Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária Belo Horizonte 12 a 15 de setembro de 2004

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Transcrição:

Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária Belo Horizonte 12 a 15 de setembro de 2004 Transdisciplinaridade como Estratégia de Otimização de Atendimento Multiprofissional da Criança Portadora de Deficiência Física em Cidades de Médio Porte Área Temática de Saúde Resumo O Projeto de extensão Grupo de Atendimento Multiprofissional a Crianças Portadoras de Bexiga Neurogênica foi criado em junho de 2002 em Londrina, PR a partir da constatação da necessidade de contemplar esta população com um atendimento integrado à crianças portadoras de deficiência física e de suas famílias. A integração do atendimento multiprofissional foi considerada como ideal para melhoria das condições de saúde das crianças e suas famílias. Método: criação de ambulatório em hospital terciário com consulta inicial com enfermeira, assistente social e nutricionista e consulta médica realizada em conjunto com todos profissionais com a finalidade de trocar informações a respeito das condições familiares na sua integralidade. 31 famílias estão em atendimento desde 2002. Pacientes e seus familiares mantiveram forte vínculo com a equipe e permitiu conhecimento maior de suas realidades. Organizaram-se reuniões mensais com pais e cuidadores, alternando-se reuniões informativas sobre temas ligados à deficiência física e reuniões de grupo, conduzidas por psicóloga da equipe. A multi e transdisciplinaridade permitiram otimizar o conhecimento sobre a realidade dos pacientes e suas famílias; o projeto abriu espaço de manifestação das famílias e troca de experiências; a transdisciplinaridade permitiu avanços no aprendizado de estagiários das áreas médica e serviço social. Autoria Marcelo de Sousa Tavares, Prof. Adj. Dr Instituição Universidade Estadual de Londrina - UEL Palavras-chave: crianças portadoras de deficiência; atenção médica; aprendizagem Introdução e objetivo A deficiência física é uma realidade para milhões de brasileiros. Cerca de 15 % da população brasileira é portadora de algum tipo de deficiência física (1). Dentro da faixa etária pediátrica, inúmeras são as causas de deficiência física: encefalopatias crônicas não evolutivas, deformidades congênitas, malformações genéticas. Dentre as malformações congênitas com implicações para um grande número de órgãos e sistemas encontra-se como das mais comuns a mielomeningocele. Situa-se classificada dentro do grupo denominado erros de fechamento do tubo neural, ou disrafismos espinhais, onde não há o fechamento adequado da coluna vertebral e ocorre a conseqüente exposição da medula espinhal desde a formação do feto. Logo após o nascimento, a meningomielocele (que pode ocorrer em qualquer parte ao longo da coluna vertebral) deve ser operada, dado o risco de infecção, meningite e sepse, com elevada taxa de letalidade em recém-nascidos. Após a cirurgia, dependendo da altura do segmento acometido, diversas serão as conseqüências para a criança e suas famílias: problemas de deambulação, problemas urológicos e intestinais (a inervação do trato urinário inferior e parte terminal do trato gastrintestinal advém da coluna) com sintomas como infecções urinárias de repetição, incontinência urinária e fecal ou constipação intestinal_além dos problemas sociais diretos ou indiretos decorrentes desta condição. Várias

crianças com mielomeningocele corrigida se locomovem com cadeiras de rodas ou muletas, vindo a ter dificuldades de transporte, gastos com o tratamento e estigmatização social. Tais pacientes são tratados em grandes centros em locais denominados Centros de Reabilitação, onde diferentes profissionais, como médicos, enfermeiras, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas e outros profissionais de saúde atuam visando, do ponto de vista técnico, reabilitar o paciente à vida social. Contudo, estes Centros são de difícil acesso à populações que residem em local distante ou que não tenham condições financeiras de transporte e moradia quando da avaliação e do tratamento, particularmente quando residentes em cidades distantes dos Centros de Reabilitação. De forma geral, podemos assumir as estratégias de integração disciplinar como reunindo três grandes formas de articulação de disciplinas na produção de conhecimento, tendo por referência o esquema apresentado por Almeida Filho (1997): a) a multidisciplinaridade como o conjunto de disciplinas que se agrupam em torno de um dado tema desenvolvendo investigações e análises isoladas por diferentes especialistas, sem que se estabeleçam relações conceituais ou metodológicas entre elas. Corresponde à estratégia mais limitada, pois continuam a se reproduzir práticas fragmentadas da ciência normal, ainda que se avance na incorporação de múltiplas dimensões de um problema; b) a interdisciplinaridade como a reunião de diferentes disciplinas articuladas em torno de uma mesma temática com diferentes níveis de integração, desde uma cooperação de complementaridade sem articulações axiomáticas ou preponderância de uma disciplina sobre as demais (pluridisciplinaridade), passando pela preponderância de uma delas sobre as demais com ou sem uma axiomática comum (denominadas respectivamente como interdisciplinaridade estrutural ou auxiliar); c) finalmente, a transdisciplinaridade corresponderia a uma radicalização da interdisciplinaridade, pela articulação de um amplo conjunto de disciplinas em torno de um campo teórico e operacional particular, sobre a base de uma axiomática comum e envolvendo um sistema de disciplinas articuladas em diferentes níveis, cuja coordenação se daria pelas finalidades e axiomática comuns. Esse tipo de integração possibilita o desenvolvimento de teorias e conceitos transdisciplinares, cuja aplicação é compartilhada por diferentes disciplinas e abordagens que atuam num campo teórico e operacional. Outrossim, provêm várias destas instituições um atendimento multiprofissional, contudo estanque, havendo pouca troca de informação entre as diferentes especialidades da área da saúde. Grande parte dos hospitais universitários de universidades públicas é, em sua grande parte, localizada em cidades de médio porte e para eles afluem a maioria dos pacientes com estas características. Na região norte do Paraná, o maior hospital universitário é o Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná, ligado à Universidade Estadual de Londrina. A partir da constatação da existência de grande número de crianças atendidas em Pronto-Socorro e em ambulatórios de diferentes especialidades com mielomeningocele corrigida, um grupo multiprofissional elaborou um Projeto de Extensão visando o atendimento deste tipo de paciente dentro do Ambulatório do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Londrina. A pessoa humana é complexa em aspectos bio-psicosociais. Tradicionalmente, uma característica central do método científico cartesiano é a fragmentação da realidade estudada: o conhecimento racional implica a decomposição da coisa a ser conhecida por meio de uma série de operações que reduziam-na às suas partes mais simples (3,4,5,6). Diante de tal complexidade, uma concepção de atenção integral à saúde desta envolve, por natureza, diversidade de saberes e abordagens. Estes conhecimentos, ditos disciplinares, bem como seus métodos de aplicação devem, portanto integrar-se e complementar-se (multidisciplinaridade) para então produzir uma abordagem integral inédita impossível a cada um isoladamente (transdisciplinaridade) capaz de atender ao desafio da

atenção integral. A implantação desta atividade deveria, conforme a ideologia do grupo, ser transdisciplinar e não apenas multidisciplinar. "a Transdisciplinaridade é complementar da aproximação disciplinar; ela faz emergir da confrontação das disciplinas novos dados que as articulam entre si e que nos dão uma nova visão da natureza e da realidade" (2). A discussão em torno de tais conceitos na saúde coletiva é ainda relativamente recente (3). A deficiência física no Brasil onera duplamente estes cidadãos e suas famílias. Muitos dos gastos com medicamentos e suporte necessário para o tratamento (como sondas vesicais, fraldas, órteses) são parcialmente cobertos pelo SUS, principalmente em cidades de pequeno e médio porte, levando a aumento das despesas das famílias. A realidade de vida de crianças portadoras de deficiência física e suas famílias reflete condições sociais inadequadas, seja pela carência de condições que a sociedade brasileira oferece, seja por políticas públicas inadequado ao deficiente e suas famílias, ou ainda por estigmatização social, bem como de despesas com o tratamento (diretas e indiretas) desta condição de saúde. A locomoção também é comprometida, com sistema de transporte na maioria das vezes inadequado e não apropriado para o transporte de pacientes com deficiência, com muletas, órteses e cadeiras-de-roda. A partir desta comprovação, subsiste a condição de ineqüidade social, não logrando estes pacientes em ter as mesmas oportunidades de outros cidadãos na procura de emprego, acesso à escola e outros benefícios decorrentes da arrecadação de impostos. Portanto, como objetivos, teve desde o início o projeto: 1) atendimento de crianças portadoras de bexiga neurogência em seus diversos aspectos com distintos profissionais (médico, enfermeira, assistente social, psicóloga, nutricionista, fisioterapeuta) 2) prover atendimento em diferentes especialidades médicas (nefro e urologia pediátrica, ortopedista pediátrica) 3) atendimento conjunto de diferentes profissionais 4) promoção de reuniões informativas sobre temas ligados às condições de saúde das crianças 5) promoção de reunião de grupo de pais, com supervisão de psicóloga, principalmente para troca de experiências pessoais e familiares 6) inclusão de alunos dos cursos da área da Saúde e Humanas (Assistência Social) para melhor difusão e promoção do conhecimento a respeito do tema Deficiência Física, que geralmente é pouco abordado no currículo médico e de enfermagem. É importante frisar, porém, que esse diálogo entre disciplinas não se restringe às chamadas ciências «duras»: "A visão transdisciplinar é deliberadamente aberta na medida em que ela ultrapassa o domínio das ciências exactas pelo seu diálogo e a sua reconciliação não somente com as ciências humanas mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior"(«carta da Transdisciplinaridade», artigo 5º). E "a ética transdisciplinar recusa toda a atitude que rejeita o diálogo e a discussão, de qualquer origem - de ordem ideológica, científica, religiosa, económica, política, filosófica. O saber partilhado deve conduzir a uma compreensão partilhada, fundada sobre o respeito absoluto das alteridades unidas por uma vida comum numa única e mesma Terra" («Carta da Transdisciplinaridade», artigo 13º). Metodologia O Projeto de Extensão Grupo de Atendimento Multiprofissional à Crianças Portadoras de Bexiga Neurogênica iniciou suas atividades em junho de 2002. O grupo de profissionais inicialmente reunido foi constituído de nefropediatra, enfermeira, assistente social, psicóloga. O ambulatório tinha duração inicial de 2 horas por semana em 3 salas do Ambulatório do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Londrina, Paraná.Como ligação para avaliação de casos internados e cirúrgicos, mais 2 nefropediatras e 1 cirurgião pediátrico se juntaram à equipe. Advindos da necessidade de integração para o tratamento integral dos problemas de saúde das crianças, 1 ortopedista pediátrica, 1 nutricionista e 2 fisioterapeutas foram integradas à equipe, sendo as duas primeiras integradas ao Serviço de

Voluntariado desta universidade. A reunião de pais ocorre com uma freqüência mensal e todos são previamente contatados. O dia da semana para o ambulatório de Bexiga Neurogênica é fixo, bem como o dia da reunião de pais. Uma vez por mês a ortopedista pediátrica e as fisioterapeutas possuem atividades ambulatoriais, também integradas, com discussão conjunta dos casos. O número inicial planejado de casos atendidos por cada ambulatório era de 4. A atuação do Serviço Social consiste na avaliação social e acompanhamento frente as questões relacionadas ao processo saúde-doença, reuniões mensais com o grupo de pais para discussão de temas e assuntos que os pais consideram importantes no seu contexto, visitas domiciliares para conhecimento do cotidiano e abordagem aos fatores sociais mais relevantes. Conforme a Lei da Pessoa Portadora de Deficiência nº 7.853/89, nossa atuação visa a garantia do pleno exercício dos direitos individuais e sociais e a elaboração de estratégias para concretização da cidadania, contribuindo para a democratização do acesso e a responsabilização social das políticas públicas (7). A experiência de início de projeto mostrou a realidade da maioria de crianças portadoras de deficiência física e de suas famílias que residem em cidades de pequeno e médio porte: dificuldades inúmeras, desde locomoção com utilização de transporte público, dificuldades na aquisição de medicamentos, sondas urinárias, órteses e forte tendência à estigmatização social, principalmente em pequenas comunidades, que possuem poucos casos semelhantes(8,9). De posse desta constatação, foi conduzida uma análise mais aprofundada do perfil das famílias envolvidas, discutidas propostas para que a equipe auxiliasse as famílias a procurarem recursos e conduzissem a circunstâncias propícias para melhora da condição social, apesar da deficiência física dos filhos, bem como procurar ofertar a estas famílias oportunidade para que a ineqüidade social a elas relacionada fosse abrandada. Resultados e discussão Atualmente 31 famílias são atendidas no Ambulatório. 15 pacientes do sexo feminino, 16 do sexo masculino. Do total, 16 pacientes são submetidos a cateterismo vesical intermitente em contraste com 15 que não o são. Destes, 2 são portadores de vesicostomias (eliminação de urina por stoma na região inferior do abdômen). Com relação à cidade de origem, 14 são de Londrina e 17 das cidades abrangidas pela área de atuação da 17a Regional de Saúde. A idade média dos pacientes quando do levantamento feito em maio de 2004 (em meses) foi de 76 meses +/- 50,7 m (variação de 1-169 meses). O esquema de atendimento envolve: 1) avaliação inicial por assistente social e sua estagiária. De junho de 2002 a maio de 2004, o Grupo ligado ao projeto de extensão acompanha 31 pacientes e famílias cadastradas. A análise do perfil sócio - econômico obtida a partir de dados fornecidos pelas famílias dos pacientes revela que: 1) a renda familiar varia entre R$ 250,00 a R$ 590,00; 2) o gasto médio mensal com sondas vesicais, medicamentos, fraldas descartáveis é de R$ 152,00 reais. Os dados revelam que estes gastos variam, portanto, entre 25,7 e 60,8 % da renda total da família na população analisada, refletindo um gasto elevado, considerando a renda média salarial no Brasil. Atualmente são cinco as crianças que possuem o Benefício de Prestação Continuada da Loas. O restante está com os processos em fase de análise ou os processos foram indeferidos. Com relação ao transporte para consultas médicas, exames e fisioterapia com média de 12 viagens ao mês, as famílias apresentam a dependência de recursos ou programas públicos, sendo uma minoria com possibilidade de recursos próprios. A maioria das famílias com portadores de Bexiga Neurogênica enfrentam sérias dificuldades sociais relevantes como: a necessidade de um cuidador em período integral sendo uma possibilidade de renda a menos;

não acesso ao Benefício Assistencial por critério de renda per capita; dificuldade de locomoção na domicílio e demais lugares, de adaptação no convívio social; rotina intensa de consultas, internações, exames e procedimentos específicos dos profissionais de saúde; despesas freqüentes com fraldas descartáveis, sondas vesicais, medicamentos, transporte aos serviços de saúde e menos freqüente com órteses. As barreiras enfrentadas pelas crianças no convívio social vão desde arquitetônicas até a falta de conhecimento e compreensão das pessoas frente a situação de limitação física que apresentam. Através das reuniões dos pais do Projeto, foi criada a ONG Saúde Sem Fronteiras para atendimento e articulação com possíveis recursos para manutenção do tratamento à patologia, que encontra-se em fase de documentação e início de suas atividades. 2) avaliação seqüencial por nutricionista, com ficha própria, anexa ao prontuário integrado 3) consulta médica e de enfermagem, com docentes e estagiários, bem como na presença das profissionais acima referidas. Anotação dos dados em prontuário único com cópia de dados para o prontuário original do paciente Durante esta atividade, aspectos da criança e sua família são discutidos na sua integralidade, como estado nutricional, dificuldades na aquisição de medicamentos, fraldas, antibióticos, locomoção. Discussão e esclarecimentos sobre condições de moradia, situação social e familiar a partir de dados levantados por visitas domiciliares. Condições higiênicas e de cuidados avaliados pela enfermeira. Treinamento de deficiência de técnicas conduzidas pelos familiares e/ou cuidadores quanto à sondagem vesical intermitente. Cuidados de feridas e escaras. O elo da equipe com a família é reforçado através da abordagem transdisciplinar, onde cada membro do grupo incorpora novos conhecimentos produzidos por outro profissional. Cada paciente é do grupo, não somente de um ou de outro integrante da equipe.. A consulta com Ortopedista Pediátrica e Fisioterapeutas é igualmente integrada, 1 vez ao mês. A partir desta avaliação, a criança é admitida, conforme disponibilidade, na clínica de Fisioterapia da UEL. Caso haja necessidade de abordagem cirúrgica, o paciente é encaminhado á outra instituição, na qual a especialista voluntária mantém suas atividades, para realização da mesma. Os pacientes que necessitam avaliação neuropediátrica ou neurocirúrgica são encaminhados dentro do próprio hospital. A reunião com os pais é mensal e as atividades alternam-se mensalmente, com reuniões informativas (neuropediatria, urologia, nutrição, dentre outros) e dinâmicas de grupo, com os pais e mães (os pais são orientados a, se possível, irem às reuniões sem os filhos), onde são externadas preocupações, angústias e dificuldades que a doença e suas condições associadas propiciam. As reuniões de pais são coordenadas por Psicóloga da equipe. Conclusões A abordagem selecionada pelo Grupo permitiu: 1) integralizar todos os aspectos relativos à saúde das crianças portadoras de mielomeningocele e problemas relacionados à condição da doença; 2) promover o intercâmbio de informações e aquisição de conhecimentos mais específicos de outras áreas, como Enfermagem, Nutrição, Serviço Social, Fisioterapia e Psicologia; Na população de crianças portadoras de deficiência física e suas respectivas famílias, foi possível constatar inúmeras dificuldades advindas direta ou indiretamente das condições impostas pela deficiência física, seja pela ida freqüente a serviços médicos, laboratórios e clínicas. Há grande ônus financeiro decorrente destas dificuldades, comprometendo grande parte do orçamento familiar. A partir do esclarecimento das famílias a respeito da doença (no caso, em sua maioria, meningomielocele e bexiga neurogênica dela decorrente) e sobre a possibilidade de obtenção de recursos, houve iniciativa e viabilização da criação de uma organização não-governamental com a finalidade específica de angariar

recursos a partir principalmente da comunidade local e regional. Também foram obtidos benefícios legais a partir de encaminhamento feito à Previdência Social. Estas medidas, em conjunto, possibilitaram aos estagiários do projeto uma ampla visão integrada do tratamento destes pacientes e a troca de experiências e conhecimentos com diversos profissionais, optimizando as oportunidades de minimizar o impacto da ineqüidade à qual estes cidadãos são submetidos. 3) fortalecer o vínculo das crianças e suas famílias com o grupo como um todo, dado que toda consulta médica era presenciada pelos outros profissionais, possibilitando um maior conhecimento da realidade social destas famílias por parte dos profissionais envolvidos e seus estagiários. Referências bibliográficas IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Censo de 200. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/deficiencia_censo2 000.pdf. Acesso em 29 de maio de2004. NICOLESCU, Basarab, A Visão do que há Entre e Além, entrevista a Antónia de Sousa in Diário de Notícias, Caderno Cultura, Lisboa, 3 de Fevereiro de 1994, pp. 2-3. MINAYO M S 1994. Interdisciplinaridade: funcionalidade ou utopia? Revista Saúde e Sociedade 3(2):42-64. ALMEIDA FILHO N 1997. Transdisciplinaridade e saúde coletiva. Rio de Janeiro. Ciência & Saúde Coletiva 2 (1/2). PORTO, Marcelo Firpo de S. e ALMEIDA, Gláucia E. S. de. Significados e limites das estratégias de integração disciplinar: uma reflexão sobre as contribuições da saúde do trabalhador. Ciênc. saúde coletiva, 2002, vol.7, no.2, p.335-347 PASSOS, Eduardo e BARROS, Regina Benevides de. A construção do plano da clínica e o conceito de transdisciplinaridade. Psic.: Teor. e Pesq. [online]. jan./abr. 2000, vol.16, no.1 [citado 12 Junho 2004], p.71-79. Disponível na World Wide Web: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102-37722000000100010&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0102-3772. VASCONCELOS, Ana Maria. A prática do serviço social: cotidiano, formação e alternativos na área da saúde. 2a ed. São Paulo. Cortez, 2003. 560 p. Assistente social: ética e direitors. 4a ed. Rio de Janeiro. CRESS, 2002. 422 p. Sem limite: inclusão de portadores de deficiência no mercado de trabalho. Rio de Janeiro. SENAC, 2002. 131 p.