COMUNICAÇÃO DE INFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS PARA O MEIO RURAL



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Transcrição:

COMUNICAÇÃO DE INFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS PARA O MEIO RURAL Pesquisadora da Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura - FUNPEC, Universidade Federal do Rio Grande do Norte Aluna do Curso de Mestrado em Comunicação: Ciência da Informação - Escola de Comunicação/ UFRJ- IBICT RESUMO A transferência de informações tecnológicas é um processo de comunicação social e como tal não é isenta de ideologia. Na sociedade moderna, marcada pela oposição entre países com alto grau de desenvolvimento das forças produtivas e países com baixo grau de desenvolvimento tecnológico, a transferência de informações pode se colocar seja como instrumento de reprodução da estrutura social seja como meio de transformação das relações sociais. Sendo parte de um processo social, a comunicação de informações tecnológicas faz parte da dinâmica cultural da sociedade moderna e seu papel na implementação da mudança social pode ser colocado de modo mais claro quando se considera a transferência de informações para o meio rural. Cabe ao comunicador rural adotar um posicionamento crítico face à expansão da cultura dominante no capitalismo industrial, como forma de preservar a dinâmica cultural própria do meio produtivo rural. Descritores: Transferência de informações; Informação tecnológica; Comunicação; Comunicação rural; Desenvolvimento rural; Dinâmica cultural. 1 - PROCESSO DE COMUNICAÇÃO E TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO TÉCNICO Historicamente, as estruturas sociais têm se estabelecido em torno de uma causa predominante, as relações de propriedade e de produção, e a classe social que detém a posse dos meios de produção influi decisivamente na formação de uma estrutura social favorável à comunicação do seu domínio. Nesse contexto, o processo de comunicação se estabelece, também, como processo através do qual a ideologia do grupo dominante circula na sociedade como forma de reproduzir as relações sociais. Numa perspectiva ampla, a comunicação pode ser vista como um esforço natural de superar as contradições e diferenças entre os significados atribuídos pelas pessoas aos símbolos, assim como entre os diversos repertórios culturais. Enquanto intercâmbio de mensagens, a comunicação é interpretada como tentativa de influência mútua que somente se pode exercer mediante alteração dos significados respectivos. Assim colocada, a comunicação pode ser utilizada, também, como veículo de mudança social, isto é, como meio de superar as contradições presentes na própria estrutura de relações da sociedade 1. Noutra perspectiva, a comunicação pode ser vista como forma de superar as contradições e diferenças que marcam não somente as relações sociais entre as classes, como também aquelas que se estabelecem entre os países que fazem parte da sociedade capitalista industrial e da cultura ocidental. Na realidade objetiva dessa sociedade, as relações de propriedade e de produção se apresentam como relações de dominação e exploração e nesse quadro, a transferência de informações, colocando-se como processo de comunicação social, tem importante papel na produção ou na transformação das relações sociais, quer através da incorporação dessas informações ao processo de produção de bens e serviços, quer através do seu potencial de introduzir mudanças qualitativas nas estruturas de significação da sociedade. O capitalismo pressupõe uma divisão internacional do trabalho pela qual alguns países possuem alto grau de desenvolvimento dos meios de produção, enquanto outros são fornecedores de matérias-primas e consumidores de produtos industrializados. Nos países desenvolvidos, que dominam o processo de produção industrial, a tecnologia e, particularmente, o conhecimento técnico, desempenham papel tão importante para a atividade económica como o Ci. Inf., 13(1): 67-71, jan./jun. 1984. 67

Comunicação de Informações tecnológicas para o meio rural trabalho e as máquinas, colocando-se como bern de capital. Enquanto insumo do processo de produção de bens e serviços na sociedade moderna, historicamente o conhecimento técnico transformou-se numa mercadoria que pode ser vendida ou comprada, e que se rege pelas leis de mercado, o mesmo acontecendo com a tecnologia. Tanto quanto o trabalho, o conhecimento técnico e a tecnologia adquiriram valor de troca na sociedade capitalista moderna 2. Nesse contexto histórico e situacional, a transferência de tecnologia apresenta-se como aquisição de técnicas de produção por parte dos países que somente recentemente adotaram o sistema produtivo industrial, às Instituições que produzem conhecimento técnico nos países que tradicionalmente vêm desenvolvendo os meios de produção no capitalismo. Considerada enquanto processo de comunicação social, a transferência de tecnologia implica em transferência de conhecimento técnico ou informação, seja entre instituições e unidades produtivas seja entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas uma e outra não podem ser vistas como atividades isentas de ideologia. Por outro lado, embora a transferência de tecnologia implique necessariamente em transferência de informação, aquela somente ocorre quando são fornecidos ao receptor conhecimentos que o tornam capaz de resolver problemas e criar novas tecnologias apropriadas para suas condições específicas de produção 3. Contudo, considerando a perspectiva da comunicação enquanto tentativa de influência mútua que somente se pode exercer mediante alteração dos significados respectivos, a transferência de informações tecnológicas se coloca como intercâmbio de mensagens que têm valor não somente econômico mas também político e cultural no capitalismo. Nesse sentido, ela aparece não apenas como sistema de signos que contêm informação, ou conhecimento técnico, mas também como meio de comunicação da cultura dominante na sociedade moderna, que reproduz as relações de produção vigentes nessa sociedade. Paradoxalmente, entretanto, esse processo de comunicação de informações pode vir a se colocar como canal através do qual as relações de propriedade e de produção, que sobredeterminam as relações sociais entre as classes e, por extensão, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, sejam reestruturadas. 2 - DINÂMICA CULTURAL E COMUNICAÇÃO DE INFORMAÇÕES O conhecimento técnico, ou informação, se coloca, nesse quadro, também como produto de uma dinâmica cultural própria do capitalismo, e representa, de certa forma, a objetivação das idéias de racionalização e eficiência dominantes na sociedade moderna. É nesse sentido que se pode dizer que a informação não é neutra, pois como produção cultural numa sociedade de classes, e sendo produzida pela classe dominante nessa sociedade, não somente contém os elementos básicos da cultura dessa classe como também reproduz seu quadro de significação social, Dessa forma, a informação aparece não somente como um bem de importância vital para a produção de bens e serviços, adquirindo valor de troca na sociedade, mas é também um bem cultural, tanto quanto a tecnologia o é, ao qual se pode atribuir valor de uso, seja a serviço da classe que a produz reproduzindo as relações sociais de dominação, seja como estratégia para a classe que a consome transformando as relações de produção baseadas na divisão internacional do trabalho. Essa articulação entre os níveis cultural e econômico presente na informação tecnológica, com evidentes implicações políticas na troca de informações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, ou entre grupos sociais com modos de produção distintos, traz a adoção ou rejeição na transferência de tecnologia, ou conhecimento técnico, ao quadro conceituai da cultura, vista corno processo de produção social, colocando a comunicação de informações tecnológicas como um problema de interesse no estudo da dinâmica cultural na sociedade moderna. Enquanto processo de produção social, a análise do problema da cultura, segundo Macedo 4, "parte do reconhecimento de que não existe atividade humana desvinculada da construção de significados que passam a dar sentido à existência. Em sua vida social, os homens produzem formas de pensar essa vida e sua inserção nela. Analisar a cultura envolve a consideração do produto da atividade humana mas também (...) do modo como esse produto é socialmente elaborado". Essa perspectiva teórica é a mesma de Durham 5, para quem "toda análise de fenômenos culturais é necessariamente análise da dinâmica cultural, isto é, do processo permanente de reorganização das representações na prática social, representações estas que são simultaneamente condição e produto dessa prática". 68 Ci. Inf., 13(1): 67-71, jan./jun. 1984.

Considerando que a manifestação cultural representada pela produção e comunicação de informações tecnológicas se dá no interior do modo capitalista de produção e reproduz sua dinâmica cultural, vamos nos defrontar com o processo de homogeneização presente na sociedade moderna, através do qual a classe dominante nos países desenvolvidos e hegemônicos no capitalismo, transfere para os outros países, e neles os diversos grupos sociais, um modo de pensar-agir-sentir próprio, como forma de reproduzir as relações de produção e a ideologia. Essa tendência à homogeneização cultural, segundo Durham 5, vem se caracterizando "pela destruição das barreiras que, ainda no século passado, permitiam a elaboração de subculturas de classe relativamente autônomas (e) os fenômenos conhecidos sob a rubrica de 'cultura de massa' constituem a manifestação mais aparente dessa tendência". Nessa perspectiva, "a questão importante a considerar (...) é que há uma pretensão de uniformização que, sem destruir os fundamentos do processo de diversificação cultural, ancorados em diferentes condições concretas que resulta do próprio modo de produção, sobrepõe-se a esta heterogeneidade real em termos de uma manipulação puramente simbólica" 5. Como parte de um processo de homogeneização cultural dominante na sociedade capitalista, o qual não considera a diversidade cultural presente nas condições reais de existência dos grupos sociais que utilizam modos de produção pré-capitalistas, a comunicação de informações tecnológicas, como um problema de intercâmbio cultural, coloca-se de modo mais claro se tomarmos a questão da transferência de tecnologia para o setor agrário, nos países em desenvolvimento. 3- INFORMAÇÃO TECNOLÓGICA E MUDANÇA SOCIAL NO MEIO RURAL Considerando que a transferência de tecnologia implica em transferência de conhecimento técnico, e levando em conta de que ambas se realizam entre países com alto grau de desenvolvimento das forças produtivas e países que apenas recentemente adotaram dinâmica de produção industrial, a transferência de informações para o setor agrário apresenta-se não somente como meio de introduzir novas formas de produção, mas também como veículo para uma mudança social dirigida no sentido de adaptar o sistema produtivo e a dinâmica cultural locais, ao modelo de produção econômico e cultural dos países hegemônicos da sociedade moderna. Dado o aspecto institucional da transferência de informações nesse setor produtivo nos países em desenvolvimento, o extensionista rural se coloca como o agente mais importante na comunicação de informações tecnológicas. Entretanto, seu trabalho social tem sido limitado pelo aspecto persuasivo da comunicação e, antes de colocar-se como agente de transformação das relações entre os grupos sociais que usam a informação e aqueles que a produzem, via de regra tem proposto tão somente fazer os produtores rurais substituírem seus conhecimentos técnicos tradicionais pela moderna tecnologia oriunda dos países desenvolvidos. Contudo, apesar desses agentes da comunicação rural sofrerem a influência da estrutura social e, por conseguinte, da ideologia dominante podendo, inclusive, reforçar a dependência tecnológica com relação aos países desenvolvidos, também podem se colocar a serviço da transformação dessas relações antagônicas, promovendo o real aproveitamento da informação como insurno ao desenvolvimento das forças produtivas locais. A transferência de informações tecnológicas para o setor agrário visando modificar uma situação concreta nos países em desenvolvimento, enquanto processo de mudança social dirigida a partir da utilização do conhecimento técnico avançado, isto é, necessidades exógenas aos grupos rurais especialmente pequenos e médios produtores, pode ser entendida como uma ação de extensão ou de comunicação mas, somente neste último caso será um processo de transformação das relações sociais contraditórias que permeiam a articulação entre países na sociedade capitalista, e de reordenamento do sistema de signos da comunicação 6. Colocada a nível de bem de consumo, a informação tecnológica se propõe tão somente modernizar os sistemas produtivos locais, desprezando os modos de produção tradicionais que são parte integrante da heterogeneidade cultural nos países em desenvolvimento, e transferindo para os diversos grupos sociais locais o modo de pensar-agir-sentir da classe social dominante que, fora desses países, dirige a acumulação do capital e o desenvolvimento das forças produtivas, sem considerar a dinâmica econômica e cultural própria desses grupos. Nesse contexto, a informação tecnológica não chega, pois, a se colocar como insumo à produção ou mesmo como bem cultural, especialmente no que diz respeito ao setor agrário, sendo-lhe retirado o caráter transformador das relações sociais. Essa perspectiva modernizadora mas não transformadora das condições reais de produção Ci. Inf., 13(1): 67-71, jan./jun. 1984. 69

econômica e cultural locais, partia do pressuposto de que a comunicação de informações tecnológicas para o meio produtivo rural era um processo simples e linear, acreditando-se que a decisão de adotar, ou não, inovações tecnológicas estava baseada principalmente na persuasão, isto é, em termos de uma manipulação puramente simbólica. Entretanto, ao longo do trabalho com os produtores rurais, descobriu-se que a transferência do conhecimento técnico é um processo estreitamente relacionado não somente com a produtividade econômica, mas também com aspectos da estrutura agrária e da organização sócio-cultural própria do meio rural inclusive da relação política existente entre esses grupos e a classe social dominante no capitalismo, mesmo a nível interno dos países em desenvolvimento, onde a produção industrial vem se colocando como o setor mais dinâmico da economia. Considerando que a comunicação de informações tecnológicas não é um processo neutro, estando sobredeterminado pelo poder relativo dos participantes na sociedade capitalista no caso, os técnicos que representam o modo de produção econômico e cultural dominante e os produtores rurais, que representam modos de produção pré-capitalistas, para colocar-se como processo de influência mútua essa comunicação passa a exigir dos agentes uma tomada de posição crítica, e por extensão política, que não reproduza as relações de dominação mas supere sua contradição básica. Na transferência de informações tecnológicas para o meio rural, cabe, então, ao comunicador considerar a articulação entre a diversidade cultural predeterminada pelas condições locais de produção social, com a tendência homogeneizadora da cultura capitalista, que segue a dinâmica da produção industrial dominante na sociedade moderna e que coloca a informação tecnológica antes como bem de consumo do que como bem de produção, nos países em desenvolvimento. 4 - CONSIDERAÇÕES GERAIS Assim, espera-se ter destacado o valor da abordagem da comunicação de informações tecnológicas para o meio rural como um problema cultural, na medida em que técnicos e produtores especialmente os pequenos e médios participam diferentemente do processo de dinâmica cultural na sociedade moderna, sendo que os primeiros representam a cultura hegemônica que se propõe dominar outros modos de produção cultural. Nessa perspectiva, convém, também, destacar o valor teórico e metodológico do conceito de 'cultura popular', não em seu aspecto predominantemente urbano mas em seu aspecto tradicional, que ressalta o modo de organização e reprodução das formas de produção econômica e social no meio rural. Para o agente da comunicação de informações, interessa não somente saber como pensam-agem-sentem os produtores rurais como meio de persuadi-los a usar o conhecimento técnico moderno, mas, principalmente, deve lhe interessar conhecer a dinâmica cultural sob o capitalismo e a articulação das diversas culturas que participam, em maior ou em menor grau, desse dinamismo. Dessa forma, enquanto agentes de mudança social, os comunicadores rurais poderão levar em conta que os usuários da informação são produtores diferentes dos produtores urbanos, na medida em que, diferentemente desses últimos, não estão diretamente ligados à dinâmica do sistema produtivo industrial e, por isso mesmo, não se encontram em condições de consumir inovações tecnológicas produzidas a partir de condições exógenas à realidade local. Mesmo sendo proprietários dos meios de produção, como o são os industriais, os produtores rurais se articulam diferentemente com a dinâmica da produção da sociedade moderna, possuindo seu modo específico de produção econômica e cultural, e nele sua forma específica de transferir o conhecimento técnico indispensável à produção. Retomando a perspectiva da comunicação de informações tecnológicas também como canal de comunicação social, e nele da ideologia dominante, os conceitos de 'dinâmica cultural' e 'cultura popular são importantes para os profissionais que se colocam, na comunicação rural, como mediadores entre culturas que se distinguem pela oposição entre os grupos sociais que produzem e os que consomem a informação. Esse nível de explicação teórica dos fenômenos presentes na realidade concreta da sociedade moderna, marcada pelo sistema produtivo industrial, quando menos poderá preparar o comunicador rural para questionar o processo de transferência de informações tecnológicas enquanto processo de reprodução das relações de produção e da ideologia dominante no capitalismo, a nível internacional. E prepará-lo, a partir dessa colocação crítica, para retomar o potencial de transformação social presente na informação tecnológica, através de uma intervenção social que torne possível a revitalização dessa informação a nível da dinâmica cultural própria do meio rural, nos países em desenvolvimento. 70 Ci. Inf., 13(T):67-71,jan./jun. 1984.

lsa Maria Freire REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 DIAZ BORDENAVE, J.E. & CARVALHO, H.M. de. Comunicação e planejamento. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. 2 GOMES, M.Y.F.S. de F. Contribuição ao debate sobre política nacional de informação científica e tecnológica. Ciência da Informação, 11 (2): 45-50,1982. 3 CONTRERAS, C. a Transferencia de tecnologia a países en dasarrollo. Caracas, ILDIS, 1979 4 MACEDO, C.C. Algumas observações sobre a questão da cultura do povo. IN: A Cultura do Povo. São Paulo, Cortez & Moraes, 1979. 5 DURMAM, E. R. A dinâmica cultural na sociedade moderna. Ensaios de Opinião, n. 4, Rio de Janeiro, Ed. Enubia, 1977. FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1980. 7 ARANTES, A.A. O que ê cultura popular. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1982. 8 CHAUC M. Notas sobre cultura popular. Arte em Revista, n. 3, São Paulo, Ed. Kairós, 1980. 9 FREIRE, l.m. Algumas considerações sobre comunicação e transferência de informação. Rio de Janeiro, IBICT-UFRJ-Mestrado em Ciência da Informação, 1982. brochura. ABSTRACT Information transfer is a social communication process which obviously includes ideology. The contrast between developed and underdeveloped countries, especially in what concerns technological development, can easily be observed in modern society. Therefore, information transfer can be either a mean of maintaining or transforming both social structure and relationships. Since technological information communication is part of the social process, it is also part of the modern society cultural dynamic. Its role in the social change implementation can be clearer observed as far as information transferred to rural areas is concerned. It is considered a communicator's duty to undertake a conscious attitude towards the spread of the industrial capitalist culture, in order to preserve the countryside's own cultural dynamic. Ci. Inf., 13(1): 67-71, jan./jun. 1984. 71