Sumário. Introdução...7. Independência: deixar de ser português e tornar-se brasileiro Uma nova nação, um novo Estado...31
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- Yasmin Marinho
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2 Sumário Introdução...7 Independência: deixar de ser português e tornar-se brasileiro...13 Uma nova nação, um novo Estado...31 Os tumultuados anos da Regência...49 A invenção do Brasil: a vida cultural no Império...69 Conflitos e negociação...87 O fim da escravidão A monarquia e seus vizinhos Abaixo a monarquia, viva a república Sugestões de leitura...173
3 Introdução A independência do Brasil, proclamada em 1822, marca o início de um longo processo: o da transformação da América portuguesa em uma nação, a construção política e social do Brasil. Antes colônia, seus habitantes, ao menos os colonos livres, se identificavam como súditos da Coroa lusitana. Isso não impedia a percepção por parcela deles de que sua forma de inserção no império era desfavorável. Houve momentos em que determinados grupos conspiraram para separar-se de Portugal, como os mineiros na Inconfidência de No entanto, eram movimentos circunscritos. No caso dos mineiros, por exemplo, pretendiam a independência de Minas Gerais e não de todo o território colonial. A instalação da Corte lusitana no Rio de Janeiro em 1808 teve profundo impacto nesse quadro. A colônia se transformou em sede do império. Os
4 8 História DO BrasiL império caminhos que conduziram à independência e o processo posterior foram largamente influenciados por esse novo contexto. De outro lado, por sua condição de parte integrante do império lusitano, pelas diferenças entre as regiões, com tênues vínculos entre si, a independência não foi a luta de uma nação pela sua liberdade. A colônia não se configurava como nação. Nem mesmo a unidade da América portuguesa em um só país estava definida. Ela foi a materialização, como se verá, de uma entre as alternativas possíveis. Não estava dada, de início, pois havia a possibilidade da fragmentação em vários países. O Brasil, tal como o conhecemos hoje, foi uma construção que resultou de disputas entre projetos e interesses diversos que se deram ao longo do século XIX, após a independência. Séculos de colonização haviam resultado em regiões distintas e dispersas na América portuguesa. Atividades econômicas e costumes distanciavam uma região da outra, distância acentuada pelas dificuldades de comunicação e pela relação direta de cada uma com a metrópole. Nada mais diferente de Pernambuco e Bahia, centros da agricultura canavieira para exportação, principal atividade econômica da colônia, do que o Rio Grande do Sul, com sua economia voltada à pecuária e à indústria do charque, que abasteciam o mercado interno. Ou do que São Paulo, com sua tradicional economia de subsistência e plantio de trigo, que havia sido recentemente integrada ao mercado atlântico com uma produção açucareira que não conseguia, porém, concorrer com a do Norte (que no século XIX compreendia os atuais Nordeste e Norte). Ou ainda o Pará, cuja atividade principal era a extração das chamadas drogas do sertão, riqueza proporcionada pela floresta amazônica. Mas as diferenças não eram apenas econômicas. Elas eram também de costumes e de culturas. Regiões heterogêneas e população heterogênea, separada entre escravos, libertos e livres. Negros, pardos, indígenas e brancos. Pobres e ricos. A elite que assumiu a direção política após a independência empenhou-se na organização de um Estado nacional capaz de gerir essa heterogeneidade. O que significava exercer sua soberania sobre um território definido, organizar um governo representativo e criar uma identidade nacional. Não havia consenso no interior da elite sobre o caminho a ser adotado, divergências significativas a dividiam. Diferentes projetos de Estado e de nação se confrontaram. O desenho institucional, as formas de afirmação
5 introdução 9 do Estado, o caminho para sua consolidação e expansão foram resultado de negociações e conflitos entre os diversos setores da elite, que detinham o monopólio da direção política. Existiam, por outro lado, alguns pontos fundamentais que eram partilhados pela maioria dos seus membros. A continuidade da escravidão, a preservação da economia agrária voltada prioritariamente para a exportação, a manutenção da ordem interna, em uma sociedade profundamente hierarquizada. Compatibilizar o receituário liberal com esses objetivos foi o desafio enfrentado por esta elite. Os diversos setores da população, por sua vez, atuaram de formas distintas. Escravos e homens livres pobres rebelaram-se em diferentes ocasiões em defesa de sua liberdade e por melhoria nas suas condições de vida. Mas, no caso dos homens livres, também atuaram nas brechas que o sistema oferecia. A independência foi, desse modo, ruptura e continuidade. Ruptura com a metrópole, separação do império português, que resultou em complexo processo de construção do Estado e da nação. Continuidade de algumas das características herdadas do período colonial. Continuidade relativa, pois, no decorrer do século XIX, alguns desses elementos também sofreram transformações. A América, através da colonização, se inseriu no mundo ocidental e na sua lógica política, social e econômica. A elite branca que dirigiu a organização do Estado e da nação estava imbuída do repertório de ideias europeias e norte-americanas. Ideias das quais se apropriou, adotando princípios e doutrinas, mas conferindo a elas uma interpretação condizente com a peculiaridade do contexto em que vivia. O liberalismo era então predominante. Propunha uma nova forma de organização de governo que implicava diferente relação entre Estado e sociedade. Entre as mudanças principais, estava o reconhecimento pelo Estado de que o indivíduo era portador de direitos inalienáveis, como o direito à liberdade e o direito à propriedade, que impunham limites à ação do Estado e que este tinha por obrigação defender. Ficaram conhecidos como direitos civis. Em segundo lugar, a organização do regime deveria obedecer ao princípio da representação. A tarefa de legislar caberia a uma assembleia de representantes dos cidadãos, escolhidos através de eleições.
6 10 História DO BrasiL império Dessa forma, o poder decisório deixava de ser monopólio do monarca e seu grupo. Esse tipo de regime, conhecido como governo representativo, podia assumir a forma de república ou de monarquia constitucional. Neste último caso, o rei passava a se submeter à assembleia de representantes eleitos, o Legislativo, cuja competência iniciava-se com a formulação de uma constituição que normatizaria todas as demais leis que viessem a ser promulgadas. Além disso, as funções de Estado eram divididas entre poderes que gozavam de independência suficiente para exercer suas atribuições conforme a lei e não pela imposição da vontade do rei. A ideia de cidadania trazia consigo uma nova forma de inserção social e política da população. Os indivíduos tornavam-se sujeitos portadores de direitos e participavam das decisões políticas. Em que medida a monarquia brasileira foi pautada pelos princípios do liberalismo? Como compatibilizar governo representativo com escravidão e profunda hierarquia social? Quais limites estavam dados para colocar o ideário liberal em prática em uma sociedade escravista? De que forma as fissuras sociais alimentaram e contestaram esse processo? Essas são algumas perguntas que serão enfrentadas ao longo deste livro. É preciso, porém, salientar que, no século XIX, as características dos governos representativos eram distintas das democracias contemporâneas. Não existia, por exemplo, o voto universal, nem sequer a ideia de que o direito de participação política deveria ser estendido a toda a população. Ampliava-se significativamente essa participação em relação às monarquias absolutistas, mas apenas para incluir certos setores da sociedade. Além disso, a crença de que caberia aos representantes eleitos definir o que seria o bem comum trazia consigo a ideia de que deveriam ser escolhidos indivíduos virtuosos, e isso só seria possível se os eleitores fossem também eles virtuosos. O que legitimava a imposição de uma série de restrições ao direito de voto como, por exemplo, a exigência de determinada renda ou ser alfabetizado. Por fim, o liberalismo do século XIX pautou, nos países que o adotaram, a organização de regimes nos quais à determinada elite cabia o controle político. Em uma sociedade escravista, quando a própria nação estava sendo construída, apresentava-se ainda a tarefa de definir o que era ser brasileiro, formular uma identidade nacional. Ao longo do século XIX, essa definição perpassou tanto a discussão política como a produção cultural. Criar laços
7 introdução 11 simbólicos, lealdades patrióticas, unificar em uma comunidade nacional uma população profundamente heterogênea. A mobilização de escravos e de homens livres pobres, que viviam em condições precárias, colocou em xeque tanto a escravidão como a hierarquia social. Foi um caminho de mão dupla. A organização de um regime liberal e a criação de uma identidade nacional foram instrumentos importantes para legitimar o novo Estado perante os diversos setores sociais. De modo que, no geral, a monarquia foi capaz de manter a ordem escravista. Mas teve também que enfrentar revoltas que a contestavam. Aparentemente paradoxal, foi sob o regime organizado de modo a preservar a escravidão que se deu o processo que desaguou na mais importante mudança do período, justamente o fim da escravatura. Os contextos interno e externo explicam os limites da monarquia na preservação da ordem e os diversos elementos que resultaram em alterações de grande alcance. A história do Brasil do século XIX descortina os fundamentos sobre os quais foi construído o país, suas características, o perfil do Estado, a dinâmica social, os traços que delinearam a nação. Continuidades, rupturas, mudanças parciais, outras mais profundas marcam a história da nação que começou a ser construída no início do século XIX. Conhecer esses elementos contribui para entender o país atual.
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