Projecto de um Atlas Prosódico Multimédia do Espaço Românico Equipa Portuguesa
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- Antônio Lacerda Capistrano
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1 Nota prévia sobre direitos de autor: O presente documento é uma versão PDF, disponibilizada na página Linha 1 CLC Universidade de Aveiro, do documento publicado segundo a referência abaixo indicada. Este documento pode ser acedido, descarregado e impresso, desde que para uso não comercial e mantendo a referência da sua origem. MOUTINHO, Lurdes de Castro; COIMBRA, Rosa Lídia; PEREIRA BENDIHA, Urbana - Projecto de um Atlas Prosódico Multimédia do Espaço Românico Equipa Portuguesal. In: LAI, Jean-Pierre (ed.), Project AMPER Atlas multimédia prosodique de l Espace roman - Géolinguistique, Hors série n.º 3, (ISBN ), 25, pp Lurdes de Castro Moutinho, Rosa Lídia Coimbra, Urbana Pereira Bendiha Universidade de Aveiro pfonetica@dlc.ua.pt Projecto de um Atlas Prosódico Multimédia do Espaço Românico Equipa Portuguesa Résumé Dans cet article, nous présentons la recherche dont l objectif est la contribution portugaise pour la construction d un Atlas Prosodique Parlant des Variétés des Langues Romanes. A partir d un corpus enregistré auprès de deux informants originaires de deux régions éloignées, Beira Litoral et Algarve, nous procédons à l analyse de différents paramètres acoustiques durée, intensité et fréquence fondamentale. Ces analyses feront partie du project globale qui doit inclure plusieurs régions du Portugal et des régions autonomes de Madeira et Açores. Nous envisageons d élargir notre recherche à la variété du portugais du Brésil. Les différents corpora deviendront une base de données des variétés dialectales de l espace romain qui, dans l avenir, sera disponible sur réseau. La particularité de cet instrument multimédia permetra une comparaison facile et rapide des courbes mélodiques des variétés étudiées et, en même temps, fournira des renseignements concernant les carectéristiques prosodiques de ces mêmes variétés.
2 1. Introdução O projecto do Atlas Prosódico Multimédia do Espaço Românico (AMPER) é desenvolvido, no que respeita ao Português Europeu, por uma equipa na Universidade de Aveiro, com a coordenação de Lurdes de Castro Moutinho. Ao mesmo tempo, decorre, neste momento, a extensão do projecto a equipas de trabalho no Brasil para estudo das respectivas variedades. Os objectivos, metodologia e procedimentos de análise são comuns às diversas equipas envolvidas no projecto global, o qual tem a coordenação geral no Centro de Dialectologia da Universidade Stendhal de Grenoble 3, por Michel Contini e Antonio Romano. Os principais objectivos da equipa portuguesa visam, partindo do conhecimento de estudos e pesquisas já realizados (ver referências), a compreensão das regras de estruturação prosódica da língua portuguesa, o conhecimento da variabilidade geoprosódica no espaço dialectal e nas variedades regionais. Nesse sentido, os trabalhos, iniciados em finais de 1999, incluem já o registo sonoro digitalizado do corpus em falantes femininos e masculinos em diversas regiões do país, bem como o tratamento informatizado com base em aplicações informáticas em Matlab desenvolvidas por Antonio Romano especialmente para o projecto dos ficheiros de som obtidos. Numa primeira fase, foi elaborado um pré-inquérito, ministrado a alunos e alunas de graduação da Universidade de Aveiro, provenientes de diversas regiões do país (Minho, Beira Interior, Alentejo, Açores e Madeira), com base na frase O Toneca suja o capote e respectivas expansões com adjectivos e locativos com as três acentuações possíveis no português oxítona, paroxítona e proparoxítona e nas diversas posições frásicas. Esta primeira abordagem permitiu-nos testar o método de análise, identificar problemas com a escolha dos vocábulos constituintes das frases e familiarizar-nos com os programas e procedimentos de recolha, tratamento e análise de dados. Seguidamente, foi construído o inquérito propriamente dito, o qual partiu da frase base O Toneca toca no pássaro, e respectivas expansões: O Toneca toca no pássaro. O Toneca bisavô toca no pássaro. O Toneca pateta toca no pássaro. O Toneca cómico toca no pássaro. O Toneca do Canadá toca no pássaro. O Toneca da Tapada toca no pássaro. O Toneca do México toca no pássaro. O pássaro toca no Toneca. O pássaro toca no Toneca bisavô O pássaro toca no Toneca pateta O pássaro toca no Toneca cómico O pássaro toca no Toneca do Canadá O pássaro toca no Toneca da Tapada. O pássaro toca no Toneca do México O capataz toca no pássaro. O capataz bisavô toca no pássaro. O capataz pateta toca no pássaro. O capataz cómico toca no pássaro.
3 O pássaro bisavô toca no Toneca. O pássaro pateta toca no Toneca. O pássaro cómico toca no Toneca. O pássaro toca no capataz. O pássaro toca no capataz bisavô O pássaro toca no capataz pateta O pássaro toca no capataz cómico O Toneca toca no pássaro bisavô O Toneca toca no pássaro pateta O Toneca toca no pássaro cómico Desta vez, a recolha do corpus foi feita no terreno, sendo os informantes, do sexo feminino e masculino, com escolaridade básica, idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos, e residentes permanentes nas respectivas regiões de origem. Procurou-se obter uma cobertura o mais abrangente possível das diversas variedades regionais e uma amostragem representativa de um mínimo de 4 informantes por região. O corpus foi obtido evitando a situação de leitura, uma vez que esta apresenta particularidades prosódicas próprias que não se encontram no escopo do projecto. Assim, e uma vez que seria praticamente impossível gravar as frases do corpus de uma forma completamente espontânea, os falantes foram estimulados à sua produção través de desenhos e símbolos como os seguintes, referentes à frase O pássaro toca no Toneca bisavô e respectiva interrogativa:? Fig. 1 Estímulos gráficos para a produção da frase O pássaro toca no Toneca bisavô e respectiva interrogativa As imagens, como as da figura 1, que serviam de estímulo à produção das frases interrogativas e declarativas, eram apresentadas ao informante em ordem aleatória, a fim de evitar efeito lista na entoação. Cada entrevista foi, além disso precedida de uma conversa informal com o falante, tendo-se, deste modo, registado igualmente um corpus de falar espontâneo que poderá ser, numa fase ulterior do projecto analisado como ponto de comparação. Nessa altura, estarão também previstos testes de percepção validativos do processo. Todos os registos sonoros foram obtidos com gravação DAT. O sinal acústico digitalizado em formato WAV foi tratado nos programas GoldWave e CoolEdit, onde se efectuou o corte dos ficheiros por frase e a maximização do sinal. Os dados assim
4 obtidos foram analisados no programa MatLab com aplicações especificamente desenvolvidas para esse fim por António Romano. Aqui, o sinal foi segmentado, tendose isolado as vogais, portadoras da maior parte da informação no que respeita à curva entoacional. A segmentação do sinal acústico é, assim, efectuada somente para os segmentos vocálicos e, com base nessa análise, o próprio programa afixa três medidas de Fo para cada vogal 1, calculando a média respectiva relativamente ao número de vezes que a frase foi produzida, como indicado na figura 3. Os parâmetros analisados, em cada segmento, foram os de duração, intensidade e variação de Fo. A análise no programa de tratamento de sinal tem como ponto de partida o oscilograma, como o que se vê no topo na figura 2. Depois da análise do sinal, obtêm-se os restantes gráficos informativos. Todo o processo é repetido para as várias realizações da mesma frase. Fig. 2 Gráficos resultantes da análise da frase em MatLab Das 1 frases gravadas são analisadas 5, excluindo aquelas em que o falante se enganou, hesitou, foi perturbado por ruídos ambientais, etc. A partir destas 5 frases, extrai-se a média da realização prosódica para aquela frase naquele falante, obtendo-se representações gráficas como as da figura 3. Fig. 3 Obtenção da realização média dos cinco enunciados da mesma frase A linha mais escura na figura 3 mostra esta realização média do falante para a frase analisada. Todos os valores de duração, intensidade de Fo para cada vogal são, além 1 Estas três medições tiveram por objectivo comparer le segment dans les différents contextes et pour la définition de contours mélodiques, nous avons retenu les trois valeurs mesurées dans chaque segment vocalique (début, milieu et fin). Ces valeurs se sont révélées toutes indispensables pour une correcte evaluation des rapports de hauteur entre les différentes voyelles (ROMANO, 1999: 162).
5 disso registados numa tabela em ficheiro de texto que permite ser exportada para Excel a fim de se obterem gráficos informativos sobre os diversos parâmetros. 2. Alguns resultados Neste ponto, apresentamos alguns resultados comparativos referentes a duas informantes do sexo feminino, uma representando a região da Beira Litoral e outra a região do Algarve. As frases escolhidas para esta comparação apresentam as três possibilidades de acentuação em Português - oxítona, paroxítona e proparoxítona - na última palavra, já que o final de frase é fundamental na análise prosódica, nomeadamente no que respeita à distinção entre a frase declarativa e a correspondente interrogativa global. Assim, escolhemos as frases: O pássaro toca no Toneca bisavô (acentuação oxítona), O pássaro toca no Toneca pateta (acentuação paroxítona) e O pássaro toca no Toneca cómico (acentuação proparoxítona).
6 O pássaro toca no Toneca bisavô Fig. 4 Beira Litoral Fig. 5 Algarve
7 O pássaro toca no Toneca pateta Fig. 6 Beira Litoral Fig. 7 Algarve
8 O pássaro toca no Toneca cómico Fig. 8 Beira Litoral Fig. 9 Algarve
9 Como podemos observar pelas imagens, verificam-se algumas diferenças significativas entre as realizações prosódicas da falante da Beira Litoral e da falante do Algarve. Relativamente a cada frase e para cada informante, são, assim, apresentados três gráficos (cf. figuras 4 a 9). Na figura 4, comparam-se as curvas prosódicas com a variação de Fo da frase de acentuação final oxítona O pássaro toca no Toneca bisavô. Estas curvas não correspondem a nenhuma produção individual da frase, mas são resultantes das médias de cinco realizações nos tipos declarativo e interrogativo. Nos gráficos seguintes, apresentam-se os dados referentes à duração e à energia das vogais das mesmas frases. Do mesmo modo se procedeu (figura 5) em relação à falante do Algarve para a mesma frase. As figuras 6 e 7 mostram o mesmo tipo de gráficos para as mesmas regiões, referentes à frase O pássaro toca no Toneca pateta, de acentuação final paroxítona. Finalmente, nas figuras 8 e 9 são apresentados os gráficos com os dados relativos àquelas regiões para a frase O pássaro toca no Toneca cómico, de acentuação final proparoxítona. Da observação dos diversos gráficos podemos concluir que a falante da beira Litoral apresenta uma curva melódica mais regular, sendo o F de todas as vogais muito próximo da linha média dos 2 Hz. Já a informante algarvia, apresenta uma maior variação na frequência fundamental ao longo da frase. Esta irregularidade da informante do Algarve também se observa dentro das próprias vogais, sendo as três medidas diferentes entre si, ao passo que na falante beirã o contorno de Fo dentro de cada vogal é muito mais uniforme. Quanto à variação nos parâmetros de duração e energia, verificamos, pela observação dos gráficos de barras, que as sílabas lexicais acentuadas apresentam simultaneamente uma maior duração e energia. De facto, a Língua Portuguesa caracteriza-se pela presença de um acento lexical que, foneticamente, se traduz por um aumento de intensidade, uma variação de frequência fundamental e uma maior duração da sílaba sobre a qual incide o acento (MOUTINHO, et al., 1997). Um fenómeno comum no Português Europeu é a elisão de vogais átonas na produção oral das frases. Esta característica é particularmente evidente na falante do Algarve, a qual chega a elidir três vogais, como se pode observar na figura 9. As duas falantes elidem sistematicamente a última vogal da palavra pássaro (vogal número 4 em todos os gráficos). A última vogal da palavra cómico (figuras 8 e 9) é também frequentemente elidida, sendo que a falante algarvia nunca a pronunciou. Esta vogal terá um impacto maior na curva prosódica, já que, encontrando-se em posição final, seria mais significativa. A sua ausência coloca mesmo em causa, caso seja sistemática, a própria existência da acentuação proparoxítona em final de frase. Trata-se, ao que nos parece, de uma regularização, já que a acentuação paroxítona é a mais produtiva em Português Europeu. A comparação entre as realizações declarativas e interrogativas mostra que é em final de frase que as curvas prosódicas mais se diferenciam, principalmente no que respeita à Beira Litoral. Já as entoações do Algarve mostram uma diferenciação entre as
10 duas modalidades desde a primeira palavra prosódica. Esta constatação está relacionada com a maior variabilidade da curva melódica já anteriormente referida. 3. Desenvolvimento do projecto Actualmente, a equipa de Aveiro, responsável pela vertente portuguesa do projecto AMPER, efectuou já gravações e análises nas seguintes regiões do continente: Minho, Trás-os-Montes, Beira Litoral, Beira Interior, Alentejo e Algarve, o que, como se pode ver pelo mapa da figura 1, cobre a maior parte do território. Fig. 1 Mapa de Portugal continental e respectivas regiões Além das regiões situadas no território do continente, estão ainda contempladas, no projecto em curso, as regiões insulares da Madeira e Açores, onde estão já estabelecidos contactos a fim de dar continuidade ao projecto abarcando essas variedades regionais. Igualmente em curso encontra-se a expansão do estudo da prosódia do Português para além Atlântico, com vista à inclusão de variedades brasileiras. Apesar de não se tratar de falares europeus, estas variedades diatópicas não poderão ser ignoradas já que se incluem no espaço linguístico românico e contemplam milhões de falantes de língua materna portuguesa.
11 Relativamente à difusão do nosso projecto, L information globale vehiculée par l Atlas et sa structure interactive permettront l observation de caractéristiques prosodiques multiparamétriques de chacune des phrases analysées qui, pour une plus grande facilité de lecture, seront toujours accompagnées de commentaires linguistiques succints. A travers la divulgation du projet sur Internet, la communauté scientifique internationale aura accès au domaine des parlers romans. Les corpus en question seront, de cette façon, disponibles pour de futures utilisations dans d autres domaines de recherche. (MOUTINHO et al., 21). As últimas actualizações do projecto da equipa portuguesa irão sendo disponibilizadas na página da Internet com o endereço: 4. Referências bibliográficas Contini, M.; Lai, J.P; Romano, A. & Roullet, S., Vers un Atlas prosodique parlant des variétés romanes, comunicação apresentada em Aix-en-Provence em Maio de 1998, a publicar em Mélanges Ravier. Delgado Martins, M. R. (1986). Sept Études sur la Perception, Lisboa: INIC. Delgado Martins, M. R. (1992). Ouvir Falar: Introdução à Fonética do Português, Lisboa: Ed. Caminho. Martins, F. (1986). Entoação e Organização do Enunciado, dissertação de mestrado, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Mata, A. I. (1992). "A Questão da Entoação na Interrogação em Português: 'Isso é uma pergunta?'", in: Pereira, Isabel et al., Estudos em Prosódia, Lisboa: Colibri, Mira Mateus, M. H., (1996). "A Prosódia nas Gramáticas Portuguesas", in Actas do XI Encontro da Associação Portuguesa de Linguística, 3º vol., Lisboa, Moutinho, L., et al., (1997). O Francês tal qual se fala: um estudo da sílaba em posição final, texto policopiado apresentado para publicação na Revista Educação e Tecnologia, Instituto Politécnico da Guarda. Moutinho, L., Coimbra, R.L., Secca Ruivo, S. & Pereira Bendiha, U. (21). Project d Atlas Prosodique Multimédia des Variétés Romanes, in: Travaux de L Institut de Phonetique de Strasbourg (TIPS), 31, Pereira, I.; Mata, A. I. & Freitas, M. J. (1992). Estudos em Prosódia, Lisboa: Colibri, Romano, A. (1999). Analyse des structures prosodiques des dialectes et de l italien régional parlés dans le Salento (Italie): Approche linguistique et instrumentale, thèse de Doctorat Nouveau Régime, Université Stendhal Grenoble III.
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