O SUICÍDIO E O SEGURO DE VIDA Professora Gleize Póvoa
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- Linda Amália Neves Fidalgo
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1 O SUICÍDIO E O SEGURO DE VIDA Professora Gleize Póvoa Em 2009, a revista Veja publicou uma matéria intitulada de Mortes Espelhadas 1, na qual discutiu o que possivelmente leva uma pessoa a se matar. A questão foi reavivada após o suicídio de Nicholas Hughes, filho da escritora americana Sylvia Plath, também suicida. Além da mãe, também se suicidou a madrasta de Nicholas levando consigo sua meia-irmã. Ao abordar o tema a revista afirma que se supõe que a combinação de fatores genéticos com fatores sociais, incluindo ai a estrutura familiar, esteja na base do ato extremo de tirar a própria vida. Nesta mesma matéria, o psiquiatra José Manoel Bertoloti diz que em geral, o suicida enfrenta uma superposição peculiar de elementos psicológicos, biológicos, culturais e ambientais. O jornal O Globo também publicou uma matéria sobre o assunto com o título Desde 2008, a cada dez dias, um índio guarani-kaiowá comete suicídio. O líder indígena da etnia, Anastácio Peralta, disse que os índios não estão preparados para enfrentar a pressão, referindo-se a questão da demarcação de terras. Os suicídios são conseqüência do desespero, afirma ainda Erwin Krautler, presidente do Conselho Indigenista Missionário. A reportagem sobre Nicholas Hughes apresenta ainda como dado o fato de que nove a cada dez suicidas sofrem de algum tipo de transtorno psíquico. Bruno Aquilar, ao comentar o livro Suicídio de Durkheim, afirma que, para tal autor, o suicídio trata de uma ação cuja raiz reside na desorganização social. Desta forma, não pode ser encarado como uma ação individual ou decisão de caráter pessoal, sendo antes causado por uma força para além do controle humano. Freud, dentro de uma abordagem psicanalítica, estabelecia que a auto-aversão vista na depressão originava-se da raiva em direção a um objeto de amor; raiva que a pessoa desviava para si mesma. O suicídio seria a expressão máxima desse fenômeno, Freud não acreditava que houvesse suicídio sem o desejo reprimido de matar alguém. Não precisamos ser médicos para entender que, regra geral, o suicida não se encontra no seu juízo perfeito; age em desatino. A vida é um bem tão precioso e único 1 REVISTA VEJA. Mortes espelhadas. Pp. 92/93. 1 de abril de n.13. Ano 42.
2 que o ser humano fará de tudo para preservá-la, qualquer que seja a causa do seu infortúnio. Sobre o assunto afirma Bechara Santos (1999, p. 376) o suicídio, autodestruição do homem, deve ser compreendido como conseqüência de um estado de desequilíbrio mental, de um instante de insensatez, um curto-circuito nas ligações da mente humana. Só em um momento desses, o homem será capaz de eliminar-se da própria vida, pois se ainda lhe resta, num quadro de desespero ou derrota, um pouco de raciocínio, o homem reage impulsionado por aquela mola do instinto de preservação da vida e vai em frente vencendo, ou fica parado, vencido. Mas matar-se, nunca, porque a vida, apesar do negrume, ainda se estende a seus olhos. Percebe-se que o tema suicídio é delicadíssimo, exigindo atenção especial caso por caso. Quando se aborda a questão do suicídio e suas relações com o contrato de seguro esta pode se tornar uma situação ainda mais delicada. Não se poderá generalizar a situação, tratando-se todos os suicídios como premeditados, isto é, programados em momento de higidez mental do segurado. Daí a sabedoria da Lei em negar valor à cláusula contratual excludente do dever de pagamento do capital por suicídio do segurado, exceto na hipótese prevista no artigo 798, caput, do Código Civil. Conforme o dizer de Plácido e Silva (apud SANTOS,1999, p.375) entende-se como suicídio a auto-eliminação, ou a morte de pessoa provocada, por ela própria, voluntariamente, empregando contra si mesmo meios violentos. Caio Mário da Silva Pereira (2006) nos ensina que o antigo Código Civil de 1916 impedia o beneficiário de reclamar a indenização se o segurado morresse por morte voluntária, como, por exemplo, o suicídio premeditado. Contudo, Venosa (2005) nos ensina que, havendo fatores externos, alterações de saúde e psiquismos dai decorrentes, provocadores do suicídio, não se isenta a seguradora de pagar. Já o Código de 2002 deu tratamento diferenciado nas hipóteses de suicídio. O art. 798 do NCC prescreve que: o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato ou de sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
3 Segundo Pereira (2006, p. 467), esta regra deve ser interpretada no sentido de que após dois anos da contratação do seguro presume-se que o suicídio não foi premeditado. Se o suicídio ocorrer menos de dois anos após a contratação do seguro caberá à seguradora demonstrar que o segurado assim fez exclusivamente para obter em favor de terceiro o pagamento da indenização. Aliás, a previsão legal do suicídio premeditado, não coberto pelo seguro, parece não passar de apenas uma cautela do legislador, já que no nosso mundo acontecem coisas impensáveis, não sendo a radicalização boa companheira. A propósito, o caput do artigo 798 do Código Civil mostra-se como uma precaução para se afastar qualquer estímulo ao suicídio premeditado, já que permite à seguradora estabelecer e fazer constar do contrato um prazo de carência de dois anos. Seria muita loucura, e somente isto já seria suficiente para afastar a premeditação, o fato de o segurado programar suicídio para daí a mais de dois anos da celebração do contrato, ou da sua recondução, depois de suspenso. Toma-se aqui, a título de algum modo de comparação, uma das razões para a pessoa testar: a certeza de se encontrar no juízo perfeito quando da manifestação unilateral de sua vontade tal é a natureza jurídica do ato de testar -, por isso sendo válido, pois não saberá até quando conservará a higidez, ciente de que, na sua falta, não mais terá como fazer cumprir a sua vontade. Ora, pela mesma razão poderá uma pessoa fazer seguro de vida sem estar programando o suicídio; saberá, porém, que o futuro é indecifrável, não podendo excluir a hipótese de cometer esse ato num momento de desatino, de perda do seu juízo perfeito. Por isso, no plano material, terá o direito de se precaver, não deixando desprotegidos os seres que lhe são caros. Assim é o enfoque dos juristas Pablo StolzeGagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2009, p. 539/540): Questão das mais delicadas, envolvendo o seguro de vida, diz respeito ao suicídio cometido pelo segurado. Aliás, em todos os tempos, povos e, especialmente, religiões, a temática do suicídio é extramente complexa. E a sua ocorrência pode gerar repercussão jurídica no contrato de seguro de vida, digna de detida análise.
4 Antes da entrada em vigor do novo Código Civil, a matéria era regulada por duas súmulas, a saber: No Supremo Tribunal Federal: Súmula 105 Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro. No Superior Tribunal de Justiça: Súmula 61 O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado ( 2ª seção, j , DJ, , p ). Da simples leitura desses dois enunciados, forçoso concluir que o entendimento dos nossos Tribunais superiores era no sentido de não admitir a cobertura do seguro, caso o suicida haja premeditado o ato que ceifou a sua vida. Vale dizer: não haverá direito à indenização se se provar que o segurado celebrou o contrato como parte de um plano fatal, visando a amparar patrimonialmente os seus entes queridos. A contrario sensu, não havendo premeditação (obviamente não para o ato suicida, mas, sim, para a percepção do benefício), o suicídio será considerado um acidente pessoal, gerando o dever de pagamento da prestação pactuada, conforme, inclusive, vinha decidindo o STJ. O mesmo art. 798, em seu parágrafo único, colocou fim a uma discussão presente durante a vigência do Código de 1916, prescreve tal artigo que: ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado. Encerrando fundadas dúvidas sobre o contrato de seguro que ainda existiam em razão do cometimento do suicídio, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgamento, decidiu que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida. A maioria dos ministros entendeu que o dispositivo do Código Civil de 2002 que trata do tema traz um critério temporal objetivo, que não dá margem a interpretações subjetivas quanto à premeditação ou à boa-fé do segurado. Essa nova decisão alterou o entendimento que vinha sendo adotado pelo STJ desde 2011 que era no sentido de que em caso de suicídio cometido nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, a seguradora só estaria isenta do
5 pagamento se comprovasse que a contratação foi premeditada por quem já pretendia se matar e deixar a indenização para os beneficiários. A ministra Isabel Gallotti explicou que, ao contrário do código revogado (Código Civil de 1916), não há no novo Código Civil referência ao caráter premeditado ou não do suicídio. Para ela, a intenção do novo código é justamente evitar a difícil prova de premeditação. Em síntese, podemos perceber que o legislador atuou no sentido de tentar proteger os entes queridos beneficiários do suicida, que nem sempre premedita tal ato, mas também quis proteger as seguradoras, estipulando um prazo de carência para que elas pudessem dispor dos recursos necessários ao pagamento das prestações devidas.
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