LEI Nº /04 - ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO SOBRE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
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- Herman Castelhano Lagos
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1 LEI Nº /04 - ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO SOBRE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA * Giuliano Colombo Em foi publicada no Diário Oficial da União a Lei No ( Lei No /04 ). Dentre outras disposições igualmente importantes, a Lei No /2004 cuidou de alterar a Lei No , de ( Lei No /65 ), o Decreto-Lei No. 911, de ( DL No. 911/69 ) e o Código Civil ( CC ), naquilo que disciplinam a alienação e a propriedade fiduciária, estabelecendo novas e importantes regras para a contratação e utilização dessa modalidade de garantia, notadamente no âmbito do mercado financeiro e de capitais. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO BRASIL Definida pela doutrina como o negócio jurídico pelo qual uma das partes adquire, em confiança a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la quando se verifique o acontecimento a que se tenha subordinado tal obrigação 1, a alienação fiduciária consagrou-se no Brasil como negócio jurídico contratado entre as partes para garantia de financiamentos, geralmente concedidos para fomento da produção ou aquisição de bens móveis duráveis. Nesse sentido, foi a Lei No /65 -- que instituiu e primeiramente regulou o mercado de capitais no Brasil -- posteriormente modificada e complementada pelo DL No. 911/65, a primeira a tratar da alienação fiduciária em garantia. Em síntese, a lei dispunha que pelo contrato de alienação fiduciária em garantia era transmitido ao credor fiduciário o domínio resolúvel e a posse indireta do bem móvel alienado fiduciariamente em garantia, permanecendo o devedor fiduciante com a posse direta do bem, com todas as responsabilidades e encargos que lhe são impostos por lei e pelo contrato. * 1 ssociado da Área Contenciosa de Pinheiro Neto Advogados, integrante do grupo coordenado por Luiz Fernando Valente de Paiva Gomes, Orlando, citado por VENOSA, Sílvio de Sálvio. Código Civil comentado. Coordenador Álvaro Villaça de Azevedo.São Paulo: Atlas, 2003.
2 - 2 - Posteriormente, ainda nos mesmos moldes, a alienação fiduciária em garantia foi estendida a (i) ações e debêntures, consoante o disposto no artigo 40 da Lei No , de ( Lei das S.A. ); (ii) bens imóveis, nos termos da Lei No , de ; e (iii) bens móveis fungíveis -- aqueles que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade -- e direitos, consoante o disposto na Medida Provisória nº /01 ( MP /01 ). No particular, ao admitir expressamente que os bens móveis fungíveis também poderiam ser dados em garantia através da contratação de alienação fiduciária, esperava-se que a MP /01 dirimisse tormentosa controvérsia estabelecida na doutrina e jurisprudência acerca da espécie de bens passíveis de serem alienados fiduciariamente em garantia. A expectativa, contudo, não se consolidou na prática. Isto porque o CC introduziu no seu Livro III (Direito das Coisas), Título III (Propriedade), capítulo específico sobre a Propriedade Fiduciária, definindo-a como a propriedade resolúvel da coisa móvel infungível que o devedor fiduciante transfere ao credor fiduciário, com escopo de garantia. Em outras palavras, o CC restringiu a possibilidade de constituição de propriedade fiduciária com escopo de garantia somente a bens móveis infungíveis, em clara contraposição ao quanto estabelecera a MP /01 poucos meses antes. Nesse contexto, doutrinadores de renome 2 passaram a sustentar a tese de que em razão da restrição conferida pelo CC em relação aos objetos passíveis de serem alienados fiduciariamente em garantia -- i.e. somente bens móveis infungíveis -- o referido diploma teria derrogado as disposições de direito material existentes em sentido contrário constante das legislações esparsas anteriores, notadamente aquelas constantes da Lei No /65, do DL 911/69 e da MP No /01. As modificações introduzidas pela Lei No /04 sobre a alienação fiduciária chegam, destarte, em boa hora, na medida em que consolidam e estabelecem novas e específicas regras para a contratação dessa modalidade de garantia, conferindo-lhe a segurança jurídica necessária para a sua futura utilização pelos interessados, notadamente no âmbito do mercado financeiro e de capitais. 2 Vide Monteiro, Washington de Barros; Curso de Direito Civil Direito das Coisas 37ª Edição, Editora Saraiva, 2003, pg. 246; Figueira Júnior, Joel Dias A propriedade fiduciária como novo instituto de direito real no Código Civil Brasileiro de 2002 Informativo INCIJUR, Joinville, a 3, No. 32, pg. 2, Março 2002.
3 - 3 - Abaixo seguem sumarizadas as principais alterações trazidas pela Lei No /04: (i) Alterações na Lei No /65 Aspectos contratuais: Ao tempo em que expressamente revoga os artigos 66 e 66- A da Lei No /65, a Lei No /04 institui o artigo 66-B à referida lei, estabelecendo que o contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais deverá mencionar, além dos requisitos genéricos declinados no artigo do CC, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos eventualmente contratados. Bens Fungíveis: Possivelmente a maior alteração imposta pela Lei No /04 à Lei No /65, espera-se, a por pá de cal na controvérsia que permeou durante décadas a doutrina e a jurisprudência acerca dos bens passíveis de serem alienados fiduciariamente em garantia -- e que ganhou novo fôlego após a promulgação do CC -- foi a instituição do parágrafo 3, ao mencionado artigo 66-B, expressamente admitindo a contratação de alienação fiduciária de coisa fungível. Em outras palavras, a Lei No /65 -- específica e reguladora do mercado financeiro e de capitais -- volta a admitir que as operações celebradas no âmbito daqueles mercados possam ser garantidas por alienação fiduciária de bens móveis fungíveis. Esses bens, como é sabido, são de liquidação mais simples, o que torna essa modalidade de garantia mais atrativa, na medida em que o credor tem maiores chances de se pagar com o produto de alienação dos bens em caso de inadimplemento da obrigação principal garantida. No particular, em linha com o disposto nos artigos e do CC, continua assegurado ao credor fiduciário o direito de vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária, independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, aplicando o preço da venda no pagamento do seu crédito. Cessão fiduciária: O instituto, contemplado na Lei No , de que admite que as operações de financiamento imobiliário em geral sejam garantidas,
4 - 4 - dentre outras formas, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis teve seu escopo ampliado de maneira significativa, na medida em que o mesmo parágrafo 3, do artigo 66-B passou a admitir a cessão fiduciária também para direitos sobre coisas móveis e títulos de crédito. A essa nova espécie de cessão fiduciária aplicam-se as regras materiais e procedimentais previstas nos artigos 18 a 20 da Lei No /97. Ao passo em que representa importante avanço no sistema das chamadas garantias auto-liquidáveis, hodiernamente propugnada pela maioria dos credores financeiros na contratação de sua operações de crédito, a flexibilização da norma tende a dar maior utilidade ao instituto da cessão fiduciária, até então pouco utilizada na prática em razão da aplicação restrita a financiamentos imobiliários. De se notar que nos casos de alienação ou cessão fiduciária previstos na Lei No /65, conforme alterada pela Lei No /04, salvo se disposto de forma contrária no contrato, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciário ou do título representativo do direito ou do crédito é sempre atribuída ao credor fiduciário, conferindo-lhe maior segurança para a liquidação da garantia em caso de inadimplemento da obrigação principal. (ii) Alterações no DL 911/65 Purgação da Mora: Diferentemente do que ocorria até a presente alteração -- em que o devedor fiduciante somente podia purgar a mora se houvesse pago minimamente 40% da dívida -- no prazo de 5 (cinco) dias após executada a liminar concedida em favor do credor fiduciário no âmbito da ação de busca e apreensão de que trata o artigo 3 do DL 911/65, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida, consoante os valores apresentados pelo credor fiduciário. Nesse caso o bem lhe deverá ser restituído livre de quaisquer ônus. Contestação e Apelação: O devedor fiduciante passa a ter 15 (quinze) dias -- e não mais 3 (três) dias -- para contestar o pedido de busca e apreensão, contados a partir da execução da liminar. De outra parte, da sentença que julgar a ação de busca e apreensão de que trata o DL 911/69 caberá apelação, apenas no efeito devolutivo, e não mais agravo de instrumento.
5 - 5 - Multa: No caso de improcedência da ação de busca e apreensão, e se o bem alienado fiduciariamente em garantia já tiver sido alienado, o credor fiduciário será condenado ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, correspondente a 50% do valor originalmente financiado, devidamente atualizado. De se salientar que a referida multa não exclui eventual responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos. Restrição na utilização do procedimento de busca e apreensão: Muito se discute na doutrina e jurisprudência sobre quem tem legitimidade para lançar mão do procedimento de busca e apreensão de que trata o DL 911/69. Dada a severidade do procedimento, a posição dominante é de que somente as instituições financeiras teriam o direito de utilizá-lo para recuperar o bem objeto da garantia fiduciária. A confirmar tal tendência, a Lei No /69 cuidou de instituir o artigo 8-A no DL 911/69, esclarecendo que o referido procedimento somente aplica-se às operações da Seção XIV, da Lei No /65, ou seja, no âmbito do mercado financeiro e de capitais. O procedimento também poderá ser utilizado quando o ônus da propriedade fiduciária tiver sido constituído para fins de garantia do débito fiscal ou providenciário. (iii) Alterações no CC Regra Especial vs. Regra Geral: Embora desnecessário do ponto de vista estritamente técnico, o legislador ainda tratou de instituir o artigo A no CC, segundo o qual as demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições do CC naquilo que não for incompatível com a referida lei especial. Em outras palavras, a melhor exegese do artigo A indica que no tocante à alienação e propriedade fiduciária o CC encerrerá as regras gerais do instituto, que terão aplicação restrita aos casos em que não conflitarem com a regulação específica tratada em leis especiais ou quando essas forem silentes. CONCLUSÃO Em vigor desde a sua publicação, a Lei No /04 inequivocamente dá nova
6 - 6 - roupagem aos institutos da alienação e propriedade fiduciária, seja do ponto de vista material, seja do ponto de vista processual. Nesse sentido, a admissão de contratação de alienação fiduciária em garantia de bens móveis fungíveis, e notadamente da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou títulos de crédito, introduzidas no ordenamento jurídico pela novel legislação, representa inegável avanço na consolidação do sistema de garantias no Brasil. Com efeito, restaram estabelecidos novos e atrativos mecanismos alternativos -- além do penhor de direitos e de títulos de crédito -- para a contratação de garantias auto-liqüidáveis, que devem ser destarte consideradas mais séria e profundamente pelos credores financeiros quando da celebração de novas operações de concessão de crédito no âmbito do mercado financeiro e de capitais. São Paulo, 13 de agosto de 2004 PINHEIRO NETO ADVOGADOS
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