REFLEXÕES ACERCA DA LEITURA PARA ESTUDO E LEITURA DO TEXTO CIENTÍFICO NA UNIVERSIDADE



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Transcrição:

ISSN: 1981-3031 REFLEXÕES ACERCA DA LEITURA PARA ESTUDO E LEITURA DO TEXTO CIENTÍFICO NA UNIVERSIDADE Resumo Fernanda Goulart Ritti Dias 1 Maria Inez Matoso Silveira 2 O baixo nível de compreensão em leitura da grande maioria dos universitários é preocupante e tem levado diversos pesquisadores a avaliar e entender as dificuldades que esses alunos apresentam. O grande problema parece estar relacionado à não familiaridade desses alunos com alguns gêneros textuais exigidos na universidade, bem como o desconhecimento de estratégias para o estudo desses textos. Assim, os objetivos do presente artigo são apresentar resultados de alguns estudos que verificaram o nível de leitura em alunos universitários, definir o termo leitura para estudo, e demonstrar como esse tipo de leitura deve ser conduzido. Também, com base em Swales (1990), procuramos mostrar a importância do gênero artigo científico dentre os diferentes gêneros acadêmicos. Sabemos que o aluno se tornará um leitor autônomo e alcançará os níveis de compreensão de leitura desejados na universidade quando estiver familiarizado com as estratégias adequadas para a leitura que o referido gênero textual exige. Palavras-chave: níveis de leitura - leitura para estudo - compreensão em leitura - artigo científico Introdução A leitura é uma atividade complexa e seu domínio se desenvolve com muita prática por parte do leitor. Isso pode ser explicado pelo fato de que vários componentes internos e externos estão envolvidos nessa habilidade. Além do aspecto afetivo, há de considerarem os componentes internos, mentais, envolvidos no processamento cognitivo da leitura, dentre os quais podemos citar o papel da visão, as ações e conexões do cérebro e o uso das memórias (memória de curto e longo prazo, memória de trabalho). Já os componentes externos, contextuais, ou seja, os que estão no entorno do ato de ler, fora do indivíduo leitor, envolvem, dentre outros, os aspectos políticos, econômicos, sociais e estéticos (SILVEIRA, 2008). Ler é, acima de tudo, compreender. Assim, para que haja compreensão do texto lido, todo tipo de leitura exige do leitor estratégias cognitivas e metacognitivas. As estratégias cognitivas são inconscientes e automáticas e envolvem os conhecimentos relativos aos componentes 1 2 Mestranda em Educação; fergoulart@hotmail.com; Universidade Federal de Alagoas Professora e Pesquisadoras do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da UFAL. mimatoso@uol.com.br

1 sintáticos, semânticos e lexicais do sistema linguístico e que interagem com a informação visual. Já as estratégias metacognitivas são procedimentos conscientes, e são utilizadas quando o leitor percebe alguma falha na compreensão, o que demanda, sem dúvida, maior esforço de processamento do leitor (SILVEIRA, 2005). A compreensão de um texto depende, também, do conhecimento prévio do leitor, dos seus objetivos, como também das formas com as quais ele se relaciona com o texto. Geraldi (apud CASTELLO-PEREIRA, 2003, p. 49), aponta quatro formas de nos relacionarmos com os textos: 1. Leitura para busca de informações (aquela em que o leitor, guiado pela pergunta para quê?, e tem como objetivo encontrar a informação desejada). 2. Leitura do texto-pretexto (a partir dela, o leitor é capaz de fazer outras coisas, como por exemplo, retirar um argumento, buscar exemplos, produzir outros textos, etc.) 3. Leitura como fruição do texto (é a leitura sem cobranças, em que o leitor não possui objetivos prévios, intenções anteriores). 4. Leitura para estudo do texto (aquela em que o leitor deve retirar do texto tudo o que possa ser extraído). Das quatro formas de leitura apontadas acima, a leitura para estudo é a que está mais presente no contexto educacional, em especial o universitário. No entanto, os tipos de texto e a frequência exigida para ler textos de estudo na universidade são situações novas para quem entra na academia. De modo geral, as pessoas consideram que o aluno que ingressa em cursos de graduação apresenta domínio das habilidades necessárias à leitura dos textos selecionados ao longo do curso. Porém, estudos têm mostrado que universitários apresentam baixa compreensão textual, provavelmente produto da falta de motivação e de um trabalho voltado para a leitura para estudo no ensino fundamental e médio. Segundo CASTELLO-PEREIRA (2003, p. 18), a dificuldade de leitura no ensino universitário parece ser decorrente do desconhecimento do universo discursivo e da estrutura diferenciada que os textos acadêmicos apresentam, e enfatiza que o aluno necessita aprender a ler esses textos e não esperar que essa habilidade se desenvolva espontaneamente. Diante desse quadro, os professores necessitam se conscientizar da importância da leitura para estudo, em todos os níveis de educação. Aliado a ela, é necessário que esses profissionais

2 também conheçam os gêneros acadêmicos e saibam como eles se organizam, para que, assim, possam ser discutidos e trabalhados com esses alunos. 1. Avaliação de leitura entre universitários: uma breve revisão de literatura Alguns estudiosos brasileiros, cientes da importância da compreensão em leitura na universidade, têm realizado pesquisas na tentativa de verificar e fundamentar as dificuldades de leitura compreensiva desses alunos. Para diagnosticar os níveis de leitura, a maioria dos estudos tem utilizado a técnica de Cloze, que desenvolvida por Taylor em 1953 e consiste em eliminar palavras de um texto escrito e colocar traços (lacunas) no lugar dos vocábulos eliminados. O estudante deve adivinhar as palavras omitidas e escrevê-las nas lacunas correspondentes que, segundo os padrões tradicionais da técnica, correspondem ao quinto vocábulo. Para a classificação das respostas do teste de Cloze, tem-se adotado os três critérios estabelecidos por Bormuth (apud SANTOS et. al. 2002, p. 550) : 1) o nível de frustração, até 44% de acertos; 2) o nível instrucional, entre 44% e 57% de acertos; e 3) o nível independente acima de 57% de acertos). Estudos que adotaram esse critério demonstraram que muitos universitários encontram-se no nível inferior de compreensão em leitura, o que poderia explicar as dificuldades acadêmicas que apresentam. Os resultados de algumas dessas pesquisas são aqui apresentadas, a exemplo de Cantalice e Oliveira (2009) que avaliaram a compreensão textual de 110 universitários de Psicologia de uma universidade privada paulista. Da pontuação máxima no teste cloze (46 pontos), a média de acertos foi de 22, ou seja, os alunos não conseguiram atingir nem a metade de acertos. A pontuação máxima atingida foi 31 pontos. Um outro estudo, realizado por Cunha e Santos (2006), que teve como informantes 134 alunos ingressantes em cursos das áreas de exatas, humanas e biológicas de duas universidades particulares, revelou que nenhum aluno alcançou 57% de acertos do teste Cloze, ou seja, o nível independente de leitura. Nessa perspectiva, os resultados obtidos por Oliveira (2008) também mostraram o baixo nível de compreensão de leitura em 261 universitários dos cursos de Administração, Radiologia e Psicologia de universidades privadas dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Os dados obtidos

3 através do teste Cloze não foram positivos, uma vez que a média de acertos da população geral foi de 20,9 e nenhum estudante conseguiu atingir a pontuação máxima de 46 pontos. Ao avaliar a compreensão de leitura de 178 alunos ingressantes e concluintes do curso de Psicologia de uma universidade paulista, Santos et al. (2006) concluíram que a média de ambos os grupos ainda se encontram no nível instrucional de leitura, ou seja, entre 44 e 56%. A média de acertos dos alunos iniciantes foi de 46%, e dos concluintes foi de 53%. Os dados apresentados acima são apenas uma pequena representação de como se encontra o nível de leitura dos universitários em nosso país. Todos esses estudos concluem seus trabalhos enfatizando a importância do diagnóstico da compreensão em leitura, bem como da necessidade de um trabalho de remediação com esses alunos. Diante desse quadro, fica claro que, independente da origem dessas dificuldades, os professores devem assumir sua responsabilidade quanto ao fracasso ou sucesso dos seus alunos e devem, assim, propor atividades de leitura mais significativas para melhorar esses índices. Noutras palavras, a situação demanda verdadeiros professores promotores de leitura na escola básica para que os alunos possam chegar à universidade com um melhor nível de compreensão leitora. 2. A leitura para estudo A leitura para estudo é uma leitura trabalhosa, que exige disciplina, postura crítica e muita prática. É a leitura em que se busca perceber como o texto se organiza, o que discute e como discute. O ato de estudar requer que o leitor assuma papel de sujeito, tenha uma atitude de indagação frente ao mundo, leia outras leituras afins, dialogue com o autor do texto e, acima de tudo, no caso de dificuldade, tenha humildade e reconheça a necessidade de instrumentalizar-se melhor para voltar ao texto em condições de entendê-lo (Freire, apud CASTELO-PEREIRA, 2003, p. 55). O papel do professor é, sem dúvida, fundamental nesse trabalho. Ele deve selecionar os recursos de acordo com o tipo de texto, deve fazer junto com o aluno, mostrando como se faz, indicando por que está fazendo. Ao professor cabe (...) conscientizar o aluno de que ler é atividade de busca, na qual se trabalha o texto e se transforma a informação em conhecimento

4 (VIEIRA, 2007, p.168). Porém, há de se admitir que esses professores não estejam realmente preparados para esse desafio. Ou seja, uma boa parte deles pode não estar cientes desses aspectos e certamente não saberão como abordá-los. Talvez os resultados dos estudos apresentados na seção 2 deste artigo teriam sido diferentes se esses alunos tivessem, de fato, aprendido a estudar um texto de forma adequada, se tivessem se familiarizado com diferentes tipos de textos de gêneros textuais e desenvolvido estratégias produtivas de leitura. De fato, quando o aluno chega à universidade, o contato com a leitura se intensifica e é nesse momento que ele se depara com os gêneros acadêmicos, e muito provavelmente não mais manuseará livros didáticos do ensino fundamental e médio. O texto científico não é de leitura fácil nem costumeira para os estudantes, poi, como atividade intelectual, exige uma postura crítica por parte de quem o produz, como também de quem o lê (TANZAWA, 2009, p. 39). É, pois, na leitura dos textos acadêmicos que as dificuldades dos alunos aparecem, como mostra Castello-Pereira (2003, p. 15): Falta-lhes, além de organização e disciplina para o estudo, conhecimento de procedimentos intelectuais e práticos, como saber pesquisar, ordenar, buscar as informações mais importantes, relacionar idéias do texto com seu conhecimento de mundo, inferir significado através do uso de certas palavras, enfim, compreender as idéias de um texto, o que só é possível com prática constante, convivência e estudos desses textos, pois é perceptível que a dificuldade decorre do desconhecimento do universo discursivo diferenciado que estes textos apresentam. Assim, a autora, no seu livro (op. cit, p. 70), apresenta os procedimentos propostos por Kleiman e Moraes (1999) para ajudar o professor a ensinar o aluno a estudar um texto: 1. Contextualização do texto. Antes de iniciar a leitura do texto, o professor deve ensinar ao aluno a prestar atenção aos elementos de contextualização como: título, subtítulo, imagens, legenda, entre outros. 2. Ativação do conhecimento prévio. Após a contextualização, o leitor deve começar a acionar seus conhecimentos sobre o tipo de texto estudado e sobre o tema; assim, será capaz de elaborar um conjunto de hipóteses que poderão ser testadas durante a leitura do texto. O professor deve, neste momento, fazer perguntas para que o aluno comece a perceber esses elementos.

5 3. Construção do mapa textual. A estrutura do texto deve ser trabalhada, ou seja, as partes que o compõe, como o autor organizou as idéias, e, assim, reorganizá-las a fim de formar um mapa textual, através de perguntas elaboradas pelo professor como se fosse um jogo os alunos, baseados em seus conhecimentos prévios, poderão reconstruir o mapa. 4. Leitura individual com objetivo pré-definido. Os alunos, após levantamento do mapa, podem fazer uma leitura silenciosa para verificar se as hipóteses levantadas se confirmam ou não. 5. Verificação de hipóteses de leitura. Em conjunto com os alunos, o professor deve verificar as hipóteses que não se confirmaram. Uma segunda leitura é recomendada para que se possam discutir questões, verificar posicionamento dos alunos, intenções do autor, entre outras. Essa forma de ler, segundo as autoras, deve ser frequentemente praticada para que o leitor adquira, aos poucos, os conhecimentos suficientes que possibilitem o uso das estratégias cognitivas necessárias de forma que consiga questionar o texto e acionar os conhecimentos prévios, e, assim, tornar-se um leitor autônomo. 3. A leitura de textos acadêmicos: foco no artigo científico Assim como qualquer outro gênero textual, a leitura do texto científico requer o domínio de habilidades específicas, dentre elas, a capacidade de identificar a organização textual, ou seja, a estrutura ou organização retórica do texto, os conceitos básicos do tema/área de conhecimento tratado no texto e uma familiarização mínima da linguagem instrumental. Vale ressaltar que existem vários gêneros científicos ou acadêmicos e cada um possui uma função específica na academia. SWALES (1990), educador e linguista aplicado, cuja produção é reconhecidamente voltada para aplicações em análise de gêneros em contextos acadêmicos, afirma que principal gênero acadêmico é o artigo científico (AC). Segundo o autor, isso se deve primeiramente ao reconhecimento e uso difundido desse gênero no meio acadêmico. Além disso, o AC possui uma relação dinâmica com todos os outros gêneros científicos, dentre eles, os resumos, as dissertações

6 e teses, as apresentações, propostas de financiamento, monografias 3 e livros. Essa relação foi representada pelo autor (op. cit, p. 117) como mostra a Figura 1. Figura 1. Modelo spider s web, proposto por Swales (1990, p. 117), onde o AC é o centro e estabelece relações com os outros gêneros acadêmicos. As interrelações entre o AC e os gêneros presentes nessa teia já são bem conhecidas: A relação entre o AC e resumos. Para publicar um AC, na grande maioria das vezes, as revistas exigem a redação de um resumo cujo objetivo principal é guiar o leitor até o texto principal, no caso o AC. A relação entre o AC e apresentações em conferências. Autores de apresentações emconferências/congressos sempre remetem trabalhos em progresso, o que podem ser uma versão de um AC ainda não publicado ou já publicado. A relação entre o AC e propostas de financiamento. As chances de se conseguirfinanciamento aumentam quando se publica em um número razoável de ACs, e as chances de se publicar um AC também aumentam quando um pesquisador consegue financiamentos. A relação entre o AC e livros e monografias. vezes,consolidados a partir de estudos breves e parciais, como ACs. Livros e monografias são, muitas A relação entre o AC e capítulos de teses e dissertações. Capítulos de trabalhos de conclusão de curso podem ter sido fruto de ACs. Além disso, nos cursos de pós- 3 Monografia (tradução de Monograph), em inglês, não se trata de um trabalho final de graduação, termo comum no Brasil, mas sim de um estudo detalhado sobre um assunto único, geralmente na forma de um livro curto (Oxford University Press, 2000).

7 graduação, é quase uma obrigação dos alunos publicarem ACs a partir de seus trabalhos finais de disciplinas. O AC pode ser definido como sendo um texto escrito (embora frequentemente contenha elementos não verbais), geralmente limitado a poucas mil palavras, que tem como objetivo relatar alguma investigação feita por seus autores ou outros autores. Além disso, pode visar examinar questões teóricas e/ou metodológicas. O AC é um gênero complexo, especificamente moldado para ganhar aceitação da comunidade acadêmica, conforme Swales (1990, p.93). Hyland (apud BERNARDINO, 2007, p. 40) pontua, ainda, como objetivos do gênero AC: estabelecer a produção científica como uma novidade para a comunidade disciplinar; reconhecer produções anteriores e estabelecer as hipóteses em questão dentro do contexto geral do discurso disciplinar; oferecer garantias sobre as proposições construídas no artigo; demonstrar um ethos disciplinar apropriado e habilidade para negociar com os pares na academia. As unidades retóricas básicas de um AC também são apresentadas e descritas detalhadamente por SWALES (1990); são elas: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão e Conclusão. Dependendo da área de estudo, essas unidades podem sofrer alterações. Por exemplo, na área de humanidade, é muito comum a inexistência da seção de metodologia, haja vista a natureza ensaística de alguns dos artigos dessa área. Ao analisar textos científicos em língua inglesa, especificamente os resumos, Zago (apud NUNES, 2009) afirma que é necessário conhecer mais do que o léxico para produzir sentido. Evidentemente, é preciso ter conhecimento do conteúdo específico e da organização retórica do texto. Segundo FIGUEIREDO (p. 50, 1985), se o leitor tem a possibilidade de saber, com antecedência, como o autor estruturou o texto, provavelmente isso influenciará positivamente a sua maneira de ler e, consequentemente, de compreender o conteúdo do texto. A autora ainda salienta que a regularidade organizacional desse tipo de texto pode ajudar o aluno familiarizado com esta estrutura na compreensão do texto. Convém salientar que essas habilidades não se desenvolvem espontaneamente entre os alunos universitários de graduação e mesmo de pós-graduação, salvo raras exceções. Geralmente os usuários de AC (produtores e receptores) recebem esses conhecimentos em cursos de leitura instrumental ou de estudos provenientes da Lingüística Textual. Obviamente, necessitamos da

8 aplicação desses estudos nas disciplinas que instrumentalizem nosso aluno universitário para uma prática de leitura e de lectoescritura que melhorem o seu letramento acadêmico. Considerações finais A leitura é uma das habilidades essenciais para o processo ensino-aprendizagem em todas as fases da escolarização, e com mais intensidade, na universidade, pois é principalmente por meio dela que se dá o acesso ao conteúdo das diversas disciplinas. Diante disso, o seu domínio é indispensável para o desempenho do estudante nas diversas situações acadêmicas. Infelizmente, estudos têm mostrado que o ingresso do aluno em um curso de graduação não garante que ele seja capaz de produzir leituras eficientes, particularmente aquelas que passam a ser prescritas por seus professores, não só para a aquisição dos conhecimentos básicos das disciplinas acadêmicas, como também para a pesquisa em trabalhos de conclusão, como de iniciação científica em grupos de estudo. Um dos fatores que parece limitar a leitura de alunos do ensino superior é a pouca familiaridade com o discurso científico ou acadêmico. Assim, alguns aspectos relacionados à compreensão de textos, à leitura para estudo e os diferentes gêneros textuais acadêmicos, em especial o artigo científico, são, sem dúvida, de grande relevância para conscientizar os professores a respeito da leitura estratégica e das atividades que promovam um grau mais elevado de compreensão e apropriação dos conteúdos veiculados pelos textos e dos modos dos alunos se relacionarem com esses textos. Essas práticas ajudam consideravelmente para promover nos alunos o desenvolvimento de habilidades cognitivas e metacognitivas transferíveis para outras situações de ensino e aprendizagem. Referências BERNADINO, C.G. O metadiscurso interpessoal em artigos acadêmicos: espaço de negociações e construção de posicionamentos. 2007. 243p. Tese (Doutorado em Letras). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. CANTALICE, L. M e OLIVEIRA, K. L. Estratégias de leitura e compreensão textual em universitários. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. v.13, n.2, p. 227-234, 2009.

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