Suzana Souza Pastori Morte e destino



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Transcrição:

Suzana Souza Pastori Morte e destino O trabalho trata da análise de um caso atendido em psicoterapia num hospital universitário. O objetivo de procurar compreender o sofrimento da paciente atendida levou-nos a recorrer a alguns textos freudianos que tratam da produção da ansiedade e da relação entre ego e superego. A recorrência à situação conflitiva e a análise do processo transferencial possibilitaram à paciente a reordenação dos elementos produtores de seu sofrimento. > Palavras-chave: Psicoterapia, ansiedade, conflito ego-superego, efeito transferencial pulsional > revista de psicanálise > artigos > p. 20-30 >20 This paper is based on the psychotherapy of a fermale patient treated at a university hospital. As we attempted to better understand this patient s suffering, we were led to texts by Freud regarding the production of anxiety and the relation between the ego and the superego. The analysis of the conflict and of the transferential process enabled the patient to reorganize the aspects that were causing her to suffer. > Key words: Phychotherapy, anxiety, ego-superego conflict, tranferential effects O que segue é fruto de uma experiência de trabalho no hospital universitário Bettina Ferro de Souza, em Belém. Trata-se do esforço de compreensão do sofrimento de uma paciente atendida em psicoterapia. Para tal, recorreremos à obra freudiana que trata das condições que levam à produção da ansiedade, considerada como elemento primário da constituição psíquica e, portanto, como fator desencadeador de uma ação psíquica. Procuraremos analisar esta pré-condição que se apresenta como ameaça e que exige do ser humano o desencadeamento de um processo de defesa. Descreverei o contexto da situação de tratamento e os elementos da metapsicologia com os quais levantei algumas hipóteses acerca do sofrimento da paciente. O hospital universitário Bettina Ferro de Souza, vinculado à Universidade Federal do Pará, possui alguns projetos de atendimento psiquiátrico e psicológico à população. Foi no projeto AMBAD (Ambulatório

de Ansiedade e Depressão) que Maria procurou ajuda. O atendimento inicial foi realizado pelo médico psiquiatra, que encaminhou-a para atendimento psicológico, num tempo preestabelecido de 12 sessões. Desde o primeiro momento, percebi em Maria sua necessidade contundente de falar. Suas palavras traziam a expressão de um cotidiano marcado por uma rotina doméstica. Falava das obrigações familiares com os seis filhos e o marido, e sobretudo dos momentos em que, ao se sentir só, era tomada por um medo incontrolável. Este medo também aparecia como medo de sair à rua. Como tínhamos um tempo determinado para o tratamento, procurei direcionar sua atenção para o momento onde ela lembrava que estes medos tinham começado. A partir daí, Maria apresenta uma outra cena; ela traz as lembranças de sua experiência na cidade do interior amazônico em que nasceu, onde o medo estava associado ao ambiente natural a sua volta, mas, sobretudo, à presença de ambos os pais. O relato desta condição aparentemente simbiótica com o pai e a mãe é associado a um acontecimento que parece ter deixado profundas conseqüências na história de Maria. Ela é filha única e, muito cedo, sai de casa para juntar-se a um homem, ao qual logo abandona, retornando para a casa dos pais com uma filha nos braços. Foi nesse período que ocorreu o que ela chamou de enlouquecimento da mãe. Ela sente-se profundamente culpada por isto, pois fazia companhia para a mãe e, quando saiu de casa, a mãe ficou só. Com a solidão, ficou triste; um dia saiu para trabalhar na roça e, quando voltou, havia ficado louca. A partir daí, passou a ir para o mato e voltava falando sozinha. O tema da morte aparece constantemente em sua fala; ora apresenta-se como medo de pessoas mortas, ora como medo da morte ou medo de morrer. Por diversas vezes ela se refere a alguém que morreu, como um primo que chegou do interior, doente. No entanto seu sentimento de pena dirige-se para a mulher que ficou só, magra e cheia de filhos. Ao se referir à morte da mãe, ela diz que não chorou, tendo inclusive que segurar a lamparina para lavarem o corpo dela. A repetição constante em suas palavras do tema da morte denotava uma espécie de apelo, porém este apelo parecia estar desvinculado de qualquer emoção. Há uma frieza diante da morte, como se alguma coisa se impusesse entre a morte e o sentimento de viver a dor da perda. O que pude compreender da história de seu sofrimento é que sua existência estava profundamente vinculada a estes dois elementos: a morte e a mãe. Veremos como a presença de sua mãe morta, há mais de vinte anos, parece constituir o enigma de sua existência. Digo presença da mãe, pois me parece que houve algum impedimento na relação de Maria com sua mãe, que de alguma forma deve ter impossibilitado a elaboração de sua morte. Por outro lado, será preciso procurar compreender de que forma esta imposição produziu em Maria a condição de medo generalizado, que a impedia de sair desacompanhada ou de ficar em casa sozinha, que interferia em seu sono e na execução das tarefas domésticas. Desde o início do tratamento, percebi que Maria fazia questão de falar que levanta- artigos pulsional > revista de psicanálise > >21

pulsional > revista de psicanálise > artigos >22 va às 4:00h da manhã (como na roça) e de todas as suas obrigações para com a casa, os filhos etc. A impossibilidade de cumprir com esta rotina causava-lhe um certo desconforto. A exigência de responsabilidade se impõe desde muito cedo em sua vida a partir de uma determinação paterna. É o pai quem exige-lhe responsabilidade, quando volta para casa, após se separar do pai de sua primeira filha. Diante do corpo de sua mãe morta ela não pôde chorar porque precisava cuidar da filha. O que se percebe é que o imperativo paterno toma uma proporção exagerada, em termos de exigência de conduta e também como impedimento de viver a morte da mãe. A ligação com a mãe se apresenta como medo de ser como ela, de enlouquecer e de morrer como a mãe. Como se algo incontrolável pudesse se apossar dela, exigindo-lhe um grande esforço de controle. Foi a partir da idéia de que havia algo incontrolável que recorremos às noções metapsicológicas de ansiedade e desamparo como ponto de partida para a reflexão em torno do que se passava com nossa paciente. Ansiedade e desamparo Tomarei a idéia de Freud de que a noção de desamparo é a base fundamental de constituição do psiquismo, desde que ele nos fornece a idéia de uma prematuridade orgânica (hilflosigkeit). A impossibilidade de sobrevivência determinada por esta prematuração constitutiva, impulsiona o ser humano a este vínculo imprescindível com o outro, o que levou Freud a relacionar esta impotência originária como a fonte primordial de todos os motivos morais (Pereira, 1999, p. 129). Freud, desde o início de sua obra, nos apresenta esta condição de desamparo do ser humano, determinado a partir de sua condição biológica. A impotência constitutiva liga o bebê humano ao outro semelhante por uma necessidade de sobrevivência. Mais tarde ele irá estabelecer uma vinculação desta condição com a dependência psíquica com o outro, estabelecendo uma continuidade entre uma dependência biológica e uma dependência psíquica. Esta idéia de um desamparo que se inicia a partir de uma prematuração percorre toda a obra freudiana, como nos apresenta Mário Eduardo Costa Pereira em seu excelente trabalho. Tomaremos de Freud algumas noções retiradas sobretudo a partir de seu trabalho Inibições, sintomas e ansiedade (1969c), que nos fornece alguns elementos fundamentais para pensarmos a maneira como se constitui o sofrimento humano. A questão do perigo é tomada como o elemento desencadeador de uma reação de ansiedade. Inicialmente, Freud é particularmente influenciado pelo darwinismo e concebe uma reação automática de descarga de emoção. Há uma correspondência entre a expressão das emoções nos homens e nos animais superiores, e esta reação automática afeta particularmente alguns órgãos. Neste momento inicial do pensamento freudiano, a concepção biológica tem uma importância muito grande. Também a idéia de repressão se apresentava como um elemento primário em relação à produção de ansiedade; esta somente se constituiria a partir do processo de repressão. É a partir do texto de 1925 que Freud inverte esta relação, mostran-

do que a ansiedade se apresenta como reação primária ao perigo, incidindo diretamente sobre o ego, que se torna, a partir daí, sede da ansiedade (Freud, 1969c). O ego assume as características de agente ligado diretamente à sobrevivência psíquica; sua relação com o mundo exterior estabelece uma espécie de mediação entre o interno e o externo. Podemos pensar neste equilíbrio entre o mundo interno e o mundo externo a partir de dois dados importantes: o primeiro deles é o fator quantitativo que caracteriza a intensidade dos estímulos provenientes do id. O outro refere-se aos vínculos objetais que se constituem a partir da relação com os objetos do mundo. A intensidade dos estímulos que incidem sobre o ego e o vínculo a partir das relações objetais são fatores que influenciam na determinação da ansiedade. O fato de haver uma distinção entre estímulos internos e estímulos externos fará com que Freud estabeleça uma diferença entre defesa e fuga; no caso de estímulos externos, é possível haver o comportamento de fuga ao se evitar o contato direto com o estímulo causador da ansiedade, porém isto não ocorre em relação aos estímulos internos, visto que não é possível fugir de algo que vem de dentro. É preciso que exista outro mecanismo que dê conta da ameaça representada pelo perigo proveniente do mundo interno. Este fator é o processo de defesa que será o elemento fundamental na caracterização do tipo de patologia. A defesa é uma reação a uma situação de perigo determinado pelo acúmulo de tensão interna. Se estabelecêssemos uma ordem nos acontecimentos a ansiedade se produziria a partir de uma situação de perigo pelo acúmulo de tensão interna; em seguida o ego é atingido, emitindo um sinal que seria responsável pelo desencadeamento de um processo defensivo. Visto que nosso objetivo é procurarmos elementos para dar conta do sofrimento de Maria, gostaríamos de pensar primeiramente na situação de perigo, a fim de iniciarmos algumas indagações sobre o caso. Havia, para esta paciente, uma situação que indicava uma condição ameaçadora. Sua vida estava organizada em função do cumprimento de obrigações cotidianas em sua casa; veremos como esta espécie de compulsão de levantar cedo, fazer café, acompanhar os filhos etc. tinha uma importância que só posteriormente pude compreender. A condição determinada pelo tratamento de ter que se cumprir um número de sessões, fez com que se impusesse um retorno mais ou menos forçado em direção a uma condição mais primitiva de sua história, onde aparece a relação com o pai e a mãe, como já dissemos. Sobre o medo desta época ela fala dos raios e trovões. A vivência destes medos estava associada ao vínculo com o pai e a mãe, como bem demonstra a lembrança dos três na rede, com medo da tempestade. Porém a verdadeira tempestade parece ter se constituído quando Maria sai de casa e retorna com uma filha. É de um outro lugar que ela passa a se ver; tornou-se mãe e isto exige-lhe uma certa postura diante da vida. Sua mãe havia enlouquecido, vindo a morrer pouco tempo depois. Veremos como ela toma para si esta responsabilidade. É a este enlouquecimento e morte da mãe que Maria está interligada, pois do pai ela herdou a imposição diante de sua condi- artigos pulsional > revista de psicanálise > >23

pulsional > revista de psicanálise > artigos >24 ção de mulher-mãe, assumindo a separação de uma situação de dependência a partir da responsabilidade pela filha. Maria assume esta determinação paterna como um ideal que marcará um destino de dedicação não só em relação a esta primeira filha, mas aos outros cinco que terá de seu segundo casamento. Os cuidados que dispensa aos filhos dá a impressão de algo excessivo. Ela impõe um controle rígido sobre eles, impedindo-os de saírem à rua por causa da violência, ou mesmo controlando-os nas mínimas atitudes. Por outro lado, esta espécie de compulsão diante dos afazeres domésticos, parece estar associada a uma imposição que ela tomou para si como um imperativo para existir. Todas as referências paternas estão de uma forma ou de outra associadas ao cumprimento de uma obrigação. Porém, há algo que parece romper com esta ordem, causando uma sensação amedrontadora de descontrole; esta sensação está associada à mãe e se apresenta como medo de ficar como aquela, de enlouquecer e morrer como ela, pois o que sente quando está só é alguma coisa muito parecida com o que sua mãe sentia. A significação atribuída à saída de casa teve este efeito de abandono em relação à mãe; ao retornar, não encontra mais a mãe que havia deixado. A culpa pelo estado materno irá se associar ao imperativo paterno de assumir um outro lugar; ela não poderá mais recuperar a ligação com a mãe. Esta morre, impossibilitando a Maria a elaboração de sua culpa. Foi seu próprio gesto que acabou estabelecendo um rompimento com a figura materna. O medo infantil dos raios e trovões marca o vínculo simbiótico com os pais. O que vem depois faz com que Maria se desligue do componente paterno desta relação e permaneça ligada ao componente materno. O vínculo simbiótico com a mãe impede de alguma forma a constituição do objeto materno protetor; ela está ligada à mãe como a um destino, como se o enlouquecimento fosse acontecer com ela da mesma forma que aconteceu com a mãe. Perigo e perda Quando Freud trata da produção do estado de ansiedade como condição primária a todo desenvolvimento psíquico, ele pressupõe que um perigo se apresente. A referência ao polêmico trabalho de Otto Rank (O trauma do nascimento) se apresenta como uma condição primária, onde a ameaça à vida assume o protótipo do perigo. Rank achava que toda neurose estava associada a este trauma inicial, como se ele fosse a condição mais ameaçadora a que o ser humano está associado. Freud considera importante esta referência à posição de Rank, mas estabelece algumas objeções. Este perigo inicial à vida acontece num momento em que o bebê não tem ainda condições de representar, no sentido de determinar um efeito psíquico que pudesse ser reproduzido posteriormente. As formulações de Freud acerca da produção da ansiedade vão estar relacionadas a algo ameaçador, porém o que importa verdadeiramente a Freud é a ameaça que incide sobre o aparelho psíquico. Não há, na teoria de Rank, a possibilidade de estabelecer um vínculo entre esta condição de ameaça à vida no ato de nascimento e as ameaças que se desenvolvem posteriormente e que vão determinar a produção das neuroses. Embora

possamos pensar que toda ameaça, no fundo, está vinculada a uma ameaça à vida, o que Freud procura desenvolver é a idéia de uma ameaça à sobrevivência psíquica. É por isso que ele irá relacionar a ansiedade como estando diretamente vinculada ao ego. O ego é responsável pela homeostase de prazer/desprazer do aparelho psíquico; por sua posição periférica ele recebe influência tanto do mundo interno quanto do mundo externo. Sem considerar a origem dos estados afetivos, por achar que esta pesquisa deixaria o domínio puro da psicologia e penetraria na fronteira da fisiologia (Freud, 1969c), ele formula a idéia de que a condição primária da ansiedade seria o efeito produzido no ego por um desequilíbrio na homeostase de prazer. O ego emitiria um sinal pelo efeito causado por este desequilíbrio. Somente a partir desta condição é que o ego desenvolveria os mecanismos de defesa que teriam por função aliviar o estado de ansiedade. Porém, no momento, importa pensar na situação produtora da ansiedade. Nosso objetivo é a possibilidade de compreensão da produção de sofrimento. Ao estabelecer uma analogia entre o desamparo biológico e o desamparo psíquico, Freud traz a idéia de uma relação de dependência do ser humano em relação a um outro. Do ponto de vista psíquico, esta noção permeia todo o desenvolvimento do aparelho psíquico, sobretudo a partir da noção de narcisismo (Freud, 1969a). A constituição do ego como instância psíquica, que marca o desenvolvimento da segunda tópica freudiana, permite o estabelecimento de uma ligação entre o mundo interno e o mundo externo; ou melhor, permite-nos pensar a constituição psíquica a partir de sua ligação com o fora. Por outro lado, a ligação primária do ego com o id marca a origem do psiquismo a partir de sua ligação com o corpo. Toda a discussão em relação à herança filogenética se estabelece em função deste elemento primitivo do aparelho psíquico, o id, que é transformado em ego ao entrar em contato com o mundo exterior (Freud, 1969b). O que nos interessa aqui é que é pelos impulsos provenientes do id que podemos pensar no elemento quantitativo que afeta o ego a partir do interior. Desta forma compreendemos melhor o fato de Freud apresentar o ego como elemento central na produção da ansiedade. O ego é, portanto, afetado diretamente do interior por sua ligação com o id e, ao mesmo tempo, recebe influência do mundo externo, pois sua constituição está diretamente vinculada aos estímulos provenientes do mundo externo. O outro fator que contribui para a constituição da ansiedade é a perda (Freud, 1969c). A ligação com o outro, desde o início do desenvolvimento psíquico, estabelece as marcas da dependência que para sempre estabelecemos com os outros significativos. Desta forma, é a presença do outro que garante a proteção contra as ameaças provindas tanto do mundo interno quanto do mundo externo. A incapacidade física e psicológica do bebê humano ao nascer faz da mãe (como primeiro objeto) um elemento fundamental para sua sobrevivência. A importância destes primeiros vínculos com a mãe (ou seu substituto) tem crescido, desde que se percebeu a ligação entre determinadas patolo- artigos pulsional > revista de psicanálise > >25

pulsional > revista de psicanálise > artigos >26 gias e a relação primitiva com o objeto materno. A perda (ou a ausência) do objeto materno é sentida como uma situação altamente ameaçadora e de grandes proporções para a constituição psíquica. Outro fator de perda relaciona-se à fase fálica e trata da ameaça de castração; a perda aí está relacionada aos genitais, porém ela representa também a vinculação ao objeto materno, como Freud (seguindo Ferenczi) procura demonstrar por meio da fantasia de retorno ao ventre materno, através da copulação (Freud, 1969c, p. 163). Nos deteremos mais detalhadamente, no entanto, na perda e ansiedade ligada ao superego. Este é o elemento seguinte que Freud nos apresenta na sua análise da questão da perda. A fim de podermos nos deter na ansiedade ligada ao superego, gostaríamos de trazer as idéias de Freud acerca do desenvolvimento do superego a partir de seu texto O ego e o id (1969b). Neste momento, Freud não diferencia o superego do ideal de ego. A principal idéia aí formulada é que o ideal de ego é o herdeiro do complexo de Édipo; os primeiros investimentos do id nas figuras parentais são transformados em objetos introjetados que constituem o núcleo do superego, ou ideal de ego. São, portanto, os representantes de nossas relações com nossos pais (Freud, 1969b, p. 51). A forma como o superego se constitui a partir de sua vinculação ao id nos leva a pensar na articulação que Freud estabelece entre nossas heranças mais primitivas, a herança filogenética, e aquilo que existe de mais elevado na mente humana pela nossa escala de valores (Freud, 1969b, p. 51). O id investe nas figuras parentais por causa do anseio primitivo pelo pai; esta condição mítica, segundo Freud, é herança do totemismo e se apresenta como dependência em relação a esta figura ao mesmo tempo protetora e repressora. Figura absolutamente necessária à sobrevivência. A transformação disto, que é considerado o mais primitivo, naquilo que existe de mais elevado na mente humana, se faz através da formação do ideal; ideal este que será modelo para o ego. Está formado o quadro por onde podemos pensar a relação do ego com o superego. O que se impõe ao ego, a partir do superego, é um ideal que é ao mesmo tempo o anseio mais primitivo do homem, sem o qual a sobrevivência é impossível, e aquilo que existe de mais elevado dentre as coisas que foram produzidas pela cultura humana. Os cuidados e a proteção dispensados ao bebê ao nascer são os elementos que se ligam primariamente à sobrevivência; a internalização das figuras que exercem estes cuidados constitui o ideal que garante a continuidade da sobrevivência. Este modelo ideal que inicialmente está ligado de maneira intrínseca ao ideal dos pais vai aos poucos sendo substituído pelos ideais sociais. A religião, a moral e mesmo a ciência, que são os produtos da cultura, são também os ideais almejados pelos seres humanos. Eles comportam o que existe de mais elevado enquanto expressão da cultura e ao mesmo tempo o que existe de mais primitivo enquanto anseio pelo pai (Freud, 1969b, p.52). Podemos agora retornar à questão da produção da ansiedade. A idéia da perda como fator fundamental no desencadea-

mento da ansiedade nos leva a considerar o fator do desamparo como o elemento por meio do qual podemos pensar a situação de perigo. A perda representa a condição na qual o sujeito sente que não há proteção diante de algo que ameaça sua sobrevivência. Do ponto de vista metapsicológico a situação de desamparo representa a falta de garantia de integridade da unidade egóica. O que sustentava esta unidade passa a não mais exercer esta função; os impulsos libidinais não têm mais como serem controlados. Em seu livro Pânico e desamparo, Mário E. C. Pereira (1999) fala de uma ausência de simbolização como garantia da unidade do ego; pensamos que existe aí uma influência de Lacan, à medida que a capacidade de simbolização é o que garantiria a possibilidade de investimento da libido em excesso. Importante considerar esta idéia à medida que a referência a um Outro pré-histórico e inesquecível (Ibid., p. 263) é o que cumpre em última instância esta função de um lugar que se constitui como ideal e que, por isso mesmo, se apresenta como produtor de sentido. Pereira nos chama a atenção para a importância da noção de desamparo na obra de Freud e de como Lacan vai retomar esta perspectiva justamente para construir o desenvolvimento da constituição do eu. Toda a obra de Freud está construída em cima de uma condição de desamparo; a comparação com a impotência biológica e a discussão sobre a ameaça à vida permanece de alguma forma, mas a importância recai sobre a ameaça à sobrevivência psíquica. A análise do ataque de ansiedade (atualmente referido como síndrome do pânico) apresenta-se como a vivência de uma experiência do morrer; a ausência de representação da morte e, ao mesmo tempo, a percepção de sua evidência caracterizam este estado em que o sujeito sente que perdeu todas as garantias de sua existência e que a morte é iminente. É portanto a perda daquilo que dava garantia a sua existência que coloca o sujeito frente a este estado de desamparo, o que acaba por produzir o estado de ansiedade. É como se a vivência da morte acontecesse nesta experiência de desamparo a que o sujeito se vê submetido. Neste momento instaura-se um estado de desequilíbrio psíquico; a quantidade do impulso proveniente do id, não encontra formas de canalização, permanecendo um excesso de energia não representável. Este estado é sentido como desprazeroso, pois há um rompimento na homeostase de prazer no interior do aparelho psíquico. Morte e destino Gostaríamos neste momento de retornar ao caso que vínhamos analisando. Parece-nos um tanto quanto evidente que a recorrência do tema da morte na fala de Maria se liga de forma intrínseca à morte de sua mãe. Sente a ameaça de que venha a morrer como aquela, pois percebe uma profunda semelhança entre o que sente e aquilo que aconteceu com a mãe; tem muito medo de ficar só, uma vez que para ela a mãe enlouqueceu porque ficou só. Por outro lado, antes da mãe morrer, houve um rompimento na relação de Maria com ela e este acontecimento foi responsável por mantê-la de alguma forma vinculada a esta mãe. Se, na volta para casa com uma filha, Maria se submete à pulsional > revista de psicanálise > artigos >27

pulsional > revista de psicanálise > artigos >28 determinação paterna no sentido de assumir a responsabilidade de trabalhar para assim cumprir sua função de mãe, sua mãe parece não assumir mais função alguma. É em torno justamente do significado deste acontecimento, o enlouquecimento da mãe, e suas conseqüências para o destino de Maria que nos interessa agora compreender. Em nosso trabalho terapêutico pudemos caracterizar dois momentos: o primeiro deles refere-se à fala compulsiva sobre a morte, sobre os medos sobretudo, mas também à relação com os pais que neste momento pareceu-nos apresentar-se sem conflitos. Transcorrido um tempo, percebo hoje que a presença dos pais indica uma origem para seus medos. Quando ela fala que sentia medo desde quando era criança, no interior, esta cena apresenta uma relação harmoniosa com os pais, expressa através da imagem da rede, os três juntos para se protegerem do medo dos trovões. Por outro lado, ela parece querer indicar exatamente a ausência desta harmonia; como se o rompimento da harmonia familiar estivesse na raiz de seu estado atual. Pois foi a partir do retorno à casa dos pais com a filha nos braços que ela se dá conta deste rompimento, portanto ela tem uma participação direta na mudança que se processou no vínculo com os pais. Poderíamos caracterizar este o primeiro momento do tratamento. A mudança para um segundo momento se dá pela transformação na fala de Maria e pela compreensão da relação transferencial que se estabeleceu entre paciente e analista. Não sei quando foi que Maria parou de falar sobre a morte, e mais especificamente sobre a morte da mãe. Há uma espécie de transposição de cena; agora são os filhos que ganham importância em sua fala. A mesma compulsão reaparece ao se referir aos detalhes de sua condição de mãe. A determinação paterna parece ter se cumprido de forma intensa; ela acorda cedo para trabalhar e exerce sobre os filhos um rígido controle. Nesta atitude aparece um certo receio de que alguma coisa possa acontecer com os filhos. Ela tenta protegê-los da violência urbana, que assume agora o lugar do perigo. Há uma impossibilidade de reconhecimento de um lugar para a autonomia destes filhos; como se eles não tivessem condição de poder discernir entre o bem e o mal. O lugar da analista se colocou entre o desejo de vê-la construir um controle sobre o medo num primeiro momento 1 e o acolhimento da fala sobre os filhos, num segundo momento. Foi a partir do efeito deste excesso sobre os filhos que se fez sentir um excesso na analista, o que possibilitou a tomada de consciência de que a falta que ela havia sentido de sua mãe tinha se manifestado exatamente quando ela própria se tornara mãe. A atitude da analista de querer saber sobre seus filhos, de questioná-la a respeito de seu controle demasiado rígido sobre eles, havia provocado um efeito que só foi percebido quando a própria 1> Esta posição adotada no início do tratamento se deu em função do tempo estipulado para o término do processo; penso que, neste caso, esta determinação teve um efeito positivo sobre a paciente. Este elemento se constitui num dado importante para se pensar o atendimento à população.

analista se sentiu estafada diante do excesso. Ao nos darmos conta de que aquele talvez tivesse sido o primeiro momento onde ela teve a oportunidade de ser mãe diante de alguém, como havia desejado quando do regresso para a casa dos pais, ainda no interior, alguma coisa aconteceu. Uma transformação se deu tanto na atitude da paciente diante de seus medos, quanto na relação com seus filhos. Isto possibilitou-nos postular algumas hipóteses em relação à compreensão da história de seu sofrimento. Quando, no começo do tratamento, pedimos a Maria que tentasse falar do início de seus medos ela nos apresenta a cena da rede, protótipo de uma relação harmônica entre os pais e ela. O que sua atitude de saída da casa dos pais vem nos mostrar é que há aí um rompimento que marca o fim de um vínculo simbiótico com os pais. A volta para casa, marcada pela culpa, caracteriza o rompimento do vínculo simbiótico e o fim da vivência do Édipo. Ao assumir a determinação paterna, ela toma para si o modelo de uma condição de mulher-mãe. Porém, a culpa pelo enlouquecimento da mãe torna difícil para Maria assumir uma identificação com a mãe. A imagem dos três na rede que caracteriza a proteção infantil para os medos oriundos do mundo exterior se desfaz e o que se apresenta é uma espécie de desproteção que torna Maria exposta a um medo exagerado e aparentemente sem fundamento. A perda do vínculo materno e a impossibilidade de constituição do processo de identificação com a mãe representam uma perda do ideal ligado ao componente materno. Neste aspecto podemos retomar as considerações de Freud quando ele se refere ao perigo ligado ao superego; o que o ego considera como perigo e ao qual reage com um sinal de ansiedade consiste em o superego dever estar com raiva dele ou puni-lo ou deixar de amá-lo (Freud, 1969c, p. 163). Em seguida a este trecho, ele nos fala do medo da morte, apontando para um sentido em que haveria uma transformação final nesta relação com o superego, onde ele seria substituído pelo medo da morte ou medo projetado nos poderes do destino (Ibid., p. 164). Incapaz de elaborar o enlouquecimento e morte de sua mãe, Maria permanece de alguma forma ligada a ela; porém algo se perdeu e esta perda é sentida como perda do amor e proteção da mãe. Maria está entregue à própria sorte. Quando chega ao hospital para tratamento, os filhos já estão crescidos; a determinação paterna de trabalhar para criar sua filha (seus filhos) que ela havia até então tomado como um referencial parece não mais suportar a pressão exercida por uma força misteriosa. Como um destino, Maria sente que está presa ao poder de uma força que impõe-lhe a mesma sentença outorgada um dia à sua mãe: o enlouquecimento e a morte. A proteção em relação aos filhos tem também este caráter de uma ameaça de perpetuação de um destino cruel que não os poupará. Apesar do pouco tempo que dispúnhamos para o tratamento, fruto de uma exigência institucional, um efeito se produziu. A fala compulsiva do primeiro momento é substituída pela presença dos filhos; ela tentava protegê-los de um perigo que parecia provir de fora, a violência urbana, as más companhias, as bebidas, festas. pulsional > revista de psicanálise > artigos >29

pulsional > revista de psicanálise > artigos >30 Lembra-se que, quando jovem, gostava de festas, de dançar; foi neste momento que conheceu o pai de sua primeira filha, engravidou, saiu de casa... Há uma queixa de que os filhos não gostam dela. A proteção excessiva, impedindo-os de saírem, se divertirem é uma tentativa de que o destino não se cumpra. A sentença do destino pode vir pela mesma via que fez um dia sua mãe enlouquecer; o medo de ficar só é o medo da solidão, de perder os filhos, de ficar louca... como sua mãe. A situação transferencial que se produziu no tratamento proporcionou a Maria realizar o que esperava em relação a sua mãe, quando de sua volta para casa com a primeira filha. A partir deste momento, percebemos uma mudança; seus medos parecem se arrefecer e, junto com isto, uma alegria diferente no olhar. Os filhos ganham liberdade de sair à rua e os perigos são colocados num patamar de realidade passível de controle... Certo dia chegou contando que um bêbado havia entrado no quintal de sua casa e arrancado uma plantinha do jardim. O marido quis discutir, mas ela disse que deixasse o bêbado, pois era preferível plantar novamente a planta do que arriscar ser agredido, ou levar um tiro. E completa: foi assim que minha mãe me ensinou... Com isto ela parece ter iniciado um processo de recolocação do objeto materno como fonte possível de identificação. O resgate desta identificação necessitaria, no entanto, ainda um longo processo. No momento, contentamo-nos com este alívio determinado por um curto processo de tratamento, mas que permitiu a Maria uma transformação possível. Referências FREUD, S. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1969a. v. XIV. (1923). O ego e o id. ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1969b, v. XIX. (1925). Inibições, sintomas e ansiedade. ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1969c. v. XX. PEREIRA, M.E.C. Pânico e desamparo: um estudo psicanalítico. São Paulo: Escuta, 1999. Artigo recebido em junho/2002 Aprovado para publicação em julho/2002 PSICOWAY Profissionais e Instituições de saúde mental www.psicoway.com.br Psicoterapia, Fonoaudiologia, Psicopedagogia, Terapia Ocupacional, Acompanhamento Terapêutico, Neurologia, Psiquiatria, Psicologia do Esporte. Profissionais qualificados com preços acessíveis. Convênios para profissionais. Informações Fonefax: (0xx11) 3172-5617 e-mail: psicoway@psicoway.com.br