar os tribunais a entregarem aos presos, anualmente, o atestado de pena a cumprir, informando-lhes de sua situação. O desconhecimento que o próprio preso tinha de sua situação foi, inclusive, o motivo para, há poucos anos, cruenta rebelião de presos em São Paulo. Na verdade, os tribunais alegavam que não podiam cumprir a lei, pois ela não estaria regulamentada. Alertado pelo Promotor de Justiça de Minas Gerais André Luis Alves de Melo, o CNJ estabeleceu a resolução n. 29, de fevereiro de 2007, que determinava que os tribunais entregassem até o último dia útil de janeiro de cada ano o atestado de pena a cumprir a cada preso. Se os tribunais cumprissem esta resolução do CNJ, mutirões talvez fossem desnecessários. O ativismo 12 do Judiciário Além de fornecer informações fundamentais para a formulação das políticas judiciais administrativas, para qualquer planejamento estratégico do sistema nacional de administração da Justiça, os dados dessa pesquisa contribuem para o atual debate sobre o que se denomina de ativismo do Judiciário. Na verdade, o debate sobre o ativismo tem sido entendido como um progressivo ganho de poder do Judiciário em relação aos demais Poderes. Neste sentido, o ativismo se vale, como lembra Michel Temmer, da paralisia decisória do Congresso, bem como de uma acomodação do Poder Executivo em relação a questões de ética e corrupção. 12 A rigor, preferimos utilizar a expressão protagonismo do Judiciário, uma vez que a utilização do termo ativismo muitas vezes comporta uma carga semântica pejorativa.

15 Esta pesquisa recoloca o chamado ativismo não no contexto apenas dos três Poderes, mas no contexto das relações entre Judiciário e sociedade. Quando assim se considera, surgem dois fatores a se levar em conta. Primeiro, vale a pena procurar a Justiça e os brasileiros a estão procurando cada dia mais. Justiça é gênero de primeira necessidade. Inexiste sociedade sem esta necessidade. É a necessidade de se viver em paz e de forma previsível. Esta induz os cidadãos a, de início, aceitarem o Judiciário como instituição democrática legítima. Determina uma inicial aceitação social. Esta aceitação é, no entanto, preliminar. É mais uma predisposição de aceitar, do que uma aceitação definitiva. Aceitação, digamos, condicional. A condição suficiente é a evidência de que a atuação do Judiciário está realmente preenchendo a necessidade social de paz, de permitir a existência da vida social sem violência. Esta evidência pode até ser influenciada pela mídia e pelas ideologias. Mas ela só será duradoura se for uma evidência com base no saber de experiência feita, diria Camões. Isto é, caso tenha concretude no dia-a-dia das partes, dos profissionais jurídicos e do brasileiro em geral. A evidência da lentidão não permite ainda que esta experiência social seja satisfatória. Embora o Judiciário juízes sobretudo tenha muito avançado no positivo reconhecimento social, existe este problema nuclear não resolvido: a falta de agilidade, verificável, empiricamente, pelas taxas de engarrafamento, pelas taxas de recorribilidade e por dezenas de outros indicadores já disponibilizados pelos tribunais e pelo Conselho Nacional de Justiça. 13 A falta de agilidade é problema histórico e extremamente complexo. Permite que prevaleça a lei do economicamente mais forte, a lei do violentamente mais forte, e, como diria Celso Furtado, o esgarçamento social. Não será combatida apenas com técnicas de gestão que impliquem apenas em mais do mesmo. Não será resolvida com o mero aumento da oferta de sentenças. É preciso focalizar a reforma também no controle da demanda patológica, sobretudo do Poder Executivo e das grandes empresas. 14 Uns têm acesso demais e outros têm acesso de menos. É preciso mais do novo. É preciso colocar em curso uma dinâmica de experimentação institucional. Sem tanto, estaremos sempre a buscar um Poder Judiciário aquém do Estado Democrático de Direito. 13 Ver a respeito: Justiça em Números. Disponível em: y.

16 Se tivéssemos que retirar desta pesquisa uma mensagem para que exista sintonia entre as aspirações do brasileiro e o planejamento estratégico qüinqüenal do Judiciário, diríamos que ela é simples e direta. O brasileiro não se queixa da qualidade das sentenças. Queixa-se da quantidade. O brasileiro não quer menos Justiça. Quer mais Justiça. Ou seja, quer mais serviços judiciais. Entre o juiz-autoridade e o juiz servidor, o brasileiro precisa mais deste do que daquele. Sendo que, paradoxalmente, quanto mais servidor for o juiz, mais autoridade terá. O círculo é virtuoso. 14 Ver a respeito: FALCÃO, Joaquim. Uma Reforma Muito Além do Judiciário. In: Interesse Nacional, ano I, n. I, abril-junho de 2008.