ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS METODOLOGIAS PARA COBRANÇA DE ÁGUA PARA AS BACIAS DO SUDESTE E DO NORDESTE

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Transcrição:

ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS METODOLOGIAS PARA COBRANÇA DE ÁGUA PARA AS BACIAS DO SUDESTE E DO NORDESTE Raquel Jucá de Moraes Sales 1 *; Juliana Alencar Firmo de Araújo 2 ; Sílvia Helena dos Santos 3 ; Ticiana Fontoura Vidal 4 ; Maria Patrícia Sales Castro 5 ; Patrícia Freire Chagas 6 & Raimundo Oliveira de Souza 7. Resumo - Com o objetivo de fazer um estudo comparativo entre os programas de cobrança e sua metodologia entre a região Sudeste, notadamente o estado de São Paulo, e a região Nordeste, com ênfase o estado do Ceará, este estudo visa destacar as peculiaridades regionais, principalmente aquelas que são determinantes no sucesso dos programas de cobrança das duas regiões. Verificou-se que nas questões de implantação das políticas de recursos hídricos o Sudeste está mais avançado do que o Nordeste. Em relação às questões metodológicas de cálculos de valores a serem cobrados há uma grande diferença entre estas duas regiões. O programa de cobrança da região sudeste se encontra em um estágio mais avançado, já que sua abrangência atinge um grupo bem maior de usuários e, por este motivo, a composição dos preços de cobrança segue uma metodologia mais definida. Palavras-Chave Cobrança de água. Recursos Hídricos. Gestão de Recursos Hídricos. COMPARATIVE ANALYSIS BETWEEN THE METHODOLOGIES FOR WATER COLLECTION FOR RIVER BASIN OF SOUTHEAST AND EAST Abstract In order of a comparative study between the use water charge and its methodology among the southeast area, specially the state of São Paulo, and the northeast area, with emphasis the state of Ceará, this study seeks the regional peculiarities, mainly those that are decisive in the success of the use water charge of the two areas. It was verified that in the subjects of implantation of the politics of water resources the Southeast is more advanced than the Northeast. In relationship the methodological subjects of calculations of values to be charged there is a great difference among these two areas. The Southeast area charging program is a more advanced apprenticeship, considering that the inclusion reaches a very larger group of users and, for this reason, the composition of the collection prices follows a more defined methodology. Keywords Water Charge. Water Resources. Water Resources Management. 1* Doutora em Recursos Hídricos pela Universidade Federal do Ceará e bolsista PNPD-CAPES. Campus do Pici. Bloco 713. Fortaleza CE. E-mail: raqueljuca@gmail.com; 2 Mestre em Recursos Hídricos pela Universidade Federal do Ceará e bolsista CAPES. Campus do Pici. Bloco 713. Fortaleza CE. E-mail: judiaraujo@yahoo.com.br; 3 Doutora em Recursos Hídricos pela Universidade Federal do Ceará. Campus do Pici. Bloco 713. Fortaleza CE. E-mail: silviahlsantos@hotmail.com; 4 Mestre em Recursos Hídricos pela Universidade Federal do Ceará. Campus do Pici. Bloco 713. Fortaleza CE. E-mail: ticianafvidal@gmail.com; 5 Mestre em Saneamento pela Universidade Federal do Ceará. Campus do Pici. Bloco 713. Fortaleza CE. E-mail: patricia.sales@gmail.com; 6 Doutora em Recursos Hídricos pela Universidade Federal do Ceará. Campus do Pici. Bloco 713. Fortaleza CE. E-mail: pfchagas@yahoo.com; 7 Professor titular da Universidade Federal do Ceará. Campus do Pici, CEP- 60445-760. Bloco 713. Fortaleza Ceará. E-mail: rsouza@ufc.br. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1

1. INTRODUÇÃO O crescimento populacional, a expansão agrícola e a forte industrialização registrada no último século vêm acelerando a demanda de recursos hídricos, acarretando graves problemas de escassez e degradação. Os diversos usos da água doce alteram temporal ou espacialmente a disponibilidade da água, seja quantitativamente ou qualitativamente, impactando o meio ambiente. É neste contexto que a gestão de recursos hídricos tem se tornado uma ferramenta importante para a mudança do conceito de desenvolvimento a qualquer preço, enfatizando a premissa do progresso para um desenvolvimento sustentável e destacando a importância do uso racional dos recursos naturais. Deste modo, o Brasil, inspirado no modelo francês, estabeleceu em janeiro de 1997 a Lei Federal nº 9.433, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, constituindo-se um passo para implementação de um sistema de gerenciamento de Recursos Hídricos. São algumas premissas desta Lei: a água é um bem de domínio público; recurso natural limitado; dotado de valor econômico; prioridades de uso; proporcionar usos múltiplos; um modelo institucional descentralizado; participação da sociedade através dos Comitês de Bacias Hidrográficas e nos Conselhos de Recursos Hídricos. Com relação aos instrumentos ou ferramentas de gestão previstas na Lei, o país já possui desde março de 2006 o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), construído entre os anos de 2003 e 2006, e aprovado por unanimidade no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). O instrumento de cobrança, objeto deste estudo, já é aplicado em alguns estados e está em fase de estudo em outros. Este instrumento é o mais controverso e polêmico devido à diversidade de objetivos e mecanismos existentes e, principalmente, à dúvida sobre o destino e a transparência na aplicação dos recursos arrecadados, que gera, algumas vezes, desconfiança e a falsa idéia de que se trata de mais um imposto (THOMAS, 2002). No intuito de fazer um estudo comparativo entre os programas de cobrança e sua metodologia entre a região sudeste, notadamente o estado de São Paulo, e a região nordeste, com ênfase o estado do Ceará, este estudo visa destacar as peculiaridades regionais, principalmente aquelas que são determinantes no sucesso dos programas de cobrança das duas regiões. 2. COBRANÇA DE ÁGUA BRUTA NO BRASIL A cobrança pelo uso dos recursos hídricos age como elemento indicativo do real valor da água, incentivando a racionalização de seu uso e promovendo a obtenção de recursos financeiros para o financiamento de programas e intervenções previstos nos planos de recursos hídricos. A cobrança tem caráter essencial para a criação de condições de equilíbrio entre a oferta (disponibilidade de água) e a demanda, promovendo a harmonia entre os usuários competidores (LANNA, 2008). A fim de implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, instituiu-se a Lei Federal nº 9.984 de 17 de julho de 2000, criando-se a Agência Nacional de Águas - ANA, que dentre suas atribuições, pretende disciplinar, em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos (Artigo 4, II). XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2

Metodologicamente, o cálculo do valor a ser cobrado pode ser desenvolvido segundo duas grandes abordagens: a econômica, a qual se busca encontrar o real valor da água, ou seja, o seu valor econômico; e a financeira, a qual se busca financiar o plano de bacia. Independente do caminho metodológico escolhido, a definição dos valores a serem cobrados deve se dar de forma participativa no âmbito dos sistemas de gestão incluindo, portanto, os comitês de bacia e respectivos conselhos de recursos hídricos. Como se observa, ao longo dos anos, os governos desenvolveram todos os instrumentos necessários para a implantação e o desenvolvimento de uma política de cobrança pelo uso da água. Esta política visa entre outras coisas estabelecer um disciplinamento do uso racional da água através de um valor econômico. Assim, a partir de 2000, de forma individual, alguns estados começaram a, com base nesta política nacional, desenvolver suas políticas estaduais. Merece destaque, neste contexto, os Estados de São Paulo, na região sudeste, e o estado Ceará, na região Nordeste. Na região Sudeste, principalmente no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro estes programas se encontram em um estágio de desenvolvimento mais avançado. Uma análise mais atenta permite que se verifiquem metodologias consolidadas para o calculo da cobrança. Esses programas, nestas regiões, são controlados por empresas vinculadas aos Estados, como é o caso do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul - CEIVAP, no Sudeste. Essas empresas são responsáveis pelo completo controle de cobrança e fiscalização. Também essas empresas são responsáveis por implementações de novas políticas e novas metodologias de cálculo. A seguir serão apresentadas algumas metodologias que são, atualmente, utilizadas no calculo dos valores cobrados pelo uso da água em algumas bacias da região. 2.1. A cobrança na bacia do Rio Paraíba do Sul A discussão sobre mecanismos e valores de cobrança pelo uso da água, no âmbito do CEIVAP, iniciou-se formalmente em 16 de março de 2001 com a aprovação do calendário para a implantação desse instrumento no ano seguinte, por meio da Deliberação CEIVAP n o 3. Em 6 de dezembro de 2001, o CEIVAP aprovou a Deliberação n o 8, que estabeleceu mecanismos e valores de cobrança para os setores de saneamento e indústria e, em 4 de novembro de 2002, foram aprovados, por meio da Deliberação n o 15, os mecanismos e valores de cobrança para os setores agropecuário, aquicultura e geração de energia elétrica em pequenas centrais hidroelétricas (PCHs). Em março de 2003, dois anos após o início das discussões, a cobrança iniciou-se efetivamente com o vencimento do primeiro documento de arrecadação (boleto). No início foram definidos mecanismos de cobrança simplificados visando a facilitar a sua operacionalização e também a aceitação por parte dos usuários. Em 2006, após três anos de início da cobrança, os mecanismos e valores foram revistos e aperfeiçoados. Com isso, em janeiro de 2007, novos mecanismos e valores entraram em vigor. A fórmula utilizada pela CEIVAP é composta por três parcelas, conforme indicado pela equação 1. Reconhece-se que nem todas as situações passíveis de cobrança e diferenciadoras de uso se encontram cobertas pela metodologia em questão. Qcap C 1 a 1 K 1 K K K 0 PPU Qcap K1 PPU Qcap 1 2 3 PPU a a Parcela 2 Parcela 3 Parcela (1) XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3

Onde: 1ª Parcela Cobrança pelo volume de água captada no manancial; 2ª Parcela Cobrança pelo consumo (volume captado que não retorna ao corpo hídrico); 3ª Parcela Cobrança pelo despejo do efluente no corpo receptor; Q cap Volume de água captada durante um mês (m³/mês); K 0 Multiplicador de preço público unitário para captação, estabelecido pelo CEIVAP como sendo 0,4; K 1 Coeficiente de consumo para a atividade, ou seja, a relação entre o volume consumido e o volume captado pelo usuário, ou ainda o índice correspondente à parte do volume captado que não retorna ao manancial; K 2 Percentual do volume de efluentes tratados em relação ao volume total de efluentes produzidos. K 3 Nível de eficiência de redução de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) na Estação de Tratamento de Efluentes. PPU Preço público unitário correspondente à cobrança pela captação, pelo consumo e pela diluição de efluentes, para cada m³ de água captada (R$/m³), estabelecido pelo CEIVAP como sendo 0,02. Tabela 1 Valores cobrados na bacia Paraíba do Sul. Tipo de uso PUB Unidade Valor Captação de água bruta PUB cap R$/m³ 0,01 Consumo de água bruta PUB cos R$/m³ 0,02 Lançamento de carga orgânica de DBO 5,2 PUB DBO R$/kg 0,07 Fonte: ANA (2007). 2.2. A cobrança nas bacias PCJ Os Comitês das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí foi criado e instalado segundo a Lei Estadual n 7.663, de 30 de dezembro de 1991. A Deliberação Conjunta dos Comitês PCJ n 025, de 21 de outubro de 2005 (PCJ, 2005), estabelece mecanismos e sugere os valores para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos nos corpos d água de domínio da União existentes nas bacias hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, a ser iniciada a partir de 1 o de janeiro de 2006. São cobrados os usos: captação, consumo, irrigação, captação e consumo dos usuários do setor rural, lançamento de cargas orgânicas (DBO), geração de energia elétrica por meio de pequenas centrais hidroelétricas (PCH s) e por fim, será cobrado o volume de água captado e transportado das bacias PCJ para outras bacias. A cobrança incide sobre águas superficiais. A cobrança para os diversos usos é determinada pelas formulações a seguir: Valor ( Valor Valor Valor Valor Valor Valor ) K total cap con rural co pch transp gestão (2) Onde: Valor total é o pagamento anual pelo uso da água, referente a todos os usos do usuário; Valor cap, Valor con, Valor rural, Valor co, Valor pch e Valor transp são os pagamentos anuais pelo uso da XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4

água; e K gestão é o coeficiente que leva em conta o efetivo retorno às Bacias PCJ dos recursos arrecadados pela cobrança do uso da água nos rios de domínio da União. Os Comitês PCJ propuseram os valores dos Preços Unitários Básicos PUBs para a cobrança pelo uso de recursos hídricos em corpos d água de domínio da União. Estes valores serão aplicados de forma progressiva ao longo de 3 anos a partir da implementação da cobrança na bacia, sendo 60% no primeiro ano, 75% no segundo e 100% no terceiro. Os Preços Unitários Básicos (PUB s) adotados nas Bacias PCJ para os diversos usos estão apresentados na tabela 2. Os Comitês PCJ inseriram alguns coeficientes com o mesmo objetivo na metodologia aprovada visando, por um lado, minimizar o impacto da cobrança sobre setores produtivos com baixo valor agregado de produção, e por outro, criar um mecanismo de incentivo ao uso racional da água por parte dos produtores rurais. Tabela 2 - Valores de cobrança adotados nas bacias PCJ. Tipo de uso PUB Unidade Valor Captação de água bruta PUB cap R$/m³ 0,01 Consumo de água bruta PUB cos R$/m³ 0,02 Lançamento de carga orgânica de DBO 5,2 PUB DBO R$/kg 0,10 Transposição de bacia PUB transp R$/m³ 0,015 Fonte: ANA (2007). 2.3. Política de cobrança na região Nordeste Na região Nordeste, diferentemente do Sudeste, as políticas de cobrança ainda estão num processo incipiente. Alguns estados ainda estão na fase de estudos para a implantação de uma política de cobrança. O Rio Grande do norte, por exemplo, é um dos estados que se encontra nesta fase, onde estão sendo definidos critérios que apoie a concessão de outorga pelo uso da água e em consequência a sua cobrança. Em outros estados a situação é bem diferente, onde já existe uma política de cobrança bem definida como é o caso dos estados do Ceará e da Paraíba. Nestes estados, os critérios já estão definidos, instituições já estão criadas e funcionando e estudos para uma ampliação destes programas de cobrança estão sendo realizados. Por exemplo, vale destacar o estado do Ceará, onde a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará - COGERH com sua estrutura administrativa desempenha o mesmo papel da CEIVAP na região Sudeste. 2.4. A cobrança no estado do Ceará No Brasil, o Estado do Ceará foi o pioneiro na implementação da Política Estadual de Recursos Hídricos através da criação da COGERH, entidade pública estatal de gestão dos recursos hídricos. Sobre a cobrança, a Lei Estadual nº 11.996 de 24 de julho de 1992 que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos, estabelece em seu artigo 7 : XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5

I - a cobrança pela utilização considerará a classe de uso preponderante em que for enquadrado o Corpo d`água onde se localiza o uso, a disponibilidade hídrica local, o grau de regularização assegurado por obras hidráulicas, a vazão captada o seu regime de variação, o consumo efetivo e a finalidade a que se destina; II - a cobrança pela diluição, transporte e a assimilação de efluentes do sistema de esgotos e outros líquidos, de qualquer natureza considerará a classe de uso em que for enquadrado o corpo d`água receptor, o grau de regularização assegurado por obras hidráulicas,a carga lançada e seu regime de variação, ponderando-se, dentre outros, os parâmetros orgânicos e físico-químicos dos efluentes e a natureza da atividade responsável pelos mesmos. O Decreto nº 28.074, de 29 de dezembro de 2005, que regulamenta a referida Lei, estabelece que a tarifa a ser cobrada pelo uso dos recursos hídricos será calculada utilizando-se a equação abaixo (artigo 2 ): T() u TV 1 out T2V ef (3) Onde: T(u) Tarifa do usuário u ; T 1 Tarifa padrão da outorga de longo prazo; V out Volume outorgado ao usuário; T 2 Tarifa padrão sobre volume efetivamente consumido; e, V ef Volume efetivamente consumido pelo usuário. A metodologia usada pela COGERH, para a Cobrança no Estado do Ceará, estima a capacidade de pagamento do usuário, ou seja: Receita Bruta (RB) Valor obtido com a venda dos produtos. Custos Totais (CT) Custos de Produção, sem considerar o pagamento pelo uso da água, mais as Despesas Operacionais e Encargos. Capacidade de Pagamento Total (CP) Diferença entre a Receita Bruta e o Custo Total. Capacidade de Pagamento Unitário (Cpu) Razão entre a capacidade de pagamento total (CP) e o volume de água utilizada. Desta forma, a Cobrança passou a ser um forte instrumento de arrecadação, para um estado de baixo desenvolvimento econômico como o Ceará, alterando seus principais objetivos dentro da Política Nacional de Recursos Hídricos. Ou seja, o reconhecimento da água como bem econômico e o incentivo à racionalização de seu uso. Os valores atualizados dos valores cobrados são mostrados a seguir conforme resolução CONERH N o 1, de 19 de fevereiro de 2008. De acordo com o Art.1º foram aprovados novos valores para as tarifas de água bruta nas categorias de uso de abastecimento público, de uso industrial e demais categorias de uso, conforme é mostrado a seguir: XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6

Tabela 3 - Valores de cobrança adotados no Estado do Ceará. Categoria de uso Tarifa (R$/1000m 3 ) Abastecimento público RMF 86,54 AP demais regiões do estado 32,77 Uso industrial 1.294,67 Demais categorias 86,54 Fonte: COGERH, 2008. 3. ANÁLISE COMPARATIVA DOS PROCESSOS DE COBRANÇA Uma análise comparativa entre os programas de cobrança da região Sudeste e Nordeste permite que se observem importantes diferenças. Nas questões de implantação, verifica-se que as políticas do Sudeste estão mais avançadas, já que no Nordeste alguns estados ainda estão em fase de estudo, em destaque maior o estado de são Paulo, que se encontra em estado avançado em suas políticas. Na região Nordeste, o destaque é o estado do Ceará do ponto de vista de uma cobrança bem estruturada. Em relação às questões metodológicas de cálculos de valores a serem cobrados há uma grande diferença entre estas duas regiões. Nas bacias do rio Paraíba do Sul e nas bacias PCJ, o cálculo dos valores é normalmente estabelecido através de fórmulas empíricas compostas de vários critérios e com diferentes pesos para os seus coeficientes. Tendo em vista os critérios adotados merece destaque: o consumo, o tipo de uso, os aspectos de qualidade, e as questões relacionadas com os tipos de lançamentos e suas peculiaridades. Já na região Nordeste, estas metodologias ainda não estão definidas, mesmo nos estados onde estas políticas estão mais desenvolvidas. No Ceará foi estabelecido um programa de tarifas para cada tipo de uso. Esta rotina de cálculo é baseada nos seguintes elementos: tarifa padrão de outorga de longo prazo; volume outorgado ao usuário; a tarifa padrão sobre volume efetivamente consumido e o volume efetivamente consumido pelo usuário. Desta forma, percebe-se que elementos relacionados com os aspectos de qualidade de água não são levados em conta neste cálculo. Por outro lado, o estudo mostra que na metodologia empregada no estado do Ceará, o principal fator de influência no cálculo está relacionado com os aspectos hidrológicos e as questões de consumo. Uma vez que a região Nordeste possui características econômicas bem diferentes do sudeste, os clientes disponíveis são basicamente clientes institucionais. Por exemplo, no Estado do Ceara, até o presente momento, a única empresa que esta cadastrada como cliente que paga pelo uso da água é a Companhia de água e Esgoto do Ceará - CAGECE. Desta forma, pode-se dizer que ainda não se tem equilíbrio econômico entre custo beneficio. Esse fato faz com que os elementos empregados na cobrança tenham metodologias mais restritas às questões hidrológicas. O desenvolvimento do parque agrícola da região, por exemplo, deverá expandir a base de clientes trazendo maior racionalidade do uso da água em função do custo econômico produzido pela cobrança e, com isso, novos fatores, vinculados aos aspectos qualitativos da água, poderão ser inseridos nas metodologias da cobrança. A maior diferença encontrada nestas duas regiões diz respeito ao tipo de cliente que está disposto a pagar pelo uso da água. Esta diferença está vinculada ao nível econômico das regiões. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 7

Como se sabe, a região Sudeste é formada por grandes produtores agrícolas, o que acaba por ter um maior número de clientes da iniciativa privada disposto a pagar pelo uso da água. Este fato permite que se espere uma base de usuário mais extensa com volume de arrecadação compatível aos custos para o tratamento deste recurso natural. Isto implica num equilíbrio econômico custo benefício, o que certamente tem sido determinante nas questões metodológicas daquelas bacias. 4. CONCLUSÕES Na avaliação das políticas de cobrança de água em diferentes bacias da região Sudeste e Nordeste do Brasil pode-se concluir que o processo de cobrança de água ainda se encontra em um estágio inicial nas principais regiões brasileiras. Neste momento ainda há muitas incertezas nesses processos. As leis que norteiam as políticas de cobrança, quando existentes, estão no seu estado transitório. Com isso muitos dos programas de cobrança estão sofrendo contínuas transformações. O programa de cobrança da bacia do rio Paraíba do Sul e nas bacias PCJ se encontram em um estágio mais avançado do que o programa do Estado do Ceará. Sua abrangência atinge um grupo bem maior de usuários. A composição dos preços de cobrança segue uma metodologia mais definida. Entretanto, os fundamentos para esta composição não possuem um caráter claro. As suas bases são mais vinculadas às decisões políticas do que às bases técnicas. Considerando que a Bacia do Rio Paraíba do Sul abrange três estados da federação, os conflitos pertinentes às leis de água desses estados e as leis federais tornam a política de cobrança de água nessa bacia instável e transitória, considerando que cada estado se encontra em um nível de gestão de recursos hídricos diferente. Este problema não ocorre no Estado do Ceará onde praticamente todos os seus rios são restritos ao Estado. O sistema de gestão do Ceará é diferente dos demais, uma vez que trabalha com tarifa e não taxa pelo uso da água. Isto ocorre devido aos gastos consideráveis com serviços de implementação da infraestrutura hídrica, sua operação e manutenção, e déficit hídrico. REFERÊNCIAS ARAÚJO, T. Z.; CAMPOS, R. (2007). A implantação da cobrança da água bruta no estado do Ceará: a experiência do Comitê das Bacias Hidrográficas da Região Metropolitana de Fortaleza (CBH-RMF). In Anais do XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, São Paulo, Nov de 2007. AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS - ANA. (2007). Boletim sobre a cobrança pelo uso de recursos hídricos bacias hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí e Paraíba do Sul Exercício 2007. LANNA, A. E. (2008). Instrumentos de Gestão das Águas: cobrança. In Gestão das Águas. 124-176. Porto Alegre. Disponível em <www.ufrgs.br/iph/6.pdf > Acesso em Nov. de 2008. THOMAS, P. T. (2002). Proposta de uma metodologia de cobrança pelo uso da água vinculada à escassez. Tese (Doutor em Engenharia). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. THOMAS, P. T.; VERSIANI. A. M. A cobrança pelo uso da água nas bacias dos rios Paraíba do Sul e PCJ. In Anais do XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, São Paulo, Nov. de 2007. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 8