Mendes, em nome de quem saúdo todas as autoridades que. compõem a Mesa, a platéia, agentes políticos, técnicos em

Transcrição

1 O Sr. Marcos Salles Bom-dia a todos e a todas! Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Mendes, em nome de quem saúdo todas as autoridades que compõem a Mesa, a platéia, agentes políticos, técnicos em saúde, servidores desta Casa, profissionais de imprensa, meus senhores e minhas senhoras. A busca da cura é uma das situações da condição humana em que por infelicidade se procura e por felicidade se encontra. Mas a vida, por mais fé que se tenha em alguma dogmática religiosa, não pode, no Estado democrático de Direito, ser entregue à própria sorte. A Associação dos Magistrados Brasileiros, entidade que congrega catorze mil magistrados entre juízes, desembargadores, ministros - ativos e inativos -, comparece a esta Audiência Pública não com o propósito de potencializar divergência sei, já são muitas, e estamos aqui testemunhando essa quantidade de divergência -, mas vem, sobretudo, Ministro Carlos Alberto Direito, com a preocupação de que, a pretexto de se corrigir distorções, não se venha restringir a atuação do magistrado, em todos os seus níveis, e do Poder Judiciário como um dos poderes da República. O filósofo Nietzsche, por seu protagonista Zaratustra, afirmava com muita sabedoria:

2 Não quer mais o meu espírito caminhar com solas gastas. Decifrador de enigmas, arrumou a receita para as grandes aflições nas quais nos colocamos neste momento o Poder Judiciário nacional, os demais Poderes da República e toda a sociedade brasileira, o cidadão, sobretudo, como destinatário maior de toda essa estrutura de poder e prestação de serviço público. E ele afirmou com muita sabedoria, ao meu sentir e ao sentir da magistratura que me proponho a representar por delegação do nosso presidente, o seguinte: Juntar e compor em unidade o que é fragmento, redimir os passados e transformar o que foi naquilo que poderá vir a ser. Muito se discute hodiernamente sobre a legitimidade do Poder Judiciário para práticas de políticas públicas quando da omissão ou excesso dos demais Poderes da República. Estou entre aqueles, talvez de forma utópica, que ainda entendem que a legitimação dos Poderes não se dá apenas pelo voto do cidadão. A nossa Constituição, trilhando o caminho e o exemplo da Constituição americana, abre um espaço inovador no sentido de que alguns agentes políticos aí, nós juízes, desembargadores e ministros legitimam-se perante a sociedade de acordo com os mandamentos, princípios e

3 valores constitucionais pelo que chamo de representatividade meritória. Estou aqui diante de um dos maiores ícones do Direito Constitucional, em termos de Poder Judiciário, o colega Ingo Sarlet, da magistratura do Rio grande do Sul. Se cometi algum equívoco, Dr. Ingo, fique à vontade para corrigir, quem sabe, os meus desatinos. Estou diante também das mais exponenciais autoridades da República, todos, por óbvio, preocupados em reafirmar cidadania. Mas, partindo desse princípio de que o Judiciário se legitima como Poder da República - e porque se legitima -, nós observamos recentemente, e não só a nível de Brasil, mas a nível de várias Repúblicas no mundo ocidental, que há uma crise de representatividade, sobretudo no que diz respeito ao Parlamento. Mas há também déficit de assistência sobretudo no que diz respeito à política pública do Poder Executivo em qualquer dos seus níveis: União, Estados e Municípios. E por que isso ocorre? É fácil se constatar que muitas vezes o poder político legitimado pelo voto, na sua pureza, na sua essência e aqui não quero negar, porque sou, como cidadão e autoridade, um democrata -, que há espaços em branco; há vazios que só a Constituição, o seu Poder Constituinte originário de 1988 nos dá resposta. Por exemplo, a influência do poder econômico - e eu não vou entrar em detalhes para que não se torne um

4 discurso político, até porque todos que estão aqui sabem o que é a influência do poder econômico nas democracias, e isso é bom que aconteça, porque todos nós estamos submetidos às diversas influências que uma República democrática tem, e é do seu contexto e da sua normalidade. A sub-representação de minorias. Quantas vezes não nos deparamos, e é muito comum, Ministro Gilmar Mendes, também, no âmbito do Judiciário, a dificuldade que nós temos de julgar questões como essas, que Atienza e o Habermas, do alto de sua cultura, chamou, denominou de questões trágicas. E quanto é difícil ao magistrado - sobretudo, aquele no início da prestação do serviço, qual seja, o de juízo singular - julgar questões que lhe são postas de maneiras tantas vezes trágicas. Mas nós temos de enfrentar a influência do poder econômico, a subrepresentação das minorias e, não raras vezes, a incapacidade de lidar com temas que tragam custos políticos. Mas é para isso que chamo de legitimação democrática meritória, porque nós magistrados, em qualquer dos níveis, temos as garantias que a Constituição nos assegura, que muitas vezes soam a muitos desavisados como privilégio da autoridade, quando é garantia da cidadania. E é para isso que nós dispomos da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Para suprir esse vazio dos demais Poderes - legitimado por uma Constituição obviamente democrática para

5 que, no anseio da sociedade como prestadora de serviços que somos também essenciais e de primeira grandeza -, suprir essa deficiência, é que lanço aqui ao debate dos senhores Ministros desta Corte e ao colega Ingo Sarlet, pela sua afinidade natural e sua qualidade intelectual no trato para com as coisas da constitucionalidade. É interessante que a sociedade tenha um segmento que não esteja sujeito a esses fatores, que não eleito, mas é escolhido por mérito. E há controle, porque não me venha dizer que o juiz não é um profissional controlado. O juiz é controlado por tudo e por todos: no primeiro momento e nos autos, pelo contraditório e pela ampla defesa; no segundo momento, pelas próprias partes, pelo ministério público, pela sociedade, de uma maneira geral. Estou diante de uma entidade de representatividade nacional e que jamais se negou, se omitiu nos momentos mais difíceis da República. Refiro-me aqui, especificamente, à gloriosa Ordem dos Advogados do Brasil. Somos hoje, e muito bem, fiscalizados pelo Conselho Nacional de Justiça. A princípio, nós, juízes, reagimos, mas depois observamos que esse Conselho efetivamente veio para traçar normas administrativas com o fim de moralizar alguns descaminhos que, lamentavelmente, o Poder Judiciário também praticava a exemplo do nepotismo em alguns tribunais deste País. Está aí uma realidade posta e, inegavelmente, não se pode recuar.

6 É dentro desse controle que prego aos senhores e às senhoras a necessidade de que esse profissional legitimado pela Constituição, pelo mérito selecionado por concurso público -, que tenha, em razão dessa mesma Constituição, a mesma legitimidade dos demais membros dos demais Poderes, a exemplo do Executivo e do Legislativo. É com essa intenção, Ministro Gilmar Mendes, que nós, juízes, desembargadores e ministros e, aqui, falando no todo, em função da representatividade, não que represente a cada um, isoladamente, pensamos que as decisões judiciais despertam o debate público e podem construir uma pauta política propositiva e proativa. É por isso que nós, juízes, estamos pautado hoje na mídia e isso é muito bom! E esse ato é uma manifestação da democracia direta e participativa - quem sabe, como uma evidência de que ela se mostra porque a nossa Constituição também prega e já sugere um caminhar aonde não há caminho. Qual seja, que, na crise da representatividade possamos, não nós, juízes apenas, somos apenas um fragmento da sociedade, mas os senhores e as senhoras, como destinatário maior da Constituição que Ulysses Guimarães chamou de cidadã. É com esse propósito, nesta audiência, que parabenizo a todos os que compõem o Supremo Tribunal Federal por abrir as suas portas a cada cidadão. Vejo aqui

7 estudantes de Direito, jornalistas, médicos, enfermeiros, técnicos, agentes administrativos, agentes públicos e políticos, na sua essência, preocupados em discutir o SUS, ao qual considero, como cidadão, sou um apaixonado porque sei que é o maior plano de saúde do mundo. Mas por ser o maior, é preciso que lutemos, Ministro, para que seja o melhor. E, para que seja o melhor, é preciso corrigir algumas imperfeições. Nós do Poder Judiciário, com a minha colocação e aqui falando sob o aspecto não do Poder - porque não represento o Poder, pois a representação do Poder é do Ministro Gilmar Mendes e do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, mas falo aqui em nome da Associação dos Magistrados brasileiros, a Magistratura -, não queremos e não podemos ser menos do que devemos ser, mas também não devemos querer ser mais do que podemos ser. Há um pensador brasileiro às vezes pouco conhecido -, mais educador, que afirma com muita sabedoria, Ministro, que querer ser mais do que se é, é ser menos. Freud também lança algumas idéias sobre o complexo de superioridade e inferioridade, mas não é o momento para esse debate, até porque o meu tempo é reduzido e eu já venho falando muito. Não falarei das questões dos princípios constitucionais, sejam os doutrinários ou os organizativos a exemplo da universalidade, integralidade e equidade e,

8 no plano dos organizativos, a descentralização, a regionalização e a hierarquização e participação popular -, porque o tempo é reduzido, mas, ao concluir, eu tocarei em cada um desses. Todos nós sabemos sobretudo os mais velhos que a saúde pública no Brasil tem dois momentos: o pré 1988 e o pós Antes da Constituição Cidadã, tínhamos um modelo de saúde pública calcado, montado, fundado sobre a medicina privada e diretamente curativa. Era preciso que o cidadão adoecesse e pagasse um profissional, seja ele dos mais diversos níveis, para que se apresentasse a sua cura. Com a Constituição de 1988, a medicina passou, cada vez mais, e a saúde pública no Brasil a se tornarem públicas e coletivas. Mas isso traz embutido um debate que interessa sobretudo à classe médica: o debate daqueles que defendem com muita naturalidade a saúde privada e esse espaço privado de que um país democrático deve conter. Mas também existem aqueles que defendem a saúde pública, coletiva e, sobretudo, de aspectos sanitaristas, que assegurem a todos a saúde que todos nós precisamos, porque saúde é vida. Eu não concebo e respeito quem pense o contrário que vida seja apenas liberdade. Será que vale a pena ter apenas vida, se não se tem saúde? Ter liberdade, se se tem pouca saúde? Ter liberdade formal e não substancial? Ter saúde de aparência,

9 quando, na realidade, não se tem qualidade de vida, porque determinadas políticas públicas sofrem algumas falhas? E é dentro dessa perspectiva, desse embate que nós podemos lançar algumas ideias para buscar soluções dessas questões trágicas. O Estado democrático de Direito gravita em torno da dignidade da pessoa humana, tanto é que a nossa Constituição fala, afirma, reafirma diretamente o princípio da dignidade humana, e essa nossa Constituição não separou nenhum brasileiro. Nós somos, formal e substancialmente, iguais, no que diz respeito à dignidade humana, ainda que possa se tratar, em alguns momentos, de desiguais os que são essencialmente desiguais. E, dentro desse contexto, nós temos a dignidade da pessoa humana, mas temos também a inafastabilidade da jurisdição. Ora, como eu concebo um Estado social e democrático de direito em que o cidadão não pode procurar o juiz da sua comarca; em que o cidadão não pode procurar o Tribunal de sua região; em que o cidadão não pode procurar diretamente o Supremo Tribunal Federal? Porque essa é sobretudo uma Corte constitucional e caminha para se tornar cada vez mais constitucional e, quem sabe, num futuro muito próximo, abandonar os julgamentos de caráter originário. E é dentro desse contexto de que, se não viabilizar a você, Maria, Pedro, Joaquim, preto ou branco, rico ou pobre, o acesso à jurisdição, porque, como

10 juiz, eu direi: eu não posso te atender, embora compreenda a tua dor. Não falarei na questão aqui do juízo coletivo, das ações civis públicas e do individual, porque tenho à minha frente o colega Ingo Sarlet. E, para falar para ele, eu confesso, prefiro ouvi-lo, em razão das várias obras publicadas nesse sentido. Nós não queremos também, Ministro Gilmar Mendes, nos transformar em juízes prescritores. Eu já ouvi essa frase de forma pejorativa, que me doeu muito a alma e o coração. Também não queremos nos transformar em gestores da chamada pejorativamente farmácia judiciária. Ou seja, como se existisse uma farmácia no Brasil e quem administrasse essa farmácia fossem os juízes, quando nós estamos trabalhando pró-cidadania. Nós não queremos também, Senhor Ministro - caminhando para concluir -, transformar o Poder Judiciário à razão de substituir os médicos. Nós não queremos escolher quem vai morrer nem quem vai viver, mas nós queremos assegurar a cada cidadão brasileiro a dignidade que a nossa Constituição assegura. Concluindo, Senhor Ministro, lançamos à proposição e ao debate cinco temas. Vou ler com rapidez, perdoe-me o equívoco. I Da legitimidade do Poder Judiciário Nacional para assegurar políticas públicas no tocante ao

11 direito à saúde, amparadas por preceitos e valores constitucionais. II Da necessidade de constituição de comissões técnicas no âmbito do SUS, dos Estados da Federação, dos Municípios, com o fim de detectar irregularidades na dispensação de medicamentos e outras ações de trato com saúde pública, a exemplo de insumos, inclusive prótese e órtese, exames, tratamento, etc., objetivando constatar a ausência da implementação de tais políticas, ou até mesmo de fraudes porventura praticadas por qualquer dos órgãos agentes e demais profissionais envolvidos com a problemática. III Regulamentar os recursos de saúde para garantir o subfinanciamento do setor, inclusive com maior repasse de recursos a Estados e Municípios. IV Prover maior participação e controle social e fiscalização dos recursos públicos. Por último, garantir que os gestores proporcionem total atenção à saúde por meio de responsabilidade sanitária e administrativa, sob pena de incorrer em ato de improbidade administrativa. Para concluir, agradecendo o espaço concedido à magistratura nacional, Senhor Ministro, peço vênia para citar a frase de um poeta paraibano, mais precisamente Geraldo Vandré, que dizia, na sua música: Para não dizer que não falei das flores; Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

12 O Poder Judiciário nacional está fazendo a sua parte, a sociedade que aqui comparece está fazendo a sua parte, as autoridades que aqui comparecem estão fazendo a sua parte. E é cada um fazendo a sua parte para que a gente possa ter no futuro, o mais breve possível, cada cidadão com a dignidade que é assegurada a cada magistrado, a cada médico e a tantos outros profissionais desse País. Um bom dia a todos! Muito obrigado.