REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE CULTURA EM SALA DE AULA¹ Cláudia Helena Dutra da Silva* Fernanda Klein Peixoto** Luciana Ramalho Rodrigues*** Orientadora: Ms. Jussara Maria Zilles RESUMO: Como bolsistas do Projeto PIMEI do Núcleo de Apoio Pedagógico da UFRGS, fomos convidadas a participar da I Semana de Línguas Estrangeiras do Colégio Aplicação. Visando transmitir informações sobre a cultura britânica e incentivar o aprendizado de língua inglesa, elaboramos um jogo para trabalhar com alunos do colégio em questão. A primeira etapa do jogo testa o conhecimento geral dos alunos sobre o Reino Unido, enquanto que a segunda considera países específicos. Este trabalho tem o objetivo de: 1) relatar a experiência vivenciada durante esse evento; 2) mostrar como essa atividade pode ser trabalhada com outras línguas e adequada para alunos com diferentes níveis de conhecimento, e 3) apresentar algumas reflexões teóricas que nos ajudaram no desenvolvimento dessa atividade. PALAVRAS-CHAVE: cultura ensino Inglês como segunda língua ABSTRACT: While working at Projeto PIMEI, for Núcleo de Apoio Pedagógico da UFRGS, we were invited to participate in the I Semana de Línguas Estrangeiras do Colégio Aplicação. Trying to pass on information about British culture, as means of motivating students towards learning the English language, we have developed a game to play with students of the school mentioned above. The first part of the game tests general knowledge about the United Kingdom; the second involves each of its four countries. This paper intends to: 1) describe what we have experienced throughout the event; 2) show how the game can be used to work with other languages, and how it can be adapted for students with different levels of proficiency, and 3) present a few theoretical points that have helped us develop this activity. KEY WORDS: culture teaching English as a second language ¹ Texto referente à comunicação oral Trabalhando com a cultura britânica na aula de língua inglesa. * Graduanda em Letras Universidade Federal do Rio Grande do Sul claudia.helena@ufrgs.br ** Graduanda em Letras Universidade Federal do Rio Grande do Sul fezinhakpeixoto@yahoo.com.br *** Graduanda em Letras Universidade Federal do Rio Grande do Sul lucianarr_19@hotmail.com
Nossas reflexões a respeito do ensino de língua estrangeira e cultura em sala de aula levaram-nos a indagar sobre a situação do ensino de línguas estrangeiras em escolas públicas no nosso país, conduzindo-nos a alguns questionamentos sobre o assunto, como por exemplo: Por que é tão difícil ensinar inglês em escolas públicas? Por que professores e alunos demonstram, na maioria dos casos, tamanha insatisfação? Quanto a esse tema, não nos parece justo colocar toda a culpa na carência de materiais didáticos, na disparidade dos níveis de conhecimento ou na carga horária insuficiente. Acreditamos que o problema maior reside na falta de motivação, que atinge tanto professores quanto alunos. Grande parte dos estudantes não vê utilidade na aprendizagem de uma língua estrangeira, o que os leva a ir às aulas apenas por obrigação. Não há um esforço real em aprender, não há desafios. A preocupação é obter notas suficientes para garantir a aprovação ao final do ano. Tal situação acaba influenciando o professor que, em razão disso, perde a motivação de ensinar e aprender com seus alunos e pode até tornar-se apático diante disso tudo. Como bolsistas do NAP (Núcleo de Apoio Pedagógico da UFRGS), tendo lido sobre o assunto e constatado que a realidade do ensino público é bastante problemática, sentimos a necessidade de desenvolver atividades lúdicas que visam despertar o interesse dos alunos pelo aprendizado de uma língua estrangeira. Estas atividades tiveram por base os dados de uma pesquisa anteriormente realizada, através de questionários com professores de língua inglesa de escolas da rede pública. Tais atividades foram testadas na I Semana de Línguas Estrangeiras do Colégio Aplicação, em julho de 2005. A boa recepção, tanto por parte dos alunos quanto dos professores, estimulounos a divulgar esse trabalho. Nossa intenção é mostrar que, com poucos gastos, mas com muita criatividade e boa vontade, é possível transformar a atual situação dentro da sala de aula em um espaço prazeroso de ensino, aprendizagem e integração. Até recentemente, a cultura, no ensino de línguas estrangeiras, era abordada de uma maneira que nos parece equivocada: ao invés de parte integrante da língua, ela era vista apenas como uma das habilidades a serem desenvolvidas pelo aluno (ao lado da pronúncia, compreensão auditiva, leitura e escrita). Tal situação data do início do século XX quando, para encaixar o
ensino da língua nos moldes estruturalistas, estudiosos a separaram da cultura subjetiva, mutável e indeterminada. Foi só na década de 1970 que ocorreu uma mudança considerável na área do ensino de línguas: tendo por base princípios sociais e democráticos, estudiosos voltaram a unir língua e cultura, numa relação que agora sabemos ser indissociável (KRAMSCH apud DELGADO, 2004, p.233). A cultura se expressa através da língua, determinando o falar e o agir dos indivíduos. A língua, por sua vez, é determinada pela cultura tanto que cada grupo social tem um falar próprio. Desta forma, a importância da abordagem intercultural dentro da sala de aula de línguas estrangeiras se faz evidente: não basta ensinar o aluno a falar, ouvir, ler e escrever. O fundamental é que o aluno compreenda o que ocorre ao seu redor, que possa ser uma pessoa consciente e com capacidade para exercer seu papel de cidadão neste mundo de diversidades do qual ele faz parte. O conhecimento intercultural não só garante o sucesso na comunicação como é essencial à sobrevivência. Além disso, segundo DELGADO (2004, p.234), ao dar à cultura o devido valor, trabalhamos com o pensamento individual do aluno, desenvolvendo-o e enriquecendo seu conhecimento. Existe ainda um certo receio em relação ao ensino intercultural, que parece se agravar quando a língua estrangeira em questão é o inglês. O papel desempenhado pelos Estados Unidos no mundo de hoje, por exemplo, faz com que muitos alunos não queiram estudar a língua inglesa. Se por um lado a língua é valorizada, por outro, é também estigmatizada. Embora praticamente fundamental à comunicação (já tendo sido, inclusive, apontado por alguns como a futura língua universal), o inglês pode ser, e às vezes é, usado como um instrumento de opressão, uma maneira de manter a desigualdade não só entre países, mas entre grupos sociais. É compreensível, assim, que o ensino de língua inglesa não seja sempre visto com bons olhos. Como argumenta SARMENTO, a questão é: como proceder na sala de aula para desenvolver uma competência intercultural sem impor o domínio da outra cultura. A resposta nos é oferecida pela mesma autora: faz-se necessário que as pessoas compreendam que a abordagem intercultural não tem por meta ensinar os alunos a se portarem como membros de outra cultura. O objetivo dessa abordagem é dar ao aluno condições de descobrir, analisar e
criticar os usos socioculturais de uma língua (2003, p.163-166). Em outras palavras, o ensino intercultural visa desenvolver, além da proficiência em uma língua estrangeira, a consciência crítica dos alunos. Na prática, entretanto, o ensino intercultural é bastante problemático. O material didático disponível no mercado é, no mínimo, inapropriado: o grau de idealização nos livros-texto é alto demais, podendo dar ao aluno a impressão de que a cultura estrangeira é superior à nossa. O risco aumenta quando o aluno em questão é brasileiro, pois o Brasil, como sabemos, é um país onde se observa a existência de um grande grupo de pessoas com baixa auto-estima em relação à sua noção de nação. Daí a importância de desenvolver o pensamento crítico dentro da sala de aula, o que pode ser feito através de pequenos atos, como: 1) mostrar para os alunos que não há apenas aspectos positivos na outra cultura; 2) utilizar a nossa cultura para facilitar a compreensão da cultura-alvo; 3) tentar descaracterizar o estereótipo negativo que existe sobre nosso país para construir um sentimento de identidade positiva. As dificuldades representadas pelo ensino intercultural não são poucas, de forma que é compreensível que o professor não se sinta sequer motivado a tentar. Além das condições de trabalho desfavoráveis e do material didático inadequado, o professor de línguas estrangeiras precisa enfrentar três outros desafios, apontados por SARMENTO: primeiro, o fato de que o mundo está em constante mutação; segundo, o perigo da criação de estereótipos e, finalmente, o despreparo dos alunos (2004, p.255). Esses fatores exigem muito do professor, pois ele precisa se manter atualizado, ser sensível o suficiente para evitar o preconceito e ter disposição e boa vontade para lidar com algo tão complexo quanto as diferenças culturais. Tendo como apoio os dados teóricos referidos acima, elaboramos um jogo uma atividade parecida com um quiz que testa o conhecimento sobre o Reino Unido e visa trabalhar língua, cultura e o lúdico em conjunto (apreciado tanto por professores quanto alunos). Demos preferência à cultura britânica como forma de oposição ao quadro atual, no qual a língua inglesa e os Estados Unidos parecem ser sinônimos. A atividade foi realizada em português, pois não tínhamos idéia do nível de conhecimento da turma com a qual trabalharíamos. Essa atividade pode, no entanto, ser adaptada para o inglês,
trabalhando não só com compreensão de texto, mas com pontos específicos da gramática inglesa. O jogo pode ser também facilmente adaptado, de modo a trabalhar qualquer língua/cultura. A oficina foi assistida por uma turma de sexta série, cujos trinta e cinco alunos foram divididos em sete grupos que competiam entre si. Na primeira etapa, cada grupo recebeu duas placas (uma marcada com a letra V e, a outra, com a letra F) e uma folha contendo diversas informações relacionadas à história e à cultura do Reino Unido. Cada afirmação era lida em voz alta e, após a leitura, os grupos tinham cerca de trinta segundos para decidir sobre a veracidade ou falsidade do texto, levantando, então, a placa correspondente. A seguir, a resposta certa era fornecida sempre acompanhada de uma breve explicação. Cada acerto dava um ponto ao grupo. Na segunda etapa, os grupos receberam placas com os nomes dos países pertencentes ao Reino Unido. Foram mostradas, então, imagens de celebridades britânicas; os alunos tinham cerca de trinta segundos para tentar adivinhar o país natal de cada uma e levantar a placa correspondente. A resposta certa era acompanhada de um breve comentário em relação aos países. Para finalizar, foram lidos os nomes das quatro capitais, ao que os alunos tiveram que decidir à qual país tal capital pertencia. A cada resposta certa mais um ponto era acrescentado para o grupo. A recepção da oficina, repetimos, foi surpreendentemente agradável. Apesar da intensa competição, os alunos se mostraram verdadeiramente interessados na atividade, prestando atenção nas informações e, inclusive, compartilhando com a turma fatos que já eram de seu conhecimento. O uso de uma folha de apoio (com o registro das informações discutidas) é aconselhável, pois além de facilitar a discussão entre os componentes do grupo evitando a necessidade de se repetir as questões, ajuda os alunos a reter o conteúdo. O trabalho é bastante simples: exige apenas papel, caneta, algumas gravuras retiradas de jornais e revistas, tempo e disposição. Não consiste em nenhuma revolução no ensino de línguas estrangeiras, mas é algo perfeitamente possível de ser feito. As implicações de tarefas como essa para o ensino mostram que, com um pouco de criatividade e força de vontade, podemos melhorar a situação de ensino de línguas estrangeiras em escolas públicas no nosso país.
Nossa caminhada, como professores, é longa, mas nunca podemos esquecer a importância de dar o primeiro passo. E esse primeiro passo começa com motivação, dedicação e interesse dos professores em se relacionar bem com seus alunos, assim como, em ajudá-los nesse processo de aprendizagem de uma língua, conscientizando-se de sua cultura e da cultura do outro. Esse é um caminho pelo qual todos os estudantes devem passar. Afinal, desejamos que eles desenvolvam seu importante papel de alunos pensantes, utilizando suas capacidades de questionar o mundo e as formas de como ele funciona. Em conjunto, professores e alunos podem transformar a atual situação da educação, tornando o ensino mais inclusivo, livre de preconceitos e de estereótipos. REFERÊNCIAS DELGADO, Heloísa. O Ensino da Cultura como Propulsor da Abertura de Possibilidades na Aprendizagem de Língua Estrangeira. In: SARMENTO, Simone; MÜLLER, Vera. (Orgs.) O ensino de inglês como língua estrangeira: estudos e reflexões. Porto Alegre: APIRS, 2004. GARCIA, Teresinha Preis. Diversidade Lingüística e Cultural: Identidades Regionais. In: Anais do IX EPLE Encontro de Professores de Línguas Estrangeiras. Londrina: Betel Gráfica e Editora Ltda, 2002. GIMENEZ, Telma. Eles comem Cornflakes, nós comemos pão com manteiga. In: Anais do IX EPLE Encontro de Professores de Línguas Estrangeiras. Londrina: Betel Gráfica e Editora Ltda, 2002. SARMENTO, Simone. Ensino de cultura na sala de aula de língua estrangeira. In: MORAES, G.; BUCHWEITZ, R.; SANTOS, M. E. dos (Orgs.) A questão cultural no processo ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Passo Fundo: UPF, 2003.
. O Ensino da Cultura como Propulsor da Abertura de Possibilidades na Aprendizagem de Língua Estrangeira. In: SARMENTO, Simone; MÜLLER, Vera. (Orgs.) O ensino de inglês como língua estrangeira: estudos e reflexões. Porto Alegre: APIRS, 2004.