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Science in Health set-dez 2012; 3(3): xx-xxx-xx 125-130 Controle Motor e Sincronização Temporal de Indivíduos com Síndrome de Down diante de Restrições na Tarefa Motora Motor Control and Temporal Synchronization of Individuals with Down Syndrome due to Restrictions on Motor Task Flavio Costa de Barros 1 Alessandro de Freitas 1,2 Roberto Gimenez 1,2 RESUMO Introdução: Grandes são os desafios para a compreensão de pessoas com características mais heterogêneas relacionadas ao comportamento motor. Tomando como base os grupos de pessoas com deficiência, de modo geral, os estudos indicam diferenças significativas de desenvolvimento e controle motor de pessoas com Síndrome de Down quando comparados com pessoas típicas. Essas diferenças estão intimamente relacionadas às tarefas que envolvem tempo, espaço e força. Contudo, parte da literatura tem sugerido que indivíduos com Síndrome de Down poderiam recorrer a estratégias de controle motor específicas diante de eventuais restrições ambientais e/ou da tarefa motora. Perante esse cenário, o objetivo do presente estudo é investigar a sincronização temporal em indivíduos com Síndrome de Down diante de restrições ambientais numa tarefa motora. Método: Participaram deste estudo oito indivíduos com Síndrome de Down e oito indivíduos típicos. A tarefa consistiu em acertar uma bola de snooker lançada pelo experimentador sobre um tablado de madeira. A execução da tarefa foi realizada em duas condições: (1) com auxílio de um ; (2) sem o auxílio de. Totalizaram-se dez tentativas com e dez sem. Para analise dos dados foi utilizado o Test-T pareado. Resultados e conclusão: Os resultados encontrados indicam que os indivíduos com Síndrome de Down foram mais precisos e menos variáveis na condição com, o que demonstra uma adaptação no controle da força e tempo em face das restrições no ambiente. Palavras-chave: Desempenho psicomotor Atividade motora Síndrome de Down. ABSTRACT: Introduction: Great are the challenges for the understanding of people with heterogeneous characteristics related to motor behavior. Based on groups of people with disabilities studies in general indicate significant differences in motor control and development of Down Syndrome individuals when compared with typical populations. These differences are closely related to tasks involving time, space and force. However, part of the literature has suggested that Down Syndrome individuals could resort on specific motor control strategies when challenged to any environmental restrictions or motor tasks. Given this scenario, the objective of this study is to investigate the temporal synchronization in individuals with Down Syndrome face to environmental restrictions on motor task. Method: This study included eight individuals with Down Syndrome and eight not affected individuals. The task was to hit a snooker ball thrown by the experimenter on a wooden platform, held on two conditions: (1) with the aid of an implement, (2) without the aid of implements, both within ten tentatives. To analyze the data it was used the paired t-test. Results and conclusion: The results indicate that Down Syndrome individuals were more accurate and less variable in the condition with the implement, which shows an adaptation on force and time control due to constraints in the environment. Key words: Psychomotor performance Motor activity Down Syndrome. 1 UNICID - Universidade Cidade de São Paulo - GECOM Grupo de Estudos sobre o Comportamento Motor e Intervenção Motora 2 UNINOVE - Universidade Nove de Julho GEPMH Grupo de Estudos Sobre Pedagogia do Movimento Humano 125

INTRODUÇÃO Muito se tem discutido sobre o desenvol vimento motor de pessoas com deficiência. A não padronização de comportamentos e desempenhos motores são dificuldades impostas para a discussão do assunto. Entretanto, vários autores, considerando a etiologia de cada deficiência, relatam que indivíduos com Síndrome de Down possuem atraso no seu processo de desenvolvimento motor (Auxeter et al. 1, 1993, Gimenez 2, 2001, Gimenez et al. 3, 2004, Pueschel 4, 1992, Seaman e Depauw 5, 1982). Esses indivíduos também apresentariam inúmeras características motoras peculiares que se designam a partir dessas diferenças motoras e que resultariam em lentidão para a apresentação de respostas motoras diante de diferentes estímulos, como, por exemplo, os que exigem grande demanda perceptiva e decisória. Um dos pressupostos é o de que ajustes em parâmetros ambientais e das tarefas motoras poderiam interferir de forma determinante nas estratégias de controle motor utilizadas por esses indivíduos. Quando especificamente investigam-se, na literatura, as questões ambientais, os autores reportam a existência de dificuldades pela maior parte dessa população. Tais dificuldades seriam identificadas fundamentalmente nas habilidades classificadas como abertas, caracterizadas pela instabilidade nas demandas do ambiente. Obviamente, os problemas estruturais típicos da síndrome contribuiriam de forma significativa na prevalência dessas dificuldades. Dentre os problemas apontados, vale ressaltar a hipotonia muscular e o Índice de Massa Corporal (IMC) que implicariam em distúrbios, sobretudo na dimensão efetora das respostas motoras (Schwartzman 6, 1999). Entretanto, essas evidências segmentam um assunto que exige interpretações mais complexas. Não é possível atribuir somente às características corporais as dificuldades na realização das tarefas. Em face da complexidade das implicações decorrentes da Síndrome de Down é impossível atribuir de maneira fragmentada (unifatorial) as causas específicas das dificuldades motoras apresentadas por esses indivíduos. Torna-se necessário um olhar para os sistemas de modo mais complexo, interacional, o que remete a uma observação das dificuldades apresentadas de modo multifatorial. Assim entende-se que a simplificação para a compreensão do fenômeno, típica do paradigma médico-científico e que se pauta numa metodologia nomotética de observação do comportamento motor humano, poderia obscurecer o pleno entendimento das inúmeras implicações associadas ao comportamento deste grupo de indivíduos. De qualquer forma, também são identificadas algumas dificuldades na compreensão e no processamento de informações, principalmente daquelas referentes a feedback para a reorganização das ações motoras. Nesse caso, a compreensão da informação torna-se dependente das representações do movimento na memória (Brunt et al. 7, 1983, Magill 8, 2000). Assim, diante das dificuldades no estabelecimento na formação de representações para os movimentos na memória, indivíduos com Síndrome de Down apresentariam suas escolhas (nível decisório) e respostas (efetor) afetadas (Gimenez e Manoel 9, 2000). Essas representações são denominadas de programas motores (Schmidt e Wrisberg 10, 2001, Summers 11, 1989). A formação desses programas motores dependeria de uma interação particular que se estabelece entre aspectos espaciais, temporais e de força para a realização das tarefas motoras. De modo geral, alguns trabalhos têm demonstrado que indivíduos com Síndrome de Down apresentam dificuldades para a formação de programas motores. Contudo, tais estudos não evidenciam uma preocupação em delimitar quais são as especificidades entre os níveis espaciais, temporais e de força, observando suas diferenças e suas interações. Partindo do pressuposto de que estudar essas variáveis de forma isolada não permite entender as interações que se estabelecem entre elas e nem mesmo qual a influência das adaptações diante das restrições ambientais, este estudo remete a uma pergunta sobre os elementos específicos e a dificuldade na formação de novos programas: Se forem 126

considerados os indivíduos com problemas na organização deste programa (parâmetros de tempo, espaço e força), quais os aspectos que estão sendo mais influenciados pela síndrome? É possível que existam diferenças entre os parâmetros, uma vez que a própria literatura sugere que, em termos de controle motor, as demandas temporais, espaciais e de força envolvem áreas diferentes do sistema nervoso central (Jones 12, 1993, Requin 13, 1992). Desse modo, é fundamental que sejam desenvolvidos estudos sobre a organização da resposta motora de indivíduos com Síndrome de Down separando esses três níveis, sem desconsiderar as interações imbricadas no controle motor humano. Em especial, no que diz respeito à organização temporal, sugere-se que esses indivíduos apresentam muitas dificuldades quando comparados aos indivíduos sem deficiência (Block 14, 1991, Inui et al. 15, 1995). Se fosse buscada uma reflexão somente na organização temporal, as respostas seriam influenciadas por um viés eminentemente biológico. Entretanto, ao se considerar que na maioria das tarefas motoras, nas quais há prevalência de grande instabilidade ambiental, existe a necessidade de uma adaptação por parte do indivíduo, caracterizada por ajustes espaço-temporais que assegurem o seu bom desempenho, também se assume que os padrões de controle motor podem sofrer alterações em face da magnitude das restrições. Essas adaptações seriam fruto de processos adaptativos que emergem da interação que se estabelece entre o sujeito executante, os objetivos da tarefa motora e as condições do ambiente. São vários os exemplos de estudos que sugerem que pessoas com deficiência, diante de suas limitações de caráter estrutural e funcional, recorrem a estratégias alternativas de controle motor na busca de adaptações ao seu ambiente (Gimenez e Manoel 9, 2000, Latash e Anson 16, 1996, Manoel 17, 1996). A partir dessa perspectiva, a lógica relevante para o entendimento do controle motor de indivíduos sem deficiência não teria a mesma aplicabilidade para a compreensão de comportamentos atípicos. Ao mesmo tempo, seria possível especular que as restrições na tarefa e no ambiente, vastamente estudadas no comportamento motor de indivíduos sem deficiência (Barela e Barela 18, 1997, Roberton 19, 1987, Xavier Filho e Manoel 20, 2002, Xavier Filho et al. 21, 2003) poderiam resultar em outros padrões de comportamento motor em pessoas com deficiência. Desse modo, uma forma de estudar o impacto de tais restrições no comportamento dessas populações é compará-lo com grupos sem deficiências. Assim, o objetivo do presente projeto é investigar a sincronização temporal de indivíduos com Síndrome de Down frente às restrições na tarefa motora. A hipótese deste estudo é a de que as condições ambientais de maior restrição, caracterizadas pela realização de tarefas de sincronização temporal com o uso de s, resultariam em desempenhos inferiores por parte de ambos os grupos. Além disso, o pressuposto é que o grupo de indivíduos com Síndrome de Down será mais afetado no desempenho do que o grupo de indivíduos típicos. MATERIAL E MÉTODO Tomaram parte deste estudo oito adolescentes com Síndrome de Down com grau de deficiência intelectual leve, de uma instituição de São Paulo, com idade média de 17,4 anos e oito indivíduos adultos sem nenhum comprometimento sensorial, físico ou intelectual, com idade média de 23,2 anos. O equipamento utilizado para esta pesquisa consistiu de uma mesa de madeira com 1,3 metros de largura por 2,50 de comprimento. O equipamento utilizado também apresentava duas canaletas com 0,9 metros e duas bolas de snooker com peso de 920 gramas. Para a realização do experimento, a mesa foi posta sobre dois cavaletes com 1,20 metros de altura. As canaletas foram presas nas laterais da mesa por meio de um suporte que assegurava a inclinação a 60 graus do nível da mesa. A tarefa consistiu em soltar uma bola de snooker sobre uma canaleta, no intuito de fazê-la coincidir com outra, solta pelo experimentador, por meio de outra canaleta, num tabuleiro de madeira. A coinci- 127

dência das bolas no meio do tabuleiro correspondia à meta da tarefa. O centro do tabuleiro dispunha de níveis de precisão, utilizados para identificar o ponto de encontro entre as bolas. Cada sujeito realizou 20 tentativas. Dez tentativas foram realizadas com de madeira de 20 centímetros e peso de 120 gramas, e dez tentativas foram realizadas sem o envolvimento de para o contato. Todos os sujeitos tiveram três tentativas para o reconhecimento do aparelho. A avaliação do desempenho teve como base o registro dos erros de coincidência. Para tanto, a mesa contava com valores de zero a cinco que visavam indicar a magnitude do desvio em relação à meta da tarefa. O número total de tentativas foi definido com base em estudo piloto. Para análise e comparação dos dados e grupos foi utilizado o test T pareado com nível de significância de p 0,05. O pacote estatístico utilizado correspondeu ao SPSS versão 13.0. RESULTADOS E DISCUSSÃO Conforme hipótese apresentada, o pressuposto do presente estudo era o de que a condição com resultaria numa dificuldade maior de execução por parte dos sujeitos, bem como implicaria numa maior variabilidade de seus desempenhos. No que tange ao grupo de indivíduos sem deficiência, a hipótese não foi confirmada. A análise intra-grupo sugere que o grupo de indivíduos sem deficiência não foi afetado pela mudança na condição do ambiente para a realização da tarefa motora. Vale ressaltar Tabela 1 - Sincronização Temporal Grupo Sem deficiência Sindrome de Down com sem 2.225 2.287 2.7 3.675 que não foram encontradas diferenças substanciais de desempenho nas variáveis sincronização temporal e na variabilidade de desempenho na sincronização temporal nessa tarefa motora (Tabela 1). É possível que a condição de prática prévia por meio da condição sem tenha contribuído para maximizar o desempenho na condição com. Por outro lado, no que diz respeito ao grupo com Síndrome de Down, identificou-se a existência da influência da condição ambiental () no desempenho. Essa diferença foi encontrada tanto na sincronização temporal (p=0,002), como na variabilidade no desempenho dessa tarefa (p=0,004) (Tabela 2). Tabela 2 - Variabilidade de Sincronização Temporal Grupo Sem deficiência Sindrome de Down com sem 0725 0770 1.408 1.975 Um aspecto que merece consideração é que, ao contrário do que seria esperado, os resultados do presente estudo indicam que o grupo de indivíduos com Síndrome de Down teria se beneficiado da manipulação do durante a execução da tarefa, uma vez que na condição com o desempenho apresentado pelo grupo foi melhor que o apresentando na condição sem. Esse resultado vai ao encontro da ideia de que diante de restrições da tarefa e do ambiente os indivíduos com Síndrome de Down encontram estratégias de controle alternativas para a execução de tarefas motoras com sucesso (Gimenez e Manoel 9, 2000). Na análise inter-grupos, foram encontradas também diferenças estatisticamente significativas (p=0,002) (Tabela 1). Essas diferenças foram identificadas somente na sincronização temporal na condição sem. De modo geral, os dados encon- 128

trados convergem para a literatura que aponta dificuldades de indivíduos com Síndrome de Down para a realização de tarefas de sincronização temporal. Contudo, esses achados também remetem aos mecanismos adaptativos evidenciados no controle motor desses indivíduos. Embora a literatura aponte que indivíduos com Síndrome de Down apresentariam dificuldades no processo de formação de programas motores (Gimenez 2, 2001, Gimenez et al. 3, 2004), é possível que esse ganho de proficiência na execução da tarefa motora seja decorrente da estruturação de uma representação da tarefa motora na memória, adquirida por meio da prática na tarefa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Indivíduos com Síndrome de Down apresentaram dificuldades de sincronização temporal quando comparados aos indivíduos sem deficiência. Esses indivíduos também foram impactados de forma mais significativa em face de alterações nas condições do ambiente para a tarefa motora. Diferentemente do esperado, o grupo com Síndrome de Down apresentou melhor desempenho na tarefa motora na condição com, supostamente de maior complexidade. Os resultados encontrados merecem ser discutidos a partir do prisma de mecanismos adaptativos de controle motor em decorrência de restrições ambientais e da tarefa motora. Futuros estudos devem buscar a investigação dos mecanismos adaptativos presentes no comportamento desses indivíduos em decorrência de uma maior quantidade de prática e de diferentes contextos de aprendizagem, tendo em vista contribuir de forma mais efetiva para a orientação de programas de estimulação motora orientados a essa população. 129

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