UMA BREVE ANÁLISE SEMÂNTICA E ESTRUTURAL DO POEMA COMUNHÃO, DE MIGUEL TORGA

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Transcrição:

Resumo UMA BREVE ANÁLISE SEMÂNTICA E ESTRUTURAL DO POEMA COMUNHÃO, DE MIGUEL TORGA 212 Maxnei dos Santos NASCIMENTO (G-UFPA) Orientadora: Sandra Maria JOB (UFPA) O presente texto tem como principal finalidade fazer uma breve análise semântica e estrutural a respeito do poema Comunhão de Miguel Torga. A princípio se faz necessário um embasamento do período literário que o autor faz parte, que é o Presencismo. Para isso, foram usadas as teorias de Moisés (2008), Pinto (2004) e Saldanha (2015). Palavras-chave: Miguel Torga. Presencismo. Semântica. Análise. 1 INTRODUÇÃO O presente texto tem como principal finalidade fazer uma breve análise semântica e estrutural a respeito do poema Comunhão de Miguel Torga. A princípio se faz necessário fazer um embasamento do período literário que o autor faz parte, que é o Presencismo. Para isso, foram usadas as teorias de Moisés (2008), Pinto (2004) e Saldanha (2015). Para melhor desenvolvimento e compreensão deste trabalho, o mesmo será dividido em introdução, desenvolvimento (no qual será mostrada a parte teórica, e análise semântica e estrutural do poema Comunhão de Miguel Torga) e, por fim, as considerações finais. 2 O PRESENCISMO: UMA NOVA PERSPECTIVA MODERNISTA O movimento literário do qual Miguel Torga faz parte é o Presencismo. O Presencismo, de acordo com Moisés (2008), é o movimento literário português cuja designação e ideário estão vinculados à revista Presença. Esta revista foi fundada em Coimbra pelos então estudantes José Régio, João Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca e Adolfo Correia da Rocha, segundo Moisés (2008). Ainda de acordo com ele, posteriormente, outros nomes juntaram-se ao grupo, entre eles o escritor Adolfo Casais Monteiro, que, após a saída de Fonseca e Rocha (que então passaria a utilizar o pseudônimo de Miguel Torga), passou a integrar o corpo diretivo da revista. Para Moisés (2008), ao apresentar o propósito de isenção ideológica e aceitar em suas colunas colaboradores de qualquer credo político, religioso e moral, a revista Presença gerou polêmica, pois, de acordo com intelectuais contrários à estética do Presencismo, tal atitude significava um retrocesso

em relação ao Modernismo órfico 1 cuja principal característica era a defesa de uma arte de filiar-se a uma linha política e filosófica. Mas para entender melhor o que foi o Presencismo, devemos compreender o que propunha a revista. Sobre isso, de acordo com Pinto (2004, p.9), José Régio apresenta as linhas programáticas do segundo Modernismo: uma arte renovada, desligada de intenções religiosas, nacionalistas, filosóficas, voltada para a busca, a descoberta do mundo interior do homem. Ou seja, as propostas do Presencismo eram fazer a busca duma literatura original, viva, espontânea, onde o ideal do artista era longe de ser moralista, patriota, ou religioso. Seria um ambiente de severo rigor em relação à crítica literária. A partir disso é possível entender alguns dogmas do Presencismo que guiavam artistas como Miguel Torga. Autor este sobre o qual falaremos um pouco mais logo abaixo. 213 3 MIGUEL TORGA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Na segunda fase do Romantismo em Portugal, caracterizado pelo movimento literário Presencismo, fazem parte autores como José Régio (1901-1969), João Gaspar Simões, Miguel Torga e Adolfo Casais Monteiro (1908-1972). Dentre esses autores, falarei sobre Miguel Torga pelo fato de o mesmo ser um autor que merece leituras novas devido a sua forma de escrever e ainda por sua personalidade. Sendo assim, vale iniciar pelas informações mais básicas. Nesse sentido, segundo Saldanha (2015), Miguel Torga, pseudônimo literário do médico Adolfo Correia da Rocha, nasceu em São Martinho de Anta, em 12 de agosto de 1907 e faleceu em Coimbra em 17 de janeiro de 1995. E ainda de acordo com Saldanha (2015), Miguel escolheu o sobrenome Torga por ser uma planta transmontana que possui raízes muito agarradas e duras e atingem grandes profundidades em busca de água, o que demonstra a capacidade de sobreviver nas adversidades. Fazendo jus a sua principal característica que era permanecer na sua terra natal. A escolha do prenome Miguel somou-se à reverência a grandes nomes da literatura como Miguel de Cervantes 2 e Miguel de Unamuno 3. 1 Primeira fase do movimento Modernista em Portugal teve início em 1915, com a publicação da revista Orpheu que tinha por objetivo ser porta voz dos ideais de um grupo de artistas do qual fez parte Fernando Pessoa e Mario de Sá Carneiro (PINTO, 2004, p. 8). 2 Miguel de Cervantes Saavedra foi um importante poeta, dramaturgo e novelista espanhol. Nasceu e em 29 de setembro de 1547, na cidade espanhola de Alcalá de Henares. Morre na cidade de Madri, em 22 de abril de 1616. Destacou-se pela Obra Dom Quixote de La Mancha, novela mundialmente conhecida. (FRAZÃO, [sp], 2000) 3 Miguel de Unamuno (1864-1936) foi um escritor e filosofo espanhol, foi poeta, romancista, ensaísta, novelista e dramaturgo. Precursor do existencialismo foi considerado um dos expoentes da chamada Geração de 98 da literatura espanhola. (FRAZÃO, [s.p], 2000)

Segundo Saldanha (2015, p.13), 214 A força de vontade e a capacidade de trabalho deste homem fizeram com que em 1928, o antigo trabalhador braçal publicasse seu primeiro livro, Ansiedade. Daí por diante seguiu-se uma vasta obra de alta qualidade que chega a mais de cinquenta títulos. De trabalhador rural em Minas Gerais a médico conceituado em Coimbra, a ascensão permitiu ao escritor se dedicar a construir um conjunto de obra que hoje representa um dos maiores patrimônios literários da língua portuguesa. Moisés (2008) vem ressaltar o que Saldanha (2015) falou, pois, segundo ele, Miguel Torga cultivou a poesia, a prosa de ficção e, incidentalmente, o teatro. Em poesias, escreveu: Ansiedade (1928), Rampa (1930), Tributo (1931), Abismo (1932), O outro livro de Job (1936), Lamentação (1943), Libertação (1944), Odes (1946), NihilSibi (1948), Penas do Purgatório (1954), dentre outras. Em prosa: Pão Ázimo (1931), A criação do mundo (6 vols. 1937, 1938, 1939, 1974, 1981), Bichos (1940), dentre outras. E, ainda de acordo com ele, toda essa extensa e variada obra gira em torno de uma mesma ideia motivadora: Miguel Torga é sempre o mesmo homem de pés fincados na terra transmontana, porque nela espera encontrar a explicação para a condição humana, imediatamente transformada em sua mente num problema teológico-existencial, armado ao redor de indagações-chave, quem somos?. Moisés (2008) explica o jogo paradoxal que envolve a pergunta, quem somos?. Do jogo paradoxal em que se envolvem as perguntas, nasce-lhe a revolta, indignada e violenta algumas vezes, serena e branda outras, mais orientada contra tudo quanto constitui a circunstância na qual está mergulhado, e logo transfigurada numa ira titânica contra elementos ou Deus, cujo poder não consegue compreender, aceitar ou abater (MOISÉS, 2008, p. 381). Contudo, Saldanha diz que apesar da obra numerosa e variada, é no gênero conto que consideramos que Torga dá o melhor de si. As memórias do menino de Trás-os-Montes e a motivação íntima de um drama coletivo, imprimem à obra de caráter social o seu correspondente suporte individual. O discurso da sua ficção está enredadamente tecido ao curso da sua vida e da vida de todo homem que nasce excluído do mundo capitalista. Podemos afirmar que esse autor incrível, busca nas suas obras expressar seus sentimentos de modo que para isso ele buscou dentro do homem. Dessa forma, Moisés (2008) afirma que Miguel Torga na sua essência, constitui um poeta de largas e humaníssimas medidas interiores, a procurar impaciente e inocuamente converter em realidade concreta um sentimento de solidariedade que não encontra eco na terra, no mar, ou no alto. E, ainda Moisés (2008) discorre sobre o autor afirmando que [...] O embate em que se empenha o poeta, manifesta-se em estertores e brados ansiosos, apesar da calma ocasional (como na

obra Bichos), produzindo um lirismo dos mais vigorosos da Literatura Portuguesa Contemporânea, Moisés (2008). Sobre um outro aspecto, no caso, a religiosidade, a relação de Torga com a religião e com Deus era complexa e, às vezes, até contraditória, como nos mostra Saldanha (2008). 215 A relação de Torga com a religião e com Deus era complexa e às vezes até contraditória, estando as raízes dessas relações na sua infância, quando os seus pais, gente de condições financeiras limitadas, o mandaram para um seminário. Naquela época, na região transmontana, os meninos ou ficavam amarrados à terra, a embrutecer, ou eram enviados para Santa Madre Igreja. Torga, sem vocação para o sacerdócio, depressa abandonou o seminário e, como ele mesmo escreveu, a sua relação com a religião e com Deus foi secando, secando (...) embora quisesse sentir-me ligado a um destino extra biológico, a uma vida que não acabasse com a última pancada do coração. Como bom agnóstico que era, referiu-se frequentemente a Deus, na sua prosa e nos seus versos, Torga era crítico de todas as religiões e, em particular, da católica, que conhecia melhor. Apesar das críticas, Torga tinha admiração por um santo do catolicismo, São Francisco de Assis, e um papa, João XXIII, personalidades faz referência no lindo poema Oração (SALDANHA, 2015, p.17). 4 ANÁLISE SEMÂNTICA E ESTRUTURAL DO POEMA COMUNHÃO DE MIGUEL TORGA O texto poético pode ser lido de várias formas, sob vários aspectos. Para este trabalho, a opção foi por uma análise semântica e estrutural, em específico. O poema escolhido para esse tipo de análise, dentre a vasta e numerosas obras que o autor Miguel Torga produziu é o poema intitulado Comunhão. Para melhor desenvolvimento e compreensão da análise do poema, o mesmo segue abaixo. Comunhão Tal como o camponês, que canta a semear A terra, Ou como tu, pastor, que cantas a bordar A serra De brancura, Assim eu canto, sem me ouvir cantar, Livre e à minha altura. Semear trigo e apascentar ovelhas É oficiar à vida Numa missa campal. Mas como sobra desse ritual Uma leve e gratuita melodia, Junto o meu canto de homem natural Ao grande coro dessa poesia. (Disponível em: notapositiva@sapo.pt) O poema Comunhão, de Miguel Torga, possui rimas cruzadas ABAB e emparelhadas BB, como observamos nos versos abaixo.

216 E no nono (9º) verso há uma rima isolada. Tal como o camponês, que canta a semear A terra, Ou como tu, pastor, que cantas a bordar A serra Numa missa campal. Mas como sobra desse ritual É oficiar à vida O gênero poético usado pelo autor é o idílio ou pastoral, por assim fazer menção de atividades no campo e na natureza, como mostra os versos primeiro e o oitavo do poema: o camponês, que canta a semear a terra [...] e semear trigo e apascentar ovelhas. Miguel Torga fez parte do movimento literário Presencismo, que tinha como proposta a preferência de interrogar o sentido da existência humana, criando uma literatura introspectiva, ou seja, um autoexame dos pensamentos, impressões e sentimentos próprios. Partindo desse princípio Miguel Torga se vê livre na sua maneira de pensar, buscando a compreensão da vida humana. Tal afirmação fica evidente quando eu poético diz ser livre, é possível entender que ele (o eu-poético) quer mostrar a seus leitores que assim como o pastor canta ao semear trigo e apascentar ovelhas, ele também é livre para expor seus pensamentos e ideologias. Além disso, o eu-poético, aparentemente, tem uma estima especial pela vida campestre e natural. E faz referência à figura do camponês no primeiro verso do poema. Tal como o camponês, que canta a semear a terra. E essa estima pelo campo/camponês ainda pode ser comprovada através da figura de linguagem comparação, nos versos: Tal como o camponês, que canta a semear / A terra, / Ou como tu, pastor, que cantas a bordar / A serra, pois aqui o eu-poético deixa claro, por um lado, que o ofício do camponês e do pastor é uma arte, assim como a dele (eu-poético), cujo ofício é cantar Assim eu canto. E considera que os mesmos trabalham da mesma forma como ele: sem me ouvir cantar, ou seja, de forma natural, tão entranhado está o ofício dele em si mesmo. Ainda sobre os primeiros versos do poema Comunhão, podemos observar que o eu-poético ao dizer que é como o camponês e tal como o pastor. Ele faz menção da união que existe entre a vida e atividades desenvolvidas pelo o camponês e o pastor no meio rural por assim dizer, com a forma dele fazer suas poesias. Mas também se pode entender que, o autor ao fazer menção de tais personagens, camponês e o pastor, percebe-se que ele tem domínio do assunto e das práticas de tais atividades desenvolvidas por esses personagens. Uma vez que o mesmo faz parte dessa realidade. E também ao mencionar que o camponês canta a semear a terra, nota-se que este personagem realiza esse trabalho com satisfação, ou seja, gosta do que está praticando.

Nos últimos versos do poema aqui brevemente analisado, asseguramos que o poeta (Miguel Torga) é conhecedor do que os personagens do poema por ele escrito fazem. Por assim ser, o mesmo faz referência da união que existe entre as atividades desenvolvidas por eles, com a forma de como ele observa e faz disso uma grande poesia. Como podemos observar no trecho do poema. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Semear trigo e apascentar ovelhas É oficiar à vida Numa missa campal. Mas como sobra desse ritual Uma leve e gratuita melodia, Junto o meu canto de homem natural Ao grande coro dessa poesia. Após a breve análise semântica e estrutural a respeito do poema Comunhão de Miguel Torga, conclui-se que no mesmo há uma diálogo entre a arte de poetizar com ofício do camponês e do pastor que o eu-poético considera também uma arte. E em ambas, arte de poetizar e a arte que pratica o camponês e o pastor, a liberdade e a naturalidade das mesmas predominam. Neste contexto, para o eu-poético só resta unir a sua arte de poetizar, através do poema, à arte de oficiar a vida que é o que o camponês e o pastor fazem, na visão do eu-poético. Conclui-se também que pelas características do poeta, um pouco expressa nesse poema, Torga é um poeta que mereceria ser estudado com mais profundidade sob o aspecto teórico do campo e da cidade, por exemplo, dentro do texto literário. 217 6 REFERÊNCIAS LUZ, Alex da. Escola secundária de Porto de Moniz. 2008. Disponível em: notapositiva@sapo.pt. Acesso em dezembro/2017. FRAZÃO, Dilva. Biografia de Miguel Unamuno. In: Biografia. Disponível em: https://www.ebiografia.com/miguel_de_unamuno. Acesso em dezembro/2017. MASSAUD, Moisés. Literatura Portuguesa. São Paulo: cultrix, 2008.