Chiquinha Gonzaga e a burleta Forrobodó (1912)



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Chiquinha Gonzaga e a burleta Forrobodó (1912) MODALIDADE: COMUNICAÇÃO Solange Pereira de Abreu UFRJ abreusolange@hotmail.com Marcelo Verzoni UFRJ - marceloverzoni@hotmail.com Resumo: Esta comunicação de pesquisa em andamento visa apresentar dados coletados no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, com o objetivo principal de caracterizar a contribuição de Chiquinha Gonzaga (1847-1935) para o teatro musicado. Neste artigo, focalizamos a burleta Forrobodó (1912), de Luiz Peixoto e Carlos Bettencourt. Nosso trabalho insere-se como prosseguimento da pesquisa sócio-musicológica, iniciada por Edinha Diniz, publicada pela primeira vez em 1984. Palavras-chave: Chiquinha Gonzaga. Teatro musicado. Forrobodó. Chiquinha Gonzaga and Burleta Forrobodó (1912) Abstract: This research aims to report on data collected in the Instituto Moreira Salles at the city of Rio de Janeiro with the main objective to characterize the contribution of Chiquinha Gonzaga (1847-1935) to musical theater. In this article, we focus the burleta Forrobodó (1912) by Luiz Peixoto and Carlos Bettencourt. Our work fits within the continuation of the socio-musicological research initiated by Edinha Diniz, first published in 1984. Keywords: Chiquinha Gonzaga. Musical theater. Forrobodó. 1. Chiquinha Gonzaga e o teatro musicado Forrobodó é o título dado a uma burleta de costumes cariocas que descreve um baile popular na Cidade nova um espetáculo teatral com texto elaborado por Carlos Bettencourt (1890-1941) e Luiz Peixoto (1889-1973) e música de Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935), mais conhecida como Chiquinha Gonzaga. A burleta era uma pequena comédia de costumes ou farsa, apresentava enredo simples, mas recheado de situações cômicas, de quiproquós e de engodos, entremeada de números musicais ligados à trama da peça, no que difere da revista, por exemplo, na qual os números podiam ou não ter relação com a trama do espetáculo (STIVAL, 2004, p. 52). A burleta Forrobodó estreou no Rio de Janeiro, no Cine-Teatro São José, na Praça Tiradentes, em 11 de junho de 1912. Por esta época, a presença de Chiquinha Gonzaga em espetáculos deste gênero já tem uma história a ser contada. Em 1912, Chiquinha não é mais principiante enquanto compositora de música para teatro. Também neste terreno, já é experiente, vindo a ocupar lugar de amplo destaque na história da música popular brasileira. Quem quiser conhecer a evolução de nossas

danças urbanas terá sempre que estudar muito atentamente as obras dela (ANDRADE, 1963[1934], p. 333). Chiquinha Gonzaga foi uma das personalidades mais importantes da música brasileira no final do século XIX e começo do século XX (MAGALDI, s/d, p. 48). Verzoni (2011) nos conta: Na juventude, Chiquinha Gonzaga levou uma vida pródiga. Bem casada para os padrões da época, ousou desafiar o marido, preferindo passar necessidades desde que pudesse gozar de liberdade. Trabalhou com tanta garra e afinco que conseguiu readquirir certo conforto material. Ou seja, por seu próprio esforço e pela notoriedade que foi obtendo, voltou a subir alguns degraus na escala social, diminuindo a distância entre a sua classe de origem e a posição que ocupou no fim da vida. Nas lutas que travava, não conhecia fronteiras: era destemida, ousada, corajosa e irreverente. Incomodou toda uma estrutura social e criou novos parâmetros no processo de emancipação da mulher. Toda sua história foi feita com uma sucessão de batalhas: por direitos iguais para homens e mulheres, pela música nacional, pelos gêneros populares e pelos direitos dos autores (VERZONI, 2011, p. 167). Chiquinha foi pioneira. Foi a primeira mulher brasileira a escrever para orquestra e musicar para o teatro. Em 1880, escreveu e musicou seu primeiro libreto, Festa de São João, uma peça de costumes campestres em um ato e dois quadros, que permaneceu inédita. Em 1883, musicou o libreto Viagem ao Parnaso, de Artur Azevedo (1855-1908), mas o empresário recusou-se a montar a peça por ser musicada por uma mulher (DINIZ, 2009). Em janeiro de 1885, sua carreira como compositora teatral deslanchou: Chiquinha Gonzaga estreou como maestrina, musicando a opereta 1 em um ato A Corte na Roça, do libretista, também estreante, Palhares Ribeiro. A imprensa elogiava e destacava a originalidade do trabalho de Chiquinha. Castro 2 (apud DINIZ, 2009) destacou o tango da dança final, escrito pelos moldes que exige esta dança nacional, mas em que todavia se podem observar certos efeitos que o fazem sair do comum (DINIZ, 2009 [1984], p. 138). Era o maxixe, dança que daria muito o que falar até as primeiras décadas do século seguinte (DINIZ, 2009) 3. Chiquinha transitava com toda liberdade pelos mais diversos gêneros populares da época, sem quaisquer restrições. Especialmente depois de 1885, época em que começa cada vez mais a escrever música para teatro, considera absolutamente compreensível a preferência do público pelo maxixe, que costumava ser inserido no final da apresentação (VERZONI, 2011, p. 163-4). Logo veio a identificação com o público e o sucesso. O número final que escrevia para cada peça era sempre uma dança requebrada, bem ao gosto da plateia: maxixe, fado, sapateado andaluz, desgarrada, cateretê, tango, entre outros (DINIZ, 2009). Chiquinha Gonzaga seguiu uma carreira que a levou à celebridade. A

compositora deixou cerca de 2.000 composições, incluindo 77 partituras para peças de teatro. Sua obra representa o elo perdido entre a música estrangeira e a nacional" (DINIZ, 2009 [1984], p. 16). Em um levantamento, organizado por Diniz (2009), foram relacionadas mais de 60 peças teatrais, musicadas integral ou parcialmente por Chiquinha: opereta, comédia, burleta, revista cômica, revista do ano, zarzuela, drama, drama lírico, peça fantástica, mágica, ópera cômica, peça de costumes. Ao situar Chiquinha Gonzaga no cenário musical do Rio de Janeiro, Andrade (1963) nos informa: Vivendo no Segundo Império e nos primeiros decênios da República, Francisca Gonzaga teve contra si a fase musical muito ingrata em que compôs; fase de transição, com suas habaneras, polcas, quadrilhas, tangos e maxixes, em que as características raciais ainda lutam muito com os elementos da importação. E, ainda mais que Ernesto Nazareth, ela representa esta fase. A gente surpreende nas suas obras os elementos dessa luta como em nenhum outro compositor nacional. Parece que a sua fragilidade feminina captou com maior aceitação e também maior agudeza o sentido dos muitos caminhos em que extraviava a nossa música de então (ANDRADE, 1963 [1934], p. 333). Andrade (1962) advoga que a formação da música brasileira provém das influências ameríndia, africana e portuguesa, em diferentes porcentagens. Ele ressalta também a importância da influência espanhola, principalmente a hispano-americana do Atlântico (Cuba e Montevidéu, habanera e tango). Além disso, destaca a influência europeia, tanto pelas danças (valsa, polca, mazurca, shottish) quanto na formação da modinha. Para Mário de Andrade, a modinha de salão foi inicialmente apenas uma acomodação da melodia da segunda metade do séc. XVIII europeu. Isso continuou até bem tarde como demonstram certas peças populares de Carlos Gomes e principalmente Francisca Gonzaga (ANDRADE, 1962 [1928], p. 25). Para Magaldi (s/d), a música popular que emergiu no final do século XIX refletia a síntese das músicas apresentadas nos teatros da capital, e era o resultado das aspirações artísticas, intelectuais, e políticas da nova burguesia brasileira (MAGALDI, s/d, p. 48). As composições de Chiquinha Gonzaga são um exemplo dessa síntese. Ao reunir, em suas composições, gêneros de música europeia com um modo brasileiro de tocar, Chiquinha faz a ponte entre a música estrangeira e a nacional. No teatro, sua identificação com o público, com o popular, lhe traz sucesso, retorno financeiro e reconhecimento como compositora.

Magaldi (s/d) afirma que, nos palcos do Rio de Janeiro, música e dança europeias confluíram com estilizações locais da música negra que permeava a cidade. O elemento negro dessa emergente música popular não era advindo das autênticas rodas de batuques e de capoeira afro-brasileiros, mas de adaptações desta música para o palco, feitas para agradar uma burguesia predominantemente branca, cujo gosto musical era constantemente regido por ditames parisienses (MAGALDI, s/d, p. 48). Neste artigo focalizamos a burleta Forrobodó, de Carlos Bettencourt (1890-1941) e Luiz Peixoto (1889-1973). No acervo do Instituto Moreira Salles (2013), há diversas partituras de Chiquinha Gonzaga para esta burleta: a maior parte para piano e canto. Chiquinha compôs números musicais de diferentes gêneros para esta peça. São tangos, marchas, canções, modinhas, quadrilhas, dentre outros. Forrobodó recebe montagens até os dias de hoje (DINIZ, 2009) 4. 2. A burleta Forrobodó, musicada por Chiquinha Gonzaga Forrobodó é o maior sucesso de Chiquinha Gonzaga no teatro (DINIZ, 2009) 5. No Rio de Janeiro afrancesado da época, os costumes das camadas mais baixas, com seu linguajar típico, representam uma novidade. A peça torna-se um fenômeno do teatro musicado, com mais de 1.500 apresentações. Esperamos mais de 70 anos pela segunda montagem, que ocorre somente em 1995, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. O musical recebe, então, o Prêmio Mambembe, como uma das cinco melhores peças do ano, reafirmando o sucesso de 1912. A terceira montagem ocorre em 2013, mais de 100 anos após a estreia. Atualizada, porém mantendo sua essência e sua história, Forrobodó um choro na Cidade Nova permanece em cartaz de julho a setembro no Teatro Sesc Ginástico, no Rio de Janeiro. Assinada pelo revistógrafo Carlos Bettencourt e pelo caricaturista, pintor, poeta e, também, revistógrafo Luiz Peixoto, Forrobodó, em sua estreia, possui um elenco em que se destacam artistas como Cinira Polônio, Alfredo Silva, Pepa Delgado e Cecília Porto. Em sua trilha musical 13 composições de Chiquinha Gonzaga estão o tango Forrobodó, gravado pelo cantor Bahiano, e a canção cômica Siá Zeferina, posteriormente transformada na modinha Lua Branca. Forrobodó estabeleceu um marco no teatro brasileiro, abrindo caminho para a utilização de tipos nitidamente populares no teatro musicado. A história de um baile no Clube Dançante Flor do Castigo do Corpo, no bairro da Cidade Nova, colocava em cena tipos como o mulato pernóstico, a mulata insolente, o malandro ladrão de galinhas, o guarda-noturno, o mulato capoeira valentão, o português; tudo em contraste com um Rio de Janeiro afrancesado (DINIZ, 2011).

De acordo com Diniz (2011), um dos maiores fatores de sucesso de Forrobodó está na novidade da linguagem, considerada de baixo calão. Lopes (2000) afirma que: A burleta Forrobodó, de Luís Peixoto e Carlos Bittencourt, com partitura de Chiquinha Gonzaga (1912), é considerada um marco ao usar uma linguagem propriamente carioca e popular em cena, quando o palco era ainda dominado por um falar lusitano (LOPES, 2000, p. 23-4). Outro fator de sucesso da peça, de acordo com Lira (1978), refere-se às músicas de Chiquinha Gonzaga, que traduzem o jeito carioca de ser. Chiquinha utiliza um ritmo característico jocoso, sincopado, brasileiro, sem monotonia, que é [...] o motivo do êxito inigualável do Forrobodó, um caso extraordinário na história do nosso teatro ligeiro (LIRA, 1978 [1939], p. 82). De acordo com Stival (2004), na burleta Forrobodó: algumas canções são representativas e sintetizam através do discurso musical e poético a tônica de uma época, mostrando que a arte, muitas vezes, antecede a vida social, intuindo mudanças estruturais, como a fixação de um tipo étnico brasileiro, a estruturação de uma língua brasileira no teatro, a ascensão de ritmos populares e a resistência da elite (STIVAL, 2004, p. 88). Em Forrobodó, algumas características da sociedade de então, tais como mudança de regime político, descobertas sociais e impasses econômicos e ideológicos, são retratadas de forma satírica no palco, acompanhadas do ritmo frenético do maxixe (STIVAL, 2004). 3. Composições de Chiquinha para a burleta Forrobodó Dentre os números musicais compostos por Chiquinha originalmente para a burleta Forrobodó ou compostos para outras peças teatrais e reutilizados nesta, destacamos: 1) Feijoada do Brasil, para canto e piano. Esta canção fez parte da montagem portuguesa da revista em três atos Cá e lá, apresentada no Teatro Carlos Alberto, na cidade do Porto, Portugal, em novembro de 1908. O autor, Tito Martins, alterou a revista, que estreara no Brasil em março de 1904, adaptando-a ao meio português, e Chiquinha encarregou-se de toda a música, entregue para publicação no seu retorno ao Brasil, no ano seguinte. Feijoada do Brasil foi publicada por Vieira Machado e Cia., em 1909, e foi utilizada por Chiquinha no primeiro ato da burleta de costumes cariocas Forrobodó. Os autores de Forrobodó, Luiz Peixoto e Carlos Bettencourt, são, também, os autores dos versos do Maxixe da Zeferina, título com que a composição foi gravada por Beth Carvalho (voz) e Maria Teresa Madeira (piano), em

1999. Também foi gravada por Anna Maria Kieffer (voz) e Achile Picchi (piano), em 2000 (DINIZ, 2011). 2) Marcha (Cordão carnavalesco). Composição de 1911, publicada em edição da autora, na série Canções Brasileiras, na qual Chiquinha publicou números musicais de sucesso da burleta Forrobodó. A marcha foi publicada também para piano solo e para piano e orquestra brasileira: flauta, violino, clarinete, pistão, trombone, violoncelo, contrabaixo e bateria. Como Cordão carnavalesco, foi gravado por Antonio Adolfo (piano), em 1985. Em 1997, esta música foi gravada por Antonio Adolfo (piano), Cláudio Spiewak (violão), Gabriel Vivas (contrabaixo) e Ivan Conti (bateria). Em 1999, foi gravada por Alcione (voz) e Maria Teresa Madeira (piano) (Idem, 2011). 3) Lua branca. Escrita para a burleta Forrodobó, como modinha das personagens Sá Zeferina e Escandanhas, cujos versos originais mantêm o espírito de caricatura da peça. Em 1929, apareceu a versão romântica com o título Lua branca gravada pelo cantor Gastão Formenti. Até hoje, não se conhece a autoria dos versos e do novo título. Entre as duas versões, houve um arranjo em disco com o título de Lua de fulgores, pelo cantor R. Ricciardi, pseudônimo do paulista Paraguassu, mas a versão que se consagrou foi aquela gravada por Gastão Formenti, acompanhado ao piano pelo professor J. Otaviano, e a edição das Irmãos Vitale com harmonização feita pelo pianista (Idem, 2011). Chiquinha Gonzaga teve que reclamar a autoria da modinha, denunciando o plágio e obtendo a vitória através da Sbat, entidade fundada por ela. A versão original foi gravada como cena cômica por Pinto Filho e Maria Vidal, em 1930, com o título de Sá Zeferina. Também a melodia original com versos de Paulo César Pinheiro, tendo como título Serenata de uma mulher, foi gravada por Olívia Hime, em 1998. Já a versão canonizada como Lua branca tem numerosos registros fonográficos por cantores e instrumentistas como Paulo Tapajós, Paulo Fortes, Rosemary, Vânia Carvalho, Maria Bethânia, Verônica Sabino, Leila Pinheiro, Joana, Alessandra Maestrini, Antonio Adolfo, Eudóxia de Barros, Rosária Gatti, Marcus Vianna, Maria Teresa Madeira, Leandro Braga (Idem, 2011). 4) Não se impressione. Tango composto em 1911 para a burleta de costumes cariocas Forrobodó. Foi a música de maior sucesso da peça, também conhecida como Forrobodó de maçada ou Tango do guarda-noturno. Expressões como não se impressione, usada por Alfredo Silva no papel do guarda-noturno, popularizaram-se pelas ruas como bordões populares (Idem, 2011). Manoel Antonio Gomes Guimarães e Chiquinha Gonzaga publicaram esta música na coleção Canções Brasileiras. Chiquinha publicou, também, Não se impressione em versão para piano e

orquestra. A orquestração contava com flauta, violino, clarinete, pistão, trombone, violoncelo, contrabaixo e bateria (Idem, 2011). A gravação de sucesso na época foi feita em disco Odeon pelo cantor Baiano com orquestra. Há gravação de Antonio Adolfo (teclados), com Nilson Chaves (voz) e Vital Lima (voz), em 1985; novamente em 1997, Antonio Adolfo (piano), com Cláudio Spiewak (violão), Gabriel Vivas (contrabaixo) e Ivan Conti (bateria); Rosária Gatti (piano) com o Grupo Nosso Choro, em 1997; Olívia Hime (voz), acompanhada por Francis Hime (piano Kurzweil), Maurício Carrilho (violão e violão de sete cordas), Luciana Rabello (cavaquinho), Andréa Ernest Dias (flauta), Cristiano Alves (clarinete), Pedro Amorim (bandolim), Celsinho Silva (pandeiro), em 1998; Maricenne Costa (voz), com Izaías e Convidados, 1999. Como Tema Forrobodó foi gravado por Maria Teresa Madeira (piano), 1999 (Idem, 2011). 5) Quadrilha, da opereta sertaneja Jandyra. Publicada por Manoel Antônio Guimarães, c. 1903. Composta de cinco partes, a quarta foi incluída, em 1912, na burleta de costumes nacionais Pudesse Esta Paixão, como a quadrilha final do segundo ato, considerada como choro. Foi utilizada, nesse mesmo ano, na burleta de costumes cariocas Forrobodó. Foi gravada como Quadrilha Forrobodó por Maria Teresa Madeira, ao piano, em 1999 (Idem, 2011). 4. Considerações finais O grande sucesso de Chiquinha Gonzaga como compositora teatral demonstra sua identificação com o gosto do público. Chiquinha marca presença no teatro de costumes regionais, transitando por gêneros variados, sem preconceitos, e traduzindo em suas músicas quadros da vida brasileira. Vivenciando a transformação dos gêneros musicais em nosso país e o abrasileiramento de nossa música, Chiquinha faz a ponte entre a música estrangeira e a nacional em suas composições. Sua obra reúne gêneros de música estrangeira com uma maneira brasileira de tocar. São tangos, valsas e polcas, tocados de forma sincopada, com um gingado carioca. Ao musicar integral ou parcialmente as peças teatrais, Chiquinha Gonzaga ajuda a consolidar uma forte relação entre a música popular e o teatro. Semelhante a uma colcha de retalhos, as composições de Chiquinha permeiam peças teatrais, como elemento de ligação dos quadros e, também, como parte integrante destes. A burleta de costumes cariocas Forrobodó estabelece um marco em nosso teatro musicado. Recusando o falar lusitano, utilizando em cena uma linguagem popular e carioca e sintetizando a tônica da época, Forrobodó representa uma afirmação de nossa identidade. Com seu discurso musical, Chiquinha promove e efetiva essa

afirmação. Ao utilizar ritmos sincopados, diversos, característicos, jocosos, abrasileirados, em suas composições para a burleta Forrobodó e para outras peças teatrais, Chiquinha contribui com a formação de nossa música e de nossa identidade cultural. Referências ANDRADE, Mário de. (1928). Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1962.. (1934). Música, doce música. São Paulo: Martins, 1963. DINIZ, Edinha. (1984). Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.. Notas Explicativas. Acervo Digital Chiquinha Gonzaga: 2011. Disponível em <http://www.chiquinhagonzaga.com/acervo/>. Acessado em 17/fev/2014.. Chiquinha Gonzaga. Vida e obra. Instituto Moreira Salles: 2009. Disponível em <http://ims.uol.com.br/chiquinhagonzaga/ chiquinhagonzaga.html>. Acessado em 27/jul/2012.. Chiquinha Gonzaga. Vida e obra. Instituto Moreira Salles: 2009. Disponível em <http://ims.uol.com.br/chiquinhagonzaga/ chiquinhagonzaga.html >. Acessado em 28/ago/2013. LIRA, Mariza. (1939). Chiquinha Gonzaga, grande compositora popular brasileira. 2 a ed. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1978. LOPES, Antonio Herculano (org.). Entre Europa e África: a invenção do carioca. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, Topbooks, 2000. MAGALDI, Cristina. Chiquinha Gonzaga e a música popular no Rio de Janeiro do final do século XIX. Revista Textos do Brasil. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, edição n o 11. STIVAL, Silvana Beeck. Chiquinha Gonzaga em Forrobodó. 130f. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira). UFSC, Florianópolis, 2004. VERZONI, Marcelo. Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth: duas mentalidades e dois percursos. Revista Brasileira de Música. Rio de Janeiro: Programa de Pósgraduação em Música da UFRJ, v. 24, n o 1, p. 155-69, 2011. 1 Opereta era uma ópera leve, curta, com diálogos falados, músicas e danças. A opereta referia-se a assuntos do cotidiano imediato, entremeada de números musicais (STIVAL, 2004, p. 45). Ao se tratar de sentimentos, na opereta, o amor era o tema central. 2 Luiz de Castro foi folhetinista do Jornal do Commercio. 3 Disponível em <http://ims.uol.com.br/hs/chiquinhagonzaga/chiquinhagonzaga.html>. Acessado em 27/jul/2012. 4 Disponível em <http://ims.uol.com.br/hs/chiquinhagonzaga/chiquinhagonzaga.html>. Acessado em 28/ago/2013. 5 Idem