As exigências da boa forma e a anorexia nervosa



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Transcrição:

As exigências da boa forma e a anorexia nervosa Ana Paula Saccol, Márcia Grisotti, Erasmo Benício Santos de Moraes Trindade Universidade Federal de Santa Catarina Anorexia nervosa; construção social do corpo; padrões de beleza ST 59 - Corpo, Gênero e saúde: reconfigurações nas representações sociais de corpo e gênero no contexto pós-moderno Introdução Nos últimos anos a Anorexia Nervosa tem sido alvo de grandes preocupações, e tem gerado polêmica em vários setores, tanto nas esferas nacionais quanto internacionais. Há um intenso movimento que circula, desde a divulgação pelos meios de comunicação, anunciando a morte de modelos, de jovens adolescentes e atrizes à histórias de personagens de novelas que sofrem deste transtorno. Também tem sido elevado o número de sites criados para promoverem o movimento Pró-Ana e Pró-Mia 1, o que tem levado alguns países a adotarem projetos de lei para banir a presença de modelos excessivamente magras nos desfiles de moda na tentativa de reverter a imagem do corpo magérrimo como sinônimo de corpo saudável. Países como Grã-Bretanha, Espanha, Itália têm lutado ativamente para banir modelos excessivamente magras das passarelas. Esse movimento está embasado na construção de uma imagem de beleza saudável que não o corpo esquelético. As novas regras dizem que modelos com um índice de massa corporal, uma medida de altura e peso abaixo de 18 estão proibidas de aparecerem nos desfiles. Já que, segundo Tessa Jovwel, secretária de Cultura da Grã-Bretanha "A promoção da beleza feita pela indústria da moda significando uma magreza excessiva está prejudicando a auto-imagem das jovens e sua saúde" (GLOBO NOTÍCIAS, 2006). Em Santa Catarina o deputado Manoel Mota (PMDB) propôs uma lei onde o patamar mínimo de massa corpórea (IMC) 2 é de 18 kg/m² para as modelos em desfiles no Estado. Como defesa, o deputado utiliza-se do argumento de que as pessoas estão correndo risco de vida, para se adaptarem a um determinado padrão corporal para poderem se apresentar nas passarelas de moda: recebemos muitas reclamações de mães e pais sobre filhas que tomavam medicamentos para emagrecer, para vomitar, até chegar à anorexia, que leva à morte (A NOTÍCIA, 2007). Ressalta também a morte da modelo brasileira Ana Carolina Reston, que em novembro de 2006, morreu aos 21 anos, em decorrência da Anorexia Nervosa com um IMC de 13,2. É de extrema facilidade encontrarmos na internet comunidades que incentivem o movimento pró-ana e pró-mia. Como exemplo mais simples, o website orkut 3. Neste site existem comunidades criadas que funcionam como espaços de interesses comuns para adolescentes que se

utilizam de práticas inadequadas para manterem o padrão de beleza cultivados e anunciados nos desfiles de moda, agência de modelos, artistas, companhias de balé, meios de comunicação de massa entre outros. Nestes fóruns as participantes trocam informações, dicas, experiências e mesmo orientações de como desenvolverem habilidades para se utilizarem da Anorexia e Bulimia na busca de um corpo magro. Estes fóruns funcionam por meios de tópicos. Um usuário cria um tópico com novo assunto, título e texto, permitindo e proporcionando aos outros participantes um debate sobre aquele assunto. Essas comunidades têm como principais usuárias, adolescentes do sexo feminino que possuem Transtornos Alimentares e que fazem verdadeiras loucuras para emagrecer, dizendo-se conscientes daquilo que querem. Muitas destas comunidades têm em sua descrição lemas como De um basta nessas pessoas que tentam te oprimir ; A vida é uma ilusão que não pode ser vivida como não queremos ; Para todas aquelas que têm mia/ana e que estão fartos de ter sua vida controlada pela compulsão, culpa, obsessão, etc ; Para que possam nos aconselhar nas horas difíceis, nos ajudar, nos dar força, e fazermos o mesmo por elas. Enfim, sermos amigos ; Deletarei tópicos inúteis e comentário de pessoas que não entendem pelo que passamos. Nós sabemos que anorexia e bulimia SÃO doenças, não precisamos de ninguém para jogar isso na nossa cara, obrigada. (ORKUT, 2006). Políticos franceses pediram no dia 15 (quinze) de abril de 2008 penas de até três anos de prisão e multas pesadas contra donos de sites pró-anorexia e publicações que encorajem garotas e adolescentes a não se alimentarem. A pena pode crescer para três anos de prisão e uma multa de 45 mil euros em caso de morte causada por anorexia. O projeto foi aprovado pela câmara de deputados do Parlamento e deve ser aprovada pelo Senado antes de se tornar lei. Especialistas afirmam que distúrbios alimentares 4 entre meninas e adolescentes são incentivados por pressões da publicidade, de filmes, da TV e outras mídias para se atingir um nível inacessível de atratividade física. " Dar conselhos a meninas sobre como mentir para seus médicos, dizer a elas que tipo de alimento é mais fácil de ser vomitado e encorajá-las a se torturarem a cada vez que elas comerem qualquer tipo de comida não é parte da liberdade de expressão, afirmou a ministra da Saúde, Roselyne Bachelot, em um discurso no Parlamento. (FOLHA ONLINE, 2008) 2 Outros tipos de informações também podem ser acessadas na internet. No site youtube (http://br.youtube.com) a disponibilização de vídeos tanto a favor como contra o movimento pró-ana e pró-mia são encontrados com facilidade por qualquer usuário. A avalanche de informações e o fato de qualquer pessoa acessar tais vídeos, independente de seu conteúdo, transforma o site num lócus de desinformação e desorientação a leigos no assunto, e mesmo para

peritos, devido as próprias contradições da ciência no que diz respeito a dietas, hábitos de vida, exercícios físicos, o que faz bem e o que faz mal para a saúde. Com embasamento na problemática apresentada, este trabalho visa problematizar o atual padrão corporal dito como belo e o que isso tem repercutido, principalmente, no cotidiano e nas representações femininas sobre seus corpos, as práticas corporais que são utilizadas e o desenvolvimento da anorexia nervosa neste processo. 3 Discussão teórica A anorexia nervosa é uma doença extremamente complexa que divide os especialistas com relação aos critérios de diagnóstico, assim como os fatores que a desencadeiam. Diferentes definições são encontradas na literatura para descrever a Anorexia Nervosa. Os critérios adotados para classificação da AN são determinados pelo DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e pela CID 10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) (GORGATI, AMIGO, 2005). Weinberg (2006) em seu estudo sobre A Avaliação Crítica da Evolução Histórica do Conceito de Anorexia Nervosa tenta compreender um quadro psiquiátrico a partir da influência da cultura. Ao confrontar o patogenético (biológico) e o patoplástico (cultural) através de uma perspectiva histórica nos aponta que este transtorno encontra nas culturas diferentes formas de expressão Atualmente no Brasil não existem estudos que comprovem a incidência e a prevalência exata dos Distúrbios Alimentares na população. Apesar da Anorexia Nervosa não representar um grave problema de saúde pública, não se tem avaliado sistematicamente a sua prevalência e a sua incidência, sabendo-se ainda das dificuldades do diagnóstico e também da recusa e não aceitação dos indivíduos no tratamento. Atualmente a indústria da beleza expandiu-se de maneira brutal e percebemos que atrelada a esta indústria, a Anorexia Nervosa tem tido maior visibilidade e afetado mulheres em faixas etárias cada vez mais novas. Os vários métodos e práticas que supostamente retardariam a velhice combinados com a crença na onipotência da medicina têm originado verdadeiros purgatórios de beleza, fazendo com que muitas pessoas direcionem sua vida somente em razão da preocupação com esta, conduzindo-se desta maneira, a padrões de patologia (NETO, 2006). A cultura pode ser considerada como um mapa que orienta o comportamento dos indivíduos em sua vida social, e viver em sociedade, é viver sob a dominação dessa lógica, se comportando segundo suas exigências, mesmo não tendo consciência disso. O ser humano nasce em uma determinada sociedade constituída por suas regras específicas e universais, no entanto, os seres humanos como sujeitos históricos são capaz de transformar e estabelecer novas regras, daí o caráter

dinâmico da sociedade e das culturas. O cérebro humano seleciona e processa as informações que lhe são oferecidas e introjetadas pela socialização. Assim, podemos afirmar que não há comportamento humano fora da cultura, ou resultante de qualquer abstração que se faça desta, sendo que a cultura só apresenta o seu próprio sentido na mente dos indivíduos. Cada sociedade tem seu corpo, assim como tem sua língua. Através da aparência de nossos corpos poderemos ter a aceitação social ou não. Representamos nele nossas expectativas e também os controles sociais. O tratamento cultural manifestado no corpo em nossas sociedades contemporâneas nos proporciona categorias fundamentais de identidade e subjetividade pessoal numa determinada cultura, assim como ao seu sistema de valores, tornando-se um determinante da identidade social. O corpo social domina a maneira como o corpo físico é percebido. O corpo individual (físico e psicológico) é adquirido no nascimento, mas o corpo social torna-se vital ao corpo físico que queira se enquadrar e compreender o que uma determinada sociedade fornece como padrões, e as expectativas que tem em relação a cada indivíduo (MUSSON, 1998). As mudanças que ocorrem no corpo podem ser reflexos de mudanças culturais, como podem também indicar como os membros de uma determinada cultura se percebem inseridos nela. O ser humano ao longo dos tempos produziu transformações tanto no mundo em que vivem, como em seus corpos, deixando marcas de suas descobertas tecnocientíficas, atualizadas em cada momento histórico, do fogo à eletricidade, do músculo ao DNA. Esses novos conhecimentos trouxeram novos olhares para esse novo corpo que é reinventado. Ao mesmo tempo em que ele inventou a técnica, por ela passou a ser inventado. Dotado de um caráter inacabado, em contínuo processo, o corpo humano permitiu que as tecnologias o invadissem, investindo-o, prolongando sua vida e sua funcionalidade (PAIVA, 2007. p. 156) Este processo passou a movimentar uma grande indústria, a indústria do belo, que vai desde o corte de cabelo, ginásticas, dietas, cirurgias plásticas, roupas adequadas, maquiagem, massagens, farmacologia, entre muitas alternativas, tendo como promessa principal a melhora da imagem corporal e a completa satisfação pessoal. É constante a avalanche de informações sobre alimentação, exercícios físicos, uso de medicamentos e vida saudável que são veiculados através dos meios de comunicação de massa (nem sempre preocupados com o impacto que isto pode causar em seus diferentes públicos), legitimando-se através do discurso científico e de seus agentes (médicos, nutricionistas, psiquiatras, professores de educação física, cirurgiões plásticos etc.). Estes discursos têm ocasionado confusões nas mentes das pessoas em relação a como proceder para melhorar a qualidade de vida e, também, a própria ciência muitas vezes está imersa em suas próprias controvérsias não chegando a um denominador comum. 4

Torna-se próprio do consumo o fato de que tudo deve ser rapidamente descartado, o próprio corpo, as suas formas, seus fragmentos e suas próteses, naturais e artificiais. A publicidade incentiva esse mercado do corpo onde cada um pode ter o corpo que deseja, tudo depende de uma escolha, uma vez, que tudo no corpo pode ser aperfeiçoado, reciclado, modificado, transformado a todo custo. O grande interesse econômico que gira com as possíveis transformações que podem ser feitas nas diversas partes do corpo, são camufladas pelo discurso da autonomia e liberdade individual, de se construir o corpo que se quer ter. Convivemos com um self-service corporal onde as formas físicas precisam ser construídas e depois desfeitas em função de designs mais valorizados, a sociedade de consumo se exibe ainda mais e os intercâmbios corporais se multiplicam e se aceleram. (COUTO, 2007). Numa perspectiva apriorística as mulheres situam-se num lócus potencializado de vulnerabilidade diante de mensagens publicitárias. Nas estratégias discursivas sobre o corpo, são justamente as mulheres, sobretudo jovens e urbanas, os objetos preferenciais dos discursos publicitários. Segundo Wolf (1992) a ideologia da beleza 5 existe de forma objetiva e universal, mas que na verdade, a beleza se tornou um sistema monetário semelhante ao padrão do ouro e que, como qualquer sistema, ele é determinado pela política e pela economia. A beleza não é universal, nem imutável, embora o mundo ocidental finja que todos os ideais de beleza feminina se originam de uma Mulher Ideal Platônica. (WOLF, 1992. p. 14-15) 5 Conclusões A beleza e o corpo magro, no decorrer da história, foram transformados em objetos de consumo. A beleza tornou-se sinônimo de dinheiro, sucesso, aceitação social. Se as pessoas não se acham bonitas, atraentes o suficiente ou estão insatisfeitas com o seu corpo encontram inúmeros medicamentos, procedimentos cirúrgicos, promessas milagrosas de beleza instantânea. Observa-se que o que cria o padrão do belo a ser consumido durante um período de tempo, é uma série de acontecimentos que interagem entre si. Desta maneira, podemos pensar em aspectos clínicos e padrões culturais que podem apontar para uma epidemia não contagiosa da Anorexia Nervosa nas sociedades ocidentais, ficando evidente e pertinente que a questão cultural é presente e que contribui como um forte argumento para justificar o aumento da Anorexia Nervosa. Os padrões estéticos ditados pela moda estão indo muito além da prescrição do que vestir, interferindo diretamente na construção social do corpo. Tais padrões têm lançado as pessoas à procura desenfreada de espelhos externos, fetiches de uma sociedade de consumo, que possibilitam a construção de uma imagem ideal. Passamos a viver num tempo de extremo inconformismo com o próprio corpo, a tal ponto que a modificação do físico através de interferências cirúrgicas, implantes e mutilações, propiciadas pelo desenvolvimento de alta

tecnologia, tornaram-se banais no nosso cotidiano. Os atributos sociais passaram a ser valorizados em detrimento dos pessoais. A quantidade de jovens e adolescentes que estão fazendo regimes exagerados para não engordar tem crescido gradativamente. Contudo, para seguir os padrões de beleza que personifiquem o corpo magro, a maioria delas acaba sofrendo de anorexia, bulimia e outros distúrbios alimentares. Hoje em dia, a exigência da boa forma pode ser considerada como uma das principais responsáveis pelo aumento de pessoas que sofrem de transtornos alimentares. Os meios de comunicação de massa, as grandes grifes da moda e os milionários desfiles de moda podem ser visto como percussores e disseminadores da insatisfação corporal que milhares de mulheres e homens têm vivenciado. Assim como Sant Anna (2001) podemos refletir e problematizar que toda esta agitação, a falta de espaços para criar, fruir e pensar sugere a assemelhação dos seres humanos a amebas, pois suas respostas ocorrem para o exterior e quase que instantaneamente aos estímulos recebidos, agindo por reflexo, e não pela reflexão. Por outro lado, também encontramos grupos e organizações que têm pensado e refletido de maneira intensa estes processos de informação/desinformação, gerando movimentos de intensa reflexão e contestação a estes acontecimentos. Investir não somente em pesquisas nesta área, mas em projetos comprometidos socialmente com uma desconstrução deste padrão corporal magro se apresenta de fundamental importância ao analisarmos o quadro atual dos transtornos alimentares em geral, e da Anorexia Nervosa especificadamente. Notas de Fim 1 - Mia como se denominam as adolescentes que possuem bulimia; Ana como se denominam as adolescentes que possuem anorexia 2 - O IMC é reconhecido internacionalmente como padrão para avaliar o grau de obesidade ou magreza de um indivíduo, este índice é uma fórmula que indica se um adulto está acima do peso, se está obeso ou abaixo do peso ideal considerado saudável. A fórmula para calcular o Índice de Massa Corporal é: IMC = peso / (altura)² 3 - O Orkut é um website de redes de relacionamentos na Internet filiada à empresa Google Inc. criada em janeiro de 2004 com o objetivo de ajudar seus membros a criar e manter relacionamentos. Em março de 2007 o site contava com cerca de 40 milhões de usuários, sendo que cerca de 60% são de nacionalidade brasileira (MOCELLIM, 2007) 4 - Além da Anorexia Nervosa, temos também como Distúrbios Alimentares: Bulimia Nervosa, Vigorexia, Ortorexia, Comer Compulsivo e Obesidade. 5 - Ela (ideologia da beleza) se transforma na Donzela de Ferro que era um instrumento de tortura da Alemanha medieval, uma espécie de caixão com a forma de um corpo, que trazia pintado os membros e o rosto de uma jovem bela e sorridente. A pobre vítima era ali encerrada. Quando a tampa se fechava, a vítima ficava imobilizada e morria de inanição ou, de modo menos cruel, morria perfurada pelos espigões de ferro encravados na parte interna do caixão. A alucinação moderna que prende as mulheres, ou na qual elas mesmas se prendem, é da mesma forma cruel, rígida e adornada de eufismos. (WOLFF, 1992. p. 22) 6 Referências Bibliográficas A NOTÍCIA 2007. Um projeto para barrar Gisele: top internacional não poderá subir nas passarelas de SC se deputados aprovarem proposta de peso mínimo para modelos. Disponível em: < http://www.an.com.br/2007/jul/22/0pot.jsp>. Acessado em 23/05/2008.

COUTO, E. S. Uma estética para corpos mutantes. In: COUTO, E. S.; GOELLNER, S. V. (orgs) Corpos Mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 41-54. FOLHA ONLINE. França quer prender donos de site pró-anorexia. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u392362.shtml. Acessado em 16 de abril de 2008 GLOBO NOTÍCIAS. Desfile em Londres deve banir modelo muito magra, diz ministra. Globo Notícia, setembro de 2006. Disponível em http://g1.globo.com/noticias/poparte/0,,aa1275622-7084,00.html. Acessado em 23/05/2008. GORGATI, S. B.; AMIGO, V. L. Anorexia Nervosa: manifestações clínicas, curso e prognóstico. IN: CLAUDINO, A. M.; ZANELLA, M. T. Guia de Transtornos Alimentares e Obesidade. São Paulo: Manole, 2005. p. 39-48. MOCELLIM, A. D. Internet e Identidade: um estudo sobre o website Orkut. 2007. 102f. Monografia. Graduação em Ciências Sociais Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis,SC MUSSON, M. T. A Cultura da Manequim, anorexia nervosa e bulimia: uma reflexão antropológica sobre cultura e doença. 1998, 119f. (Mestrado em Antropologia Social) Pós-Graduação em Antropologia Social Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: 1998. NETO, P. P. A Medicalização da Beleza. 2006, 68f. (Mestrado em Saúde Pública) Pós-Graduação em Saúde Pública Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: 2006 ORKUT. Disponível em <www.orkut.com>, consultado em 17/10/2006. PAIVA, L. L. Corpos amputados e protetizados: naturalizando novas formas de habitar o corpo na contemporaneidade. In: COUTO, E. S.; GOELLNER, S. V. (orgs) Corpos Mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. p. 143-163. SANT ANNA, D. B. Corpos de Passagem: ensaios sobre a subjetividade contelmporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. WEINBERG, C; CORDAS, T. A. Do altar às passarelas: da anorexia santa à anorexia nervosa. São Paulo: Annablume, 2006. p. 110. WOLF, N. O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 439. YOUTUBE. Disponível em: http://br.youtube.com. Acessado em 25/0/2008. 7