A Pesquisa em Educação das Relações Étnicorraciais no Brasil. Tatiane Cosentino Rodrigues UFSCar Programa de Pós-Graduação em Educação SP

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1 A Pesquisa em Educação das Relações Étnicorraciais no Brasil Tatiane Cosentino Rodrigues UFSCar Programa de Pós-Graduação em Educação SP Ana Cristina Juvenal da Cruz UFSCar Programa de Pós-Graduação em Educação SP Anete Abramowicz UFSCar Programa de Pós-Graduação em Educação SP Agência de Fomento: Capes Eixo 3: Pesquisa em Pós-Graduação em Educação e Políticas Públicas Categoria: Pôster Resumo: Este texto tem como objetivo apresentar um levantamento preliminar dos grupos de pesquisa em educação das relações étnico-raciais. Apresenta-se aqui uma dimensão quantitativa do campo contemporâneo das relações étnico-raciais, sua institucionalização, a partir de coleta de dados no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil do CNPq. Os resultados iniciais apontam que a educação das relações étnicorraciais se inicia, por um lado, como um projeto pedagógico atrelada a fundamentos da educação que tem como mote a diversidade e a diferença, por meio da identidade e da cultura. Por outro lado, a educação das relações étnicorraciais se desenha institucionalmente, como um campo específico de pesquisa e produção de conhecimento na área da educação. Palavras chave: educação das relações étnico-raciais, pesquisa, educação.

2 Introdução Este texto apresenta os dados preliminares de uma pesquisa em desenvolvimento que tem como objetivo mapear o campo de estudos da educação das relações étnico-raciais. Para isso elaboramos um levantamento dos grupos de pesquisa correlacionados a temática das relações étnico-raciais e educação a fim de cartografar o atual estágio dos grupos dedicados a pesquisa nesta área 1. Para contextualizar o debate apresenta-se neste artigo uma síntese dos grupos da área de educação que tem como mote as relações étnico-raciais. A educação das relações étnico-raciais se consolida como campo de pesquisa da área da educação, com uma produção voltada para a compreensão da dinâmica e o impacto do racismo e das diferenças étnicas na educação e nas relações sociais. Os estudos das relações raciais no Brasil identificam no plano analítico que o racismo opera em duas dimensões descritivas e consequenciais, porém não excludentes: uma de viés socioeconômico e outra sociocultural. A via socioeconômica é da ordem da existência da oferta desigual de oportunidades sociais, e a análise cultural é da experiência do racismo enquanto fenômeno comportamental, expresso no cotidiano (COSTA, 2006). A ascensão contemporânea de uma educação para as relações étnico-raciais tem como questão fundamental a temática da diferença e da diversidade, para os quais os questionamentos acerca das identidades, dos limites do Estado-Nação, a multiplicidade das configurações de fenômenos sociais - racismo, xenofobia, sexismo - a maneira pela qual a lógica do capital impacta as relações sociais, o limite da tolerância e do que é intolerável estão no cerne do debate contemporâneo. Estas questões estão presentes nos mais recentes debates contemporâneos locais e internacionais, e de maneira específica no pensamento social brasileiro. Aspectos teóricos da educação das relações étnico-raciais brasileiras A educação das relações étnicorraciais brasileiras se consolida por meio de instrumentos legislativos específicos voltados para a sua efetivação. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicorraciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, aprovadas em 2004 pelo Conselho Nacional de Educação, apresenta uma noção de educação das relações étnico-raciais: 1º A educação das relações étnico-raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de 1 Pesquisa realizada entre os dias 14 e março de 2011, com os dados da base corrente disponibilizada na internet, os dados aqui apresentados são apenas dos grupos da área de educação.

3 interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira (BRASIL/CNE, 2004). As interconexões expressas nesta definição de educar para as relações étnicorraciais estão focadas em três pontos: produção de conhecimento, reconhecimento da característica multirracial da sociedade brasileira e de educar para a valorização e construção de identidades positivas. A área de educação no tocante as relações raciais dialoga com outras áreas afins visto que, os termos e categorias de análise utilizados são construídos no interior da sociologia, antropologia, história, filosofia entre outras áreas. Estes estudos ao focalizarem as relações sociais se utilizam de categorias conceituais tais como cultura, raça, etnia, diferença, diversidade a fim de teorizar o impacto das diferenças, especialmente a racial, na educação. A questão racial como objeto de estudo, cunhado inicialmente na sociologia e na antropologia, é incorporada ao campo educacional brasileiro, primeiramente, pela ação política dos movimentos sociais negros ligados à educação. Duas áreas mais gerais dialogam sobre o tema uma ligada aos estudos associados à antropologia social e os estudos ligados a sociologia das relações raciais. Ambas as análises acordam sobre a necessidade do reconhecimento dos grupos sociais como pertencentes à sociedade brasileira, no entanto, de forma geral para os estudos associados à antropologia social o reconhecimento não deve ser associado a políticas específicas baseadas no pertencimento étnico ou racial. Já os estudos da sociologia das relações raciais compreendem que tais categorias devem fundamentar a formulação de políticas publicas que possibilitem a igualdade sem que os sujeitos devam prescindir do que caracteriza sua especificidade, ou seja, de sua diferença. Com efeito, as pesquisas brasileiras têm rompido com uma leitura determinista das desigualdades raciais na educação como um epifenômeno da desigualdade socioeconômica. As pesquisas indicaram que as crianças negras fracassavam na escola não apenas por prescindirem de uma condição social desfavorável, mas que elas são alvo de um tipo de racismo que se repete continuamente no interior da escola. O racismo institucionalizado 2, opera na distribuição desigual de recursos, de tratamento culminando no fracasso (social, educacional, etc.). Com relação à educação a promulgação da Lei /03 e /08 3 dão impulso ao interesse de compreensão de como se desenvolvem as relações raciais brasileiras. Nesse sentido ao obtermos mais dados sobre os grupos de pesquisa podemos identificar o campo de estudos das relações étnico-raciais a partir de sua configuração como área de conhecimento. 2 Diz-se racismo institucional um termo que se refere às influências das ideologias de cunho racial nas instituições (CASHMORE, 2000). 3 A Lei nº , de 9 de janeiro de D.O.U de 10/01/2003, teve o artigo 26A alterado pela Lei /08.

4 Dados quantitativos acerca da pesquisa em educação das relações étnico-raciais Os estudos em torno da temática das relações étnicorraciais e a educação se configuram como uma área recente 4, o que permite afirmar que as políticas públicas contemporâneas acerca do combate ao racismo e a discriminação tem incentivado a pesquisa científica nesta temática. Para realização da pesquisa selecionamos os temas a fim de delinear o estado atual da pesquisa a partir da constituição dos grupos de pesquisa cadastrados no Diretório de Grupos do CNPq. Tabela 1 - Distribuição dos grupos por área de conhecimento Área do Conhecimento Descritores Relações raciais Raça Etnia Educação étnicorracial Diversidade Diferença Diversidade étnicorracial Sociologia História Educação Serviço Social Geografia Antropologia Psicologia Lingüística Letras Outras Total Fonte: CNPq, Diretórios dos Grupos de Pesquisa, março, 2011 Temas de pesquisa 4 Dos 35 grupos da área de educação analisados, 33 foram criados entre 2002 e Incidência dos termos em outras áreas de conhecimento: termo relações raciais: Letras (8). Termo raça: Ciência da Informação (2); Ciência Política (2); Direito (1); Economia (3); Arqueologia (1). Termo etnia Ciência da Informação (1); Ciência Política (1); Comunicação (3); Direito (1); Economia (2); Termo diversidade: Artes (10); Ciência Política (2); Comunicação (10); Demografia (1); Direito (11); Economia (2); Filosofia (2); Termo diferença: Artes (2); Ciência Política (1); Direito (7); Filosofia (10).

5 Aproximamos os temas de pesquisa descritos pelos grupos de pesquisa por meio dos temas encontrados nas palavras-chave das linhas de pesquisa. Foram encontradas 188 palavraschave (da área de educação) que foram agrupadas por afinidade temática para verificar a incidência das temáticas. Tabela 2 Temáticas encontradas nas palavras chave das linhas de pesquisa dos grupos da área de educação na linha da educação das relações étnico-raciais 6 Palavras-chave Frequência Didática/ Ensino/ Materiais Didáticos/Práticas 15 Educativas - Pedagógicas/ Teorias Educacionais/ Processos Educativos Formação de Professores/ Educadores 18 Discriminação/ Preconceito/ Racismo 18 Diversidade 25 Identidade / Identidade Étnico-racial 17 Ação Afirmativa/ Cotas 12 Multiculturalismo/ Interculturalismo 14 Etnia - Etnicidade/Raça - Racialismo /Cor 13 Educação/para a Diversidade/Inter-étnica/ do 43 negro/das Relações Étnico-raciais Relações de Gênero/ Homoafetivas/ 18 Sexualidade/ Heterormatividade Cultura (africana/ afro-brasileira/ 29 ancestralidade/ sagrado/ negra/ territorialidade/ pluralidade cultural, estudos culturais) História (do negro) / memória / Etno-história 14 Desigualdades Sociais/Inclusão/Exclusão 9 Relações Étnico-Raciais/ Relações Raciais 33 6 Alguns termos encontrados foram suprimidos nesta tabela, por terem sido encontrados apenas uma vez: enfermagem, corpo, arte, cinema, meio ambiente, natureza, ensino de línguas. Os termos abaixo de 10 frequencias foram também suprimidos neste texto: Quilombos/Educação Quilombola (2); Indígenas (2); Mulheres Negras e Indígenas (4); Branquidade (1); Educação Popular (1); Trabalho/ mercado (3); Epistemologia étnicorracial/conhecimento/interdisciplinaridade/ Africanidade/ Saberes (2); Etnologia (1); Discurso/ Linguagem/ Estética (2); Movimentos Sociais/Movimento Negro (2); Espaço/ Tempo/ Filosofia (3); Pós-Colonialismo/descolonização (3); África/ Pensamento Africano/ Diáspora (2); Políticas Educacionais/ Políticas Públicas (2); Diferenças/ Igualdades (2); Subjetividade (1); Antropologia Interétnicas e das Populações Negras (4); Educação de Jovens e Adultos (4); Educação Superior (4); Nação/Política (5); Educação Infantil/ Criança (5); Lei /03 (5); Juventude (5); Direitos Humanos (5); Literatura Africana/ Afro-Brasileira (6); Currículo (5); Psicologia (5); Sociologia (5); Escola (7).

6 Total 278 Fonte: CNPq, Diretórios dos Grupos de Pesquisa, março, 2011 Diversidade Destaca-se nesta tabela o número significativo de freqüência em que aparece o termo identidade. Para além de seu significado filosófico como idem igual a noção de identidade se refere mais há uma vinculação ideológica com uma determinada experiência do que algum atributo de identificação que contenha alguma materialidade. A identidade passa, em determinados momentos, a ser relacional uma possibilidade de negociação. No campo sociológico a identidade opera reflexivamente no universo simbólico como um processo permanente de identificação 7. Outro termo que aparece de forma intensa é a cultura. A noção de cultura há muito não representa mais uma combinação fechada de elementos fixada em um espaço, como o Estadonação, passando a ser concebida no plural, culturas. O prefixo multi- reside no reconhecimento da multiplicidade de culturas. A migração, o fenômeno da globalização, o fluxo do capital deslocam as linhas imaginárias das culturas 8 produzir a nós mesmos de novo, como novos tipos de sujeitos [...] paradoxalmente, nossas identidades culturais estão à nossa frente. Estamos sempre em processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia de ser, mas de se tornar (HALL, 2009, p. 43). A cultura opera como um significante como pluralidade as culturas tendem a ser sistemas de significados e costumes com limites pouco definidos (CASHMORE, 2000, p. 154). No Brasil, verificamos um percurso de ruptura, de uma alteração significativa de sentidos do paradigma de pensamento social brasileiro de nação mestiça para a de nação multirracial (SILVÉRIO, 2004). Este movimento tem descortinado a noção de democracia racial atribuída à matriz cultural brasileira, sendo a ideia reelaborada como produto de práticas históricas, e aponta de que maneira estão ocorrendo transformações no pensamento social brasileiro. A educação não é alheia a estas mudanças, as políticas educacionais voltadas para as 7 O termo identidade negra, por exemplo, permite atualmente as populações de origem africana, se unir a partir de uma experiência comum mesmo que imaginária de uma África que se forma na modernidade a partir da experiência diaspórica das populações negras, sob o colonialismo, a escravização e com a transformação de todos em negros. Sua potência reside na possibilidade política da identidade negra como resistência ao racismo. 8 Hall (2009) se refere a esta multiplicidade de novas etnicidades.

7 relações étnicorraciais estão modificando as práticas pedagógicas e as noções de se educar com foco nas diferenças. Estes dados preliminares apontam a educação das relações étnicorraciais como um projeto pedagógico e de pesquisa, vide a incidência de termos associados à didática e a possibilidades pedagógicas que tenham como mote a diversidade, ou seja, uma pedagogia que incorpore múltiplas diferenças: de gênero, classe social, etnias, sexualidades, diferenças físicas e mentais, raciais, entre outras. Referências Bibliográficas ABRAMOWICZ, A. GOMES, N. L. (Orgs.) Educação e Raça: perspectivas políticas, pedagógicas e estéticas. Belo Horizonte: Autêntica Editora, BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Parecer CNE/CP 3/2004, de 10 de março de COSTA, S. Dois Atlânticos: teoria social, anti-racismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte: Editora UFMG, Dicionário de relações étnicas e raciais. CASHMORE, E. [et. al.] São Paulo: Selo Negro, Dicionário do pensamento social do século XX. OUTHWAITE, W. BOTTOMORE, T. [et. al.] Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, Entre Campos: nações, culturas e o fascínio da raça. Tradução Célia Maria Marinho de Azevedo [et. al.] São Paulo: Annablume, HALL, S. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik. Trad. Adriane La Guardia Resende. 1ª edição atualizada: Editora UFMG, SILVÉRIO, Valter. R. Negros em movimento: a construção da autonomia pela afirmação de direitos. In: Levando a raça a sério: ação afirmativa e universidade. Orgs. Joaze Bernardino; Daniela Galdino. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

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