Cyberbullying na adolescência: quais as consequências e como prevenir?

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Transcrição:

Cyberbullying na adolescência: quais as consequências e como prevenir? Sara H. Pires (1), Maria Castello Branco (1), Rita Costa (2), Cátia Felgueiras (1) (1) Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital Dona Estefânia - Centro Hospitalar de Lisboa Central (2) Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental da Infância e da Adolescência do Cento Hospitalar de Lisboa Ocidental Hospital São Francisco de Xavier

Introdução O termo cyberbullying (CB), combinação das palavras cyber e bullying, refere-se ao ato de praticar o bullying através da utilização da internet e novas tecnologias. As diferenças entre o cyberbullying e o bullying tradicional não são muito óbvias. Embora ambos impliquem infligir dano na vítima, o CB permite que o agressor se esconda atrás de um ecrã e pratique o bullying sem ser facilmente identificado. [1,2] Os primeiros estudos sobre o bullying são atribuídos a Olweus, que define bullying como um ato/comportamento agressivo e intencional, proferido, de forma repetida no tempo, por um grupo ou uma pessoa individual, contra alguém com menor capacidade de defesa. Esta definição é extensamente aceite e têm sido utilizados os mesmos critérios para definir CB: intenção, repetição e desequilíbrio de poder. [3] Tokunaga define CB como "qualquer comportamento realizado através de meios eletrónicos ou digitais por indivíduos ou grupos que comunicam repetidamente através de mensagens hostis ou agressivas destinadas a infligir dano ou desconforto a outros". [4] Alta taxa de prevalência de CB em todos os países: aproximadamente 40% a 55% dos estudantes adolescentes estão envolvidos de alguma forma como vítimas, agressores ou observadores. [5] [1]Ng Chong Gua, Sharmilla Kanagasundram. CYBERBULLYING - A NEW SOCIAL MENACE. ASEAN Journal of Psychiatry, Vol. 17. January - June 2016: XX-XX [2]Zalaquett CP, Chatters SSJ. Cyberbullying in college: frequency, characteristics, and practical implications. Sage. 2014; 1-8. [3]Olweus D. The revised Olweus bully/victim questionnaire: University of Bergen. Research Center for Health Promotion.1996. [4]Tokunaga RS. Following you home from school: a critical review and synthesis of research on cyberbullying victimization. Comput Human Behav 2010; 26:277-87. [5]Garaigordobil M. Prevalencia y consecuencias del cyberbullying: una revisión. International Journal of Psychology & Psychological Therapy.2011; 11(2):233-254.

Objetivos Esta revisão tem por objetivo identificar os fatores de risco para uma maior suscetibilidade à cyber vitimização de adolescentes, consequências desta agressão na sua saúde mental e compreensão das medidas preventivas desta prática referidas na literatura. Métodos Revisão Sistemática de estudos com data de publicação até Março de 2017, em Português, Inglês ou Espanhol, que avaliam os fatores de risco, impacto do cyberbullying na saúde mental dos adolescentes e medidas preventivas encontradas na literatura, através da pesquisa nas plataformas PubMed, Web of Science e PsychINFO, com as palavras-chave "Cyberbullying", "adolescents", "psychopathology" e "prevention". Resultados Foram incluídos nesta revisão um total de 8 artigos. O intervalo de idades dos adolescentes avaliados nos diferentes estudos encontra-se entre os 10 e os 17 anos.

Resultados Fatores de Risco: história prévia ou atual de bullying; 3 horas ou mais diárias de utilização de internet; utilização de SMS/chat; problemas de socialização; problemas de falta de atenção e hiperatividade; problemas de comportamento; problemas relacionados com a escola; comportamentos de risco na internet (partilha de informação pessoal, utilização da camara web, assédio online). [1] Impacto na Saúde Mental: exacerbação das dificuldades de socialização; isolamento e sentimento de insegurança; reforço da baixa autoestima; problemas de concentração; alterações do padrão do sono e do apetite; problemas de ansiedade social; queixas psicossomáticas (cefaleias e epigastralgias); comportamentos autolesivos; abuso de álcool e outras substâncias; sintomatologia depressiva com diferentes graus de gravidade; ideação suicida e tentativas de suicídio. [1,6,7,8] Prevenção e Intervenção: Programas "anti bullying" (KiVa Programme, Media Hero Programme, Peerled role models Programme) utilizados em contexto de CB; educação parental para os riscos de sobre exposição sem supervisão do uso de internet; sensibilização dos adolescentes relativamente ao CB, incentivando o pedido de ajuda aquando da sua ocorrência; sensibilização dos profissionais de saúde, nomeadamente técnicos de saúde mental, para a detenção e intervenção precoces. [1,6] [6]Sara B. Cássio B. Cyberbullying and adolescent mental health: systematic review. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(3):463-475, mar, 2015. [7]Sourander A, Brunstein Klomek A, Ikonen M, Lindroos J, Luntamo T, Koskelainen M, et al. Psychosocial risk factors associated with cyberbullying among adolescents: a population-based study. Arch Gen Psychiatry 2010; 67:720-8. [8]Litwiller B, Brausch A. Cyber bullying and physical bullying in adolescent suicide: the role of violent behavior and substance use. J Youth Adolesc 2013; 42:675-84.

Conclusão A comunicação online tornou-se algo central na vida dos jovens, oferecendo oportunidades de desenvolvimento psicossocial e de estabelecimento e reforço da relação entre pares. Contudo, desta comunicação podem surgir interações menos positivas, como a ocorrência de CB. Os resultados observados permitem concluir que o CB poderá ter consequências graves na vida dos adolescentes, nomeadamente ao nível da sua saúde mental. A possibilidade de anonimato do agressor, a exposição e rápida partilha de informação da vítima são características que poderão agravar o impacto negativo do CB comparativamente ao bullying tradicional. Acredita-se que a prevalência de CB tenha tendência a aumentar rapidamente nos próximos anos, pelo uso cada vez mais precoce e em larga escala de tecnologias pelas crianças e adolescentes. Torna-se assim fundamental que haja uma consciencialização da comunidade, nomeadamente pais, escolas e outras figuras de autoridade, para esta realidade. Existem até à data poucos programas de prevenção e intervenção direcionados ao CB, sendo fundamental que novos estudos sejam desenvolvidos nesse sentido.