LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS E SUAS VARIAÇÕES: UM ESTUDO SOBRE AS VARIANTES UTILIZADAS NAS ESCOLAS DE SURDOS



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Transcrição:

LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS E SUAS VARIAÇÕES: UM ESTUDO SOBRE AS VARIANTES UTILIZADAS NAS ESCOLAS DE SURDOS Karina Ávila Pereira (UFPEL) Apoio financeiro: Capes - bolsa de Mestrado A pesquisa de mestrado a qual este artigo pretende descrever tem por objetivo problematizar como vem ocorrendo a difusão da Língua brasileira de sinais nos ambientes escolares, e se alunos do ensino fundamental apresentam variações linguísticas em seus discursos. Para isso, um instrumento piloto foi organizado com o intuito de analisar se as ferramentas metodológicos seriam suficientes para coletar os dados desses alunos, tendo em vista a necessidade de adequação e adaptação dos instrumentos frequentemente utilizados em pesquisas sociolinguísticas sobre variações lingüísticas em línguas de sinais e os objetivos e características desta pesquisa. No campo da educação, o reconhecimento da variação linguística e sua estreita correlação com a heterogeneidade social vêm mudando de modo radical as concepções de língua e de ensino de língua nas diretrizes oficiais e na prática pedagógica em sala de aula. Pesquisas comprovaram que as línguas de sinais variam, da mesma forma como se observa nas línguas orais. Idade, escolaridade, grau de contato com a comunidade surda, personalidade, sexo, entre outros fatores, são as possíveis causas para essas variações. (KARNOPP, s/d, p. 7) Bagno (1999) nos desperta para uma polêmica no meio educacional brasileiro: o preconceito linguístico e suas consequências sociais, políticas e educacionais. Seus estudos apóiam-se na linguística moderna, em um discurso em favor de uma educação linguística voltada para a inclusão social e pelo reconhecimento e valorização da diversidade cultural brasileira. Existem vários tipos de preconceitos em nosso país, como os de manipulação ideológica, ignorância, racial, sexistas, entre outros. No entanto, é preciso dar atenção para um tipo, em especial, pois ele acontece de forma silenciosa e vêm sendo constantemente alimentado por programas de televisão, rádio, revistas e livros. O preconceito linguístico é tanto mais poderoso porque, em grande medida, ele é invisível no sentido de que quase ninguém se apercebe dele, quase ninguém fala dele com exceção dos raros cientistas sociais que se dedicam a estudá-lo. (BAGNO,1999, p.23-24) É neste sentido que utilizarei as contribuições deste autor para analisar como esse fenômeno vem ocorrendo na língua de sinais brasileira. Iniciarei minhas argumentações fazendo um resgate sobre o status linguístico das línguas de sinais, que após diversas pesquisas

descreveram e demonstraram este status, desmistificando, dessa forma, concepções inadequadas em relação a esta modalidade de língua. (KARNOPP, 1994) Em obra conjunta, Quadros e Karnopp (2004, p. 31-37) nos informam alguns dos mitos sobre as línguas de sinais. Mito 1. A língua de sinais seria uma mistura de pantomima e gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos; Mito 2. Haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas as pessoas surdas; Miro 3. Haveria uma falha na organização gramatical da língua de sinais, que seria derivada das línguas orais, sendo um pidgin sem estrutura própria, subordinado e inferior às línguas orais; Mito 4. A língua de sinais seria um sistema de comunicação superficial, com conteúdo restrito, sendo expressiva e linguísticamente inferior ao sistema de comunicação oral; Mito 5. As línguas de sinais derivariam da comunicação gestual espontânea dos ouvintes; Mito 6. As línguas de sinais, por serem organizadas espacialmente, estariam representadas no hemisfério direito do cérebro, uma vez que esse hemisfério é responsável pelo processamento de informação espacial, enquanto que o esquerdo, pela linguagem. Os mitos citados acima foram explicados cientificamente, demonstrando não passarem de frutos da ignorância de muitos linguistas e estudiosos da área que insistiam (e ainda insistem) de que as línguas de sinais são linguagens e não línguas. Bagno (1999, p.23), anteriormente a essas autoras, apresentou a mitologia do preconceito linguístico descrevendo oito mitos sobre a língua portuguesa falada no Brasil. Suas argumentações nos remetem a ideia de que no Brasil não existe uma política linguística oficial capaz de dar conta dos direitos linguísticos das minorias ou falantes de línguas minoritárias (mais de duzentas no Brasil). O mesmo pode ser dito em relação à Libras que constitui-se como uma língua de modalidade viso-espacial utilizada pelas comunidades surdas brasileiras. A partir da Lei nº 10.436 de 2002, após muitas lutas da comunidade surda, amparadas em pesquisas sobre sua estrutura e uso a Língua Brasileira de Sinais tornou-se uma língua oficializada em nosso país. Neste momento, me utilizarei de um dos oito mitos citados por Bagno, fazendo uma analogia com os mitos da língua de sinais apresentados por Karnopp e Quadros (2004) para tentar entender algumas práticas que vem ocorrendo na Libras. O primeiro mito, analisado por Bagno é de que o português do Brasil apresenta uma unidade surpreendente, constituindo um dos mitos mais prejudiciais para a Educação, pois não reconhece a diversidade da língua

portuguesa que usamos no Brasil. Também nega a condição multilíngue, multicultural, na qual o Brasil se encontra e reforça a ideia da homogeneidade linguística. Este mito pode ser relacionado com o mito 2 apresentado por Quadros e Karnopp (2004), no qual pensava-se que as línguas de sinais eram universais. Também é aplicável relacionarmos com a ideia de que as línguas de sinais não apresentariam variações regionais no Brasil. Por variação linguística na Libras Karnopp (s/d, p.6-7) nos diz que: Ao estudarmos as línguas de sinais, estamos tratando também das relações entre linguagem e sociedade. A linguística, ao estudar qualquer comunidade que usa uma língua, constata, de imediato, a existência de diversidade ou de variação, ou seja, a comunidade linguística (no caso aqui investigado, a comunidade de surdos) se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de usar a língua de sinais. A essas diferentes maneiras de fazer sinais, utiliza-se a denominação de variedades lingüísticas. Cabe salientar que, embora as variações regionais são aceitas por usuários desta língua, as variações mais difundidas em nosso país são as variantes de São Paulo e Rio de Janeiro, fato este que decorre, entre outros motivos 1, pelo grande número de dicionários e glossários serem elaborados nessa região. Como exemplos desses instrumentos difusores temos o Dicionário Enciclopédico Iustrado Trilíngue de Língua Brasileira de Sinais (CAPOVILLA e RAPHAEL,2001), os dicionários digitais em Cd-Rom, ambos editados no estado de São Paulo, e dicionários on-line. O fato que poderia contribuir para algum preconceito linguístico ainda seria decorrente de materiais didáticos elaborados para cursos de Libras serem derivados desses estados, pois algumas variantes apresentadas ali, podem não ser utilizadas aqui no Rio Grande do Sul, ou em outras regiões brasileiras. Na época em que fui aluna da disciplina de Libras quando o professor não conhecia uma determinada variante, nem sempre o aluno podia utilizá-la sob pena de estar fazendo errado o sinal 2. Mais adiante no tempo, quando eu já atuava como Tils (Tradutora/Intérprete da Libras), situações em que utilizei variantes locais na interpretação algumas vezes, professores de Libras me corrigiram. Ao final da interpretação tentava buscar entre esses professores uma explicação do porque eu não poderia me utilizar dos sinais locais, mas a resposta sempre era a mesma: este sinal não é oficial! Mas, então quem oficializa os sinais locais? Não seria a própria comunidade surda local? Ou eu precisaria de um estudo 1 Um dos motivos para essa difusão também pode ser vinculado ao fato de que a primeira escola de surdos do Brasil foi fundada no Rio de Janeiro em 1857, e foram nestas regiões que as primeiras associação de surdos foram fundadas, o que coloca estes dois centros como referência na questão da educação de surdos e da difusão da Libras. 2 Refiro-me a sinal errado o sinal que não é considerado por uma determinada comunidade, sendo que coloco a expressão entre aspas por considerá-la preconceituosa.

formalizado e encontrar os sinais oficiais em dicionários? Nesse sentido, retomo a ideia do preconceito linguístico relacionado à homogeneidade linguística. Não é o suficiente sabermos que existem regionalismos e fazermos de conta que os aceitamos. Os professores de Libras têm um papel fundamental neste sentido. De que adianta dizer que existem sinais diferentes nas regiões brasileiras e não considerar aqueles utilizados em sua própria comunidade linguística? Ou mais, dizer que são erros, enganos ou invenções sem sentido? Acredito que o curso superior de Licenciatura em Letra/Libras 3 venha a contribuir de maneira substanciosa nas discussões referentes à linguística da Libras. Recorte metodológico Para o instrumento-piloto desta pesquisa contei com a participação de um aluno surdo da 7ª série do ensino fundamental. Foi disponibilizado ao aluno um livro de história infantil para que ele contasse a história em língua de sinais. A obra que foi utilizada para essa coleta de dados inicial foi Os feitiços do vizinho 4, que por tratar-se de uma obra totalmente visual estimula, desta forma, a produção da fala dos alunos surdos ao narrarem a mesma para o pesquisador. Para analisar os dados coletados contei com o apoio de uma tradutora/interprete da Libras que assistiu ao vídeo e apontou algumas mudanças presentes na fala/contação do aluno escolhido para esta análise prévia. Abaixo, apresento as mudanças percebidas e outras considerações feitas pala tradutora. 1) Foi percebida uma grande expressividade por parte do aluno, utilizando expressão facial e corporal característicos das línguas de sinais; 2) A locação dos personagens bem marcada, principalmente nos momentos em que era preciso trocar de 1º para 3º pessoa; 3) Uso ativo de classificadores; 4) Alguns acréscimos pessoais na narrativa, no intuito de incrementá-la; 5) Alguns sinais em que se perceberam mudanças foram: CALOR, (ver e nunca) 6) Alguns sinais como O QUÊ, MEDO e BARULHO foram utilizados com duas mãos e com uma também, marcando, talvez uma ênfase; 3 O curso Letras/Libras forma profissionais licenciados que atuarão no ensino de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) para alunos surdos e ouvintes. O curso surgiu em 2006, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e tem nove pólos no Brasil.

Resultados parciais Com a aplicação deste instrumento-piloto foi possível comprovar a sua aplicabilidade para os objetivos desta pesquisa: nestes dados foram encontradas variações lingüísticas. No decorrer da pesquisa, a partir dos dados coletados com os demais informantes será possível comparar outras variantes de alunos de escolas de surdos ou inclusivas de mesma escolaridade. Penso, assim, contribuir com discussões relativas aos processos lingüísticos e de escolarização dos surdos. Referências BAGNO. Marcos. Preconceito linguístico: o que é como se faz. São Paulo: Loyola, 1999. KARNOPP, Lodenir B.; QUADROS, Ronice Müller de. Língua de sinais brasileira: estudos lingüísticos. 1. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2004.. KARNOPP, Lodenir B. Fonética e fonologia. Apostila do curso de Letras-Libras- licenciatura e bacharelado. [s/d] KARNOPP, L. B. Aquisição do parâmetro configuração de mão na língua Brasileira de Sinais (LIBRAS): estudo sobre quatro crianças surdas, filhas de pais surdos. Porto Alegre, PUC: Dissertação de Mestrado, 1994. SILVEIRA; KARNOPP, 2009. Reflexões sobre a trajetória como tutora no curso letras-libras. Disponível em http://www6.ufrgs.br/salao_ead_grad/salao2009/anais/ead/resumos_relato/reflexoes_sobre_traj etoria_como_tutora_no_curso_letras.pdf 4 JUNQUEIRA,Sônia; HADDAD, Mariângela.Os feitiços do vizinho. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.