Aproveitamento da Carne Caprina de Animais Velhos, de Descarte, na Produção de Lingüiça Frescal sem Adição de Gordura Suína



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ISSN 1676-7667 Aproveitamento da Carne Caprina de Animais Velhos, de Descarte, na Produção de Lingüiça Frescal sem Adição de Gordura Suína 33 Introdução On line A criação de pequenos ruminantes como caprinos e ovinos tem desempenhado um papel sócioeconômico muito importante à população rural no desenvolvimento da pecuária. Principalmente na Região Nordeste, essa atividade tem se destacado como a opção viável para se produzir carne, leite e produtos derivados, a partir desses ruminantes (Duarte, 2003). De acordo com Anuário da Pecuária Brasileira (2005), a Região Nordeste concentra 93,5% do efetivo nacional de caprinos e 52,3% do efetivo de ovinos, destacando-se os efetivos da Bahia, com 3.071.538 ovinos e 3.900.971 caprinos; do Ceará com 1.018.003 ovinos e 920.180 caprinos; do Piauí, com 1.580.941 ovinos e 1.502.754 caprinos; e de Pernambuco, com 997.781 ovinos e 1.673.226 caprinos. Sobral, CE Dezembro, 2006 Autores Ronaldo Ponte Dias Med. Vet., M.Sc. Embrapa Caprinos Estrada Sobral/Groaíras, km 04, Caixa Posta - 145, CEP 62010-970 Sobral, CE Fax: (0xx88) 3677-7015 Tel.: (0xx88) 3677-7000 E-mail:ronaldo@cnpc.embrapa.br Terezinha Fernandes Duarte Química Industrial, M.Sc. Consultora Embrapa Caprinos E-mail: terezinha_duarte@hotmail.com Deborah dos Santos Garruti Engenheiro de Alimentos, D.Sc. Embrapa Agroindustria Tropical E-mail: deborah@cnpat.embrapa.br Jorge Everardo Fuentes Zapata Químico Farmaceutico, Ph. D. Universidade Federal do Ceará E-mail: zapata@ufc.br Cleovânia Fontenele Santos Tecnologia de Alimentos, Graduanda. Centec, Sobral/Ce E-mail: cleovaniasantos@yahoo.com.br A qualidade da carne caprina está diretamente associada às suas características sensoriais, tais como, maciez, suculência, sabor e odor. No Brasil, a carne de animais jovens abatidos até 12 meses de idade apresenta características sensoriais especiais, alcançando um bom valor de mercado, em contraste com a carne de animais adultos, principalmente inteiros e de descarte (velhos), mais difíceis de serem comercializados, por apresentar menor maciez, textura mais firme e um sabor e odor característico mais intenso (Madruga, 2005). Entretanto, essas categorias podem constituir uma fonte de matéria-prima para a elaboração de produtos processados, como uma alternativa para o limitado consumo, observado para a carne fresca desse tipo de animal, uma vez que os produtos resultantes apresentam modificações das características sensoriais desagradáveis desse tipo de carne. Nos últimos anos tem se observado um interesse crescente pela carne caprina em função de suas propriedades dietéticas, pois apresenta baixo teor de colesterol, de gordura saturada e de calorias, quando comparada com as demais carnes vermelhas (Duarte, 2003). Com o incremento do consumo da carne caprina, observa-se uma maior necessidade de oferta de produtos dessas espécies com melhor qualidade. Nesse sentido, deve-se considerar que existe um grande número de fatores que afetam as características de qualidade da carne in natura e dos produtos elaborados, entre os quais podem ser citados a raça, a idade, o peso e o manejo pré e pós-abate dos animais, conforme Bressan & Perez, citado por Monte (2006). O setor industrial e o de comercialização da carne no Brasil têm experimentado um crescimento contínuo nos últimos anos, sendo a salsicha, a mortadela, as lingüiças e os patês de presuntos e de frango os derivados mais consumidos (Vaz, 2005). A indústria de carne de caprinos e ovinos tem como alvo um mercado em plena expansão, que até pouco tempo se caracterizava como mercado de subsistência, no qual o produtor não conseguia ter excedentes para venda. Os clientes potenciais dessa indústria de carne são as grandes redes de supermercados, os restaurantes e hotéis; as casas de delicatessen, as lojas de conveniência, etc. (Carvalho, 2001). O mercado de embutidos cárneos vem apresentando significativa expansão e alta competitividade, pois tais produtos fazem parte do hábito alimentar de uma parcela considerável de consumidores brasileiros. No Brasil, a lingüiça é um dos embutidos cárneos mais produzidos, com baixo custo, provavelmente porque sua elaboração, além de não exigir tecnologia sofisticada, utiliza poucos equipamentos.

2 Aproveitamento da carne caprina de animais velhos, de descarte, na produção de lingüiça... As lingüiças são produtos cárneos preparados com a mistura de carne, toucinho e condimentos embutidos em tripas. Considerando a natureza da matéria-prima, é possível prever variações na sua composição química, especialmente quanto aos teores de proteína e de gordura. A Instrução Normativa n 4 (Brasil, 2000) fixa o Padrão de Qualidade e Identidade (PIQ) para a lingüiça do tipo frescal. Para os parâmetros físico-químicos, a legislação determina: máximo de 70% para umidade, máximo de 30% para gordura e mínimo de 12% para proteína. Para que tais requisitos sejam atendidos, todo o ciclo da produção deve ser controlado desde a matéria-prima até a comercialização. As lingüiças são produtos cárneos comercializados em grande escala, em função do seu baixo valor comercial, acessível a todas as camadas da sociedade, sendo facilmente encontrados em vários segmentos do mercado varejista. O processamento de lingüiças a partir de carnes bovinas e suínas encontra-se bem definido. Entretanto, a inclusão da carne caprina nas formulações e posterior produção em escala industrial é algo relativamente novo, fazendo-se necessário estudos mais aprofundados acerca dos diversos fatores que possam influenciar na qualidade do produto final (Figueiredo et al., 2003). Em função da crescente demanda pelas carnes caprina e ovina, produtos industrializados têm sido desenvolvidos por instituições de pesquisa, como o Centro Nacional de Pesquisa de Caprinos da Embrapa, a Universidade Federal do Ceará, Universidade Estadual do Ceará, a Universidade Federal da Paraíba, os quais são produzidos e comercializados pela iniciativa privada. Entre os produtos desenvolvidos, destacam-se: cortes padronizados com ossos e desossados, lingüiça frescal e defumada, manta de carne seca, hambúrguer, buchada e sarapatel. Visto que a geração de produtos de valor agregado com atrativos aos consumidores finais constitui-se numa alternativa promissora para o aumento da oferta de carne para o consumo e no atendimento à demanda de proteína animal no Nordeste e no país como um todo, a caprinocultura na Região configura-se no âmbito do agronégocio, em todos os elos da cadeia produtiva, contribuindo para a geração de empregos, o aumento da renda líquida do produtor e atendimento à demanda. Este trabalho objetivou avaliar o uso da carne caprina no desenvolvimento de produtos processados e as características de composição de um embutido cárneo, tipo lingüiça frescal produzida com carne caprina de animais de descarte, visando subsídios científicos para caracterizar o produto em função da sua qualidade nutricional. Metodologia O estudo foi realizado utilizando-se amostras de lingüiças frescais de três lotes distintos, produzidos a partir de carne caprina de animais de descarte. Para produção de cada lote foram utilizados cinco animais de raças variadas, abatidos com idade superior a seis anos, provenientes de rebanhos experimentais pertencentes à Embrapa Caprinos. As tripas, os ingredientes de cura e de condimentação foram adquiridos no comércio local. A produção dos lotes foi conduzida na área de processamento de carnes da Embrapa Caprinos. Para obtenção da matéria-prima, os animais foram submetidos a jejum alimentar e dieta hídrica por um período de 24 horas e, em seguida abatidos, utilizando-se a técnica tradicional de insensibilização por concussão cerebral, seguida de sangria, esfola e evisceração. Logo após, as carcaças foram acondicionadas em sacos de polietileno e resfriadas em câmara frigorífica a 5º C por 24 horas. Decorrido esse período, procedeu-se à desossa integral das carcaças seguida da retirada do excesso de tecido conjuntivo e gordura subcutânea. As carnes foram cortadas manualmente, com auxílio de facas de aço inoxidável, em forma de cubos de tamanhos irregulares, embaladas em sacos de polietileno sob vácuo e armazenadas por um período de dois dias, em câmara de congelamento a -18º C, até a elaboração dos produtos. A formulação utilizada (Tabela 1) para a elaboração do produto foi ajustada de acordo com Alves et al. (2003). O processo de elaboração obedeceu às etapas conforme demonstrado no fluxograma da Fig. 1. Tabela 1. Formulação utilizada para elaboração de lingüiça frescal de carne caprina de animal de descarte sem adição de gordura suína. Componente Percentual (%) Carne caprina 80,38 Água 15 Sal refinado comum 1 Condimento para lingüiça toscana 2 Pimenta do reino em pó 0,05 Antioxidante 0,12 Agente de cura 0,2 Emulsificante 1,0 Alho em pasta 0,25 Total 100,0 Fonte: Alves et al. (2003).

Aproveitamento da carne caprina de animais velhos, de descarte, na produção de lingüiça... 3 Para elaboração do produto, as carnes foram descongeladas a 5ºC por 12 horas, cominuídas em moinho industrial, utilizando-se disco de 8 mm e transferidas para o misturador, onde foram adicionados os ingredientes e coadjuvantes de cura, condimentos e água, procedendo-se à mistura por 7 minutos. A massa cárnea foi transferida para embutideira de pistão e embutida em tripas naturais de suíno calibre 30/32 mm, seguida de amarração dos gomos em comprimento de 15 cm e colocadas sob refrigeração (5 ± 2 C) por um período de 14 horas para a etapa de cura. Após o processamento, as lingüiças foram embaladas a vácuo e armazenadas sob refrigeração (5 ± 2 C) para análises posteriores. Moagem da carne (disco 8 mm) Mistura dos ingrediente (condimentos, sais de cura, antioxidante, estabilizante e água) Embutimento (tripas calibre 30/32 mm) Cura do produto (14 horas a 5 + - 2 ºC) Embalagem (vácuo) Armazenamento ( 5 + - 2 ºC) (1957) e a dosagem do colesterol foi realizada através do método colorimétrico, de acordo com a metodologia descrita por Huang & Chen (1961), citado por Serrão (1997); d. A atividade de água (Aw) foi avaliada através de aparelho medidor Higrotermo 95 marca ETEC. Para os resultados das análises das lingüiças avaliadas, foram aplicados cálculos da média e desvio padrão. Discussão dos resultados De acordo com os dados da tabela 2, os resultados dos teores de lipídeos de 1,95% a 3,74%, proteínas de 13,77% a 13,97% e umidade de 70,39% a 75,54% e considerando o que o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Lingüiça (Brasil, 2000) preconiza em relação à lingüiça frescal, com o máximo de 30% de gorduras, mínimo de 12% de proteínas e máximo de 70% para umidade, podem indicar que os produtos analisados atenderam aos requisitos de proteínas e gorduras, enquanto a umidade apresentou-se acima do limite máximo permitido. Tal fato pode ser explicado pelo baixo teor de gordura da formulação, associado ao teor de umidade da matéria prima e da água adicionada. No que se refere ao ph, os valores (6,21 a 6,30) obtidos neste trabalho apresentam-se na faixa dos valores relatados por Figueiredo et al. (2003) em pesquisa com lingüiça produzida a partir de carne caprina, que obtiveram valores de 6,13 a 6,74 em lingüiças frescais. Embora o ph elevado facilite a proliferação de microorganismos em embutidos cárneos, estes também resultam em menores perdas de líquido durante o cozimento, uma vez que, quanto maior o ph final da carne, maior a capacidade de retenção de água (Dzudie & Tandem, 1994). Fig. 1. Fluxograma de elaboração da lingüiça frescal de carne caprina. Para caracterização do produto, foram realizadas análises em triplicata de umidade, cinzas, lipídeos e proteína, análises de colesterol, ph e atividade de água (Aw). a. Composição centesimal: umidade, cinzas e proteínas, determinadas segundo a metodologia da Association of Official Analytical Chemists - AOAC (Horwitz, 2000); b. ph: as determinações de ph foram realizadas usando potenciômetro digital Profile 597, seguindo metodologia descrita pelo Instituto Adolfo Lutz (Zenebon & Pascuet, 2005); c. Colesterol total: a extração dos lipídeos foi realizada de acordo com a metodologia descrita por Folch et al. Tabela 2. Composição química e físico-química de três lotes de lingüiça frescal de carne caprina formulada sem adição de gordura. Parâmetros 1º Lote 2º Lote 3º Lote M ± DP Umidade (%) 75,54 70,39 70,40 72,11 ± 2,57 Cinzas (%) 4,50 3,96 3,95 4,14 ± 0,32 Lipídios (%) 1,95 3,74 2,66 2,78 ± 0,90 Proteínas (%) 13,97 13,77 13,83 13,86 ± 0,09 ph 6,30 6,25 6,21 6,25 ± 0,05 Aw 0,957 0,967 0,948 0,957±0,009 Colesterol (mg/100g) 72,00 34,56 28,12 44,89±13,68 M ± DP = Média com desvio padrão de três observações.

4 Aproveitamento da carne caprina de animais velhos, de descarte, na produção de lingüiça... Segundo Chirife & Buera (1996), os valores de atividade de água (Aw) estão correlacionados com o potencial de desenvolvimento e com a atividade metabólica dos microrganismos. Uma redução no conteúdo de umidade implica numa redução automática da atividade de água e, portanto, num menor risco de alteração por microrganismos. Os valores encontrados neste trabalho entre 0,948 a 0,967, apesar de próximos, ainda se encontram inferiores aos da faixa considerada ideal para a maioria dos microrganismos, incluindo bactérias patogênicas crescendo mais rapidamente em níveis de atividade de água entre 0,995 e 0,984 (Carrascosa & Cornejo, 1989). Na literatura, há escassez de dados referentes aos teores de colesterol em lingüiças elaboradas à base de carne caprina, razão pela qual se torna difícil a realização de um estudo comparativo. Em trabalhos realizados por Serrão (1997), com lingüiças de carne bovina, lingüiças mistas (bovina/suína) e lingüiças de peixe, os teores de colesterol encontrados foram de 112,82, 78,93 e 30,75mg/100g, respectivamente. Madruga et al. (2004), utilizando o método colorimétrico para dosagem de colesterol em lingüiças de frango do tipo tradicional e light, apresentaram valores de 85,28 a 106,19mg/100g de colesterol para lingüiças de frango tradicionais e 60,58 a 85,22mg/100g de colesterol em lingüiças light. Os teores de colesterol encontrados neste trabalho foram de 28,12mg/100g a 72mg/100g. Esses valores assemelham-se aos encontrados pelos autores acima citados, em lingüiças de peixe e de frango light e inferiores aos encontrados para as lingüiças de carne bovina e mistas. Conclusão Os resultados obtidos mostraram que a carne caprina de animais velhos (descarte) é adequada para elaboração de produtos cárneos embutidos, tipo lingüiça frescal, apresentando teores de proteína e lipídeos em consonância com o estabelecido na legislação vigente para lingüiças frescais produzidas com matéria-prima convencional. Vale ressaltar o baixo teor de colesterol e o reduzido teor lipídico, configurando um produto de baixo teor de gordura. O processamento industrial de carne de caprinos de animais de descarte pode ser uma eficiente ferramenta para a agregação de valor dessa matéria-prima, bem como uma fonte de novos produtos alimentícios à população. Recomendações A partir dos resultados obtidos, fica evidente a necessidade de exploração e definição de alguns aspectos importantes, como avaliação microbiológica, análise sensorial por meio de um painel de provadores treinados, estudo da vida de prateleira, bem como análises de custo, visando o desenvolvimento e aprimoramento do processo e do produto elaborado, a fim de obtenção de suporte técnicocientífico adequado para a garantia da qualidade e segurança do produto. Agradecimentos Ao Centec Sobral, à Embrapa Agroindustrial Tropical e à Universidade Federal do Ceará pela parceria na realização das análises e das discussões dos resultados. Bibliografia consultada BRASIL. Ministério da Agricultura. Instrução Normativa nº 4 de 31 de março de 2000. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de lingüiça. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, 5 de abr. de 2000. Disponível em http://200.252.165.21/sda/dipoar/ instnorma4_linguiça3.htm. Acesso em 25 ago. 2006. CARRASCOSA, A. V.; CORNEJO, I. Aspectos físicoquímicos del curado de jamon serrano y su influencia sobre el desarollo microbiano (Revisión). Alimentaria, p. 27-33, 1989. CARVALHO, R. B. Potencialidade dos mercados para os produtos derivados de caprinos e ovinos. Disponível em <http://www.capritec.com.br/art040521.htm>. Acesso em 18 abr. 2006. CHIRIFE, J.; BUERA, M. P. Water activity, water glass dynamics and the control of microbiological growth in foods. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v. 36, n.5, p. 465-513, 1996. DUARTE, T. F. Qualidade nutricional e sensorial da carne de caprinos SRD e mestiços de Boer terminados em confinamento. 2003. 104 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. DZUDIE, T.; TANDEM, C. A. A comparative study of goat, beef and rabbit sausages. Journal Food Science Technology, v. 31, n. 4, p. 333-334, 1994. FIGUEIREDO, M. J.; MADRUGA, M. S.; NUNES, M. L.; LIMA, F. M. S. Influência de emulsificantes e estabilizantes industriais nas características físico-química e funcionais de lingüiças frescais elaboradas com carne caprina. Revista Nacional da Carne, v. 27, n. 317, p. 133-137, 2003. FOLCH, J.; LEES, M.; STANLEY, G. H. S. A simple method for the isolation and purification of total lipids from animal tissues. Journal of Biological Chemistry, v. 226, n. 1, p. 38-41, 1957.

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