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COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS XXV SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS SALVADOR, 12 A 15 DE OUTUBRO DE 2003 T91 - A9 UTILIZAÇÃO DE FUNDO MÓVEL COESIVO EM MODELOS REDUZIDOS Giorgio Brighetti EPUSP Delduque Palma Pinto FCTH José Renato Kling Cotrim GEOPROJETOS RESUMO Os ensaios em fundo móvel com material solto, com as dimensões equivalentes ao grau de fraturamento da rocha encontrada a jusante de extravasores de barragens, têm sido a técnica largamente empregada para avaliação de erosões a jusante de salto de esqui. Porém, o material solto apresenta resultados deturpados em relação com os encontrados nos protótipos. Este trabalho relata o emprego de aglomerantes junto ao material granular aplicado no modelo reduzido, com a finalidade de conferir uma coesão suficiente para reproduzir, com o maior realismo possível, as erosões encontradas nas obras. ABSTRACT The mobile bed tests with free material, with dimensions equivalent to the fracturing degree of the rock found downstream the dam dischargers have been the widely employed technique to evaluate the erosion downstream the ski jump. The free material presents distorted results if compared to those found in the prototypes. This paper relates the use of binders to the granular material to reproduce, as realistically as possible, the erosions found in the constructions. 1 - INTRODUÇÃO 1

No projeto de barragens, o dimensionamento do extravasor representa um dos itens que mais preocupam. Seu bom desempenho é fundamental para a estabilidade da obra, sendo que seu projeto relaciona tanto questões de segurança como de custo. De maneira geral, a utilização de bacia de dissipação é uma garantia maior na segurança, implicando também em maior custo. A adoção da solução em salto de esqui para dissipação de energia, apesar de se revelar de menor custo, é a que apresenta maiores incertezas quanto à segurança. Mesmo quando a utilização de salto de esqui se mostra segura em função das características da rocha, sempre existe uma certa insegurança na sua utilização pela dificuldade em se avaliar as dimensões da fossa e outras implicações do seu uso, como a criação de correntes de recirculação intensas, agitação (ondas) no entorno, formação de barras, etc. Para a previsão da fossa resultante, existe a possibilidade da utilização de equações empíricas que, além dos fatores hidráulicas, podem considerar as características geotécnicas da rocha. Faz-se uso também de modelo físico reduzido e da experiência do projetista. Se as equações permitem definir a conformação da fossa, não possibilitam a verificação das outras implicações. O modelo reduzido por sua vez pode representar os outros fenômenos que se verificam a jusante, tais como recirculações, agitação, barra e outros. Porém, é necessário que o fenômeno de escoamento/erosão que ocorre na natureza seja representado qualitativamente, no modelo físico, com o maior grau de semelhança possível. Para tanto, a representação do leito rochoso, não deve ser feita com o material granular solto, e sim com a introdução de um aglomerante que permita a reprodução do fenômeno erosivo de forma gradual, resultando taludes íngremes na fossa, como de maneira geral ocorre na natureza, e os outros fenômenos com contornos mais próximos da realidade. 2 - SEQÜÊNCIA DA EROSÃO NO PROTÓTIPO Podemos dividir a evolução da erosão sobre o leito, por efeito do impacto da massa de água lançada pelo salto de esqui, em quatro etapas: A primeira etapa seria a da liberação do bloco de dentro de sua estrutura pela ação do impacto sobre o próprio bloco e/ou sobre as fissuras, fendas, fraturas, etc. Desta ação direta pela intensa flutuação das pressões que se observam no local, os blocos são soltos, ou seja deslocados, ficando livres para se movimentarem. Outra ação do escoamento é a de soltar os blocos por efeito de forças de cisalhamento produzidas pela alta velocidade das massas de água, retirando os blocos de seus equilíbrios e também deixando-os livres para serem movimentados. 2

Na segunda etapa, os blocos que ficaram livres passam a se movimentar, tanto pela ação direta do jato, como pelo efeito da velocidade do escoamento, sofrendo entrechoques, rupturas (função da resistência dos mesmos), abrasão e ajudam a deslocar outros blocos, principalmente das paredes da fossa, sendo lançados para fora da fossa inteiros ou fragmentados, dependendo da energia disponível no processo. A terceira etapa corresponderia ao transporte dos blocos que, em função da sua dimensão, poderão se depositar nas proximidades dando origem a formação de barras ou, se forem fragmentados, deslocados para jusante. Dependendo das características da rocha do leito, de maneira geral, poderemos ter o transporte de grandes blocos no início do processo erosivo, principalmente se não existir a pré-escavação na região do impacto do jato. A última etapa é a deposição do material a jusante da fossa, em barras bem definidas e limitadas, dependendo das dimensões dos blocos transportados. Se os blocos estiverem muito fragmentados, poderão ser transportados a distâncias maiores, não formando uma barra bem definida, mas provocando uma elevação do leito do rio numa extensão significativa. O que é importante observar é que a formação da fossa não ocorre de forma imediata, o fator tempo é muito importante no processo. O outro parâmetro importante constitui-se pelas descargas líquidas, que também são totalmente aleatórias. No início do processo teremos um menor colchão de água e a ação do impacto pode ser mais intensa, dependendo da energia do escoamento. A vazão que será lançada variará no tempo, podendo haver condições em que a energia do escoamento é suficiente para soltar os blocos mas não para retirálos da fossa; em outras condições, a energia é tal que retira os blocos de grandes dimensões, não tendo energia para movimentá-los, resultando um leito estável. À medida que a fossa vai se formando, menor será a tendência da retirada de grandes blocos e o efeito de choque e abrasão vai se intensificando não somente com relação aos blocos soltos, mas destes contra os da parede. Os blocos transportados terão menor peso. A função da pré-fossa é incrementar esta situação. O que se observa na prática é que dispomos de um conjunto de parâmetros hidráulicos bem conhecidos variando aleatoriamente no tempo, e um conjunto de parâmetros geotécnicos que não são bem definidos, estando portanto nestes fatos, a dificuldade na determinação de equações empíricas a partir de resultados de protótipos. 3 - EQUAÇÕES EMPÍRICAS Vários pesquisadores procuraram definir as características geotécnicas das rochas e associá-las ao processo erosivo. Entre eles destacam-se Yuditskii (1989), Spurr (1985), Antunes Sobrinho e Infanti (1986), estes últimos autores da primeira proposta brasileira. Brito (1991), procura classificar as rochas 3

segundo critérios de resistência, fraturamento, etc., adotando coeficientes para caracterizar a resistência da rocha no cálculo da profundidade da fossa. Infanti (1995) define um índice (EMR Índice de Erodibilidade da Massa Rochosa), definindo a erosão em função da energia total da água lançada (impactante). A partir da classificação da resistência da rocha representada pelo coeficiente k, Brito propõe a utilização da expressão: 0,54 0,225 h t = k q H (1) h t = profundidade da fossa k = coeficiente que representa a resistência da rocha q = vazão específica H = carga total FIGURA 1 Faixas de valores de k, segundo vários autores. Uma observação que poderia ser feita é que este coeficiente define a profundidade não só em função do maciço, mas também de outros parâmetros hidráulicos do fenômeno utilizados inclusive por Mason (1986), tais como espessura do colchão, ângulo de incidência e diâmetro do material. Brito procurou associar a profundidade da fossa com as características do material do leito (k). A figura 1 apresenta os valores de h t (profundidade da fossa) em função de (q 0,54 H 0,225 ), para diversas faixas de valores de k, segundo vários autores. A seguir, o figura 2 apresenta os mesmos valores de h t (profundidade da fossa) em função de (q 0,54 H 0,225 ), para diversas faixas de valores de k, segundo a 4

classificação do maciço rochoso encontrado na região do impacto do jato. Esta classificação, segundo Brito (1993), estabelece uma ordem decrescente de resistência à erosão, desde o tipo I até o V. FIGURA 2 Faixas de valores de k conforme a classificação do maciço rochoso. 4 - REPRESENTAÇÃO DO LEITO ROCHOSO EM MODELO As equações disponíveis atualmente para definição da profundidade de erosão a jusante de extravasores com salto de esqui, apesar de aceitáveis dentro das hipóteses em que foram definidas, ainda não foram confirmadas satisfatoriamente em protótipos, para que possam ser aceitas. A falta de uma melhor definição teórica do problema e as próprias condições de contorno de cada obra em particular, fazem com que se recorra aos estudos em modelos reduzidos. Quando estudamos o efeito da ação de um jato em modelo reduzido, um problema de difícil solução é o de representar a rocha, especialmente, quando está muito fissurada, resultando blocos de pequenas dimensões. Esses blocos muitas vezes não apresentam sinais de alterações provocadas pelas intempéries e estão fortemente interligados entre si por um alto imbricamento. A representação no modelo desta rocha fraturada, como muitos autores aconselham, deve ser através de brita com diâmetro definido em função das condições de semelhança. Isto porque se admite que a rocha fissurada, quando sujeita à ação de um jato, comporta-se da mesma forma que um amontoado de blocos com as mesmas dimensões advindas do fraturamento, sem nenhuma relação de coesão entre si, coesão esta que ainda existe, provocada pelo material decomposto ou mesmo imbricamento no caso de rocha não fissurada. 5

Dentro destes princípios, os materiais que representam o leito rochoso no modelo estão soltos, sem a ação da coesão ou do imbricamento e, quando sujeitos à ação direta da velocidade do escoamento, são carreados de forma diferente do que ocorre no protótipo. O escoamento, no modelo, agindo diretamente sobre os blocos soltos faz com que os taludes das fossas sejam mais suaves, aumentando consideravelmente suas dimensões. No caso do jato não estar confinado lateralmente, criam-se correntes de retorno provocadas pelo desequilíbrio existente entre os níveis da água na região do ressalto e no pé do salto de esqui. Estas correntes com velocidade elevadas, arrastam os grãos do leito para o fundo da fossa, sendo em seguida lançados para jusante, aumentando a massa dos sólidos em movimento. Entretanto no protótipo, se o material rochoso estiver sujeito à ação da coesão ou do imbricamento, as fossas resultantes apresentam taludes quase verticais e as correntes de retorno não conseguem arrastar os materiais do leito. Outro fenômeno que ocorre, quando dos ensaios com brita sem coesão, é o transporte muito intenso no início do ensaio, com formação rápida de barras acima do previsto, provocando a elevação do nível da água e alterando as dimensões das fossas. A hipótese mais real é da rocha ser destruída pela ação do jato, devido à oscilação das pressões dinâmicas através das fendas, que se transmitem aos blocos. Portanto, a carga estática e a pulsação das pressões deslocam o bloco até a sua retirada do maciço. Este bloco, dependendo das suas dimensões, poderá ser lançado para fora da fossa ou ficar no fundo e somente ser arrastado com vazões específicas maiores. Em 1963, Yuditskii apresentou a sua teoria com relação ao deslocamento dos blocos do maciço rochoso e definiu uma seqüência de cálculo para se determinar a profundidade da fossa, baseado nos esforços diretos sobre os blocos, provavelmente do impacto do jato sobre a fenda entre os mesmos. Na década de 1960 alguns autores, entre os quais destacou-se Yuditskii, iniciaram uma nova técnica de representação do leito rochoso fissurado a partir de blocos cujas dimensões obedeciam às condições de semelhança, porém com os seus vazios preenchidos por materiais ligantes, tais como argamassa de cimento e areia, gesso, parafina etc. Esses materiais ligantes apresentam pequena resistência ao choque da água ou mesmo à ação da velocidade e tem por finalidade representar a coesão ou imbricamento natural existente entre os blocos. É conveniente observar que, dessa forma, quando o jato incide sobre uma determinada superfície, a sua ação atua somente sobre os blocos da camada superior e não existe uma transmissão de energia para as camadas mais profundas, através dos vazios existentes entre os blocos. No caso de representação da rocha por material solto, existe uma transmissão dessa energia para as camada inferiores, havendo um maior volume de material sob a ação do jato. A água contida nos vazios funciona como um transmissor destes esforços para os blocos das camadas vizinhas, diminuindo o efeito erosivo do jato Além do mais, coesão dificulta a movimentação das pedras por carreamento através da ação direta da velocidade do escoamento. 6

Daí, a preocupação na escolha dos traços das argamassas, para que se obtenha uma coesão mínima para as britas ensaiadas, coesão esta suficiente para não permitir o seu carreamento sob a ação de escoamento com velocidade inferiores às suportadas pela rocha do protótipo. Esta resistência ao carreamento é muito importante, quando as correntes de recirculação atingem velocidades altas, suficientes para movimentar os blocos soltos do modelo, mas não suficientes para movimentar os blocos imbricados da rocha do protótipo. A utilização de um material, que propicie uma coesão entre os blocos do leito, tem a finalidade de procurar representar qualitativamente no modelo o efeito do atrito, ou seja, o imbricamento existente entre os blocos naturais e de tornar o processo da formação da fossa no modelo mais próximo da realidade. Neste caso, a fossa passa a se formar mais lentamente, o mesmo ocorrendo com a barra. A água tem energia suficiente para carregar os blocos a distâncias maiores, resultando em barras mais reduzidas que as obtidas nos ensaios sem coesão e muito mais próxima da realidade. O volume da fossa é menor com os taludes, especialmente os laterais mais próximos dos observados nos protótipos, isto é, mais íngremes. A função do aglomerante não é a de aumentar a resistência da pedra à erosão, mas a de permitir que ocorra no modelo aproximadamente o que ocorre no protótipo, isto é, os blocos são retirados gradativamente quando é atingida a sua instabilidade. No protótipo, a ação da água cria variação de pressões (turbulência), que soltam os blocos e, dependendo do seu peso, são arremessados para fora da fossa. Em seguida, vem o ataque aos blocos inferiores e assim por diante. No modelo, com a utilização de aglomerantes, cria-se um material coesivo, onde a ação do escoamento deve primeiro soltar o bloco (erodir, lavar o material aglomerante) e depois arrastar o bloco para fora. Não falamos em reproduzir as condições de semelhança entre o comportamento da rocha natural e o material do leito. Estamos procurando representar através de um modelo analógico, o fenômeno da erosão por ação do jato. Não se pode exigir semelhança entre a fossa resultante modelo/protótipo em termos de profundidade, comprimento e largura. O que temos,. na representação com material coesivo, é uma fossa mais próxima da real, em que os blocos são retirados gradativamente. A formação da barra também é gradual e, principalmente onde é menor a ação do jato, não temos a ocorrência de erosões que resultem fictícias como as que se verificam na representação com material solto, com todas as suas conseqüências. Portanto, a utilização de um aglomerante junto com as pedras que representam os blocos naturais, é uma maneira prática de representar com mais fidelidade o efeito da ação de jatos provenientes de saltos de esqui sobre o leito de jusante. 7

O ideal seria encontrar um aglomerante que reproduzisse a resistência da rocha, isto é, do seu imbricamento, fraturamento, atritos, etc. Não sendo possível atingir tal feito, procura-se utilizar um aglomerante com uma dosagem tal que permita a erosão gradual do material do leito, pela ação do jato, mas que não seja erodido, como geralmente ocorre, pela tensão de cisalhamento provocada pelo escoamento, em especial na recirculação. Os materiais normalmente utilizados para dar esta coesão são os cimentos aluminosos e o gesso mais cimento. No caso de blocos maiores arrumados, pode ser utilizada a parafina como aglomerante. Um fator que se verificou importante para a repetitividade dos resultados, é a forma de distribuir o material no modelo. Uma pequena compressão no preparo do leito, pode alterar totalmente o comportamento da mistura, aumentando significativamente a sua resistência naquele ponto. 5 - MODELO DE ÁGUA VERMELHA O modelo reduzido tridimensional da UHE de Água Vermelha foi construído nas dependências do Centro Tecnológico de Hidráulica, em escala 1:100. Nos ensaios utilizou-se o cimento aluminoso, por ser de pega rápida, no caso de Água Vermelha, e gesso mais cimento, no caso de Candonga, juntamente com areia em vários volumes até atingir o valor máximo, suficiente para preencher os vazios do material adotado. A maior ou menor resistência foi obtida dosando a quantidade de areia para um peso fixo de cimento aluminoso, ou gesso mais cimento. Todos os ingredientes eram misturados numa betoneira e a quantidade de água utilizada era o suficiente para umedecê-los. Na utilização de aglomerantes se faz necessário, através de ensaios preliminares, definir o tempo mínimo de ensaio, tempo este suficiente para que a fossa atinja as suas dimensões máximas. Tempo Mínimo de Ensaio em Horas Escala / Vazão 5.000 11.000 16.000 20.000 1:100 2 2 3 3 As erosões verificadas no modelo de Água Vermelha podem ser observadas nas figuras 3 e 4 que se seguem: 8

FIGURA 3 Água Vermelha - Fossa de erosão em fundo móvel não coesivo, após 20.000 m3/s. FIGURA 4 Água Vermelha - Fossa de erosão em fundo móvel coesivo, após 20.000 m3/s. As dificuldades observadas na representação da rocha com material coesivo são duas: a primeira se refere ao trabalho necessário para preparar a mistura e a espera necessária para a sua cura e a outra se refere aos cuidados na distribuição do material no modelo. Apesar de todos os cuidados dificilmente, 9

para as mesmas condições de ensaio, se obtêm o mesmo resultado ou, pelo menos, fossas com características semelhantes. O grande problema é a repetitividade dos resultados, pois, na realidade, apesar da mistura ser feita com dosagens bem controladas, não consegue manter as mesmas características em cada ensaio. Sem dúvida, a dificuldade em permitir a repetitividade dos resultados tem dificultado a utilização dos materiais com coesão. 6 - MODELO DE CANDONGA O modelo reduzido tridimensional da Usina Hidroelétrica de Candonga, localizada no Rio Doce (Minas Gerias), foi construído nas dependências do Centro Tecnológico de Hidráulica, em escala 1:50, objetivando avaliar o desvio do rio, o arranjo geral em fundo fixo e em fundo móvel e aspectos do escoamento pela calha do vertedouro. Estes ensaios foram realizados em duas fases. Na primeira, os ensaios em fundo móvel foram realizados em fundo não coesivo. Sendo a topografia a jusante das margens extremamente íngreme, verifica-se que os taludes de erosão laterais se estabilizam no ângulo de atrito do material solto colocado como fundo não coesivo, prejudicando a interpretação dos resultados. Baseado neste fato, na segunda fase de ensaios, decidiu-se pela realização de ensaios em fundo móvel coesivo, que é atacado somente na região de alto impacto do jato proveniente do salto de esqui, preservando a conformação dos taludes laterais da bacia de dissipação. Foram realizados anteriormente vários testes para determinação do traço ideal para a mistura aglomerante a ser aplicada nos ensaios em fundo coesivo. Salienta-se que a execução do preparo do fundo móvel com material coesivo apresenta dificuldades as mais variadas que vão do preparo da mistura em quantidades pequenas, o que exige várias betonadas, passando pela escolha do melhor traço com gesso de secagem lenta, indo até o lançamento e conformação do leito, evitando-se por exemplo a segregação do material e o desempenamento vigoroso que pode ocasionar regiões mais resistentes que outras. A fragmentação encontrada na rocha na região da fossa pode gerar um material correspondendo a diâmetros entre 1,0 e 1,5 metros. Foram realizados ensaios com ângulo de 40 graus de lançamento do jato no vertedouro, com a passagem das vazões de 2572, 3693, 2572, 4814 e 3693 m3/s, com tempos de passagem de 18 horas em modelo em cada vazão. Ainda com material de diâmetro entre 1,0 e 1,5 metros, foram realizados ensaios em fundo coesivo, sob as mesmas condições. Para estes ensaios, promoveu-se a passagem das vazões de 1897, 2572, 3693 e 4814 m3/s, com os mesmos tempos de passagem de cada vazão. Os ensaios em fundo móvel coesivo foram realizados com uma mistura de gesso, areia, água, pedra e cimento, conforme a seguinte proporção em volume: 9 : 36 : 36 : 108 : 2 10

Para os ensaios em fundo móvel não coesivo, o levantamento da erosão após a passagem da vazão de 3693 m3/s, pode ser visto na figura 5 a seguir: FIGURA 5 Candonga - Fossa de erosão em fundo móvel não coesivo, após 3693 m3/s. Observa-se que a intensa erosão nas laterais da fossa são causadas pelo desbarrancamento do material solto, tendendo a se estabilizar no ângulo de atrito deste. Cumpre notar também que, para efeito de análise, o ensaio em questão pode ser considerado inútil, já que foram atingidas as fronteiras fixas nas margens do leito a jusante. O figura 6 apresenta as cotas alcançadas pela fossa e pela barra a jusante do salto de esqui. COTA (m) 282 280 278 276 274 272 270 268 266 264 262 260 258 256 254 252 250 248 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 150 160 170 DISTÂNCIA (m) SEÇÃO 1 (MD) SEÇÃO 2 (EIXO) SEÇÃO 3 (ME) FIGURA 6 Candonga - Fundo móvel não coesivo. Erosão após 3693 m3/s. 11

Para efeito de comparação, pode-se observar o efeito a jusante sobre material coesivo, após a passagem da mesma vazão de 3696 m3/s, pela figura 7, que se segue: FIGURA 7 Candonga - Fossa de erosão em fundo móvel coesivo, após 3693 m3/s. Pode-se observar que, ao contrário do fundo não coesivo, as laterais se encontram preservadas, justamente porque a coesão do material aplicado impede o desbarrancamento. O fundo somente será erodido intensamente onde houver grande energia de turbulência suficiente para a desagregação e arraste do material. No figura 8 que se segue, pode ser observada a configuração do fundo a jusante do salto de esqui, após a passagem da vazão de 3693 m3/s. COTA (m) 280 278 276 274 272 270 268 266 264 262 260 258 256 254 252 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 DISTÂNCIA (m) SEÇÃO 1 (MD) SEÇÃO 2 (eixo) SEÇÃO 3 (ME) FIGURA 8 Candonga - Fundo móvel coesivo. Erosão após 3693 m3/s. Os ensaios em fundo móvel coesivo mostram uma configuração mais realista de erosões a jusante das estruturas do que os realizados em fundo não coesivo, já que não se percebem nos primeiros os descalçamentos laterais das 12

margens. Só existe erosão na forma de fossa onde existe incidência do jato ou onde existe a macro-turbulência da dissipação de energia na massa de água a jusante do ponto de incidência do jato. Não se verifica tendência de erosões regressivas que possam comprometer as fundações do vertedouro nos dois tipos de ensaio em fundo móvel (não coesivo e coesivo). 7 - CONCLUSÕES No protótipo, as erosões devidas ao impacto do jato são gradativas, por etapas, por camadas. O jato age sobre o material da superfície e, se possuir energia suficiente, o retira, passando a agir sobre a camada seguinte e assim por diante, de uma forma contínua, porém não em uma espessura maior que a do tamanho dos blocos. Nos modelos reduzidos com material solto (sem coesão), o jato penetra imediatamente em uma grande camada do material que representa a rocha, deturpando quantitativamente e qualitativamente os resultados. Sem a coesão, as pedras movimentadas em grande volume dão origem a barras significativas e, como conseqüência imediata disto, verificam-se maiores colchões de água, maiores dissipações de energia e, no caso de haver possibilidade de recirculação em função de contornos de topografia, maiores desníveis entre o nível de água de jusante sobre a barra e o de montante no pé do vertedouro, com intensificação das velocidades de recirculação. No protótipo, o arraste é gradual e a barra vai se formando gradativamente com a água tendo energia para arrastar a pedra para jusante, resultando uma barra mais baixa e mais extensa. Nos modelos com material granular solto, verifica-se ainda que a fossa resultante é mais profunda na região do impacto do jato, mas os taludes laterais do contorno possuem inclinação definida em grande parte pelo ângulo de equilíbrio do material solto utilizado. Esta situação não se observa no protótipo que, de maneira geral apresenta uma fossa dentro dos limites da incidência do jato, especificamente nas laterais onde se verifica um efeito quase nulo da ação do jato. A montante do impacto, com a variação da distância atingida pelo jato em função da vazão, podemos ter um talude variável em patamares, quase sempre sem erosões regressivas. Já a jusante do impacto, a componente horizontal da energia do jato é significativa, especialmente para ângulos pequenos de incidência com relação à massa de água a jusante. Para maiores ângulos de incidência, este efeito tende a diminuir, mas é ainda significativo quando se tem pequenos colchões de água a jusante, resultando em uma fossa com talude mais abatido. Por estas considerações, o emprego de modelo em fundo coesivo se apresenta como uma melhor alternativa para avaliação geral da conformação das erosões a jusante de extravasores com salto de esqui, mesmo em se levando em conta as citadas dificuldades de sua aplicação. A coesão promovida por aglomerantes confere a este tipo de representação uma maior confiabilidade nos resultados, já que não apresenta os problemas citados dos modelos com material solto. A profundidade da fossa no modelo com fundo não coesivo 13

atinge maiores valores, para os mesmos tempos de ensaio, como se pode notar nos resultados do modelo de Candonga, estando assim a favor da segurança. Porém, mesmo com coesão, muito provavelmente estas maiores profundidades de fossa também seriam alcançadas em um prazo longo no protótipo, na tentativa de fazer valer o dito popular: água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. 8 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Brighetti, G. Extravasores com Jato Lançado e Dissipação por Impacto: Salto de Esqui Texto de Livre Docência EPUSP, São Paulo 1995. 2. Brighetti, G. Erosão a Jusante de Extravasores com Salto de Esqui Boletim Técnico DAEE, São Paulo, v.2, n.1, p. 1-81, jan/abr 1979. 3. UHE Candonga Modelo reduzido tridimensional - Escala 1:50 Relatório Final FCTH, São Paulo 2003. 4. CBDB Brazilian Committee on Dams Large Brazilian Spillways Publicação para o 70 th Annual Meeting CIGB ICOLD 2002. 14

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