Uma entrevista com Tony Samara : Perguntas e Respostas (para uma revista austríaca em 2007) Já alguma vez teve uma experiência espiritual muito profunda, como a iluminação? Esta é uma pergunta interessante, pois o facto de eu estar a ensinar uma tradição espiritual deve significar que eu tenha conhecimento e que eu o compreenda suficientemente para passar às pessoas que me procuram, que me encontram por acaso, que trabalham comigo ou que simplesmente estão interessados por essa maneira de trabalhar. Em primeiro lugar eu me sinto incomodado com a palavra 'iluminação', por esta ser usualmente percebida pelos ocidentais e a sociedade em geral como alguém que atingiu um estado, o que significa que a um certo nível existe um dualismo, uma separação, entre o iluminado e o não- iluminado. Eu acredito que todos nascemos com um sentido inato de liberdade que está sempre conosco. Num sentido nós somos todos iluminados, simplesmente esquecemo- nos desta parte de nós à medida que outros aspectos do nosso ser se impõem à nossa consciência. Dito isto, em todas as tradições espirituais, incluindo aquela com a qual trabalho, existe uma transcendência do mundano ou ego que imparte um sentido de liberdade que normalmente não é a experiência diária da população em geral no mundo de hoje. E à esta experiência eu não dou nome porque assim que colocamos uma etiqueta nisto, começam a criar- se idéias na mente (se essas idéias já lá estiverem por alguma razão), o que então nos afasta desta experiência actual. Valorizar cada experiência é o primeiro objectivo desta disciplina espiritual, pois assim começamos a valorizar- nos a nós mesmos da forma mais profunda? fazendo um com a Vida. Penso que todos temos experiências espirituais muito profundas, mas não faz sentido ter essas experiências se elas não têm um ponto de referência. Este ponto de referência é um sentido de consciência que vem com a prática. Esta consciência está sempre a se expandir, e a um certo ponto se expande para um nível onde existe uma tomada de consciência para além da natureza ciclíca das experiências mundanas pelas quais a maioria das pessoas passam hoje em dia. Este ponto de referência não é, na minha opinião, experienciado num momento, mas é sim uma progressão contínua e a um certo ponto esse crescimento vai para além das limitações que temos num sentido pessoal e leva- nos para a liberdade suprema que algumas pessoas descrevem como iluminação. Neste estado, esse ponto de referência mundano torna- se obsoleto uma vez que a consciência se expande e leva- nos muito mais para além dessas limitações mundanas que formam um tal dualismo. Então, para responder à sua questão se eu sou iluminado? Realmente o único caminho para saber isso na verdade é ser iluminado você mesmo e então verá se
essa significação da iluminação corresponde à pessoa para a qual fêz a pergunta. Se você não tiver tal ponto de referência então no final a relação terá de ser baseada na confiança. Não nas minhas palavras que dizem que sou iluminado, mas sim no trabalho que permite- lhe experienciar esta significação da iluminação. Muitas pessoas que têm trabalhado comigo dizem que eu confundo muito por não ter um dogma formal ou linhas de conduta simples que ajudem a ver a complexidade e ao mesmo tempo a simplicidade de tornar- se "iluminado". Esta confusão é simplesmente as mentes das pessoas à procura duma compreensão da iluminação e dum certo modo isto é confuso para elas por serem incapazes de colocar etiqueta no trabalho que eu faço. O objetivo final é que todos nós sejamos iluminados pois somos todos iguais, nós somos todos um. Define- se como um mestre/professor espiritual? Sim, me defino. E acontece o mesmo com o trabalho tão rigoroso que envolve esta disciplina espiritual. Isto não é apenas uma técnica de cura ou um método de desenvolvimento, nem uma modalidade espiritual como o Reiki ou o Tai Chi. Eu trabalho com as pessoas como um guia. Algumas pessoas chamam- me de mestre espiritual. Na tradição em que trabalho não uso essa terminologia mas isto no fundo corresponderia ao significado de tal título. Mais uma vez gostaria de realçar que o meu objetivo é a experiência direta de cada pessoa mais do que a transmissão de um conhecimento de forma dogmática. Muitas vezes isto implica desafiar o mental, pois este tenta estabelecer ou moldar idéias das experiências relacionando- as com a sua própria realidade para evitar a relação íntima com este momento e logo consigo mesmo. Por isto não ser um modo muito normal de ser, cria um sentimento de mal- estar, que a mente gosta, em novos lances, de interpretar como "algo" para justificar a sua própria existência obsoleta naquele momento. Como não estou a dirigir- me a essa parte da pessoa (o ego) mas sim à pessoa em si, então a idéia que algumas pessoas têm do mestre/professor espiritual depressa cai por terra e se transforma em dúvidas e confusão sobre o quê ou quem sou eu realmente. Para mim as acções dizem mais do que as etiquetas. Você pertence à uma ascendência ou tradição? Sim. Algumas pessoas dizem que eu trabalho em xamanismo, mas isso não é verdade. Outras dizem que eu trabalho como budista. Mais uma vez isso não é verdade. Mesmo que eu tenha trabalhado na minha adolescência com um mestre Zen e mais tarde com xamans na Amazónia e nos Andes, a liberdade que encontrei por volta dos 27 anos não teve comparação com qualquer uma destas tradições mesmo se a terminologia pode ser utilizada em ambas. O meu despertar foi principalmente influenciado por um professor espiritual que viveu na Índia no início deste século mas que já não estava vivo no seu corpo físico na época dos meus 27 anos. Nesta tradição, que começa com a origem da espécie humana, a essência é o sentido de unidade que cria este mundo. Percebi então que cada cultura contribui
com as suas próprias percepções culturais, sociais e pessoais e deste modo senti- me afastar completamente dos aspectos Hindus e Budistas e realçar a experiência única de cada indivíduo livre da cultura do social e de outras limitações e então o que faço está aberto a todos e a cada um para além de qualquer afiliação religiosa, social ou outra. Há muitas pessoas que seguem outras tradições e têm mestres espirituais que elas consideram o seu caminho e que trabalham profundamente com esta tradição espiritual. A definição professor espiritual significa muitas vezes que de certo modo você está ligado por certas regras com aquele professor, mas como eu não tenho dogmas e deixo isso totalmente por conta da consciência de cada indivíduo para que decida por ele mesmo, então algumas pessoas dizem que eu não posso ser um mestre espiritual porque eu não dou rituais específicos ou directivas suficientemente claras para facilitar o seguimento desta disciplina. Uma das únicas coisas que eu espero de quem trabalha comigo é de persistir com ardor na evolução da sua consciência. Existem algumas ligações entre si e o Budismo? Existe. No começo tomei consciência da espiritualidade principalmente através da tradição budista. Como os meus pais não estavam interessados em tais assuntos quando eu tinha 15 anos, saí de casa e descobri ambos, o Budismo Tibetano de início e depois o Budismo Zen, como métodos maravilhosos para me ajudarem a ir mais além do que me era possivel no meu ambiente normal. Desde então passei muitos anos num mosteiro Budista Zen com um mestre Zen que era japonês. Isto influenciou claramente o meu modo de ver o mundo (especialmente na primeira fase da minha vida) e a meditação silênciosa é parte integral do trabalho que faço. Tenho um profundo respeito pelo Budismo porque na maior parte das vezes entre as tradições budista e jainista a paz e a resolução de conflitos é muito mais importante no seu quotidiano do que noutras religiões. Este é outro aspecto dos meus ensinos espirituais, que a evolução da consciência acontece quando esta paz é reconhecida nas experiências de cada dia, pois a guerra e outros conflitos afastam- nos da percepção de que somos todos um. Quantas pessoas no mundo o seguem de alguma forma? Isso é impossível de definir e além disso eu não acho que os números sejam importantes uma vez que a dedicação e o compromisso são muito mais importantes para mim do que uma simples afiliação a esta tradição. Tendo dito isto, eu sei no entanto que na nossa lista de e- mails temos aproximadamente 16 000 endereços. Mas como não sou eu quem cuida desse aspecto prático, eu não sei quantos estão seriamente dedicados e quantos estão simplesmente afiliados. Até que ponto ganhar dinheiro é importante para si? Pessoalmente eu não considero o dinheiro muito importante, pois as minhas necessidades são muito simples. Não acho interessante a maneira que a maioria das pessoas têm de utilizar o dinheiro. Assim, não me interessa ganhar dinheiro como é
normal na sociedade, mas ao mesmo tempo eu não concordo com certas filosofías que defendem que o caminho para aprofundar experiências espirituais deve ser feito através da pobreza, do ascetismo ou duma abnegação das nossas necessidades materiais simples. Eu não creio que seja um problema de ser milionário, de pertencer à classe média ou à classe operária para seguir esta disciplina espiritual. Chamo a atenção das pessoas que trabalham comigo de que o conceito de dinheiro é apenas uma idéia e que muitas pessoas estão praticamente presas a essa idéia, seja perseguindo- a ou temendo- a, e que tais conceitos são limitações que merecem de ser tratadas. Como é que a sua organização espiritual está organizada? Isto é um mistério para algumas pessoas, até mesmo para os organizadores mais dedicados dentro da organização. Eles dizem ser um mistério como as coisas encaixam bem, pois somos poucos a trabalhar nesse sentido e temos coisas em demasia para gerir. Mas no final, de uma maneira ou de outra, tudo tem saído bem. Eu hesito muito com organizações e por isso muitas vezes dentro da minha própria organização altero as coisas de forma a que não faça mais sentido em termos práticos e isto permite às pessoas não ficarem agarradas a idéias de organização. Todo o meu trabalho, mesmo no escritório e noutras partes da organização, é de utilizar a nossa própria experiência como um professor interior em vez de tentar atingir algo organizado. Esta abordagem aparentemente caótica é relativamente frustrante para algumas pessoas. Quais são os seus objetivos espirituais e profundos? O meu objetivo mais profundo é que todos nos lembremos quem somos. Mas num sentido pessoal eu não me sinto preso à necessidade de fazer isso, pois acredito que o objetivo de futuro é uma idéia de pessoas que querem que algo mude em vez delas mesmas. Daí minha repugnância para com politicos e pessoas muito empenhadas diligentes nas suas missões. Eu sinto que é mais importante abrir as nossas mentes e os nossos corações à toda a gente para assim podermos compreender a profundidade duma pessoa, a singularidade dela e com essa compreensão complexa estar presente a essa pessoa em vez de tentar mudar o mundo. Assim, meus objetivos espirituais como tais não se limitam a objetivos ou finalidades, mas eu os considero como parte de um tudo. Que tipo de pessoas vêm ter consigo? Todos os tipos de pessoas. Têm vindo ter comigo políticos, músicos, artistas, atores, mães, pais, adolescentes, avós, avôs, crianças, carteiros, etc. A lista é interminável. Porque é que certas pessoas param de trabalhar consigo? Não me apercebo de muitas pessoas que tenham parado de trabalhar comigo, mas aquelas que o fizeram, normalmente atingiram um impasse na evolução da sua
consciência, o que de alguma forma justifica que é melhor não trabalharem mais comigo por alguma razão que elas criaram. Eu respeito totalmente essa decisão e espero que elas voltem. O meu trabalho é muito confuso e muitas vezes desafia os aspectos mais profundos (que eu chamo programas) que nós construimos à nossa volta como uma armadura e quando isto é inteligentemente desfeito, então muitas vezes as pessoas atingem um ponto em que não conseguem avançar mais. Mas este ponto é apenas temporário pois a evolução da consciência humana não cessa. Qual é a diferença entre a sua organização e uma seita? Eu não percebo exactamente o que é uma seita. Eu não me definiria como uma organização ou uma seita. Simplesmente diria que nós abraçamos a vida tal como ela é e damos um sentido mais profundo às relações dentro dela. Algumas pessoas que empregam a palavra seita, fazem- no como um termo derrogativo e eu estou certo que isto é para fazê- los sentir melhor de certo modo em vez de tentar compreender as diferenças não apenas entre as tradições espirituais mas entre os seres humanos. Isto não quer dizer que não hajam alguns professores espirituais mal informados que utilizam o seu carisma, conhecimento ou outro aspecto pessoal para seu próprio proveito e assim, os seus cultos evoluem fora de todo controlo e limitação, na diferenciação e na superioridade em vez dum abarcamento de todos os seres humanos tanto no sentido mais profundo como na maneira quotidiana de viver. Dizendo isto eu realçaria que muitas vezes o que se chama de seitas talvez sejam apenas pessoas praticando algo diferente daquilo que é considerado normal, e assim sendo, poderíamos identificar vegetarianismo, pacifismo, ou outros tais hábitos anormais nas sociedades ocidentais como sectários. Qual é a essência da sua mensagem? A essência da minha mensagem é ter persistência, confiança e um compromisso profundo para com a evolução da consciência humana. O que faz de si especial? Eu sou especial? Eu não me considero especial de forma alguma e muitas vezes prefiro participar em aspectos simples da vida, (p.ex. estando no jardin, caminhando na floresta, usufruindo do tempo com a família, etc.) em vez de estar numa sala dirigindo um programa. Ao mesmo tempo, algumas pessoas têm- me dito que estar na minha presença é extremamente útil, não apenas num sentido espiritual, mas também num sentido prático. Acontece muitas vezes eu sentar- me com as pessoas no escritório e isto inspirar- lhes de alguma forma, uma tomada de consciência de que a vida é muito preciosa e de que o que é especial não é um certo aspecto externo da vida mas sim a profundidade do momento. De que é que tem medo?
Eu não compreendo bem esta questão. O medo vem duma perspectiva limitada da mente, ou duma interpretação desta perspectiva limitada através do corpo ou das emoções ou através duma espiritual profunda. Tudo isto faz parte da experiência de todo o ser humano. Então é difícil para qualquer ser humano dizer do que é que tem medo, pois muitas vezes ele nem sabe o que teme. Eu digo muitas vezes que embora viva numa forma humana o meu ponto de referência não vem dessa perspectiva e então se inscreve num registro completamente diferente. O que pensa acerca de pessoas parecidas consigo e dos seus grupos espirituais? Eu não tenho cruzado pessoas parecidas comigo pois tenho estado totalmente focalizado no meu caminho. Tenho ouvido falar de muitos professores espirituais, mestres e alguns seres iluminados e diria que no final essas pessoas estão a fazer exactamente o mesmo trabalho que eu usando diferentes metodologias ou dando uma ênfase diferente, mas, na essência, muito similar. Não julgo tais grupos porque eu penso que quanto mais seres iluminados existirem neste mundo e quanto mais pessoas tentarem elevar a consciência da evolução humana, melhor será. Eu não penso verdadeiramente acerca de alguma coisa, pois o processo dum pensamento envolve a mente humana, a qual muitas vezes fica presa a medir- se contra outras perspectivas. Esta comparação ou este dualismo, cria um apego a certas idéias e a partir desse apego nós julgamos o que é certo, o que é errado, o que é semelhante, o que não é tão semelhante. Se você tiver um outro sistema de compreensão, então estas coisas tornam- se um mero teatro e você simplesmente observa em vez de fazer parte disso. Porque é que alguém deve segui- lo? Eu não acredito que alguém deva seguir- me nesse sentido da frase. Eu acredito que cada pessoa deve seguir o seu ser mais profundo e único. Deve confiar nela mesmo e usar- me como um guia, um ponto de referência quando necessário. Eu também realçaria que na sua confiança nesta disciplina espiritual particular, repousa uma compreensão subjacente que é de estar completamente apaixonado pela sua busca de liberdade.