Capítulo 1 Serviço Social no denominado acesso à justiça: particularidade da Defensoria Pública do Estado de São Paulo... 19

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Transcrição:

9 Sumário Apresentação da Coleção... 11 Prefácio... 13 Introdução... 15 Capítulo 1 Serviço Social no denominado acesso à justiça: particularidade da Defensoria Pública do Estado de São Paulo... 19 Capítulo 2 Judicialização da questão social: que tempos são esses em que se é necessário defender o óbvio?... 49 Capítulo 3 Uivemos, disse o cão : uma atuação profissional de resistência e potência... 69 Considerações finais Lucidez é preciso: uma identidade profissional vinculada ao projeto ético-político profissional... 123 Leituras afins... 129 Referências... 135

11 Apresentação da Coleção A Coleção Temas Sociojurídicos se conforma na produção de um conjunto de obras articuladas que abordam diferentes temáticas inscritas na particularidade dos espaços sócio-ocupacionais, que o Serviço Social convencionou chamar de área sociojurídica, que reflete o trabalho profissional desenvolvido diretamente ou em interface com o Sistema de Justiça. Esse Sistema, no geral, é composto por instituições como o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Sistema das Medidas de Proteção, Sistema de Execução das Medidas Socioeducativas, Sistema de Segurança Pública, Sistema Prisional e as redes de defesa, promoção e proteção do Sistema de Garantias de Direitos. Almeja-se, a partir de produções individuais ou coletivas, descortinar as relações sociais de violência, de preconceito, de criminalização das expressões da questão social e as práticas conservadoras-higienistas produzidas pelas instituições do Sociojurídico, alinhadas ao arcabouço penal do Estado capitalista contemporâneo. Nessa direção, perscrutam-se fundamentos críticos, estratégias de resistência, sintonizadas com as lutas sociais e práticas pedagógicas emancipadoras que se coadunam com a liberdade, com a defesa dos direitos humanos e com o combate à desigualdade. Para tanto, propõe- -se a dialética articulação teórico-prática, capaz de prospectar e repropor processos sociais cotidianos na práxis profissional.

12 Luiza Aparecida de Barros O momento em que a Coleção é lançada é dramático. Avançam as reformas que elevam ao máximo os pressupostos liberais, ou seja, reduzem o alcance do incipiente Estado social brasileiro, alimentam o ódio em diversas dimensões da vida social, estimulando linchamentos morais e sociais, a exacerbação da prisão como medida de controle social e a intolerância para com a diferença. Nessa contextura, esta Coleção, na ótica da educação permanente, nasce para dialogar com a demanda crescente de profissionais e estudantes que atuam no Sociojurídico e buscam subsídios para compreender tais movimentos. Espera-se que a aproximação com as obras que compõem a Coleção favoreça, entre autores e leitores, o compromisso com os sujeitos de direito, que transitam entre essas instituições, e estimule processos coletivos de resistência, exigibilidade e materialização de direitos. Entre São Paulo e Porto Alegre. Março de 2018. Maria Liduína de Oliveira e Silva Silvia Tejadas

13 Prefácio Há oito anos, um pequeno grupo de Assistentes Sociais, juntamente com Psicólogos, através de corpo técnico efetivo, iniciava o desafio de implantar e desenvolver o trabalho multidisciplinar na Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP), experiência única entre as Defensorias Brasileiras, que até então contavam com algumas experiências terceirizadas na área. Muitos foram os desafios, conquistas e retrocessos. E hoje estamos aqui para apresentar um pouco dessa trajetória de potências e resistências, em que é possível observar o fruto do trabalho comprometido dos profissionais, em especial com a defesa e garantia de direitos. Refletir sobre o exercício profissional à luz da perspectiva crítica é hoje não apenas um desafio, mas uma necessidade diante do cenário de desmantelamento de direitos e crescimento da judicialização da questão social. Assim, a autora propõe-se a retratar a inserção do Serviço Social na DPESP, destacando suas contradições, resistências, desafios, enfrentamentos, possibilidades, potencialidades, experiências e identidade profissional em um contexto conjuntural desafiador. No capítulo inicial da obra, veremos um breve retrato das Defensorias Públicas Brasileiras, sua importância, relevância social, dificuldades, desafios

14 Luiza Aparecida de Barros e o surgimento da Defensoria Paulista. Acompanharemos uma discussão sobre justiça integral e a diferença entre assistência jurídica e assistência judiciária. Por fim, conheceremos o histórico da inserção do Serviço Social na Instituição, destacando a formação, composição, atribuições, eixos de atuação e lugar que ocupam os Centros de Atendimento Multidisciplinar do órgão. O capítulo 2 discorrerá sobre o fenômeno da judicialização da questão social e suas contradições. Problematizará a construção da identidade profissional e o trabalho do Assistente Social no contexto da hierarquia organizacional, apresentando elementos para discussão sobre criminalização da pobreza. Acompanharemos também uma análise sobre as relações de poder no cotidiano organizacional e seus rebatimentos na compreensão da identidade profissional, onde o cotidiano, espaço de contradição e possibilidades, reflete as múltiplas expressões da questão social. O capítulo final visa retratar a percepção dos Assistentes Sociais na DPESP sobre o exercício profissional e refletir sobre a construção de uma identidade profissional na Instituição. Para isso, a autora percorre um rico caminho dialético, incluindo categorias de análise como perfil profissional, análise institucional, condições e sistematização do trabalho, relações profissionais internas, externas e com usuários, experiências profissionais, materialização do Projeto Ético-Político do Serviço Social, contribuição do Serviço Social na Instituição, dentre muitas outras. Com indiscutível relevância para a área sociojurídica, este livro apresenta trabalho inovador, com elementos históricos, teóricos e metodológicos densos e consistentes, alicerçados pelo exercício profissional crítico, onde potências e resistências demonstram compromisso com a defesa de direitos e transformação da realidade. Tatiana de Cardoso e Mendes Castro Santos, março de 2018.

15 Introdução Não constitui tarefa simples, tampouco linear, transitar no sistema de justiça enquanto profissional. A conjuntura nacional e internacional alerta para um momento de catarse em que direitos estão sendo destituídos violentamente, e fluxos migratórios em cenário internacional apontam situações de instabilidade econômica, guerra e genocídio. O capital fecha mais um ciclo em rodamoinho cada vez mais intenso, e seu ápice é o conjunto da barbárie vivido em escalas progressivas. Na particularidade brasileira, os direitos trabalhistas sofreram fissuras profundas, e segue em marcha proposta de mudança na regulação previdenciária. Em um contexto social e político em que direitos estão sendo destituídos de forma crescente, discutir o trabalho profissional de assistentes sociais na Defensoria Pública do Estado de São Paulo busca compreender como se dá esse cotidiano em uma instituição que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi uma das últimas a serem criadas no país. Não é o foco deste texto, mas precisamos pensar que qualquer profissional inserido no contexto do sistema de justiça, ou estudioso do tema, deva atentar-se para a vida dos sujeitos atrás das leis, das regras, do rito formal que hierarquicamente subsume algumas vidas, destitui círculos inteiros de

16 Luiza Aparecida de Barros vínculos e aprisiona imoderadamente ao apelo da gente ordeira e virtuosa (música Caravanas, de Chico Buarque). A Defensoria Pública do Estado de São Paulo estado que mantém o maior número de presos e presas, que tem o maior número de pessoas em situação de rua, que detém quase o maior capital do país e que navega em intensas contradições, ignorando o saldo de manutenção da preferência às grandes empresas seria então o órgão que promete uma saída, que pretende dar uma esperança, que almeja ser uma espécie de porta-voz dos vencidos. Mas sua mera existência não é suficiente. É preciso ir além... Muitos são os esforços para a garantia efetiva do que se denomina acesso à justiça. Fato é que se torna fundamental compreender que esse acesso não corresponde automaticamente ao acesso estrito ao Poder Judiciário. Há uma diferença muito grande entre as ideias que conceitualizam os direitos, em diferentes literaturas, e o modo como eles se processam realmente na vida cotidiana da maioria dos sujeitos. Por essa razão, observam-se dificuldades para que a população, de modo geral, aproprie-se dos direitos que lhe são inerentes e compreenda que há um órgão público que propicia parte de seu efetivo exercício de cidadania. Nesse pulsar constante da vida, o Serviço Social tem construído sua trajetória, marcando a história da profissão nesse órgão: em contrapeso de 70 anos da profissão no sistema judiciário, na Defensoria são apenas 8 anos que se completam em 2018. Mas não se trata de uma trajetória inerte, e sim de enfrentamentos internos e externos pela consolidação de direitos, pela garantia da jornada de 30 horas, pela construção de uma Defensoria democrática a que todos possam ter acesso. Em 2010, ingressaram os primeiros assistentes sociais na carreira denominada Agentes de Defensoria, que passaram a construir possibilidades de intervenção da Defensoria diante de tantos desafios cotidianos e em meio às contradições do estabelecimento profissional nessa instituição. É preciso dar visibilidade a esse espaço de trabalho que vem se consolidando na chamada assistência judiciária. Muitos temas perpassam o

Serviço Social na Defensoria Pública 17 trabalho dos profissionais inseridos na Defensoria; é necessário então que se apresente a realidade desse exercício profissional que busca garantir aberta a fenda da justiça (Cardoso, 2010) no sistema judiciário. Em razão disso, algumas questões necessárias dão a base de construção deste texto: como se constrói esse exercício profissional? Como as expressões da questão social se apresentam aos/às assistentes sociais em seus locais de trabalho? Quais desafios estão postos nessa relação institucional com operadores do direito, denominados defensores públicos, nos quais, historicamente, os movimentos sociais depositaram, e ainda depositam, esperanças para dar voz e vez aos invisíveis do sistema de justiça? É possível construir um trabalho na perspectiva de garantia de direitos, diante do cenário da chamada judicialização da questão social? Que resistências e potências estão postas nesse cotidiano a partir de experiências profissionais dos/das assistentes sociais que hoje compõem o quadro técnico da Defensoria Pública do Estado de São Paulo? O que pensam assistentes sociais de seu exercício profissional cotidiano? Nesse contexto, pretendem-se discutir aqui algumas questões, como: a) a trajetória de inserção do Serviço Social no denominado acesso à justiça, na particularidade da Defensoria Pública do Estado de São Paulo; b) contradições e resistências no exercício profissional da Defensoria Pública; c) judicialização da questão social a partir das demandas que se apresentam no cotidiano profissional; d) potências do trabalho profissional a partir de experiências no cotidiano profissional: elementos de uma identidade na perspectiva de garantia de direitos.