Palavras-chave: Juventude, Geração e Ação Política. Key-words: Youth, Generation and Political Action.



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Transcrição:

JUVENTUDE NA CONTEMPORANEIDADE: ação política em tempos de não política Maria Aparecida Tardin Cassab 1 Francinelly Aparecida Mattoso 2 Joseana Rodrigues dos Reis 3 RESUMO Este artigo apresenta elementos para o debate da ação política dos jovens na contemporaneidade. São elementos centrais para a discussão proposta: o discurso sociológico sobre a juventude, com ênfase na abordagem geracional e a compreensão acerca da cultura juvenil, a partir dos limites e possibilidade de ação política dos jovens. Palavras-chave: Juventude, Geração e Ação Política. ABSTRACT This article aims at presenting elements in order to discuss young political actions in contemporaneity. The central elements for the discussion proposated: the sociological discourse about and youth, with emphasis on geracional approach and comprehention of young culture, from limitations and possibilities of political actions for young people. Key-words: Youth, Generation and Political Action. 1 INTRODUÇÃO Esta comunicação apresenta resultados da pesquisa Jovens pobres: de quem se fala?, apoiada pela FAPEMIG, que tem como objeto a construção teórica da categoria jovens pobres. Foi desenvolvido um percurso intelectual de apropriação da condição juvenil na sociedade contemporânea, a partir de duas estratégias de investigação. 1 Professora. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-RJ em 1999. Faculdade de Serviço Social. Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: cassab@powerline.com.br 2 Assistente social, especialista em Saúde da Família (NATES/UFJF).Mestrado em Serviço Social. Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF. E-mail: francimattoso@ig.com.br 3 Graduanda em Serviço Social. Faculdade de Serviço Social. Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: josi_fss@yahoo.com.br

A primeira estratégia trata da revisão da literatura sociológica brasileira sobre o tema, dos anos 1950 para cá. As referências analíticas centrais que embasaram o estudo são os conceitos de geração e classe, reprodução da pobreza e território. A segunda estratégia metodológica consistiu na realização de um trabalho de campo, no qual através de entrevistas semi-estruturadas, foram entrevistados jovens pobres na faixa-etária entre 15 e 24 anos em diferentes situações sociais (estudantes; trabalhadores com carteira assinada, trabalhadores informais, empregados domésticos, em serviço militar obrigatório, usuários de políticas assistenciais especificas para a juventude, dentre outros). A discussão a seguir busca apresentar os pressupostos elencados na pesquisa que possibilitam pensar a experiência da geração que vive a juventude hoje. O texto começa por conceituar a juventude através da abordagem geracional, por meio de um percurso que a considera como uma categoria socialmente construída. Em um segundo momento, será problematizada a questão da cultura juvenil, com intuito de explicitar alguns elementos para que, nos interstícios da nãopolítica, possa a juventude encontrar seu destino na ação política. 2 O DEBATE SOCIOLÓGICO O discurso da ciência, por exemplo, produz e reproduz as diferentes conjunturas e representações da juventude nas dinâmicas societárias. A literatura da sociologia da juventude brasileira registra alguns paradigmas de juventude que possibilitam pensá-la no contexto latino-americano a partir da década de 1950. Inicia-se pelo discurso da incorporação dos jovens à modernização, por meio de políticas educacionais. Nos anos 1960/1970, no contexto da ditadura militar na maioria dos países da América Latina, a produção da Sociologia elege como temas centrais de preocupação a mobilização dos jovens, em especial os jovens universitários, ações de controle, supressão e repressão. É o tempo do paradigma do jovem revolucionário, no qual a idéia da violência está conectada a perspectiva da transformação social. Os anos 1980 são marcados por um pequeno volume de produções sobre a juventude, reproduzindo uma condição de invisibilidade dos jovens na vida social, com a prolongada crise econômica e estreitamento de suas possibilidades de

inserção na esfera produtiva e nas oportunidades educacionais. Os anos 1950 até 1980 apresentam uma baixa concentração de produções sobre jovens na literatura sociológica brasileira. O debate mais recorrente se referia à revolta, marginalidade ou delinqüência nessa faixa etária. As mais importantes ocupavam-se do movimento estudantil universitário, portanto jovens de classes médias, que à época era assumido como portador de inovações na política. A década de 1990 registra na produção o recrudescimento da produção sobre a juventude, emerge a imagem do jovem como perigoso, porém não pela ação política revolucionária, mas pela criminalidade urbana. Entram em cena na literatura os jovens pobres, mudando-se a ênfase das abordagens sobre a juventude. Outra vertente importante da literatura é a que trata das políticas públicas e sociais voltadas para a juventude, como respostas do Estado às demandas e pressão social dos jovens. O discurso da ciência enfatiza a experiência juvenil sob signo da violência, os déficits educacionais e as políticas tanto de prevenção como de controle. E apenas muito recentemente inicia-se o tratamento da questão da ação política da juventude ainda com ênfase em sua participação a partir da solidariedade, no terceiro setor, em detrimento das formas tradicionais de representação política dos trabalhadores: sindicatos e partidos. O modelo econômico de caráter neoliberal redefine, de modo global, o campo político-institucional produzindo importantes impactos nas formas de pertencimento e ação política dos jovens. Nesse contexto, a literatura sobre as manifestações juvenis se relaciona predominantemente à cultura como forma de afirmação, e nos meios urbanos, o debate sobre as organizações juvenis de caráter cultural em resposta à violência, já que são os jovens seus maiores protagonistas. 2.1 Geração, Juventude e Ação Política O início do debate sociológico sobre a juventude no Brasil é marcado pela presença da autora Marialice Foracchi 4. A importância da aplicação intelectual dessa autora advém pelo motivo dela ser pioneira nos estudos sobre juventude no Brasil, mas, sobretudo, pelo fato de sua contribuição permanecer central para a compreensão da condição juvenil até hoje. 4 A reflexão sociológica sobre juventude no Brasil nos anos 1960 ocupa-se em estudar a ação política da juventude. Autores como Foracchi (1972) e Octavio Ianni (1968) são pioneiros nessa linha investigativa.

Foracchi (1972) para discutir a juventude, o faz a partir da geração. Essa autora defende que, ainda que a idade delimite a existência humana, as barreiras cronológicas não demarcam por si só uma geração, na medida em que essa última se diferencia através das peculiaridades e modo de vida particular daqueles indivíduos que se encontram em determinada circunstância sócio-histórica. Quando Foracchi (1972) se refere à categoria de geração, lança mão do conceito de Karl Mannheim, que considera a geração uma categoria sociológica, na medida em que esta se expressa por meio de sua dimensão histórica e tem suas especialidades relacionadas aos múltiplos processos sociais vivenciados pelos diferentes indivíduos. A geração assim pode ser definida por uma situação similar ao conjunto de indivíduos que possuem um estilo de ação peculiar. Embora mudanças biológicas caracterizem e influenciem a determinação de gerações, o conceito deve ser entendido como uma localização social comum, não podendo ser identificado como um grupo ou uma classe. Esses indivíduos, pois, podem vivenciar experiências comuns, possibilitando a origem de uma forma e um estilo de atuação característicos de uma geração. Segundo Mannheim (1978), o fator decisivo para o conhecimento da juventude reside no fato de que é nessa etapa que se entra para a vida pública. Dessa forma ele assinala que nem sempre essa inserção na vida pública foi assimilada como um processo natural pelas gerações. A passagem da condição de jovem para adulto é, em muitos casos, atravessada por um processo tenso, no qual valores antagônicos se posicionam em jogo, visto que as características atribuídas aos jovens são diferentes das imputadas aos adultos. Ainda que a condição etária seja um mecanismo fundamental de classificação e separação dos seres humanos, não se pode delimitar critérios para definição de uma geração pautando-se apenas nos marcos etários. Em uma perspectiva geracional, ser jovem é uma situação vivida, em parte, homogeneamente e, em parte, diferentemente, segundo vários determinantes, como a classe social dos indivíduos. Considerando a complexidade dessa temática cabe salientar que não existe uma única concepção sobre a categoria juventude, nem tampouco consenso em relação a esse assunto. Ainda assim, o grupo de pesquisa pôde identificar certa

compatibilidade nas temáticas e tipos de abordagens realizadas pelos estudiosos, assim como uma superposição de tendências dos estudos sobre a juventude. Tal compatibilidade foi vislumbrada nas abordagens mais recentes, que se orientaram em torno do reconhecimento da juventude no plural, ou seja, reconhecendo as distintas experiências apresentadas por esse segmento em decorrência do pertencimento da classe social, do estilo de vida, de local de moradia, dentre outros. Essa vertente de interpretação ganhou força, sobretudo a partir dos anos 1990. Nesse período, houve um esforço por parte dos estudiosos em construir uma definição sobre a categoria juventude. Se antes o debate sobre a juventude não estava em pauta, ou quando o estava, no trato dos jovens na condição de marginalizados e delinqüentes, agora, a temática protagoniza as discussões. A partir dos anos 1990 multiplicaram-se os estudos sobre juventude no que se refere aos atos de violência nos quais os jovens eram tidos como protagonistas e também os estudos relacionados ao campo da cultura, com ênfase para as manifestações culturais consideradas caracterizadoras dos jovens da periferia urbana: funk, hip-hop, rap, entre outros. Há hoje uma circunscrição dos jovens pobres ao isolamento em uma cultura juvenil, tratada como exótica e exógena, atravessada por formas objetivas e simbólicas de violência, através do que Francisco de Oliveira (2000) chama de destituição da fala. De maneiras diferentes essa destituição atinge jovens de classes médias e abastadas, pelo caráter de uma geração consumista e hedonista e muitas vezes amoral e sem limites, mas principalmente aos jovens pobres, filhos dos trabalhadores, com a atribuição do consumismo, hedonismo, violência, despreparo para a vida social e do trabalho, pois estes pagam por isso com sua própria vida. Cultura estranha à inteligibilidade corrente e esvaziada da política. Ao se tomar este caminho a questão que fica é: como a experiência da geração que vive a juventude hoje, em tempos de não-política, pode estabelecer conexões e sentidos na ação política? 3 POSSIBILIDADES E LIMITES DA AÇÃO POLÍTICA JUVENIL Em razão da imensa desigualdade social e isolamento entre classes, e aqui se fala do Brasil contemporâneo em especial, não há como se pensar a

juventude como uma experiência ou mesmo um fenômeno social em si. É necessário também reconhecer que se a grande diversidade e desigualdade social implicada nas trajetórias biográficas dos jovens desenham muitas juventudes, também carrega traços que as unificam e conferem sentidos comuns ao que aparentemente não traz identidades entre si. É uma ilusão supor que o destino de parte da juventude possa ser trilhado apenas por ela, como exteriores a outros jovens que não partilham desse destino. Suas experiências inscrevem-se, portanto, no que podemos chamar de totalidade social, que não é um somatório de partes e relações sociais, mas são estas em seu contraditório e conflituoso. É neste ponto que convergem as experiências individuais em práticas definidas em e por uma institucionalidade burguesa. Para que seja possível compreender a partir de que lugar se pensa a produção de jovens como sujeitos coletivos na contemporaneidade é necessário explicitar alguns elementos que entram na composição da dinâmica de sua constituição. Desse modo, a experiência do tempo presente para os sujeitos precisa ser refletida na sucessão de gerações que encerram vínculos intra e extrageracionais na seqüência da vida social, no entrecruzamento entre biografias no âmbito das famílias, por exemplo, até as constituídas na referência mais ampla do Estado e da sociedade. Essas práticas sociais são moduladas por um discurso sobre a juventude que formula todo um conjunto de concepções sobre uma geração. Na realidade, ao mesmo tempo em que modula também revela as próprias práticas sociais. O modelo econômico de caráter neoliberal redefine as experiências de trabalho e não-trabalho na vida dos sujeitos, produzindo importantes impactos nas formas de pertencimento e ação política dos jovens. Por outro lado, é preciso considerar que o tempo da juventude talvez contenha a primeira experiência na vida pública, seja pelo ingresso mercado de trabalho ou por experiências diversificadas de sociabilidade. Em virtude do contexto atual no qual os jovens estão inseridos, Ribeiro e Lourenço (2003) indicam dois modos de subjetivação que se apresentam. Por uma via, a da instabilidade, com a radicalidade da fugacidade que naturaliza a perda da vida na juventude, não mais vista como tragédia, mas como

parte de uma certa cultura do risco, valorizado na fugacidade do tempo presente, associada socialmente a juventude. Essa idéia de risco se estabelece por elementos como a competição econômica, os riscos envolvidos no domínio do corpo que se completa na juventude (associação entre sexo e vulnerabilidade, as conseqüências do narcotráfico na vida dos jovens pobres), e as formas correntes de morte por causas externas (acidentes de trânsito). Essas expressões se apresentam, sobretudo, nos alarmantes índices de mortalidade nessa faixa etária. A outra via apontada pelas autoras consiste na adesão a valores rígidos presos a fundamentos e disciplinas que tentam oferecer um sentido de organização em um cotidiano da vida, no conteúdo inteiramente desorganizado da cidade para as pessoas, porém organizado para as necessidades da produção e circulação das mercadorias. A primeira possibilidade visualizada para que os indivíduos possam ser reconhecidos neste jogo das relações sociais é a valorização dos mesmos como um interlocutor válido nas arenas de disputa dos conflitos sociais. A anulação do outro e sua desqualificação como opositor o esvazia em suas possibilidades de ação política, de organização e interferência na vida social, deslegitimando-o todo o tempo em suas iniciativas, pois se fala é submetido por isso e se não fala também se submete. Em qualquer das alternativas o sujeito se anula. Sua ação perde a dimensão pública e o indivíduo retorna a seu isolamento no mundo privado, sem recursos que o potencialize em suas relações com outros. Nesse isolamento ele é fraco, pois não se torna um sujeito coletivo, integrado em fluxos de interesses e compartilhamentos, capaz de se apresentar como portador de um discurso e de uma prática social nas arenas de negociação dos antagonismos sociais. No máximo, se produz um discurso acerca dele e se fala em nome dele. Como então fazer política sem sujeitos políticos? Como pensar em ação política sem espaço público de antagonismos? A indistinção não favorece a política, apenas a gestão da polícia. E nesse ponto fundem-se os destinos aparentemente independentes daqueles que completam 20 anos nos anos 2000, na experiência de uma geração que vive o signo da não-política. Nesse jogo de soma zero, os jovens pobres e suas famílias em muitos casos assumem o conformismo como forma de sobrevivência e ainda, e por causa

disso, são chamados de alienados e imediatistas. Difícil posição, pois o horizonte de realização do projeto social, envolvido pela anulação dos sujeitos em contexto de rarefeito espaço público, é sua eliminação. Algumas respostas têm sido buscadas na superação desse isolamento da juventude. De especial relevo é o debate sobre a formação de uma cultura juvenil forjada nas e pelas experiências dos jovens nas periferias das grandes cidades. Essas experiências pautam-se na música e em uma identificação, permanentemente em curso, que traduz uma linguagem e subjetividade juvenil em atitudes, comportamentos e modos de vida, conectados aos fluxos de informação globais. Nesse debate, corre-se o risco de que a cultura seja assumida como um fenômeno exótico circunscrito na cidade a regiões específicas, de pouca ou nenhuma comunicação com a cultura do centro. Essa cultura tratada como eixo da sociabilidade juvenil pode mais isolar do que incluir, mais demonizar do que desmistificar, pois suas pontes a levam de volta ao universo dos jovens em um círculo de emudecimento, de perda de universalidade, de completa idiossincrasia da experiência da juventude no tempo presente, desconectada dos vínculos instituintes do passado de sua classe e rompida com o futuro, desqualificada como demandante legítimo de um lugar na vida social. É preciso ainda localizar que esse risco inscreve-se em um momento paradoxal, pois se, como acima se tentou demonstrar, esse é um tempo de não política, também é um tempo de forte apelo à participação dos sujeitos. Decorre então, que apesar dos apelos a participação, os meios de sua realização não se encontram no real, invertendo-se e subvertendo-se a experiência coletiva. Ao final, o discurso a participação e a responsabilização pelo outro se encerra na experiência individual contribuindo muito pouco para a construção do espaço público, o espaço da política. Na ação política pode estar a compreensão necessária ao rompimento do perverso ciclo de auto-submissão, ou submetimento, em que vive esta geração. A ação política que incide sobre a legitimidade do conflito, equacionados como direitos de cidadania, na construção do espaço público pode produzir práticas sociais e discursos referenciados em valores e juízos que ultrapassam as oposições binárias restritas e de indivíduos e abrem espaços para a equidade na diferença. Denunciar o silêncio que os emudecem, os desqualificam, produzir alternativas de reconhecimento, através do enriquecimento das narrativas da

experiência concreta desta geração, reconhecer as possibilidades de sua efetiva participação social através do dissenso que os qualificam como interlocutores válidos, reconhecendo sua condição de sujeitos e cidadãos, são os caminhos da política. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A década de 1990 registra na produção o recrudescimento da imagem do jovem como perigoso, porém não pela ação política revolucionária, mas pela criminalidade urbana. O modelo econômico de caráter neoliberal redefine de modo global o campo político-institucional, produzindo importantes impactos nas formas de pertencimento e ação política dos jovens. Nesse contexto, a literatura sobre as manifestações juvenis se relaciona predominantemente à cultura como forma de afirmação, e nos meios urbanos, o debate sobre as organizações juvenis de caráter cultural em resposta à violência, já que são os jovens suas maiores vítimas. Outra vertente da literatura é a que trata das políticas públicas e sociais voltadas para a juventude, como respostas do Estado às demandas e pressão social dos jovens. O discurso da ciência enfatiza a experiência juvenil sob signo da violência, os déficits educacionais e as políticas tanto de prevenção como de controle. Na contemporaneidade, o aspecto fundamental que se apresenta a essa geração consiste na existência de uma situação comum no processo histórico e social que predispõe os jovens a um modo característico de ação historicamente relevante no que diz respeito às dificuldades de inserção na vida social. Nesse processo, o trabalho e a cultura são os elementos centrais nessa discussão tendo em vista as transformações em curso no mundo do trabalho e das sociabilidades na vida desses sujeitos. A compreensão da participação dos jovens na construção da sociedade demanda a análise do contexto de desigualdade social e a forma como se reconhecem como parte da sociedade, ou seja, o pertencimento a uma coletividade está intrinsecamente relacionado às condições subjetivas que dão forma a essa identificação, na qual o discurso da ciência é um de seus elementos estruturantes.

REFERÊNCIAS FORACCHI, M. M. A Juventude na Sociedade Moderna. São Paulo: Pioneira, 1972. MANNHEIM, K. O Problema da Juventude na Sociedade Moderna. In: BRITO, S. de (org.). Sociologia da Juventude. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.. O problema sociológico das gerações. In: FORACCHI, M.M (Org.). Mannheim: Coleção grandes cientistas sociais - 25. São Paulo: Ática, 1982, p. 67-95. OLIVEIRA, F. e PAOLI, M C. (Orgs.) Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis: Vozes, 2000. RIBEIRO, A. C. T. ; LOURENÇO, A. Marcas do Tempo: violência e objetivação da juventude. In: FRAGA, P. C. P. e Iulianelli, J. A. S. Jovens em tempo real. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.