O PAPEL DO PODER PÚBLICO NA EFETIVAÇÃO DA MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE URBANA 1



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Transcrição:

O PAPEL DO PODER PÚBLICO NA EFETIVAÇÃO DA MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE URBANA 1 Prof.ª Dr.ª Sílvia Regina Pereira 2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Francisco Beltrão-PR) silviarpereira@hotmail.com INTRODUÇÃO É necessário analisarmos o processo de reestruturação do espaço urbano, considerando a reprodução/reorganização dos espaços de moradia (periferias pobres e periferias dos condomínios fechados), de trabalho e de consumo de bens e serviços (como área central, subcentros, vias e eixos). Diante desse processo de reestruturação urbana, que é contínuo e constante, devemos procurar compreender como se dá o acesso à cidade capitalista frente às desigualdades socioespaciais expressas nos espaços urbanos contemporâneos. A estruturação urbana vinculada ao meio de deslocamento pode interferir na apropriação do espaço urbano, de acordo com o poder aquisitivo do citadino, que pode ter um cotidiano restrito, não possibilitando muitas vezes que ele exerça o direito à cidade. Portanto, é necessário um meio de transporte coletivo público que possibilite à população o ir e vir, sem grandes problemas. A pesquisa (em desenvolvimento), para a compreensão da temática apresentada, será pautada na análise da estruturação do espaço urbano e da oferta do transporte coletivo público na cidade Francisco Beltrão-PR. Nesse sentido, nosso objetivo é refletir sobre a mobilidade e acessibilidade urbana, a partir da legislação existente (nacional e municipal), buscando compreender a atuação do poder público no processo de 1 As reflexões aqui apresentadas referem-se à pesquisa (em andamento) sobre Mobilidade e acessibilidade urbana em Francisco Beltrão-PR 2 Professora dos Cursos de Licenciatura e Bacharelado em Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE/Francisco Beltrão-PR). Membro do Grupo de Estudos Territoriais (GETERR). 1

estruturação urbana, bem como na definição de um sistema de transporte público eficiente. Nesse primeiro momento da pesquisa fizemos as leituras e reflexões sobre a estruturação e restruturação do espaço urbano, para compreender as implicações desse arranjo espacial na vida dos cidadãos, diante dos deslocamentos que eles precisam realizar cotidianamente para adquirir os bens e serviços necessários para a vida. Dessa forma, nossa preocupação central é refletir sobre a configuração do espaço urbano e sobre as ações do poder público, o qual pode assegurar uma maior e melhor mobilidade e acessibilidade à cidade para todos, especialmente para os segmentos de menor renda. No texto aqui apresentado fizemos algumas considerações sobre a mobilidade e acessibilidade urbana. Além dessas considerações gerais, enfocamos o transporte público e a sua influência na estruturação do espaço urbano, bem como no grau de acessibilidade da população ao conjunto da cidade, já que se trata de um dos meios de deslocamento mais utilizados, além do automóvel particular. Em relação ao automóvel, apresentamos o espaço urbano como seu lócus, procurando entender como a difusão de seu uso determina as formas de utilização do espaço e explica a ampliação dos problemas gerados para o tráfego urbano. Nas etapas posteriores desse estudo pretendemos realizar uma análise qualitativa, considerando a localização dos estabelecimentos comerciais, dos serviços, dos equipamentos urbanos, das áreas de residência dos segmentos de menor renda e o sistema de transporte público coletivo, na cidade de Francisco Beltrão-PR. A partir de então, poderemos refletir sobre as condições dos segmentos de menor renda para se apropriarem desse espaço urbano. Será possível entender a acessibilidade dos segmentos de menor renda, dificultada ou facilitada pelos meios de deslocamentos utilizados para ter acesso às diferentes áreas no interior da cidade, onde se apropriam dos espaços e podem realizar as diferentes funções que se encontram muitas vezes concentradas e, ao mesmo tempo, dispersas nessa cidade. Essa situação reflete a cidade capitalista, que se expande, 2

reestrutura-se e se fragmenta no processo de produção/reprodução/apropriação do espaço urbano. Pretendemos, também, coletar dados para fundamentar nossos objetivos e realizar entrevistas com usuários do transporte coletivo, para obtermos informações sobre a aquisição de serviços como saúde, consumo de bens necessários à manutenção da vida, realização de atividades como trabalho, lazer, educação. Portanto, será possível identificar os espaços apropriados na cidade, os circuitos criados pelos seus deslocamentos, a acessibilidade ou a dificuldade de acesso, bem como o direito a essa cidade, que é diferenciada socioespacialmente. Faremos também leituras e interpretação do Estatuto da Cidade, da Lei de Mobilidade Urbana e do Plano Diretor de Francisco Beltrão para compreendermos as proposições e considerações, no que diz respeito à mobilidade e acessibilidade, relacionando-as com as condições ofertadas para a população que depende desse meio de deslocamento. Essa metodologia, associada às leituras realizadas nos permitirá reunir informações e elementos para refletirmos sobre como ocorre a produção do espaço urbano, diante do processo de diferenciação socioespacial que se expressa nas cidades capitalistas e para analisarmos as condições ofertadas pelo poder público para a mobilidade e acessibilidade dos citadinos. MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE URBANA A mobilidade será diferenciada, de acordo como o meio de transporte utilizado. Dependendo da situação e de algumas condições é possível que alguns cidadãos consigam se deslocar pelo espaço urbano a pé, para realizar algumas atividades. A partir do processo de expansão territorial desse espaço, parte dos equipamentos coletivos permanece centralizada e assim é necessário realizar o deslocamento por meio de transporte motorizado. Os meios de transportes motorizados podem ser públicos e coletivos ou privados e individuais, de acordo com a renda dos usuários. Vale ressaltar que a oferta, a qualidade, a eficiência e o tempo de deslocamento entre eles serão 3

bastante diferenciados e assim a acessibilidade dos que dependem do transporte coletivo será menor. É importante destacar que a mobilidade nem sempre possibilita a acessibilidade. Por isso é necessário a elaboração de uma política de transportes que esteja vinculada ao planejamento e às políticas urbanas, visando melhorar e tornar mais eficiente os deslocamentos por meio do transporte público coletivo. Dessa forma, a acessibilidade da população aos equipamentos de uso coletivo e aos espaços para as realização das diferentes funções e atividades será mais adequada. Essa condição precisa ser assegurada principalmente para os segmentos de menor poder aquisitivo, os quais dependem desse meio de deslocamento e se encontram cada vez mais afastados da área central. Para Vasconcellos (2001) a mobilidade, na visão tradicional, diz respeito ao ato de movimentar-se de acordo com condições físicas e econômicas. Diante dessa interpretação, muitos poderiam considerar que a política de transporte deveria aumentar o número de meios de transporte. É uma visão muito restrita, pois para que a acessibilidade seja assegurada é preciso que haja uma mobilidade adequada para a realização das necessidades vinculadas à reprodução social, ou seja, não é simplesmente movimentar-se, mas chegar aos destinos desejados, sem grandes dificuldades. Diante disso, tem que haver uma conexão entre o sistema de transporte e a estrutura urbana, para que o cidadão possa, de fato, se apropriar dos espaços da cidade, de acordo com as suas necessidades cotidianas. Para Sousa (2003), a mobilidade está diretamente vinculada às pré-condições do desenvolvimento político e cultural de um povo, pois as pessoas precisam se deslocar para realizar as diferentes funções como trabalho, lazer, educação, práticas religiosas e para o consumo de bens e serviços. A renda definirá o meio de deslocamento a ser utilizado e dessa forma, acaba por interferir na mobilidade e nas condições de acessibilidade. Merlin, apud Sousa (2003), apresenta os diferentes tipos de mobilidades realizadas no espaço urbano: 4

- mobilidade residencial: é a circulação entre o local de moradia em direção a qualquer outro ponto em meio a um mesmo espaço urbano. - mobilidade ocasional: não obedece um período determinado. - mobilidade semanal: está relacionada aos trabalhadores e estudantes que exercem atividades longe de suas residências, repetindo-se as viagens semanalmente; - mobilidade quotidiana: é quase obrigatória. É o circuito de ligação diário entre o local de moradia e os locais de trabalho e escola (SOUSA, 2003, p. 32-33). Sousa (2003) também destaca o movimento pendular como forma de mobilidade entre moradores de áreas distantes (nas quais não há condições adequadas para a vida urbana) para as centrais, onde se encontram, muitas vezes, os bens e equipamentos de uso coletivo. Para entendermos o que significa acessibilidade, devemos considerar o acesso fácil e a qualidade do que é acessível. Geralmente a acessibilidade é reduzida ou não é assegurada por meio do transporte coletivo, diante das grandes distâncias (considerando os itinerários) e das longas viagens (o tempo dispendido para realizar os deslocamentos). Ou seja, o tempo excessivo de uma viagem, gasto no transporte coletivo interfere na acessibilidade. Dessa forma, a relação tempo-espaço deve ser considerada, para avaliarmos a acessibilidade propiciada ou não, por meio do transporte coletivo. Os segmentos de menor renda, que precisam se deslocar para ter acesso aos equipamentos de uso coletivo, podem ser prejudicados se a mobilidade para essas áreas não for eficaz, o que dependerá do meio de transporte utilizado. A mobilidade e a acessibilidade estão diretamente associadas ao uso de meios de transporte, considerando a relação espaço-tempo e se encontram vinculadas à estruturação urbana. Sabemos que muitas vezes a estruturação do solo urbano está atrelada às iniciativas e interesses dos agentes privados. O poder público deve assegurar que o planejamento urbano priorize os interesses coletivos e a estruturação do sistema de transporte público, o qual deve proporcionar a acessibilidade à cidade, diante das diferentes áreas, nas quais se localizam as atividades de trabalho, educação, saúde, lazer, comércio e serviços. Se a acessibilidade não é favorecida, principalmente para os segmentos de menor renda, a diferenciação socioespacial será ainda mais fortalecida. 5

AUTOMÓVEL PRIVADO INDIVIDUAL X TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO É cada vez mais significativo o predomínio do automóvel no espaço urbano. Ele é considerado um meio de deslocamento mais flexível e mais veloz em comparação ao transporte público e coletivo. Diante dessa situação, inúmeras consequências são geradas como os congestionamentos, o aumento da poluição, a necessidade de implementação de novas áreas para estacionamento etc. Vale ressaltar que esses problemas são gerados pelo o uso ampliado do meio de deslocamento individual em detrimento do transporte coletivo, o qual pode transportar mais passageiros e contribuir para o uso mais racional e adequado das vias públicas. A renda, na maioria das vezes, é determinante para a escolha do meio de deslocamento. A população de menor renda, muitas vezes, depende do transporte público e coletivo e/ou do meio individual não motorizado, como a bicicleta, para realizar os deslocamentos necessários para realizar a atividade laboral, bem como para adquirir os serviços e ter acesso às áreas comerciais. Diante disso, é necessário que o poder público assegure as condições adequadas para garantir a mobilidade e acessibilidade à cidade, principalmente para os segmentos de menor poder aquisitivo. Os segmentos de maior renda preferem a comodidade e a flexibilidade do meio de deslocamento individual, ressaltando que o transporte público não é eficiente e satisfatório para os seus deslocamentos cotidianos. Assim, os segmentos de maior poder aquisitivo, para a realização das atividades do dia-a-dia, optam pelo uso do meio de deslocamento individual, mesmo tendo que conviver com os problemas urbanos gerados nas cidades, diante do aumento do fluxo de veículos nas vias. Esse considerável aumento de veículos particulares em relação ao número veículos coletivos nas cidades, faz com que a apropriação do espaço urbano seja cada vez mais desigual, gerando problemas para toda a sociedade. Os espaços urbanos são adaptados para o uso do transporte individual em detrimento do transporte coletivo e deveria ocorrer o contrário. Nesse caso, o poder 6

público deve interferir e propiciar um planejamento das vias públicas que priorize o meio de deslocamento coletivo. Dessa forma, com o predomínio do uso coletivo dos espaços urbanos, seria possível uma circulação mais fluida, melhorando o tráfego, os congestionamentos e a qualidade do ar (por meio da diminuição da quantidade de monóxido de carbono emitido), privilegiando-se, principalmente, os pedestres. O poder público deve implementar medidas que regulem o uso do solo urbano, instituindo as permissões e proibições, de modo que a acessibilidade dos citadinos à cidade, em sua totalidade, seja garantida. Além disso, é preciso reestruturar o sistema de transporte público e coletivo, para que mais usuários possam utilizá-lo, mesmo aqueles que possuem um meio de deslocamento particular, pois os benefícios serão compartilhados por todos. Guerrero (2003, p. 38), destaca que a [...] medida más efectiva para cambiar la tendência de incremento de uso del automóvil el ahorro en los tiempos de viaje de los transportes públicos. Ou seja, é preciso tornar o transporte público e coletivo um meio de deslocamento mais eficaz e satisfatório, considerando a tarifa, o tempo gasto nos deslocamentos, os itinerários e as condições dos veículos (ônibus). Em muitas cidades do Brasil é comum ver veículos de transporte coletivo superlotados nos horários de pico. Se houvesse uma maior oferta de transporte coletivo, para atender a demanda existente, esse problema poderia ser minimizado. Em contraposição a essa situação, muitos carros com apenas um passageiros estão presentes nas vias públicas. Ou seja, o transporte individual e privado ocupa a maior parte das vias públicas, mas não é densamente ocupado, enquanto ocorre o contrário em relação ao transporte coletivo. Diante da ineficácia do transporte público e coletivo, os segmentos que possuem veículo próprio utilizam constantemente esse meio para os deslocamentos necessários para a realização das suas atividades cotidianas, mesmo que as distâncias percorridas sejam curtas. É comum eles ressaltarem a comodidade e o conforto do transporte individual, em detrimento das condições que seriam vivenciadas no meio de deslocamento coletivo, as quais interferem na seleção de áreas para a moradia e para o 7

consumo de serviços e mercadorias, quando esses estão dispersos no espaço urbano. Eles podem residir em áreas mais centrais ou de expansão urbana (loteamentos fechados, que se encontram geralmente afastados da malha compacta), já que a facilidade de deslocamento por meio do transporte próprio é considerada para a escolha do lugar de moradia. Nesse sentido, Vasconcellos (2001, p. 38), ressalta que: A escolha do automóvel, por parte de quem tem possibilidade de escolher, decorre de uma avaliação racional de suas necessidades de deslocamento, frente aos condicionantes econômicos e de tempo, e frente ao desempenho relativo das tecnologias de transporte disponíveis. Neste sentido, a visão do automóvel como símbolo de status é superficial: a sua escolha não decorre de um desejo natural das pessoas, mas da percepção de que ele constitui um meio essencial para a reprodução das classes médias criadas pela modernização capitalista [...]. Diante dos inúmeros problemas urbanos decorrentes do aumento de veículos particulares nas vias públicas, Lorca (1971) sugere que seria importante realizar uma segregação de tráfegos, separando os diferentes tipos, evitando a interação entre eles e os congestionamentos. Essa segregação do tráfego poderia ocorrer de acordo com o tempo de viagem por meio do transporte coletivo, de acordo com os itinerários mais exteriores ao núcleo central. Além disso, é preciso segregar o tráfego dos pedestres, por meio de vias elevadas, criar corredores viários para transporte público e definir horários para o abastecimento de mercadorias nos estabelecimentos centrais. Essas proposições poderiam ser implementadas em diferentes realidades urbanas, podendo melhorar a mobilidade e acessibilidade da população. Esse mesmo autor ressalta que o automóvel é o meio de transporte mais caro e, ao considerar os custos sociais, ele se torna ainda mais oneroso. Segundo ele o automóvel não deve desaparecer, mas é precisar controlar o seu uso, para evitar o aumento significativo dos problemas urbanos, vinculados ao demasiado predomínio desse meio de deslocamento nas vias públicas. O espaço urbano, na maioria das cidades, está estruturado para o automóvel individual. Por isso é preciso ressaltar a importância dos agentes produtores do espaço urbano, os quais possibilitam que as vias públicas sejam mais apropriadas, na maioria das vezes, pelos proprietários de veículos particulares em contraposição à apropriação 8

desses espaços pelos segmentos de menor renda, os quais dependem do transporte coletivo. Quién crea los automóviles?, quién utiliza los automóviles? y quién construye la infraestructura del tranporte?(fábregas, 1971, p. 38). O predomínio do automóvel nas vias públicas deve ser questionado, diante da lógica de produção do espaço urbano, que beneficia alguns segmentos sociais. O espaço urbano é produzido e estruturado diante dos interesses dos agentes produtores, os quais interferem na definição de áreas para moradias para os diferentes segmentos sociais, áreas para o lazer, para a instalação de equipamentos urbanos e estabelecimentos comerciais e de serviços. Essa estruturação pode interferir significativamente na vida dos moradores das periferias pobres, sem infraestrutura, pois muitas vezes será necessário realizar inúmeros deslocamentos para se apropriar de serviços e equipamentos dispersos na cidade. Esses deslocamentos nem sempre são adequados, pois a mobilidade desses moradores, por meio de transporte público, bicicleta ou a pé nem sempre são possíveis, comprometendo a acessibilidade à cidade. Os segmentos de menor poder aquisitivo necessitam do transporte coletivo para os seus deslocamentos cotidianos e por isso precisam ter o respaldo do poder público, o qual deve assegurar a mobilidade e acessibilidade urbana para os mesmos. Eles, muitas vezes, estão segregados, e dessa forma, o ir e vir ficam comprometidos. La ciudad está quitando la movilidad a quien más la necesita (LORCA, 1971, p. 32). Já os segmentos de maior renda possuem a comodidade e o conforto do veículo próprio, possuindo uma maior acessibilidade à cidade. Esses optam por morar longe das áreas comerciais e de serviços, dos congestionamentos e da poluição, pelo fato de poderem chegar aos espaços de consumo com maior facilidade. A população de menor renda, que reside distante das áreas estruturadas e equipadas, tem seu deslocamento comprometido, o qual interfere na apropriação que a mesma faz da cidade. O proprietário de veículo privado faz uma seleção dos espaços que serão apropriados, diante da facilidade de deslocamento, não enfrentando tantas dificuldades no seu cotidiano. Claro que não podemos esquecer que os congestionamentos irão interferir na vida de todos, inclusive na dos que usam o 9

transporte individual, mas ainda assim eles são menos prejudicados que a população que só tem como alternativa para os seus deslocamentos o transporte público. CONSIDERAÇÕES A mobilidade de todos os cidadãos deve ser eficaz, possibilitando que a acessibilidade dos mesmos à cidade seja efetiva. Nesse sentido a acessibilidade deve estar diretamente vinculada à estruturação urbana, para que o direito à cidade seja possível de ser exercido por todos os segmentos sociais, especialmente os de menor renda. É preciso ressaltar a importância da mobilidade, a qual deve ser considerada nos momentos de produção e de estruturação do espaço urbano, visando assegurar as condições de deslocamentos da população, que precisa continuamente adquirir os bens e serviços necessários à sua reprodução social. A efetivação das condições adequadas para que a mobilidade de todos os citadinos ocorra sem grandes problemas muitas vezes depende de determinações políticas, sociais e econômicas. A estruturação e consequentemente o processo de reestruturação urbana em cada cidade vai interferir nos deslocamentos dos cidadãos para realizar as mais diferentes funções, de acordo com a localização das atividades comerciais e de serviços, nas áreas centrais e periféricas. Por meio da implementação de subcentros nas áreas mais afastadas do núcleo central, a população poderia ter uma melhor acessibilidade às áreas comerciais e de serviços, pois não teria que realizar grandes deslocamentos para obter o que ela necessita cotidianamente. Além disso, os deslocamentos para as demais áreas da cidade deveriam ser garantidos, pelo poder público, da melhor maneira possível. Os segmentos de menor renda precisam ter uma acessibilidade à cidade. Nesse sentido, o poder público deve ampliar as oportunidades de uso do transporte público, paras esses segmentos que residem distantes das áreas melhor servidas de meios de 10

consumo coletivo. O poder público poderia reduzir as tarifas de transporte nos horários de pico, beneficiando os segmentos de menor renda que utilizam esse meio para se deslocar diariamente. Por meio da redução das tarifas, associado a um maior conforto, maior velocidade e flexibilidade que poderiam ser assegurados nos deslocamentos por meio do transporte coletivo, ele poderia ser mais atrativo. Assim, consequentemente, aos poucos haveria uma menor utilização do transporte individual e privado, gerando menos problemas de tráfego, com a diminuição dos tempos médios de deslocamentos, além de melhorar a qualidade do ar. É necessária e urgente a efetivação de políticas públicas de transporte urbano que permitam a acessibilidade dos citadinos à cidade para a realização das suas mais diferentes atividades que se encontram dispersas pelo espaço urbano. Sabemos que a maior determinante é a diferença de renda, portanto, uma das medidas que poderia viabilizar a acessibilidade é a diferenciação de tarifas de acordo com o poder aquisitivo da população. Os de menor renda precisam receber subsídios para utilizar o meio de transporte público, que deve ser eficiente e atender à demanda existente de modo a tornar-se mais atrativo que os meios de deslocamento privados. Assim, ocorrerá a redução dos inúmeros problemas que são gerados com a presença massiva do automóvel nas vias públicas. As condições para a vida urbana resultam em graus de mobilidade variados que vão determinar o grau de acessibilidade em relação aos espaços diferenciados, nos quais se busca realizar a vida urbana, implicando no exercício do direito à cidade. Mas, quem de fato exerce esse direito? Como os diferentes segmentos sociais vivenciam a cidade? A situação espacial associada à condição socioeconômica do citadino pode fazer com que ele seja integrado, segregado ou auto-segregado em relação à cidade. A estruturação do espaço urbano e a mobilidade dos citadinos podem contribuir ou dificultar a acessibilidade à cidade. Nesse sentido, continuaremos nosso estudo, para entender como a mobilidade pode propiciar a acessibilidade a essa cidade diferenciada, de acordo com o poder socioeconômico e a situação espacial dos citadinos. 11

REFERÊNCIAS FÁBREGAS, Simó. El automóvil. In: Colegio Oficial de Arquitectos de Cataluña y Baleares. Movilidad urbana. Barcelona: A.T.E., 1971, p. 37-51. GUERRERO, Rafael S. Porcar. La relación entre estructura urbana y movilidad obligada residencia trabajo. Teoría, evidencia e implicaciones en el diseño de políticas: el caso de la región metropolitana de Barcelona. 2003. Universidad Autónoma de Barcelona. LORCA, A. Algunos aspectos del problema del transporte urbano. In: Colegio Oficial de Arquitectos de Cataluña y Baleares. Movilidad urbana, Barcelona, 1971, p. 17-33. SOUSA, Marcos Timóteo Rodrigues. Uma abordagem sobre o problema da mobilidade e acessibilidade do transporte coletivo, o caso do bairro Jardim São João no município de Guarulhos-SP. 2003. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil), Universidade de Campinas, Campinas. VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. Transporte urbano, espaço e equidade: análise das políticas públicas. São Paulo: Annablume, 2001. 12