MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Transcrição

1 N.º 1745/2018 LJ/PGR Sistema Único n.º /2018 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA RECLAMAÇÃO Eletrônico RECLAMANTE: Guido Mantega RECLAMADO: Ministério Público Federal RELATOR: Ministro Dias Toffoli Excelentíssimo Senhor Ministro Dias Toffoli, A PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições constitucionais, vem expor e requerer brevemente o que segue. I- Breve resumo Trata-se de reclamação constitucional ajuizada por GUIDO MANTEGA, contra decisão proferida pelo Juízo da 13 a Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de Curitiba/PR (SJ/PR), que recebeu denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal em 10/08/2018 contra executivos do Grupo Odebrecht; empregados do setor de operações estruturadas do Grupo Odebrecht; os ex-ministros da Fazenda Antônio Palocci Filho e Guido Mantega e os profissionais de marketing eleitoral João Cerqueira de Santana Filho e Mônica Regina Cunha de Moura, gerando a ação penal n /PR. Gabinete da Procuradora-Geral da República Brasília / DF

2 A decisão reclamada, segundo GUIDO MANTEGA, teria incorrido em afronta à autoridade da decisão proferida em 10 de abril do corrente ano, pela 2 a Turma do STF, que negou provimento ao agravo regimental interposto nos autos da PET 6986, mas determinou, de ofício, a remessa dos termos de colaboração premiada celebradas entre a PGR e João Cerqueira de Santana Filho, Mônica Regina Cunha de Moura e André Luís Reis de Santana e de eventual documentação correlata ao Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, para posterior encaminhamento ao juízo de primeiro grau competente. Com efeito, esteve em trâmite no STF a PET n. 6986, iniciada a partir de requerimento feito pela PGR a fim de que termos de depoimento prestados pelos colaboradores João Cerqueira de Santana Filho (termos n. 3,4,6 e 10), Mônica Regina Cunha de Moura (termos 6,9 e 19) e André Luís Reis de Santana (termos 0,1 e 3) fossem remetidos à 13 a Vara da Seção Judiciária do Paraná, por não envolverem pessoas com foro por prerrogativa de função perante essa Suprema Corte, por tratarem de fatos relacionados à Petrobras e por serem conexos a ações penais em curso perante a mencionada SJ 1. Inicialmente, o pedido ministerial na PET 6986 foi acolhido, em sua totalidade, por decisão monocrática proferida pelo Ministro Edson Fachin. Contra essa decisão, GUIDO MANTEGA apresentou agravo regimental. Na sessão do dia 10 de abril de 2018, a 2 a Turma do STF rejeitou o agravo regimental, mas, por maioria, determinou, de ofício, a remessa dos termos de colaboração premiada acima mencionados ao Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, para posterior encaminhamento ao juízo de primeiro grau competente. Em 11 de setembro de 2018, o relator da Reclamação, Ministro Dias Toffoli, deferiu o pedido de medida liminar, sob o argumento de que: (i) os mesmos fatos que conduziram o Supremo Tribunal Federal à conclusão de eventual pratica de crime eleitoral e de crimes comuns conexos - que foram determinantes na analise da ação paradigma para o encaminhamento dos termos de colaboração a Justiça Eleitoral -, foram deliberadamente utilizados pelo Ministério Publico Federal para denunciar o reclamante junto a autoridade reclamada, 1 Ações penais n e

3 sob a roupagem dos crimes comuns de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que, a toda evidencia, neste exame preliminar, caracterizaria doações eleitorais por meio de caixa 2. (ii) a decisão do Juízo da 13a Vara Federal de Curitiba/PR tentou burlar o entendimento fixado no acórdão invocado como paradigma, ao receber a denúncia do Ministério Publico Federal, acolhendo, sob a roupagem de corrupção passiva, os mesmos fatos que o Supremo Tribunal Federal entendeu - a partir dos termos de colaboração contidos na PET no 6986-AgR/DF - que poderiam constituir crime eleitoral de falsidade ideológica (art. 350 da Lei nº 4.735/65), por se tratar de doações eleitorais por meio de caixa 2. (iii) Ainda que não tivesse ido de encontro a decisão tomada pela Corte na PET no AgR/DF sob essa perspectiva, a decisão do Juízo da 13 a Vara Federal de Curitiba/PR, ao afirmar que a conexão entre crime eleitoral e crime federal ensejaria a obrigatória separação dos processos ao argumento de que a competência da Justiça Eleitoral não se estende aos crimes federais, também teria desatendido ao comando do acordão ação paradigma. O Exmo. Ministro Relator suspendeu o andamento da ação penal n /PR, em trâmite na 13 a Vara da SJ/PR, não apenas em relação ao reclamante GUIDO MANTEGA, mas, também, e com fundamento no art. 580 do CPP, em relação aos demais corréus João Cerqueira de Santana Filho, Mônica Regina Cunha Moura e André Luiz Reis de Santana. de julgamento. Contra essa decisão, a PGR apresentou agravo regimental, ainda pendente II Urgência no trâmite desta petição ou, conforme o caso, do agravo regimental interposto pela PGR Como antes relatado, desde o dia 11 de setembro de 2018, encontra-se suspenso o trâmite da ação penal n /PR, por decisão monocrática, a qual foi objeto de agravo regimental interposto pela PGR. O processo foi suspenso após o recebimento da denúncia. É importante informar, todavia, que, em 7 abril de 2019, GUIDO MANTE- GA completa 70 anos de idade, o que fará incidir, em relação a ele, a causa de redução 3

4 de pena prevista no art. 115 do Código Penal. Ou seja: em breve, GUIDO MANTEGA terá em seu favor prazos prescricionais mais curtos. Por outro lado, um dos possíveis resultados advindos do futuro julgamento do agravo regimental interposto pela PGR contra a decisão monocrática proferida nesta Reclamação, no dia 11 de setembro de 2018, é o reconhecimento da nulidade do recebimento da denúncia em face de GUIDO MANTEGA, nos autos da ação penal n /PR. E, caso isso ocorra, a decisão de recebimento da denúncia não terá o condão de interromper a prescrição da pretensão punitiva, sendo que a interrupção ocorrerá apenas se, e quando houver a ratificação do recebimento, a ser realizada pelo Juízo competente. Diante disso, e considerando a idade do acusado e ora reclamante GUIDO MANTEGA, tem-se que há urgência no julgamento desta petição, e, caso esta não seja acolhida, do agravo regimental interposto nestes autos pela PGR. É que, caso essa Suprema Corte acabe, ao final, reconhecendo a nulidade do recebimento da denúncia ofertada em face de GUIDO MANTEGA, nos autos da ação penal n /PR, e se tal reconhecimento ocorrer após 7 abril de 2019, ou em data muito próxima a esta, ocorrerá a prescrição da pretensão punitiva em relação ao reclamante, no que tange ao crime de corrupção passiva que lhe foi imputado, por incidência da causa de redução prevista no art. 115 do Código Penal. Requer-se, portanto, desde já, que seja dada prioridade ao julgamento desta petição e, não sendo esta acolhida, ao julgamento do agravo regimental interposto nestes autos pela PGR, sob pena de se operar a prescrição da pretensão punitiva, em relação a GUIDO MANTEGA, no que tange ao crime de corrupção passiva que lhe foi imputado na ação penal n /PR. III - Perda do objeto desta Reclamação Em cumprimento à decisão proferida pela 2 a Turma do STF na PET n. 6986, o Juízo Eleitoral do Distrito Federal recebeu, no dia 12/04/2018, os depoimentos prestados por João Cerqueira de Santana Filho, Mônica Regina Cunha Moura e André Luís Reis de Santana. 4

5 Contudo, após instaurar procedimento e analisar os termos de depoimento recebidos, a Juíza Eleitoral Mônica Iannini Malgueiro decidiu, em 22/10/2018, pelo arquivamento do caso em relação aos possíveis crimes eleitorais, e, consequentemente, pelo declínio da competência à Justiça Federal em relação aos demais crimes, de natureza comum. Eis trecho da sua decisão: "Na hipótese concreta, o Ministério Público não vislumbrou qualquer linha investigativa a fim de apurar crime eleitoral. Esse Juízo, por sua vez, solicitou ao e. Relator da Pet 6986 Agr/DF a íntegra dos autos da investigação (fls. 41 e 43), não obtendo nada mais que os trechos das delações já de início apresentados (fls. 61 e mídia de fls. 63). Assim, diante dos elementos dos autos, é de acolher o pedido de arquivamento, porquanto o juiz, sujeito imparcial do processo, não pode substituir o dominus litis. Quanto ao pedido de fls , no qual Guido Mantega requer a extensão do arquivamento a todos os demais crimes, falece competência a este Juízo para tal decisão, uma vez que, somente se houvesse crime eleitoral é que se poderia falar em conexão dos demais crimes, sendo que no presente caso o Ministério Público Eleitoral não vislumbrou qualquer linha investigativa em relação à eventual crime eleitoral. (...) Diante do exposto, acolho o pedido de arquivamento do Ministério Público Eleitoral, ás fls. 36/39-v, quanto ao crime eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral), em face de ausência de linha investigativa para descortiná-lo, com as ressalvas do art. 18 do CPP e Súmula 524/STF, e indefiro o pedido de extensão do arquivamento para os demais crimes, uma vez que inexistindo materialidade do crime eleitoral não há que se falar em conexão." Relembre-se, aqui, que a decisão proferida pela 2 a Turma na PET n derivou de um juízo de cognição limitada. Por isso mesmo, nela não restou estabelecido, de modo definitivo, de qual juízo seria a competência para processar a investigação e os seus consectários judiciais que eventualmente decorressem dos termos de depoimentos objeto da PET Aliás, têm sido rotineiras as decisões do STF que remetem para órgãos jurisdicionais de todo o país, termos de depoimentos prestados por colaboradores, não havendo dúvidas, entretanto, que elas, tendo sido tomadas em caráter precário ou provisório, não fixam competência do Juízo recebedor dos termos 2. 2 Sobre esse ponto, esclarecedores são os comentários feitos pelo Ministro Edson Fachin no julgamento, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do HC n : não tenho o habito de interromper, mas se Vossa Excelência apenas me permitir para precisar que a remessa de elementos derivados de acordo de colaboração 5

6 Exatamente por ter recebido os termos de colaboração premiada em caráter precário, o Juízo Eleitoral do DF estava livre para analisá-los e, conforme o caso, decidir pela inexistência de crime eleitoral e, portanto, pela sua incompetência para processar e julgar os demais crimes, de natureza comum. Foi exatamente o que ocorreu no presente caso: entendeu a Juíza Eleitoral que, não havendo como prosseguir com o procedimento em relação ao possível crime eleitoral, a ela faleceria competência para processar e julgar os demais crimes, conexos ao suposto crime eleitoral. Diante desse fato novo, a presente Reclamação perdeu seu objeto, pois, ao fim e ao cabo, ela pretendia que, como os termos de colaboração premiada constantes da PET 6986 foram enviados à Justiça Eleitoral, a ação penal n /PR, em curso perante a 13 a Vara Federal da SJ/PR, também tramitasse perante a Justiça Eleitoral, por tratar dos mesmos fatos tratados nos termos de colaboração. Como o procedimento originado da remessa dos termos de declaração objeto da PET 6986 foi arquivado relativamente ao crime eleitoral, e declinado à Justiça Federal relativamente ao crime comum, a causa que sustentava o argumento do Reclamante quanto à competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar a ação penal n /PR deixou de existir. Veja-se que a Justiça Eleitoral já definiu, em decisão proferida em caráter definitivo, que não há crime eleitoral a ser investigado oriundo dos termos de colaboração objeto da PET III Conclusão Diante disso, a PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA requer: premiado, como obviamente Vossa Excelência muito bem se inteirou desses temas, é uma remessa que se faça em declinação de competência. E sem definição do destinatário como juízo competente. Às vezes há no Supremo Tribunal Federal um ou outro caso, uma dissonância de definir-se qual é o juízo destinatário. Mas não creio haver dissonância ao fato de que a remessa por si só não define a competência. Apenas esse elemento que obviamente em nada afasta as premissas de Vossa Excelência. 6

7 (i) seja dada prioridade ao julgamento desta petição e, não sendo esta acolhida, seja dada prioridade ao julgamento do agravo regimental interposto nestes autos pela PGR, sob pena de se operar a prescrição punitiva em relação a GUIDO MANTE- GA, no que tange ao crime de corrupção passiva que lhe foi imputado na ação penal n /PR. (ii) seja reconhecida a perda do objeto da presente Reclamação, com a consequente revogação da decisão liminar proferida em seus autos, que suspendeu o andamento da ação penal n /PR, em trâmite na 13 a Vara da SJ/PR, de modo que seu curso seja retomado. Raquel Elias Ferreira Dodge Procuradora-Geral da República 7 Brasília, 30 de outubro de 2018.