CHÁVEZ E A DESCONSTRUÇÃO DA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA

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1 CHÁVEZ E A DESCONSTRUÇÃO DA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA Marcelo Rech, Editor do InfoRel inforel@inforel.org No dia 1º de maio, o presidente boliviano Evo Morales, decretou a nacionalização das plantas de petróleo e gás natural do país. Numa decisão unilateral, ele cumpria uma promessa de campanha, afirmando que a decisão vai gerar empregos e melhorar a vida dos bolivianos, o que não é verdade. Em toda a sua história, essa é a terceira vez que a Bolívia reestatiza suas reservas minerais. Desta vez, Evo Morales terá de arcar com as conseqüências, pois os tempos mudaram. Se a Bolívia é auto-suficiente em gás, depende de contratos com empresas estrangeiras para poder explorar suas riquezas. Passada a Cúpula América Latina União Européia, realizada em Viena (Áustria), pudemos perceber um sensível recuo do presidente boliviano que não admite indenizar a Petrobrás. Morales foi recebido com frieza pelos europeus. O mesmo ocorreu com Hugo Chávez, que além de ser enquadrado pelo Papa Bento XVI, foi escanteado pelos líderes da União Européia. O respeito aos contratos está diretamente relacionado aos investimentos que fazem na América Latina. O líder cocaleiro que recebeu o apoio integral do governo brasileiro para eleger-se presidente da Bolívia, tomou as refinarias

2 da Petrobrás com o Exército, num gesto hostil desnecessário marcado pela espetacularização da medida. Como resposta, recebeu uma reação pífia do Brasil. No entanto, o simbolismo do gesto foi recebido com apreensão e choque por parte da Comunidade Européia. Para muitos desses líderes, Evo Morales pareceu um golpista no melhor estilo latino-americano dos anos 60 e 70. José Luiz Rodríguez Zapateiro, primeiro-ministro da Espanha, foi duro e objetivo: que a Bolívia arque com as conseqüências dos seus atos. Segundo ele, a nacionalização das reservas exploradas pela Repsol YPF não é com a Espanha e sim com a Argentina de Nestor Kirchner. Também afirmou que investimentos espanhóis na Bolívia serão repensados. Resta saber se Evo Morales terá como criar os empregos que serão extintos por conta de sua política ideológica. Morales havia afirmado que o período de saques das riquezas naturais do país pelos estrangeiros, havia chegado ao fim. Foi aplaudido por Hugo Chávez e estimulado por Luiz Inácio Lula da Silva, que se negou a endurecer as relações com o aliado. Lula só reagiu depois que a opinião pública começou a enxergar nele, um líder de fachada, incapaz de fazer valer as regras do jogo. Permitiu que Hugo Chávez fizesse crescer sua liderança pseudo-revolucionária e mostrou ao mundo que não é confiável quando o assunto é a integração dos sul-americanos. Embora dependente da venda do petróleo e do gás, Evo Morales humilhou a diplomacia brasileira, que se disse pega de calças curtas em meio ao choque e a surpresa com a decisão. Além de manter as tropas nas dependências das refinarias, Morales acusou a Petrobrás de fazer chantagem ao congelar os investimentos no país. Foi além, ao afirmar que a empresa faz contrabando e que explora as riquezas energéticas do país com base em contratos ilegais. Lula nada disse. Coube ao ministro Celso Amorim, endurecer o discurso, cogitando a retirada do embaixador brasileiro em La Paz. Para o presidente brasileiro, o mais importante é garantir o abastecimento do gás para uso veicular, doméstico e industrial.

3 Tudo que ele não quer é uma crise no abastecimento, algo inimaginável em ano eleitoral. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a diplomacia brasileira falhou e não tem mais condições de negociar um acordo com a Bolívia. Os industriais exigem participação nas conversações com os bolivianos e não admitem que Hugo Chávez participe de uma discussão que deveria ser bilateral. O Brasil importa cerca de 30 milhões de metros cúbicos de gás da Bolívia, onde a Petrobrás atua há dez anos e é responsável por 20% do Produto Interno Bruto. O gasoduto Bolívia - Brasil (crédito do mapa: ecen.com/eee10/gasp.htm) Cerca de 24% de tudo que a Bolívia arrecada é fruto da atuação da estatal brasileira que emprega três mil bolivianos e gera milhares de outros empregos indiretos. No entanto, Lula se deu por satisfeito com a garantia verbal de Morales de continuar enviando o gás.

4 Coincidentemente, o anúncio veio logo após Morales desembarcar de uma viagem à Havana, onde firmou com os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Fidel Castro, de Cuba, um acordo comercial alternativo aos Tratados de Livre Comércio que os Estados Unidos acabam de firmar com Peru e Colômbia. Mas, o presidente venezuelano insiste em garantir que nada tem a ver com a decisão boliviana. Na prática, Chávez tem o controle político da região, ainda que sustentado pelos petrodólares da PDVSA. Para Lula, o mais importante é garantir outro mandato presidencial. Esquece que o projeto de integração pregado por ele está desmontando graças à ideologização bolivariana. Também não podemos esquecer que a popularidade do presidente boliviano despencou em abril, para menos de 50%, com destaque para as quedas significativas nas regiões de Santa Cruz de La Sierra, El Alto, Cochabamba e La Paz, onde ele é mais forte e onde se concentram grande parte das riquezas bolivianas. Agora, ele tenta obter maioria no Congresso que vai escrever a futura Constituição boliviana. Nada como um discurso incendiário e nacionalista para ludibriar os pobres bolivianos. Passadas as eleições, Morales deverá retomar o diálogo pragmático para não perder as empresas que ainda se mantêm no país. O gesto, nacionalista e de forte caráter simbólico para o processo de integração sul-americana, colocou a política externa brasileira numa saia justíssima. Como aceitar que um país como o Brasil não tenha condições de antecipar-se a uma decisão dessa natureza? Como pregar uma integração quando se é traído desta maneira? Onde estava Marco Aurélio Garcia, o assessor internacional de Lula que posa como a principal autoridade diplomática do país e que esteve na Bolívia dezenas de vezes para assegurar os interesses do Brasil e da Petrobrás? E o Itamaraty, ignorou a Bolívia por que Garcia era o enviado especial ao país? Lula teve que sentar com Morales na Europa, bem longe de Chávez para lhe dar um recado sutil a respeito da crise. O mal-estar provocado pela decisão, atinge a todos na América do Sul. Deixou claro, depois do leite derramado, que ao cumprir uma promessa de campanha, Morales deu um tiro no próprio pé graças

5 ao padrinho Hugo Chávez, que exporta sua revolução bolivariana por conta dos estratosféricos preços do petróleo, mas que no plano interno relega a Venezuela à miséria. Apesar de Chávez consolidar-se como o principal líder político latino-americano, para o bem ou para o mal, os venezuelanos pouco usufruem da riqueza nacional. A Venezuela possui a maior reserva de gás natural do continente. A Bolívia, a segunda. O Peru também tem grandes reservas e a China está de olho no desfecho da crise. Em dois anos, um gasoduto entre Bolívia e Peru estará concluído e a China já garantiu que paga US$ 12 dólares por metro cúbico. O Brasil paga algo em torno de US$ 3. Entretanto, foi preciso nacionalizar suas plantas para que o país fosse incluído no projeto do gasoduto sul-americano, que, saindo do papel, terá oito mil quilômetros de dutos entre Puerto Ordaz, na Venezuela, e Buenos Aires, na Argentina. A obra levará sete anos para ser concluída e custará cerca de US$ 25 bilhões. Sua viabilidade ainda não é assegurada pelos técnicos e em agosto, Chávez reunirá os sócios em Caracas para ver se o projeto tem futuro. Com o apoio de Chávez, Morales desafiou a Petrobrás a abandonar o país ou deixar de investir na expansão das plantas de gás. Respaldado pelo venezuelano, ele acredita que os brasileiros podem ser substituídos por bolivianos treinados pela PDVSA, a estatal petrolífera venezuelana que sustenta Chávez no poder. Trata-se de uma dobradinha estranha e de difícil assimilação, pois todos deveriam estar trabalhando para evitar problemas e não para acirrar os ânimos como faz Hugo Chávez que já brigou com a Colômbia, México e Peru. Embora a nacionalização seja um direito soberano da Bolívia, Evo Morales não percebe que está sendo manipulado. E o mundo já percebeu que Chávez é um fator de desestabilização na região. Não se trata de um discurso alinhado com o pensamento norteamericano, mas baseado em fatos. Como a Venezuela, quinto maior produtor de petróleo do mundo, não consegue resolver seus dramas sociais? Entre outras

6 coisas, por que as ambições anti-norte-americanas de Chávez colocam seu povo em segundo plano. O presidente priva a população pobre das vantagens obtidas pelos petrodólares, 80% deles, pagos pelos Estados Unidos a quem demoniza sistematicamente. Ou seja, ele não quer que os demais países negociem com Bush, mas não abre mão de vender para o Tio Sam. Por outro lado, é curioso perceber que o Brasil não recebeu a solidariedade de ninguém. A Argentina só deu seu tímido apoio, a portas fechadas, na retórica reunião de emergência realizada em Puerto Iguazú e que não serviu para nada. Tabaré Vazquez estava com Bush negociando um TLC para o Uruguai e estudando retirar-se do Mercosul. Nicanor Duarte, do Paraguai, ignorou a questão, tal qual fizeram os presidentes da Colômbia, Peru, Equador e Chile. Lula não conseguiu reverter a situação. Não conseguiu sequer, sensibilizar Morales a retirar as tropas das refinarias, algo salutar, pois Brasil e Bolívia não estão em guerra e nada justifica tal atitude. Para piorar, Lula ainda anunciou que a Bolívia precisa ser ajudada e que aguardará uma lista com as demandas bolivianas, pois o país tem 63% de sua população vivendo na miséria. Ele quer ver como contribuir para mudar essa realidade. Foi fraco e hesitante, tudo que não se espera de um líder. Esqueceu que o Brasil perdoou uma dívida de US$ 52 milhões da Bolívia e atuou para que o Banco Mundial também perdoasse a dívida boliviana de US$ 1,5 bilhão com a instituição. Além disso, o Brasil está construindo com recursos do BNDES, uma ponte entre Brasiléia, no Acre, e Cobija, na Bolívia, medida que vai contribuir significativamente para o desenvolvimento da região fronteiriça, com forte apelo estratégico na região amazônica. Por mais que se compreenda a situação, Lula tem o compromisso constitucional de agir com firmeza para que os contratos sejam cumpridos. Ele mesmo foi à exaustão para explicar

7 ao mundo que, eleito, honraria os contratos. O aumento de 45% nos preços do gás, pretendido por Morales, é inaceitável dadas as condições impostas pela Bolívia. Não se pode ser excessivamente conciliador quando se sofre uma agressão como esta. Ao presidente Lula, faltou informação que permitisse antecipar-se. Falta, neste momento, energia para mostrar que houve quebra de confiança entre nações amigas. A crise que Lula nega existir compromete sua imagem pessoal nos planos interno e externo e obriga o Brasil a acelerar investimentos nas bacias de Santos e do Espírito Santo. Ainda assim, o Brasil só alcançaria a auto-suficiência em gás, por volta de O episódio obriga o país a repensar sua política externa e de alianças na região. O gesto de Evo Morales compromete os esforços realizados para tornar a América do Sul atraente e confiável para os investimentos estrangeiros. Não apenas a Bolívia vai pagar um alto preço, mas todos os sul-americanos, o Mercosul e a combalida Comunidade Sul- Americana de Nações. Os tempos mudaram e há socialismos que merecem ser copiados como o chileno. Mas há outros, tacanhos e estúpidos que só servem para atender a ambições personalistas de quem se acredita a própria reencarnação de Bolívar.