HISTÓRIAS DE UM CANTO DO MUNDO

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1 APRESENTA HISTÓRIAS DE UM CANTO DO MUNDO Memórias de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul HISTORIAS DE UN RINCÓN DEL MUNDO Memorias de Porto Alegre y del Rio Grande del Sur Concepção e Direção Geral: Deborah Finocchiaro Pesquisa e Texto: Rosina Duarte Direção Musical: Cau Netto HISTORIAS DE UN RINCÓN DEL MUNDO 3

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7 7. A Forca A maldição dos injustiçados é a pior de todas as pragas. Nem mesmo a casa de Deus está livre dela. É por isso que a Igreja das Dores levou quase um século para ser concluída. Para conhecer esta triste história, vamos recuar no tempo. É dezembro de 1832 e algo especial está acontecendo na cidade. O ar está tão impregnado de eletricidade, tão denso que parece possível cortá-lo com uma faca. É dia de enforcamento. Os soldados são os primeiros a chegar ao largo da Forca, onde o sinistro anel de corda pende do cadafalso, armado especialmente para a ocasião. Na véspera, eles próprios ajudaram a capinar o local e agora lá se encontram para aprender o quanto é dura a Justiça do império. Um burburinho que lembra o arrulhar de pássaros assustados com um incêndio na floresta anuncia a chegada dos escolares. A mestra os adverte: Calados, todos vocês. Não estão aqui para se divertir, mas para saber o que acontece com os maus. Mais tarde, quando voltarem à escola, ela própria lhes aplicará a palmatória, para que a lembrança não se apague depressa. HISTORIAS DE UN RINCÓN DEL MUNDO 33

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9 11. O Lingüiceiro Que sentiriam vocês se eu lhes dissesse que somos todos canibais? Se acreditassem, pelo menos um pouco, sentiriam um frio subir pela espinha. Este arrepio gelado percorreu a população de Porto Alegre, numa manhã de abril de 1864, quando um cachorrinho vira-lata desvendou o pavoroso caso da Rua do Arvoredo - hoje chamada Fernando Machado. O animal ganiu e chorou, sem trégua, na porta do casal de assassinos que havia matado seu dono e sabe-se lá quantos mais, transformando-os em lingüiças. Os autores dos crimes se chamavam Catarina Palse e José Ramos. Ambos eram portadores de trágicos destinos. Ele havia assassinado o próprio pai. Ela, nascida na Hungria, tinha sido violentada barbaramente aos 12 anos e assistido ao suicídio do marido no navio que a trouxe ao Brasil. Dizem que, quando foi presa e surgiu impávida diante da multidão ensandecida, muitos homens imitaram as mulheres e benzeram-se, agradecendo aos céus por não terem conhecido antes o lago manso do seu olhar. Muitas histórias se contaram sobre esse HISTORIAS DE UN RINCÓN DEL MUNDO 53

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12 14. O Chimarrão O Rio Grande do Sul é uma verdadeira colcha de retalhos: pedacinho por pedacinho de paisagens, unidas pelas estradas de asfalto, pelas picadas, pelas escarpas, pelos rios. Tem um retalho onde o horizonte é largo e o vento Minuano varre as planícies verdes onduladas, de quando em vez, pelas coxilhas. O cheiro do pasto, o grito agudo do quero-quero e um gaúcho conduzindo a tropa lá longe e nada mais até perder de vista. Neste momento se entende o significado da palavra liberdade. Rio Grande do Sul: uma Babel étnica, colcha de retalhos geográficos, povo com identidade própria, e um símbolo, o chimarrão. É esta tal beberagem amarga que a estrangeirada faz careta quando bebe e a gente nunca lembra qual foi a primeira vez que tomou. O que vocês vêem neste chazinho? me perguntou um uma vez um europeu. Fiquei pensando. Até que não é muito ruim... Mas para bom também não serve. Não é pelo gosto que a gente bebe. Então por que índios, italianos, alemães, gente de todo mundo se apaixona por ele? Por que a gente vê a cuia na mão de tropeiros, comadres, gente do povo, homens letrados, avós e adolescentes? HISTORIAS DE UN RINCÓN DEL MUNDO 67