O Sistema de Áreas Verdes e a formação da idéia de Recreio Ativo em São Paulo na primeira metade do século XX



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O Sistema de Áreas Verdes e a formação da idéia de Recreio Ativo em São Paulo na primeira metade do século XX Siomara Barbosa Stroppa de Lima Doutoranda em História IFCH/UNICAMP As idéias de planejar o desenvolvimento e o embelezamento da cidade, utilizando-se como estratégia grandes vias de circulação aliadas a jardins e passeios públicos, têm, sobretudo, influência dos movimentos norte-americanos Civic Art e City Beautiful, muito difundidos em São Paulo através do Instituto de Engenharia pelo engenheiro-arquiteto Luis de Anhaia Mello. Uma das origens do City Beautiful Movement é o Park Movement, liderado pelo arquiteto paisagista Frederick Law Olmsted nos Estados Unidos na segunda metade do século dezenove. A especificidade desta teoria está na idéia de Sistema, segundo Olmsted a cidade deveria ser estruturada pelos parques, isto é, parte-se do princípio de que o parque estrutura o desenho, define o traçado e indica os fluxos. Ele influenciou o desenho de várias cidades norte-americanas através da inserção de parques em sua estrutura urbana; como por exemplo, em Nova Iorque, Chicago e Boston, cidades que serão também citadas como modelo nos Planos de Prestes Maia para São Paulo e Campinas. Diferentemente dos antigos Jardins Públicos, os Parques relacionam-se com a cidade em uma nova dimensão que ultrapassa aquela do perímetro central, ganhando a cidade como um todo. Também revelaram um novo conceito de projeto de áreas verdes, além de um novo conceito de uso dessas áreas, difundindo a idéia de recreio ativo ligado tanto ao lazer, quanto à prática esportiva. Durante o século dezenove, a idéia de recreio também estava presente nos Jardins e Passeios Públicos, no entanto, não estavam ligados às práticas esportivas; costumava-se fazer passeios a pé por entre os caminhos arborizados e piqueniques nos gramados e nas proximidades dos lagos ao som das bandas de música que tocavam nos coretos. Em 1929, através de uma importante palestra intitulada Urbanismo O recreio Ativo e Organizado das Cidades Modernas 1 realizada no Instituto de Engenharia de São Paulo, o engenheiro Luiz de Anhaia Mello defenderá a idéia de organização de um sistema completo de Recreio Ativo para todas as idades e classes da população. 1 Luiz de Anhaia Mello. Urbanismo o Recreio Activo e Organizado das Cidades Modernas, in Revista do Instituto de Engenharia, vol. 10, nº 47, São Paulo, abril, 1929, p. 146.

2 Esta palestra, publicada na Revista do Instituto de Engenharia, tem grande significação teórica, expondo os conceitos por ele difundidos e uma clara referência aos modelos estrangeiros. Citando Jaussely, autor do prefácio à versão francesa da obra de Raymond Unwin, Town Planning in Practice, Anhaia Mello reitera os dois princípios diretores do urbanismo contemporâneo: 1º - Divisão e especialização de funções, e 2º - Restabelecimento do contato do homem urbano com a natureza, desenvolvendo considerações detalhadas a respeito do conceito de Parques e Sistema de Recreio, suas origens, experiências e benefícios. Segundo o engenheiro, alguns urbanistas intentavam levar a cidade para o campo, e outros trazer o campo para a cidade ; os primeiros seriam os partidários das cidades-jardins ou subúrbios-jardins, solução considerada ideal. No entanto, ele vê na segunda opção, trazer o campo para a cidade, uma solução provisória e viável às grandes cidades industriais já consolidadas, e a maneira de realizar este intento não é outro senão organizar um sistema completo de Recreio Ativo, tarefa destinada aos poderes públicos municipais, estaduais e federais. Os benefícios do recreio ativo, desenvolvido nos diversos tipos de áreas verdes do sistema, estavam ligados tanto à saúde quanto à formação do caráter do cidadão. Para o adulto, recrear era refazer as energias e, para a criança, brincar era criar, estimulando o corpo e a mente. Citando Joseph Lee 2, Anhaia Mello diz ser o recreio o grande antídoto da civilização. Com base nas experiências norteamericanas, diz que o aumento dos playgrounds corresponde a uma diminuição sensível na delinqüência juvenil, portanto, o bom recreio é o preventivo do mau cidadão 3 ; este caráter civilizador das áreas verdes será uma constante nos discursos dos urbanistas modernos, e também dos administradores das cidades em defesa destes espaços. Não obstante a grande divulgação dos parques e das atividades esportivas feita por Anhaia Mello desde fins dos anos vinte, estes conceitos haviam se difundido praticamente entre os profissionais da área e no ambiente acadêmico, mas continuavam pouco conhecidos entre a população. No entanto, Prestes Maia afirma que, sempre que se aproxima da orientação correta para estes espaços, o resultado aparece com sucesso, e ele exemplifica com a própria cidade de São Paulo, ou seja, com o frequentadíssimo play-ground da Várzea do Carmo e as modernas instalações dos Clubes Esportivos como o Germania; sendo que o rush semanal para as praias 2 Segundo Anhaia Mello, Joseph Lee é o pai do playground. Luiz de Anhaia Mello. op. cit., p. 149. 3 Idem, p. 150.

3 demonstrava claramente o desejo da população por recreio (ou lazer), e completa: o recreio activo é um derivativo, hoje mais que nunca, indispensavel ás populações. 4 O sistema de recreio deveria ser considerado da mesma maneira que o sistema de ruas, de distribuição de água, de transportes coletivos etc., ou seja, através de um plano lógico, ordenado, de distribuição, uso e ligação dessas áreas. Para que o sistema cumprisse seu papel, demandaria diferentes tipos de áreas verdes, com diferentes dimensões e características, buscando abranger toda a cidade, os quais Prestes Maia definia como: playgrounds, play-lot ou kindergarten para crianças até 5 anos de idade; o neighbrhood playground ou área de brinquedo distrital, para crianças de até 12 ou 14 anos de idade; playfield ou área de jogos organizados para idades superiores a 14 anos; margens de rios e lagos ou praias; campos de golf; campos de atletismo; acampamentos municiais; piscinas de vários tipos; clubes; teatros ao ar livre e outros; ovais, triângulos, círculos e mais jardinetes centrais ; parques urbanos; grandes parques de periferia; reservas florestais, estaduais e nacionais; áreas de paisagem dominante com fins educativos, como jardins botânicos e zoológicos; e por fim, áreas de ligação dessas unidades: parkways e pleasure-drives. 5 Embora Anhaia Mello e Prestes Maia tivessem suas diferenças profissionais quanto a visão do crescimento e desenvolvimento das cidades, sendo o primeiro mais favorável à contenção do crescimento e à criação de bairros-jardins, e o segundo, defensor do crescimento e expansão, podemos observar através dos planos de Prestes Maia que o conceito de formação e organização das áreas verdes públicas na cidade são idênticas às descritas por Anhaia Mello. As divisões por idade, os usos e atividades, as dimensões e a hierarquização de cada um dos espaços possui a mesma visão de totalidade com que se pensava na estrutura viária urbana; partindo-se da micro-estrutura - o playground das unidades residenciais, para a macro-estrutura - os parques florestais; afirmando assim a idéia de sistema de áreas verdes onde toda a cidade se transforma num grande parque. O Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo, publicado em 1930, quando Francisco Prestes Maia era o engenheiro da Secretaria de Viação e Obras Públicas é 4 Francisco Prestes Maia. Rascunho de Exposição Preliminar, in Relatório dos trabalhos realizados pela prefeitura de Campinas durante o exercício de 1935 apresentado à Câmara Municipal pelo prefeito Dr. João Alves dos Santos. Campinas: Linotypia da Casa Genoud Ltda, 1938, p.74. 5 Luiz de Anhaia Mello. op. cit., p. 148. Park-way é uma expressão inglesa para definir avenidas parques, o que significa arborizar e equipar com passeios e pequenos jardins as calçadas ao longo das grandes vias. Solução que também pode ser também utilizada em avenidas ao longo de rios e lagos ajudando na preservação dos mananciais e utilizando-os como elementos paisagísticos. Numa escala maior estes espaços ao longo de cursos d água podem ser considerados parques lineares.

4 o primeiro, o mais completo e o mais importante plano que elaborou, marcando profundamente suas propostas urbanísticas para outras cidades, influenciando outros profissionais e inspirando novas iniciativas. Este foi o documento que orientou, não simplesmente ampliação do sistema viário de São Paulo, mas determinou a remodelação da imagem da cidade. É fato que a execução das obras viárias transformou a cidade de ruas estreitas, tortuosas, constantemente inundadas pelos córregos e várzeas, em uma cidade de amplas e retilíneas avenidas bem planejadas. A parte do plano destinada às áreas verdes será a última, chamada de Apêndice, e apesar de estarem ligadas ao sistema viário não se prestam apenas ao embelezamento das vias, mas agem como verdadeiros instrumentos urbanos extremamente importantes à nova cidade em formação, com novos usos e atividades destinadas a um novo homem urbano. O Apêndice é dividido em duas partes: 1ª - Parques, a parte maior destinada a todos os tipos de áreas verdes e 2º - Ponte Grande, tratando dos projetos de pontes e principalmente da chamada Ponte Grande sobre o rio Tietê. A princípio só lhe interessavam os grandes parques, pela relação destes com o plano arterial, em segundo lugar estavam as áreas verdes em escala menor, como os jardins interiores, os playgrounds e pequenos jardins de passeio, também por sua ligação direta com a circulação, principalmente nos bairros residenciais e mais populosos, que nestes casos Prestes Maia destaca a importância destes espaços, pois desviam das ruas a criançada. 6 Com base em uma estatística apresentada pelo engenheiro Victor Freire em uma conferencia proferida em 1911 e publicada na Revista Politécnica, conclui que a condição da cidade de São Paulo, no tocante aos espaços livres arborizados, é muito ruim. Estavam sendo construídos os parques do Anhangabaú, do Carmo e da avenida Independência, do Bosque das Cabeceiras do Ipiranga e o Parque do Ibirapuera elevando consideravelmente a área ajardinada. Classificados entre Grandes Parques e Parques Médios, os novos parques propostos pelo plano são: grandes parques Cabeceiras do Ipiranga, Ibirapuera, Cantareira, Alto da Serra; parques médios Ponte Grande, Pari, Mooca, Tatuapé, Lapa, Butantã, Aclimação. Todos estes novos espaços certamente seriam aliados aos jardins já existentes, em sua maioria na região central, mesmo que Prestes Maia não os mencione nesta parte do plano. 6 Francisco Prestes Maia. Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo, São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1930, p.339.

5 Seu texto se dedica a descrever a localização e o projeto de cada um dos parques, a forma, tipologia e o programa de atividades oferecidas. As descrições dos projetos e sugestões ao traçado dos parques, sobretudo dos maiores que são apresentados de maneira mais detalhada, são uma fonte de compreensão da maneira como Prestes Maia aplicava as novas teorias urbanísticas e conceitos paisagísticos. O Parque das Cabeceiras do Ipiranga havia sido cedido pelo governo do Estado à capital paulista e ficava a uma distância de 11 Km do centro da cidade, seu projeto estava dividido em quatro partes: entrada, parte central, pitoresca e zoológica. A entrada, tangenciada por uma das radiais, segundo o engenheiro, deveria ser tratava com certa grandiosidade, pois era o espaço de transição entre a cidade e o ambiente natural e a partir dela seguia uma alameda ampla, tendo como ponto de arremate um monumento alegórico ao paulista ou um pavilhão de festas, e à frente um espelho d água para refletir o monumento nas águas. Este monumento ou edifício ficaria num platô mais elevado, abrindo a vista para a alameda de entrada, a qual contornaria o grande espelho d água. A parte central que vem em seguida era destinada a construção do que ele chama de pavilhões de divertimentos, isto é, restaurante, bar, piscina, instalações esportivas, e demais equipamentos. Toda a parte restante, quase 80% do total, seria a pitoresca destinada ao passeio e paisagismo, pois esta área teria sua cobertura natural quase que integralmente respeitada, sendo abertos apenas os caminhos necessários à circulação. O jardim zoológico estaria inserido nesta área chamada pitoresca, mas por demandar um alto investimento, não seria posto em prática à princípio, apenas algumas espécies denominadas decorativas por Prestes Maia, como alguns pássaros, seriam colocados em aparente liberdade para serem observados. O Parque do Ibirapuera se tratava de uma iniciativa municipal com uma área de 2.000.000m² dentro da cidade. Devido a construções e arruamentos já existentes naquele momento, o parque seria dividido em duas partes ligadas entre si por dois amplos parkways disfarçando a separação, e completando esteticamente essa ligação, os quarteirões remanescentes nesse espaço seriam regulamentados como bairros-jardins. A divisão do parque em duas partes é vista por Prestes Maia como positiva, pois facilita a separação das áreas destinadas a atividades distintas, satisfazendo uma diversidade natural entre os freqüentadores. A parte menor do parque seria particularmente reservada a esporte e diversões, como esportes aquáticos em lagos ou piscinas, a parte maior não é descrita no plano, mas se seguirmos as orientações

6 feitas para o parque das cabeceiras, certamente haveriam áreas destinadas a edifícios de infra-estrutura, restaurantes, e áreas de passeio e descanso. O terceiro grande parque seria o Parque da Cantareira, no entanto, afirma que a cidade ainda não comportava mais que um grande parque perfeitamente instalado, isto é, equipado, ajardinado e com infra-estrutura para uso. Por esta razão não seria feito ali o mesmo que estava sendo realizado nas Cabeceiras e Ipiranga, os quais já estavam iniciados, ainda mais considerando sua distancia em relação à cidade. Neste caso, a solução naquele momento era preservar a beleza natural e quando muito realizar serviços básicos, como provavelmente circulação e clareiras formando áreas de descanso, e abrir o local a uma freqüência limitada. O último, o Parque do Alto da Serra e este possuía um caráter mais regional e pertencia ao governo. Segundo Prestes Maia, se tratava de uma reserva florestal belíssima, embora reduzida, e o fato de denomina-la como uma reserva, indica uma apropriação e utilização completamente diferente dos demais. Em seguida aos grandes parques, estariam os parques médios, Pari, Mooca, Ponte Grande, Tatuapé, Lapa Butantã e Aclimação; estes dois últimos seriam classificados como playgorunds. Com uma tipologia diferenciada das demais áreas, o playground é destinado a um usuário específico as crianças, mas ele reconhece a dificuldade de se colocar diferentes idades em um mesmo espaço e a necessidade de atividades diferenciadas de acordo com a idade. Portanto, os playgrounds se dividiriam basicamente no que ele chama de Internos e Externos; os internos seriam tipos menores, no interior das quadras residenciais e destinados a crianças menores e os externos abrangeriam uma área maior de influencia, com um ou mais bairros, e seriam apropriados a crianças maiores, sem necessidade da presença constante dos pais e em condições de praticarem alguns esportes, por isso, a dimensão destes seria maior para abrigar as quadras e equipamentos necessários. A forma de classificação das áreas verdes, inclusive a subdivisão por idade nos playgrounds é idêntica à proposta defendida por Anhaia Mello em sua conferencia no Instituto de Engenharia em 1929 e de clara influencia norte-americana. Contudo, esta forma de organização das áreas verdes, integrando-os às vias de circulação e, portanto, à cidade e uns aos outros, delineando assim a idéia de sistema, é uma particularidade do Plano de Prestes Maia, que se repetirá em futuros Planos, como o que ele realizará para Campinas cinco anos mais tarde. A elaboração de um plano de melhoramentos para Campinas, que culminou no Relatório do engenheiro arquiteto Francisco Prestes Maia em 1935, teve início anos antes com um discurso do vereador Waldemar Rangel Belfort de Mattos em sessão da

7 Câmara Municipal do dia 29 de maio de 1929, no qual apontava para a necessidade de se elaborar um plano, de acordo com os preceitos do urbanismo, para a remodelação de Campinas 7. Naquele ano, foram mantidos contatos com o engenheiro arquiteto Luiz de Anhaia Mello, visando a elaboração do plano de expansão para Campinas. Após visitar a cidade, o engenheiro apresenta uma proposta de honorários e envia um relatório com considerações gerais sobre o urbanismo e sobre a necessidade de elaboração de um Master Plan. Anos mais tarde, em 1934 é contratado o engenheiro-arquiteto Francisco Prestes Maia para elaborar um plano de urbanismo para a cidade, apresentado no ano seguinte em forma de um Relatório Preliminar, o qual dedica um capítulo específico às áreas verdes, sobretudo aos Parques, e tem um papel determinante na inserção de novos modelos paisagísticos na cidade. Em seu Plano Preliminar os antigos jardins campineiros, pontualmente inseridos na malha urbana ao longo de quase cem anos, perderão certamente sua imponência diante de projetos de Parques de grande porte. No entanto, embora tímidos e, ineficientes tendo em vista um plano macro, serão parte dele, somando-se e integrando-se às novas áreas verdes que surgirão para formar o grande sistema. O ponto forte de seu plano é a circulação, propondo um esquema viário através de avenidas que traziam consigo o conceito de park-ways, isto é, avenidas que deveriam proporcionar um percurso agradável ao motorista em seu automóvel, pleasure-drive segundo Anhaia Mello, e também beneficiar através do passeio arborizado o pedestre. Os park-ways se comportam como verdadeiros parques lineares, facilitando também a ligação entre os grandes parques urbanos que estariam localizados nas margens externas da cidade. Para o urbanista era de extrema necessidade aumentar o coeficiente de áreas verdes na cidade, e isto se daria de três maneiras: através de Play-grounds de quarteirão, principalmente em meio às habitações coletivas; Jardins Médios, localizadas nas áreas residenciais e Grandes Parques, que deveriam ser criados pelo poder público e destinados a grandes instalações, jogos coletivos, atividades para adultos e crianças, passeios de automóvel, escolas para deficientes mentais, etc. Desta forma, vemos que Prestes Maia inaugura em Campinas o conceito, extremamente moderno, de Sistema de Áreas Verdes ou Sistema de Parques, permeando toda cidade e atendendo a todos os níveis de necessidade, transformando 7 Discurso proferido em 29 de maio de 1929, Livro de Atas da Câmara Municipal de Campinas de 1929 fls 83-v. Apud. Antonio da Costa Santos. Compra e Venda de Terra e Água e um Tombamento na Primeira Sesmaria da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí 1732 1992, Tese de doutoramento, São Paulo: FAU/USP, dezembro, 1998, p. 180.

8 a cidade num grande parque, acentuando a fama campineira de cidade bem arborizada que irá vigorar até nossos dias. Diferentes tipos de áreas verdes e a arborização das ruas faziam com que o verde ultrapassasse a dimensão do jardim e atingisse toda cidade, transformando-a num grande jardim, ou melhor, num parque. Propõe a criação de dois parques maiores, sendo um na Vila Industrial e outro no bairro do Taquaral, localizados em cada extremo da cidade aproveitando áreas disponíveis. Para os parques de tipo médio propõe o já existente Bosque dos Jequitibás, e o Parque do Saneamento, uma área localizada no final do Canal do Saneamento (atual Av. Orosimbo Maia), fruto do plano de Saturnino de Brito, que recentemente havia sido alargado, retificado e arborizado. Após os parques médios e grandes, uma outra maneira de inserir áreas verdes na cidade era o playground destinado principalmente às áreas residenciais. Para isso, certamente seriam aproveitadas áreas disponíveis nos bairros e jardins já existentes, como o caso da Praça Imprensa Fluminense, antigo Passeio Público, que havia sido transformado em Parque Infantil pela instalação de um playground e estava localizado num bairro praticamente todo residencial. Em uma breve estatística, Prestes Maia compara os coeficientes de áreas verdes de algumas cidades européias e americanas com São Paulo e Campinas, relacionando a metragem quadrada de áreas verdes por número de habitantes. Este método de analisar comparativamente as áreas verdes de Campinas e São Paulo com outros países é uma forma de procurar igualar as cidades brasileiras aos bons exemplos estrangeiros, e demonstrar isso estatisticamente era também uma busca de convencer que o que estava sendo proposto era realmente bom e necessário. Enfim, segundo Anhaia Mello, os objetivos do recreio são imediatos, como atividade, como formação de hábitos e em alguns casos colabora até na formação do caráter e do cidadão útil à pátria. 8 Referências Bibliografias BADARÓ, Ricardo de Souza Campos. O Plano de Melhoramentos Urbanos de Campinas 1934-1962. Dissertação de Mestrado, São Carlos: FAU/USP, 1986. CAMPINAS, Prefeitura Municipal. Relatório dos Trabalhos realizados pela Prefeitura de Campinas durante o exercício de 1931, apresentado ao Departamento de Administração Municipal pelo Prefeito Orosimbo Maia, Campinas: Linotypia Casa Genoud, 1932. 8 Luiz de Anhaia Mello. op. cit., p. 149.

9 Relatório do Dr. Francisco Prestes Maia Rascunho de Exposição Preliminar, In Relatório dos Trabalhos realizados pela Prefeitura de Campinas durante o exercício de 1935 - apresentado à Câmara Municipal de Campinas pelo Prefeito Dr. João Alves dos Santos, Campinas: Linotypia da Casa Genoud Ltda, 1938. FICHER, Sylvia. Ensino e Profissão: O Curso de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica de São Paulo, Tese de Doutoramento, São Paulo: FFLCH/USP, 1989. MAIA, Francisco Prestes. Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo, São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1930. MELLO, Luiz de Anhaia. Urbanismo O recreio ativo e Organizado das Cidades Modernas, in Revista do Instituto de Engenharia, São Paulo, vol. 10, n.º 47, abril, 1929. SANTOS, Antonio da Costa. Compra e Venda de Terra e Água e um Tombamento na Primeira Sesmaria da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí 1732 1992, Tese de doutoramento, São Paulo: FAU/USP, dezembro, 1998. STEVENSON, Carlos W. Conferência acerca do Urbanismo na Cidade de Campinas, Rotary Club de Campinas, Campinas: Linotypia da Casa Genoud, 1934. TOBEY, George B. Jr. A History of Landscape Architecture - the relation-ship of people to environment, American Elsevier Publishing Company Inc., 1973. TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo, São Paulo: Empresa das Artes, 1996.