Por que o grupo pertencente à classe C, e melhor posicionado no campo em relação ao grupo da classe D, se endivida mais?



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Transcrição:

V ENEC Encontro Nacional de Estudos do Consumo I Encontro Luso-Brasileiro de Estudos do Consumo Tendências e ideologias do consumo no mundo contemporâneo 15, 16 e 17 de setembro de 2010 Rio de Janeiro/RJ Por que o grupo pertencente à classe C, e melhor posicionado no campo em relação ao grupo da classe D, se endivida mais? Anna Taddei Alves Pereira Pinto Berquó Universidade Federal da Paraíba UFPB * Resumo: Ao pesquisar a obtenção de crédito pelo consumidor no Brasil foram encontrados dados interessantes envolvendo grupos da classe Média classe C e da classe D. Verifica-se que, em geral, os grupos pertencentes à classe C recorrem muito mais ao crédito que os grupos da classe D. Escolhendo o grupo da classe C que possui rendimentos entre R$ 2.490,00 a R$ 4.150,00 e o grupo da classe D com rendimentos entre R$ 830,00 a R$ 1.245,00, vê-se que aquele grupo usa 1,5% de seu rendimento em empréstimos, enquanto que o grupo da classe D gasta 1,0% de sua renda. Aplicando o método bourdieuniano tem-se a seguinte proposição teórica: por que o grupo pertencente à classe C, e melhor posicionado no campo em relação ao grupo da classe D, se endivida mais? Com base nos dados da POF 2008/2009 e da FGV pode-se supor, e apenas isso por enquanto, que o crédito esteja sendo usado pelos grupos a fim de manter sua posição e conseguir estabelecer seu padrão de gosto e estilo de vida, tornando o crédito o meio de sustentar a reprodução das suas necessidades do grupo. Palavras-chave: Crédito; Consumo; Nova classe Média. 1. Introdução * Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPB sob a orientação do Prof. Dr. Anderson Moebus Retondar. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. E-mail: annataddeiprof@yahoo.com.br. 1

Crédito é atualmente um dos produtos e serviços mais utilizados pelos consumidores. Este trabalho objetiva levantar algumas questões relacionadas à utilização da atividade creditícia pelo consumidor. Uma dessas questões trata do por que grupos pertencentes às classes, que melhor renda possuem, se endividam mais que as classes com menor rendimento. O crédito é um instrumento de intermediação financeira por essência. Mas estaria ocorrendo uma eventual mudança de uso do crédito a fim de fortalecer as relações de poder na sociedade de consumo, ou seja, uma estratégia não consciente de distinção social? Inspirado no método de Bourdieu é o que este trabalho propõe-se a responder. 2. Sociedade de consumo e crédito O crédito, assim como a moeda e o câmbio, é instrumento de intermediação financeira. O crédito constitui-se em um tipo de moeda (MAYER, 1993, p.12), sendo o poder de compra conferido a quem não tem dinheiro necessário para realizá-la ou, por outro lado, é a permissão de usar o capital de outrem. A ideia ordinária é a de que, em geral, o consumidor destina parte de sua renda para o pagamento de dívidas, utilizando muitas vezes o crédito para adimpli-las. Isto ocasiona, muitas vezes, o acúmulo de mais dívidas, e desta forma faz surgir o fenômeno do sobreendividamento, que é a quantidade expressiva de compromissos financeiros não honrados com a renda que se percebe mediante salários ou outros tipos de rendimento (TADDEI, 2008, p. 140-143). Contudo, este entendimento não parece ser a única explicação da questão. Analisando o consumo de crédito no primeiro semestre do ano passado, verificou-se que os consumidores que mais procuraram por crédito foram justamente aqueles com renda mensal superior a R$ 10 mil. Atentando para isto, vê-se que o perfil do consumidor de crédito não é somente daquele sujeito que tem uma renda mensal baixa. Neste sentido, naquele mesmo ano, o Indicador Serasa Experian da Demanda do Consumidor por Crédito divulgou que os consumidores de baixa renda, cujos ganhos mensais giravam em torno de R$ 500,00, foram os responsáveis pela queda na procura por crédito. Como qualquer objeto a ser consumido, é possível conjecturar ser o crédito instrumento de manipulação simbólica. Ou seja, é possível que esteja ocorrendo uma mudança do uso original do crédito fundada em uma provável manipulação simbólica realizada pelo consumidor, que pode estar deixando de perceber o crédito na sua valoração original 2

(intermediação financeira) para, então, propor uma alteração no seu uso. Essa alteração poderia fazer parte de uma estratégia não-consciente na luta pela alteração ou distribuição de capital econômico e, consequentemente, cultural-simbólico no campo da esfera do consumo. 3. Campo da esfera do consumo Desde o século XVIII, a conjuntura histórica do surgimento da sociedade de consumo evidencia o desenvolvimento e as mudanças da cultura material (BARBOSA, 2004, p. 18-19). A sociedade de consumo sofreu mudanças estruturais, tendo o consumo tornado-se elemento de novas relações sociais, precipuamente, no âmbito cultural. Discute-se atualmente não apenas o consumo tendo como o objetivo primordial a satisfação das necessidades, mas também o desenvolvimento cada vez maior do consumo de objetos com amplo leque de significado simbólico. Abordando o contexto histórico da sociedade de consumo Anderson Retondar afirma que a sociedade de consumo caracteriza-se, antes de tudo, pelo desejo socialmente expandido da aquisição do supérfluo, do excedente, do luxo. Do mesmo modo, se estrutura pela marca da insaciabilidade, da constante insatisfação, onde uma necessidade preliminarmente satisfeita gera quase automaticamente outra necessidade, num ciclo que não se esgota, num continuum onde o final do ato consumista é o próprio desejo de consumo. (2008; p. 138) O crédito é atualmente um dos produtos mais utilizados pelos consumidores. O porquê da expansão de seu uso é entendido, muitas vezes, pelo fato de haver, por parte do consumidor, a necessidade de complementação de renda. Parece que já se estabeleceu a idéia de que o crédito para o consumidor serve como um aparato no ajuste de sua vida econômica, ou seja, a obtenção do crédito estaria vinculada à complementação da renda: se o consumidor recebe uma remuneração aquém do que precisa para manter-se, então, ele obtém crédito. Há os que concordam com essa simples explicação. Todavia, o que se acredita totalmente explicado torna-se inquietante, principalmente quando se verifica dados como os do Indicador Serasa Experian que demonstra ser o consumidor com menor rendimento o que se endivida menos com a obtenção de crédito. Daí surge uma questão: por que os agentes melhor posicionados no campo esfera de consumo se endividam mais? Para tentar encontrar respostas foram utilizados os dados da Pesquisa de Orçamentos 3

Familiares POF realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, compreendendo o período 2008-2009. Comparativamente, foram usados os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do período 2002-2003. 4. Por que o grupo pertencente à classe C, e melhor posicionado em relação ao grupo da classe D, se endivida mais? Nos últimos anos vem aumentando a parcela da população brasileira que faz parte da Classe C a Nova Classe Média, cuja renda mensal está compreendida entre R$ 1.064,00 a R$ 4.591,00, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas - FGV. Diante disso, imagina-se que ao longo desse período os agentes que estão assim posicionados no campo esfera de consumo usem de mecanismos que os façam distintos dos grupos que pertencem às demais classes, por exemplo, a Classe D, cujo rendimento mensal está entre R$ 768,00 a R$ 1.064,00. O interesse em chamar a atenção para a Classe C e usála como parâmetro dessa investigação decorre justamente desse boom consumista direcionado a esse grupo cada vez mais crescente. Assim sendo, ao analisar os dados da POF 2008-2009, verificou-se, por exemplo, que os grupos pertencentes à classe C recorrem muito mais ao crédito que os grupos da classe D. Por que isso tem ocorrido? O grupo da classe C escolhido possui rendimentos que variam entre R$ 2.490,00 a R$ 4.150,00, e o grupo da classe D com rendimentos que variam entre R$ 830,00 a R$ 1.2.45,00. Conforme a POF vê-se que aquele grupo da classe C usa 1,5% de seu rendimento em empréstimos, enquanto que o grupo da classe D gasta 1,0% de sua renda. Construindo a proposição teórica tem-se: Por que o grupo pertencente à classe C, e melhor posicionado em relação ao grupo da classe D, se endivida mais? De acordo com Bourdieu a estrutura social é um sistema hierarquizado de poder e prestígio, sendo que referida hierarquia é determinada pelas relações econômicas (referentes à renda), pelas relações simbólicas (status) e pelas relações culturais (educação). Os grupos encontram-se em locais diferenciados na estrutura, haja vista a distribuição desigual dos recursos, denominados de capital econômico (renda, imóveis), capital cultural (diplomas, títulos), capital social e capital simbólico (prestígio, honra). Assim sendo, a posição de privilégio ou não-privilégio ocupada por um grupo ou indivíduo é definida de acordo com o volume e a composição de um ou mais capitais adquiridos e ou incorporados ao longo das trajetórias sociais (SETTON; 2010). 4

Para que o grupo da Classe C mantenha sua posição hierárquica na estrutura social significa que cada vez mais terá de se utilizar de meios que torne isso possível. E através do capital econômico que passa a deter com o crédito, fica evidente que o grupo da Classe C pode barganhar em termos de consumo um posto diferenciado Se se observar atentamente os dados obtidos da tabela da POF 2008-2009 percebe-se que o grupo da Classe C investe muito mais em capital cultural que o grupo da Classe D, enquanto que este investe muito mais em produtos para sua subsistência. Em 2008-2009, os gastos com educação foram de 2,4% e 1,2% dos rendimentos mensais respectivamente grupos das Classes C e D. Despesas com cursos regulares e cursos superiores custaram ao grupo da Classe C respectivos 0,4% e 0,9% da renda mensal, enquanto que para o grupo da Classe D 0,2% e 0,2%. No quesito periódicos, livros e revistas o grupo C gasta 0,2%, enquanto que o grupo D gasta 0,1%, isto é, exatamente o grupo C dispende o dobro em periódicos, livros e revistas que o grupo D. E quanto à recreação e cultura o grupo C gasta 1,6% de seu orçamento contra 1,3% dispendidos pelo grupo D. É também visível que o grupo da Classe C investe em capital econômico/material em relação ao grupo da Classe D. No quesito aquisição de imóveis, enquanto o grupo da Classe D dispende apenas 0,9% de sua renda, o grupo da classe C gasta 2,8%, ou seja, dispende o triplo. Observa-se que o grupo da Classe C investe mais em capital social que o grupo da classe D. Com diversões e esportes o grupo C gasta o dobro que o grupo D, respectivamente 0,4% e 0,2%. Quando o assunto é cerimônias e festas o grupo C gasta o dobro, isto é, 0,6% e o grupo D gasta 0,3% do orçamento. Já dizia Bourdieu: não é por acaso que este sistema reserva um espaço tão importante ao crédito... (Bourdieu, 2008, p.158). Mas quando o assunto é alimentos o grupo da Classe D dispende 24,8% de sua renda mensal, contra 16,70% de gastos do grupo da Classe C. Pois bem, pode-se supor, então, que o grupo da Classe C investe em capital cultural porque se tornou uma 'necessidade' em um mercado de trabalho tão competitivo que seus agentes sejam cada vez melhor instruídos (e como o diploma só não dá mais conta o jeito é partir para cultura e outros cursos como um diferencial). Os traços distintivos mais prestigiosos são os que simbolizam a posição diferencial dos agentes na estrutura social, exemplo: roupa, as 'maneiras', o bom gosto e a cultura. É como se o agente quisesse mostrar como sinal de distinção aquilo que 'lhe é essencial', sendo que na 5

verdade é algo cultivado, não é natural (Bourdieu, 2001, p.16). Também é evidente o investimento em capital econômico com a aquisição de imóveis o que garante posto distintivo aos agentes da Classe C, bem como a importância na utilização e no cultivo das relações sociais através das festas e cerimônias como evidente investimento em capital social. Supondo que o grupo da classe C quer manter-se na posição que ocupa, através das propriedades que detém, necessita de recursos que determinem e reproduzam essa posição ocupada em relação ao grupo da classe D. E o que o crédito tem a ver com esses dados? Pode-se supor, e apenas isso por enquanto, que para que o grupo da classe C mantenha sua posição e consiga manter seu padrão de gosto e estilo de vida para os demais grupos que irão reproduzir seus modelos e regras de comportamento, o crédito tornou-se o meio de sustentar a reprodução das suas necessidades enquanto grupo. Cada grupo prefere certas despesas de consumo porém o crédito supostamete serve como capital econômico na luta simbólica pela dominação. Talvez, para o consumidor ter crédito seja sinônimo de possuir status, de ter 'poder de compra'. E eventualmente para quem enxerga o crédito apenas como 'satisfação de necessidades econômicas' ou 'complementações de renda', provavelmente esteja vendo a questão de uma maneira muito simplória. O que se está em jogo, quiçá, não seja apenas complementar a renda, satisfazer necessidades. O consumidor pode estar querendo demonstrar a si mesmo que pertence a um grupo e que pode consumir; e também pode estar querendo demonstrar aos demais sujeitos o quanto pode consumir, estabelecendo assim um padrão de vida. 4. Conclusão Diante de tudo o que foi exposto, pode-se supor, e apenas isso por enquanto, para que o grupo da classe C mantenha sua posição e consiga manter seu padrão de gosto e estilo de vida para os demais grupos que irão reproduzir seus modelos e regras de comportamento, o crédito tornou-se o meio de sustentar a reprodução das suas necessidades enquanto grupo. O senso comum que diz que as pessoas adquirem empréstimo para complementar sua renda pode ter um fundo de verdade, no caso do grupo da classe D, que claramente investe mais em produtos de subsistência. Mas quanto ao grupo da classe C ainda se está longe de uma resposta definitiva. 6

5. Referências: A Nova Classe Média. Marcelo Cortês Neri (Coord.). Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2008. BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2008.. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2001. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Tabela 1.1.2 - Distribuição da despesa monetária e não-monetária média mensal familiar, por classes de rendimento monetário e não-monetário mensal familiar, segundo os tipos de despesa Brasil: distribuição da despesa monetária e não-monetária média mensal familiar (%). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2002/tab112.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2010. s.n.. Tabela 2.1.2 - Distribuição do rendimento monetário e nãomonetário médio mensal familiar, por classes de rendimento monetário e não-monetário mensal familiar, segundo a origem do rendimento Brasi: distribuição do rendimento monetário e não-monetário média mensal familiar (%). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2002/tab112.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2010. s.n.. Tabela. 1.1.2 Distribuição das despesas monetária e não monetária média mensal familiar, por classes de rendimento total e variação patrimonial mensal familiar, segundo os tipos de despesa Brasil período 2008-2009: distribuição das despesas monetária e não monetária média mensal familiar (%). Disponível em: 7

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009/defaul t.shtm>. Acesso em: 04 set. 2010. s.n. MAYER, Thomas. Moeda, bancos e a economia. Rio de Janeiro: Campus, 1993. RETONDAR, Anderson Moebus. A (re) construção do indivíduo: a sociedade de consumo como contexto social de produção de subjetividades. Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 1, p. 137-160, jan./abr 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/se/v23n1/a06v23n1.pdf>. Acesso em: 02 jul. 2009. SERASA Experian. Indicadores econômicos: demanda do consumidor por crédito. 2009. Disponível em: <http://www.serasaexperian.com.br/>. sl. sn. SETTON, Maria da Graça Jacintho. Uma introdução a Pierre Bourdieu: Pela discussão do gosto, Bourdieu denunciou as distorções na produção da cultura e na sua difusão educacional. CULT, n. 128, 14 mar. 2010. Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/uma-introducao-a-pierre-bourdieu/>. Acesso em: 04 set. 2010. TADDEI, Anna. Empréstimo pessoal: os direitos do consumidor. Nossa Livraria: Recife, 2008. THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. RAP, Rio de Janeiro n. 40 (1), p. 27-55, jan./fev.2006. VEBLEN, Thorstein. A Alemanha imperial e a revolução industrial; A teoria da classe ociosa. São Paulo: Abril Cultural, 1985. 8