Identidade de Mulheres Negras nos Seriados Brasileiros

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Transcrição:

382 Identidade de Mulheres Negras nos Seriados Brasileiros IV Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação PUCRS Lúcia Loner Coutinho, Profª Drª Ana Carolina D. Escosteguy (orientadora) Programa de Pós Graduação em Comunicação Social, Faculdade de Comunicação Social, PUCRS, Resumo Este projeto de pesquisa tem como objeto de estudo a construção de identidades culturais de mulheres negras através do seriado e filme Antônia e seu possível estabelecimento de modelos de identificação. Tomamos Antônia como um momento de certa distinção na produção audiovisual brasileira, uma vez que apresenta e tem como tema uma parcela populacional, - mulheres negras de classes populares que pouco se vêem representadas na produção cultural massiva brasileira. Como referencial teórico utilizaremos autores como Stuart Hall sobre construção de identidades na pós-modernidade, Paul Gilroy e sobre a questão da cultura negra pós diáspora africana, e Lívio Sansone sobre a identidade afro-brasileira. Introdução Apesar dos avanços ocorridos na última década a mulher negra sofre com a escassez de representação e identidade na produção audiovisual brasileira. O filme Antônia de Tata Amaral e a série de televisão homônima mostram, de maneira inédita, a vida de mulheres negras em uma favela de São Paulo, destacando o movimento rap, que tem grande penetração entre os grupos negros e pobres da população. Este filme de 2006 e a série, que teve suas temporadas exibidas pela Rede Globo em 2006 e 2007 representam, assim, a tentativa de uma primeira aproximação desta emissora a este grupo social, seus problemas e dificuldades. Enfrentando o machismo dentro de seu próprio grupo social e a discriminação racial e de classe da sociedade, além das dificuldades da falta de dinheiro, as quatro cantoras de Antônia não escondem e orgulham-se de sua origem e posição. No segundo episódio da série Qualquer maneira de amor vale a pena? a personagem Bárbarah de Leilah Moreno fala a

383 Lucas Formiga (Pedro Lemos), rapaz branco que insistia em chamá-la de Morena Meu nome é Bárbarah, sou negra, cantora e não sou prostituta. A série/filme Antônia mostra exatamente um lado novo na representação da mulher negra. Desde o elenco, composto majoritariamente por afro-brasileiros, a localização da história e o elemento cultural que compõe o cenário, são reflexos do espaço da negritude e o enfoque deste produto cultural são mulheres desta etnia, que são também exemplos de vida e modelos de beleza para uma parcela da população que raramente tem a oportunidade de verse representada na mídia. Antônia apresenta um rico painel para a pesquisa sobre identidade cultural de mulheres negras. Os diferentes pontos abordados no enredo para apresentar a história da luta das quatro cantoras para realizarem seus sonhos mostram uma representação racial e social que põe a mulher afro-descendente inserida à cultura da periferia em primeiro plano, tendo como pano de fundo o elemento apontado por Hall (2003), como a forma mais profunda da vida cultural negra, a música e a musicalidade. A questão da musicalidade como parte intrínseca da cultura africana e, especialmente, o sentido da adjetivação negra no conceito de cultura negra (Hall, 1998), são aspectos da obra de Stuart Hall, que encontram reflexão na série/filme Antônia, e cujos desdobramentos no objeto devem ser estudados, não apenas como parte mas como base de uma concepção teórica. Desta forma o objetivo primordial nesta etapa da pesquisa é a análise do seriado e o filme Antônia, entendendo-os e seu conteúdo textual como possível elemento de representação identitário para mulheres negras. Metodologia A pesquisa, até o presente momento, encontra-se em fase de construção do projeto de qualificação baseada em revisão bibliográfica sobre a questão da identidade negra junto a identidade feminina, centralizando-se nas obras de autores como Stuart. Hall (2003, 2005), Paul Gilroy (2001, 2007) e Lívio Sansone (2003). Em uma segunda etapa será construída uma análise, tendo como base o circuito cultural de Richard Johnson (2006) em seus dois primeiros momentos, a produção e texto. Quanto à produção analisaremos o contexto midiático em que o seriado foi produzido, sucedendo a séries e filmes com temática aproximada e foco nas periferias majoritariamente negras dos grandes centros urbanos.

384 Será analisada para este trabalho a primeira temporada da série Antônia, que estreou na Rede Globo em 17 de novembro de 2006, e compreende cinco episódios, assim como a segunda temporada, que teve estréia em 21 de setembro de 2007 pela mesma emissora, e contou também com cinco episódios. O filme Antônia, com direção de Tata do Amaral e lançado nos cinemas nacionais em fevereiro de 2007 fecha o corpus que será utilizado para estudo. Resultados O negro, desde os primeiros passos da televisão nacional, ocupa papéis secundários, coadjuvantes, subalternos e frequentemente, estereotipados. A minoria absoluta de personagens negros na produção audiovisual brasileira entra em contraste com a composição étnica do país. É ainda perceptível que mesmo quando o negro é demonstrado como um personagem de maior destaque, ou ainda membro das classes superiores, ele é completamente desligado de sua origem racial e o racismo da sociedade e as dificuldades de ascensão dos afro-descendentes é desconsiderada o racismo aparece apenas como característica de personagens específicos (ARAÚJO, 2004). A televisão começou a dar maior espaço para a etnia negra, como sendo portadora de características próprias e formando um grupo social de importância, no início desta década, com lançamento em 2002 do filme Cidade de Deus do diretor Fernando Meirelles. O filme mostrou que havia espaço para histórias que reproduziam o cotidiano de comunidades urbanas pobres e negras, a população das áreas excluídas também demonstrou interesse e identificação com a temática apresentada, desta forma a produção de programas de televisão com esta temática teve grande crescimento. No mesmo ano o seriado Cidade dos Homens seguiu o mesmo estilo da película de Meirelles, sendo lançado pela mesma produtora, a série mostrava a amizade de dois adolescentes, negros e pobres, em uma favela do Rio de Janeiro, o cotidiano entre a grande criminalidade e as dificuldades de se tornarem cidadãos era o pano de fundo para os dois amigos. No ano de 2003, Hector Babenco levou ao cinema Carandiru, adaptação do livro Estação Carandiru de Dráuzio Varella, que foi um sucesso de bilheteria ainda maior. Apesar de ter como cenário principal o presídio paulistano, o filme mesclava também cenas sobre a vida dos presos quando ainda em liberdade, focando, principalmente a periferia de São Paulo. Em 2005 a Rede Globo levou ao ar Carandiru Outras Histórias, que dava continuação às histórias e personagens apresentados no filme. Em 2006 foi então lançado Antônia, produzido pela mesma O2 Filmes, responsável pela realização da série

385 Cidade dos Homens e do filme Cidade de Deus. NO último trimestre de 2008, outra produção foi apresentada, a série Ó Paí Ó, baseada no filme de mesmo nome de Monique Gardenberg, nesta série o foco foi o dia a dia de moradores do Pelourinho em Salvador. Todas estas produções tem como principais personagens, ou a maioria dos personagens, pessoas negras. Estas produções demonstram um esforço na criação de produtos com os quais cerca de metade da população nacional possa se identificar. O Brasil possui, estatisticamente, 49,5% de negros e pardos 1 declarados, e apesar deste percentual elevado, a participação do afrobrasileiro como figura histórica e social é amplamente relegada. A grande mídia nacional enfoca apenas timidamente a cultura negra, e assim, esta, de importância indiscutível não apenas na formação cultural brasileira, mas ainda viva e presente no cenário social é sempre vista como parte de um todo, mas raramente como elemento principal; assim como o personagem negro, historicamente no drama televisivo e cinematográfico nacional é visto em função do branco, raramente de forma independente. Longe de ser uma solução definitiva, a produção de séries nacionais voltadas a representações predominantemente negras traz consigo uma marca de equilíbrio das relações culturais como coloca Hall (2003, p.339): Reconheço que os espaços conquistados para a diferença são poucos e dispersos, e cuidadosamente policiados e regulados. Acredito que sejam limitados. Sei que eles são absurdamente subfinanciados, que existe sempre um preço de cooptação a ser pago quando o lado cortante da diferença e da transgressão perde o fio na espetacularização. Eu sei que o que substitui a invisibilidade é uma espécie de visibilidade cuidadosamente regulada e segregada. Mas simplesmente menosprezála, chamando-a de o mesmo não adianta. depreciá-la desse modo reflete meramente o modelo específico das políticas culturais ao qual continuamos atados (...) Hall, em seus estudos sobre a problemática das relações da sociedade globalizada com os grupos culturais que a representam, discute as interelações entre os componentes identitários e os elementos sociais particulares, bem como com a sociedade em geral. Os conceitos de Hall discorrem, não apenas sobre como estão colocadas as identidades na sociedade globalizada, mas também como está disposta a identidade dos negros, descendentes da diáspora africana conceito desenvolvido e explicitado por Paul Gilroy (2001) e os espaços por eles encontrados nas sociedades contemporâneas, em processos contínuos de emancipação e busca por uma imagem própria, que traz diferenças e contradições tanto da 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Síntese de Indicadores Sociais 2006 - População total e respectiva distribuição percentual, por cor ou raça, segundo as Grandes Regiões, Unidades da Federaçãoe Regiões Metropolitanas 2005. p.248. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2006 /indic_sociais2006.pdf Acessado dia: 24/09/2007

386 identidade dos negros da África contemporânea (dentro de suas respectivas regiões e diferenças), quanto das elites brancas de seus países. Conclusão As discussões acima formam apenas alguns dados a respeito da problemática que envolve a negritude e as representações da mesma na mídia nacional. As próprias demonstrações de avanços de políticas culturais, não podem deixar de serem observadas também no que diz respeito a fenômenos culturais próprios da sociedade brasileira e suas particularidades. Há também de ser concluída a análise das questões sobre as condições de produção e o texto do filme/série para que possam ser feitas conclusões concretas ainda que não definitivas sobre as possíveis contribuições de Antônia frente ao universo de representações e identidades entre as mulheres negras. Referências ARAÚJO, Joel Zito. A Negação do Brasil: O negro na telenovela brasileira. São Paulo: Editora Senac São Paulo. 2004. GILROY, Paul. O Atlântico Negro Modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed. 34, 2001.. Entre Campos: nações, cultura e o fascínio da raça. São Paulo: Annablume, 2007. HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A. 2005.. Que negro é esse na cultura negra?. In: SOVIK, Liv (Org.) Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003. JOHNSON, Richard. O que é, afinal, Estudos Culturais?. In: da SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). O que é, afinal, Estudos Culturais?. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. pp. 7-131. SANSONE, Lívio. Negritude sem etnicidade. Salvador, EDUFBA, 2003.