1 Introdução O ensino de línguas estrangeiras na escola pública vem sendo questionado por muitos. A freqüente falta de motivação sentida pelos alunos frente ao ensino de língua inglesa é um dos fatores que tem desencadeado este questionamento. Tal atitude e colocações como Ah, música não, professora inspiraram-me a desenvolver o tema do presente estudo. Colocações como esta nos levam a repensar sugestões propostas por especialistas na área. Por exemplo, Macowski (1989), em seu estudo sobre o ensino de língua inglesa em escolas estaduais investiga os desejos e necessidades dos alunos e sugere a música como instrumento de motivação. Moita Lopes (1996), por sua vez, propõe a atividade de leitura como a única justificável socialmente no Brasil, já que este público a utiliza com maior freqüência, em vestibulares, concursos e qualificações de emprego. Aparentemente, tem havido grande preocupação com a eficiência do ensino e não com o entendimento dos aprendizes sobre a validade do aprendizado de LE na escola pública ou com a adequabilidade das soluções que vêm sendo propostas. Este estudo busca primeiramente verificar a percepção dos aprendizes em relação ao ensino de línguas estrangeiras. Segundo, busca contrastar o discurso pedagógico à realidade psicológica dos aprendizes para sugerir um material instrucional capaz de motivar a participação dos alunos e de tornar o ensino de LE mais eficiente nas escolas públicas. Como realidade psicológica, entendo o contexto sócio-cognitivo que se projeta nos processos de categorização, de leitura do mundo, a experiência do dia-a-dia dos indivíduos. Para atingir os objetivos traçados aqui, foram coletados dados em uma turma da 6ª série de uma escola da Zona Norte do Município do Rio de Janeiro, que poderão vir a orientar professores na seleção, adaptação e elaboração de materiais instrucionais voltados para a realidade daqueles que estão na sala de aula, principalmente em contextos semelhantes ao desta investigação. Considerando que os professores das escolas do Município do Rio do Janeiro possuem autonomia tanto para elaborar suas propostas pedagógicas como para
13 estabelecer seus programas curriculares, este estudo também pretende ser um instrumento de reflexão para professores de LE, bem como um incentivador de um movimento de repensar as práticas pedagógicas tendo como ponto de partida a realidade do aluno. Tal proposta reforça a postura da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME), que tem exaustivamente incentivado os professores a refletirem sobre suas práticas pedagógicas. Por exemplo, a SME distribuiu para todo o corpo docente o livro Parâmetros Curriculares Nacionais Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental publicado em 1998. Este livro defende o entendimento de que o papel da educação no desenvolvimento das pessoas e das sociedades amplia-se cada vez mais e aponta para a necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de cidadãos. A partir de então, a SME tem priorizado mudanças estruturais na organização curricular na tentativa de inserir os alunos na sociedade como cidadãos críticos e participantes de um mundo em transformação. Segundo Fritzclarence e Giroux, (1984), a escola é vista como reprodutora e construtora de valores culturais e sociais e de noções de poder e consciência crítica. Estas noções podem dar novo rumo à prática pedagógica. Nas últimas décadas, as mudanças curriculares se tornaram marcas de gestões a ponto de serem reelaboradas sob prismas diferenciados, a cada troca de governo, e conseqüentemente de Secretário de Educação. A falta de continuidade das propostas curriculares, assim como a forma como vinham sendo normalmente formuladas, acabaram gerando um descrédito por parte dos professores, provocando diversas formas de resistência, nem sempre explícitas. Apesar de todo o descrédito, a SME manteve tais propostas curriculares, investindo na qualidade de ensino. As novas propostas passaram a ser alicerçadas em teorias educacionais sócio-interacionistas (Vygostky, 1978; 1984; Bakhtin, 1981; 1985). Os Parâmetros Curriculares Nacionais reforçaram esta opção teórica. Trata-se de um documento que não só define a teoria de linguagem que deve alimentar as práticas pedagógicas, como em algumas áreas de conhecimento, define conteúdos, orientações didáticas e formas de avaliar.
14 Os PCNs justificam a importância da aprendizagem de uma Língua Estrangeira como uma possibilidade de aumentar a autopercepção do aluno como ser humano e como cidadão. Do mesmo modo, Kern (2000) destaca esta justificativa, colocando que as aulas de línguas devem enriquecer o letramento dos alunos como um todo. Este conceito de letramento não envolve apenas a apresentação da leitura e da escrita através de seu uso social, mas também a formação de cidadãos críticos. Segundo Kern (2000), este entendimento de letramento coloca o ensino de LE como um espaço para a reflexão do aluno sobre como os significados são criados e negociados em comunidades estrangeiras e em sua própria comunidade. Desenvolve consciência sobre a diferença. Para atingir tais objetivos, os PCNs afirmam que esta aprendizagem deve garantir ao aluno o engajamento discursivo, ou seja, a capacidade de se envolver e envolver outros no discurso. Isso pode ser viabilizado em sala de aula por meio de processos de ensino e aprendizagem que envolvam o aluno na construção situada do sentido através do desenvolvimento das habilidades comunicativas. Adotando a mesma perspectiva de Moita Lopes (1996), os PCNs destacam que a primordial justificativa social para a inclusão de Língua Estrangeira no ensino fundamental está vinculada ao domínio da habilidade de leitura. Por outro lado, também apontam que a maioria das propostas que priorizam esta opção não parecem decorrer de uma análise de necessidades dos alunos, nem de uma concepção explícita da natureza da linguagem e do processo de ensino e aprendizagem de línguas, tampouco da função social desta. Diante deste quadro, os PCNs não excluem a possibilidade de que o ensino de LE possa incluir outras habilidades, tais como compreensão oral e produção oral e escrita. Acreditando que os Parâmetros apoiam debates sobre o projeto educativo da escola, a reflexão sobre a prática pedagógica, o planejamento das aulas, a análise e seleção de materiais didáticos e de recursos tecnológicos e, em especial, podem contribuir para a formação e atualização profissional, a SME os tem utilizado como referência nos Centro de Estudos. Estes Centros de Estudos foram criados com o objetivo de realizar encontros entre o corpo docente, a coordenação pedagógica e a direção de cada unidade escolar. Estes encontros visam avaliar e discutir questões
15 específicas de cada unidade escolar, assim como do sistema de educação como um todo. A partir do entendimento de que só o envolvimento dos professores poderia dar corpo, significado e relevância às mudanças, a SME procurou desencadear uma reflexão crítica sobre a prática pedagógica oferecendo ao professor uma oportunidade de conhecer o conteúdo dos PCNs. Contudo, parece-me que esta tentativa não foi bem sucedida, visto que a leitura dos PCNs foi desconsiderada por muitos. Eu, particularmente, apenas foliei este livro e após uma breve apreciação, o arquivei. Refletindo sobre minha própria reação, hoje percebo que, como muitos outros professores, não estava preparada para compreender e avaliar as questões ali apresentadas. Infelizmente, só desenvolvi esta consciência crítica após investir em minha própria atualização acadêmica, que ainda hoje é uma realidade distante da maioria dos professores das escolas municipais. Mais recentemente, foi distribuído para todo o corpo docente o livro Educação para Todos o desafio do Terceiro Milênio (2000). A publicação deste livro pela Secretaria Municipal de Educação teve como principal objetivo apresentar os investimentos do Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro tanto na valorização dos profissionais quanto em obras de ampliação e reforma da rede escolar. Esta foi uma nova tentativa da SME de conscientizar os professores sobre a necessidade de mudança e simultaneamente, de revelar como vem dedicando-se ao desenvolvimento de uma nova política educacional. Face ao reconhecimento da multiplicidade de universos existentes na Cidade do Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Educação desenvolveu uma política educacional que incorpora diversas formas de ver e atuar no mundo a MULTIEDUCAÇÃO. Esta nova política educacional possibilita ao aluno a apropriação de meios para se situar no mundo em que vive, reforçando a concepção de linguagem de Bakhtin (1985), que é centrada no fenômeno social da interação. Segundo Bakhtin (1985), apropriação é um componente do diálogo, pois os indivíduos apropriam-se, internalizam e recriam idéias e conceitos de outros através do contato social. Esta proposta aponta para uma escola que se pretende democrática, onde os alunos são introduzidos no exercício da cidadania, constituindo-se em
16 sujeitos do saber. Assim, a Multieducação também procura aguçar a visão crítica dos alunos. Entendendo a Educação como um processo de permanente reflexão e discussão, a Secretaria Municipal de Educação vem investindo, prioritariamente, na atualização de seus professores ora através de livros ou textos ora através de programas televisivos que contam com a participação de convidados nacionais e estrangeiros. Entretanto, minha própria experiência como participante de vários Centros de Estudos, em duas escolas municipais distintas, mostra que não há um forte sentimento de mobilização de professores em torno das questões curriculares. Ao contrário, há sim uma grande resistência a estes debates. Constantes colocações como isso não se aplica na prática retrata a resistência dos professores à reestruturação curricular. Muitos destes professores têm reagido negativamente aos encontros devido à ausência de sugestões práticas para a sala de aula. Procuram receitas prontas que solucionem os problemas de um contexto de prática árido e adverso ou talvez, por mero comodismo, buscam fórmulas prontas e perfeitas que facilitem a aplicação da teoria na prática. Esta constante busca sugere desconhecimento sobre abordagens mais recentes que descartam verdades metodológicas universais. Kumaravadivelu (1994), por exemplo, aponta que toda a estrutura estratégica proposta não deve ser considerada uma fórmula, mas sim um conjunto de opções, ou seja, não deve ser vista como um conjunto de soluções prontas, mas sim um plano a ser modificado, expandido e enriquecido por professores em sala de aula. Assim, a Era Pós-metodológica foi introduzida pela insatisfação com o conceito convencional de método, oferecendo o poder aos professores. O conjunto de conhecimento, habilidade, atitude e autonomia situados em um contexto de prática delineiam uma alternativa sistemática, coerente e relevante de método. Portanto, a intenção é que os professores tornem-se estratégicos, refletindo sobre as necessidades, desejos, situações e processos de aprendizagem e ensino, e também pesquisadores, se envolvendo em processos de auto-análise. Só assim serão capazes de desenvolver teorias próprias sobre linguagem e ensino.
17 Por outro lado, sabemos que não é suficiente a exposição dos professores às teorias educacionais para que haja transformação na prática. É aí que o processo de reflexão sobre o trabalho em sala de aula assume papel fundamental. Acreditando na relevância da reflexão para a transformação, minha intenção é que este estudo possa contribuir para que professores, como eu, compreendam que repensar a própria prática pedagógica é o primeiro passo para a formação de cidadãos, de sujeitos capazes de se apropriar do conhecimento para se situarem no mundo em que vivem. De posse deste espírito reflexivo, lancei-me no desenvolvimento deste estudo, focando o meu contexto de prática. Dentre os meus objetivos de pesquisa, incluo investigar a percepção dos aprendizes sobre a validade do ensino de LE na escola pública e realizar um levantamento etnográfico da realidade sócio-cognitiva destes sujeitos que me permitisse desenvolver materiais alinhados com esta realidade. Para iniciar a construção deste conhecimento, o segundo capítulo deste estudo apresenta uma revisão da literatura que combina conceitos sócio-cognitivistas e sócio-interacionais norteadores da análise dos dados. O terceiro capítulo descreve a metodologia do estudo e o quarto capítulo, os resultados dos dados levantados. O quinto capítulo apresenta a discussão dos dados e encerra a primeira fase do estudo, tecendo conclusões. O sexto capítulo abre a segunda fase do estudo, abordando as aplicações e implicações da primeira fase, investindo em um processo reflexivo que pudesse fomentar atividades pedagógicas inspiradas pelos resultados, implementando estas atividades nos moldes de uma pesquisa-ação e novamente, refletindo sobre o impacto que geraram no corpo discente. Para concluir, o capítulo sete destaca as principais contribuições do estudo, apontando o processo de letramento como a grande resposta para a validade do ensino de língua inglesa no contexto da escola pública no Brasil.