A Imprensa Evangélica como estratégia para a inserção do protestantismo no Brasil Imperial

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1 A Imprensa Evangélica como estratégia para a inserção do protestantismo no Brasil Imperial Pedro Barbosa de Souza Feitoza Resumo O presente trabalho pretende estudar como o jornal "Imprensa Evangélica", fundado em 1864 por missionários presbiterianos, serviu como estratégia para a inserção da religião protestante no Brasil Imperial (particularmente nas décadas de 1860 e 1870) na medida em que dialogou com a elite letrada do centro-sul brasileiro (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), tinha claras intenções de conquistar prosélitos para a nova religião e orientava o culto doméstico como definido pela Constituição de Palavras chave: Imprensa Evangélica; Protestantismo Brasileiro; Igreja Presbiteriana do Brasil Abstract This work analyses how the protestant journal called Imprensa Evangélica, founded in 1864 by Presbyterian missionaries, was used as an strategy for the introduction of the protestant religion in Brazilian Empire (particularly in the decades of 1860 and 1870) in so far dialogued with the lettered elite in Brazilian s South-Center (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), had the clearly intention of getting proselyte for the new religion, and oriented the domestic cult as defined by the Imperial Constitution. Key words: Imprensa Evangélica, Brazilian Protestantism, Presbyterian Church in Brazil. A religião protestante começou a ser tornar presente no Brasil somente a partir do século XIX. Deixando de lado as experiências pontuais dos franceses no século XVI (com a fundação da França Antártica) e holandeses no século XVII (com a invasão de Pernambuco), nas quais o protestantismo não criou raízes no solo brasileiro, foi somente após os tratados firmados com a Inglaterra, quando da permanência da família real portuguesa no Brasil, e com a Constituição de 1824 que a presença acatólica passou a ser permitida em terras brasileiras. Num primeiro momento, devido às migrações de alemães, suíços e ingleses para o Estudante do Mestrado em História Social na Universidade de Brasília UnB e bolsista da CAPES.

2 Brasil foram formadas igrejas luteranas e anglicanas que visavam prestar serviço religioso a esses imigrantes. Dessa maneira, as noções de liberdade religiosa presentes tanto nos tratados firmados com a Inglaterra em 1810 quanto na Constituição de 1824 surgem como necessidade decorrente da própria imigração (RIBEIRO, 1973: 16-34). Essas comunidades religiosas que vinham com os imigrantes não tinham como principais objetivos a intenção de conquistar prosélitos e nem de divulgar a religião protestante no Brasil. Eram comunidades que visavam prestar auxílio religioso aos imigrantes e, portanto, seus cultos, em sua maioria, eram proferidos na língua natal dos congregados. Robinson Cavalcanti afirma que o anglicanismo e o luteranismo, como presenças protestantes, eram manifestações alienígenas, sem influências significativas na comunidade nacional (CAVALCANTI, 2002: 189). Tais denominações religiosas não são caracterizadas dentro da idéia das Igrejas Militantes, marcadas pelo esforço evangelístico de seus membros no sentido de conquistar prosélitos. A partir da segunda metade do século XIX passaram a ser organizados, nos Estados Unidos, órgãos missionários vinculados a certas denominações protestantes norte-americanas que visavam a expansão da fé reformada pelo mundo. Nessa época, vários missionários e pastores partiram dos Estados Unidos em direção a diversas regiões do mundo a levar os ideais protestantes. O Brasil foi alvo dessas missões. A partir, principalmente, da segunda metade do século XIX desembarcaram no país conhecidos nomes das igrejas protestantes brasileiras como James C. Fletcher, o médico Robert R. Kalley, Ashbel G. Simonton, Alexander L. Blackford, George W. Chamberlain, Francis J. Schneider, entre outros. Esses missionários já visavam anunciar o protestantismo na língua nacional, bem como conquistar convertidos para a nova religião e formar igrejas protestantes. Tais missionários, consciente e inconscientemente, traçaram estratégias de atuação na sociedade brasileira com o intuito de alcançar seus êxitos religiosos. Dentre essas estratégias, podemos citar a implantação de escolas paroquiais, que ocorriam concomitantemente à fundação das igrejas protestantes, e a formação de colégios nas principais cidades do país, dentre os quais o Instituto Gammon (originalmente fundado em Campinas) e o Colégio Mackenzie são bons exemplos (MENDONÇA, 2008: 144 e 145). Outra estratégia valorizada pelos missionários protestantes em solo brasileiro foi a difusão da palavra escrita. Ashbel Simonton, fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil e importante missionário nos primeiros tempos da inserção do protestantismo no Brasil, destacou a sua relevância em

3 um conhecido discurso intitulado Os meios necessários e próprios para plantar o Reino de Jesus Cristo no Brasil de Ele afirma: outro meio de pregar o evangelho é a disseminação da Bíblia e de livros e folhetos religiosos. Deste modo, pode-se dar notícias de Jesus a muitos que não querem assistir ao culto público. Nesta época a imprensa é a arma poderosa para o bem, ou para o mal. Devemos trabalhar para que se faça e se propague em toda a parte uma literatura religiosa em que se possa beber a pura verdade ensinada na Bíblia (SIMONTON, 2002: 181). Dentro do conjunto dessa literatura religiosa citada por Simonton, o periódico impresso conhecido como Imprensa Evangélica teve uma relevância particular que gostaríamos de destacar. A fundação do jornal presbiteriano aconteceu em Seu primeiro número saiu no dia 5 de novembro. A intenção inicial de seus fundadores era que o jornal fosse publicado semanalmente, mas logo se deram conta de que tal tarefa seria impossível e passaram a publicá-lo a cada duas semanas, sempre aos sábados. Apesar de seu conteúdo ser majoritariamente religioso e os fundadores do jornal atribuírem exclusividade aos temas ligados às discussões religiosas 1, seu conteúdo era variado. Saíam publicações em série traduzidas para o português, eram publicados estudos bíblicos também em série, sentenças de importantes intelectuais da Europa acerca da Bíblia, considerações sobre a liberdade religiosa, notícias sobre a Guerra de Secessão, notícias sobre a Guerra do Paraguai, comentários preocupados quanto ao papado de Pio IX, instruções sobre a criação de filhos e outros artigos dos mais variados interesses. Era um jornal que expressava a visão dos missionários protestantes acerca dos acontecimentos no Brasil e no mundo. A decisão pela criação do jornal e a redação nos seus números iniciais, foram decididas por Ashbel Simonton, Alexander Blackford, José Manuel da Conceição, Antônio Santos Neves e Domingos Quintana. O lançamento do jornal em 1864 não passou despercebido pelo Rio de Janeiro. Segundo David Gueiros Vieira, o jornal O Cruzeiro do Brasil, publicação católica ultramontana do Rio de Janeiro, fez forte oposição à publicação 1 Este trabalho (o próprio jornal), não tendo em vistas senão os interesses exclusivamente religiosos da sociedade em geral, como em particular do indivíduo, estranho a toda e qualquer ingerência política, a todos é consagrado. Imprensa Evangélica. Nº 1, 05/11/1864.

4 do jornal protestante (VIEIRA, 1980: 148). Por outro lado, padres mais moderados, bem como alguns liberais e políticos brasileiros declararam ler a Imprensa Evangélica. Esse jornal protestante, publicado pelos missionários presbiterianos, tinha a clara intenção de oferecer ao mundo letrado do centro-sul brasileiro o ideário protestante (estudos sobre a Bíblia, confissões de fé e visão sobre os acontecimentos). Porém, tal intenção foi ultrapassada pelas variadas funções que o periódico exerceu. A primeira dessas funções que podemos citar é a difusão dos ideais protestantes entre a elite brasileira. O primeiro censo brasileiro, publicado em 1872, indicara que mais de 80% da população brasileira era analfabeta. Por mais que os fundadores do jornal não tivessem contato com tal informação exata quando da fundação do periódico, esse enorme analfabetismo era algo no mínimo perceptível no centro-sul brasileiro. Alderi Matos afirma que o referido jornal era um órgão de propaganda evangélica que visava alcançar sobretudo as camadas mais cultas da população e teve boa aceitação junto a certos grupos, particularmente liberais, maçons e alguns membros do clero (HILSDORF, LEMBO, MATOS, 2000: 66). Pessoas de alta classe do Brasil oitocentista declararam ler o jornal presbiteriano, dentre eles, podemos citar um padre que se dizia filho de Diogo Antônio Feijó; Antônio Francisco de Paula e Souza, Ministro da Agricultura; e a mãe do jornalista Saldanha Marinho (VIEIRA, 1980: 149). Portanto, o jornal fundado pelos missionários visava divulgar os ideais religiosos protestantes entre a elite letrada do centro-sul brasileiro. Mas, além dessa função, podemos citar outra que não esteve tão explícita entre os missionários que publicavam o jornal, que era a função de orientação do culto doméstico. A Constituição do Império proibia às igrejas acatólicas a celebração de cultos em templos religiosos. A carta constitucional de 1824 dizia, no seu Título 1º, artigo 5 as seguintes palavras: A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo 2. Portanto, as celebrações religiosas acatólicas no Brasil ficavam limitadas ao culto doméstico (ainda que o Império tratasse o protestantismo com certa liberalidade). Essa condição, somada à ausência quase completa de lideranças eclesiásticas protestantes formais (somente havia os missionários estadunidenses e o recém ordenado ministro protestante José Manuel da Conceição, ex- 2 Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824). Documento disponível em: Acessado em 30/04/ 2008.

5 padre), constituía uma séria dificuldade à expansão do protestantismo, bem como para a manutenção de uma coesão doutrinária (visto que a liderança leiga facilitava o surgimento de idéias contrárias às doutrinas centrais da Igreja Presbiteriana). Dessa forma, a Imprensa Evangélica servia de subsídio para essa liderança leiga que nem sempre era assistida com a presença constante dos ministros presbiterianos. Alderi Matos afirma que numa época em que havia poucos pregadores, principalmente no interior, o periódico instruía, edificava e incentivava as pequenas comunidades. Era comum, em muitos lugares isolados, o dirigente leigo ler para a congregação os sermões e estudos da Imprensa durante as reuniões. Em Ubatuba, a igreja nasceu como resultado da sua leitura, antes da chegada dos primeiros pregadores 3. Nesse sentido, saíam publicações em série como Instrução e Culto Doméstico e Breve Catecismo Para Meninos que visavam instruir os líderes leigos nas celebrações do culto doméstico, bem como garantir certa uniformidade e homogeneidade à fé protestante em terras brasileiras. Dessa forma, podemos concluir que o jornal impresso Imprensa Evangélica publicado pelos missionários presbiterianos no Brasil tinha, desde sua fundação e até o final do século XIX, quando deixou de ser publicado, múltiplas funções, que visavam tanto expor os ideais protestantes entre as elites brasileiras quanto instruir o culto doméstico no centro-sul brasileiro (a despeito de toda sua difusão) garantindo certa homogeneidade ao credo da Igreja Presbiteriana do Brasil. Nesse sentido, Marco Aurélio Monteiro Pereira afirma que o referido jornal surge como instrumento de construção de novas territorialidades religiosas no Brasil oitocentista que se apresentavam como alternativas ao Catolicismo Romano 4. A Imprensa Evangélica contribuiu para uma reconfiguração dos limites da liberdade religiosa no Brasil Imperial, na medida em que ampliava essas territorialidades evangélicas. Bibliografia 3 MATOS, Alderi Souza de. A Atividade Literária dos Presbiterianos. Disponível em Acesso: 23/09/ PEREIRA, Marco Aurélio Monteiro. Territorialidades Religiosas no Brasil Oitocentista: A Imprensa Evangélica e a Implantação do Presbiterianismo no Brasil ( ). Revista Brasileira de História das Religiões. Setembro de 2008.

6 CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo e Política: teoria bíblica e prática histórica. Viçosa: Editora Ultimato Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824). Documento disponível em: Acessado em 30/04/ FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, Imprensa Evangélica. Números de 1 a 28. LEMBO, Cláudio; HILSDORF, Maria Lucia; MATOS, Alderi Souza de. Simonton, 140 anos de Brasil. São Paulo: Editora Mackenzie, MATOS, Alderi Souza de. A Atividade Literária dos Presbiterianos. Disponível em Acesso: 23/09/2008. MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: EDUSP, PAEGLE, Eduardo Guilherme de Moura. Uma breve análise historiográfica do protestantismo brasileiro e suas tendências atuais. Anais do 23º simpósio da ANPUH, PEREIRA, Marco Aurélio Monteiro. Territorialidades Religiosas no Brasil Oitocentista: A Imprensa Evangélica e a Implantação do Presbiterianismo no Brasil ( ). Revista Brasileira de História das Religiões, RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo no Brasil Monárquico. São Paulo: Pioneira, SIMONTON, Ashbel Green. O Diário de Simonton. São Paulo: Editora Cultura Cristã

7 VIEIRA, David Gueiros. O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil. Brasília: Editora UnB, WATANABE, Tiago Hideo Barbosa. A Construção da Diferença no Protestantismo Brasileiro. Revista Aulas, nº 4, 2007.