264 AVALIAÇÃO DE UM FRAGMENTO DE MATA ATLÂNTICA NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO ATRAVÉS DA ANÁLISE DE MACROINVERTEBRADOS Márcia Cristina de Paula 1,2 & Alaide Aparecida Fonseca-Gessner 1 1 Departamento de Hidrobiologia CCBS UFSCar Rodovia Washington Luiz km 235, CP 676, CEP 13565-905 2 Programa de Pós Graduação em Ecologia e Recursos Naturais CCBS-UFSCar marciacdp@ig.com.br RESUMO Na região sudeste do Brasil, a história do estabelecimento de diferentes atividades econômicas tem gerado uma paisagem marcada pela degradação dos ecossistemas naturais, não sendo incomum a retirada da vegetação ripícola. A mata ripícola é um elo importante de inter-relacionamento com diversos elementos presentes no sistema, entre eles os macroinvertebrados. O presente trabalho teve como objetivo estudar a fauna de macroinvertebrados em dois córregos localizados em um fragmento de Mata Atlântica, no Parque do Lago em Dourado - SP. As análises dos resultados indicaram alterações na diversidade de táxons e na abundância de organismos entre os córregos analisados e entre os períodos climáticos. ABSTRACT In the southeastern Brazil, the establishment of different economic activities in the course of history has created a landscape marked by the degradation of natural ecosystems, and it is not unusual the withdrawal of the riparian vegetation. The riparian forest is an important link of interrelationship with various elements present in the system, including the macroinvertebrates. This work had as objective to study the fauna of macroinvertebrates in two streams located in fragments of the Atlantic Forest, at Parque do Lago in Dourado SP. The analyses of the results indicated changes in the diversity and abundance of organisms between the streams analyzed and between the seasons INTRODUÇÃO Uma das principais ameaças à estabilidade de populações é a fragmentação de habitats naturais. Historicamente os seres humanos se estabelecem em áreas de floresta e reduzem uma mata espessa a pequenas áreas isoladas entremeadas por campos de pastagem, de cultura e outros habitats mais abertos (Ricklefs, 2003). Vários autores discutem a necessidade de estudos que comparem a riqueza e a abundância de espécies em relação ao tamanho dos fragmentos. Um problema que está associado com a fragmentação é a maior fragilidade do ambiente, permitindo a penetração
265 de plantas e animais exóticos. Freqüentemente as espécies exóticas não têm predadores e competidores, assim sendo podem se tornar grandes populações e dominar as comunidades locais (Bush, 1997), levando à perda de biodiversidade. Os macroinvertebrados presentes em córregos de baixa ordem dependem do aporte de material alóctone (Vannote et al., 1980; Kikuchi & Uieda, 1998), assim é esperado que essa comunidade responda previsivelmente aos impactos causados pela fragmentação da vegetação ripícola. Considerando-se a importância dos macroinvertebrados nos sistemas lóticos e a atual degradação dos fragmentos de mata ripícola no interior do estado de São Paulo, este trabalho tem como objetivo estudar a fauna de macroinvertebrados em dois córregos localizados em um fragmento remanescente de Mata Atlântica. MATERIAL E MÉTODOS Caracterização da área de estudo Foram estudados os córregos Mina da Casinha (22º07 44 S; 48º16 10 W) e das Furnas (22º07 41 S; 48º16 04 W) que estão localizados no Parque do Lago (Dourado-SP) parte de uma propriedade agrícola de 459,8 ha, com exploração agricultura, pecuária, silvicultura e piscicultura. Nessa propriedade existem cinco fragmentos de reservas florestais num total de 96,5 hectares. Nos últimos anos, 21 mil mudas de árvores nativas foram plantadas visando à recuperação de áreas degradadas, particularmente a mata ripícola de córregos. A mata ciliar já existente compreende 1,02 hectares e a área de reflorestamento soma 1,78 hectares. Coleta e processamento do material biológico Em cada córrego foi estabelecido um segmento com cerca de 100m, onde foram estudados três trechos de 20m, sendo obtidas seis amostras utilizando-se um amostrador tipo Surber (área de 30X30cm e rede com malha de 250µm de abertura). Além dessas, também foram realizadas três varreduras, uma em cada trecho com rede manual em D por um período de 1 minuto e 30 segundos. No laboratório, as amostras passaram por triagem em bandejas de polietileno sobre uma fonte de luz e os organismos foram separados, fixados e preservados em etanol a 70%. O reconhecimento dos invertebrados até o menor nível possível foi realizado com auxílio de chaves de identificação e bibliografia especializada. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram coletados 5946 espécimes distribuídos entre 39 famílias e 50 gêneros Tab. II. Observou-se uma alteração na diversidade de táxons e abundância de organismos entre dois períodos climáticos, com menores valores para o período chuvoso e córregos analisados, com destaque para o das Furnas que abriga maior diversidade taxonômica e densidade de indivíduos. Esse fato provavelmente é devido à desestabilização do sistema
266 lótico pelo aumento da velocidade e vazão da água, acarretando um aumento do carreamento de organismos (drift) durante a estação chuvosa (Bispo & Oliveira, 1998). No córrego Mina da Casinha, período de seca predominaram as larvas de Parametriocnemus e Caladomyia sp1 (Chironomidae), enquanto que no período chuvoso destacaram-se os gêneros Phylloicus (Trichoptera) e Heterelmis (Elimidae). No córrego das Furnas, no período de seca, o gênero Caladomyia sp1 predominou seguido por Helicopsyche e Paratendipes, Enquanto que no período chuvoso o gênero Helicopsyche foi dominante. Esses grupos fornecem os mais numerosos e óbvios indicadores da riqueza e saúde dos sistemas, fiéis em acumular qualquer modificação de estrutura, diminuição de fluxo de matéria e energia, ou restrição de recursos, e rápidos em anunciar tendências de degradação, regeneração, ou recuperação dos ambientes (Brown Jr., 2001). Os resultados dos índices de diversidade, dominância e equidade apresentados na Tabela I, confirmam as variações entre os períodos climáticos, com valores menores de diversidade no chuvoso. Ainda os valores obtidos pelo índice de dominância de Simpson demonstraram baixa dominância nos dois córregos. Os córregos Mina da Casinha e das Furnas abrigam uma fauna diversificada, entretanto, bastante vulnerável às alterações ambientais, mesmo aquelas naturais, como a precipitação, sugerindo que seu entorno, particularmente a mata ripícola, embora em recuperação ainda merece atenção e cuidados. Tabela I: Valores das métricas abundância (N); riqueza de táxons (S); riqueza de Margalef (d); diversidade de Shannon (H ); diversidade de Simpson (1-D); dominância de Simpson (D) Equidade de Pielou (E). Para os córregos Mina da Casinha (Mina) e das Furnas (Fur), nos períodos de seca e chuvoso Mina/ Seca Mina/ Chuvoso Fur/ Seca Fur/ Chuvoso N 818 115 3938 1075 S 49 17 63 39 d 7,15 3,37 7,48 5,44 H 2,71 2,31 2,45 2,22 1-D 0,88 0,87 0,85 0,78 D 0,12 0,13 0,15 0,22 E 0,69 0,81 0,6 0,6
267 Tabela II: Macroinvertebrados nos córregos Mina da Casinha e das Furnas nos períodos de seca e chuvoso. Quando não foi possível identificar o gênero, os indivíduos ficaram em família. mf morfotipo Grupos Taxonômicos Mina da Casinha Das Furnas S C S C Ephemeroptera Baetidae 3 Paracloeodes 5 1 Leptohiphidae Traverhyphes 3 Leptophlebiidae Farrodes 12 Plecoptera Perlidae Anacroneuria 1 Trichoptera Calamoceratidae Phylloicus 38 23 190 106 Helicopsychidae Helicopsyche 8 12 699 451 Hydropsychidae Blepharopus 3 Smicridea 14 5 74 2 Leptoceridae Notalina 2 2 Philopotamidae Chimarra 4 1 Chironomidae Corynoneura mf1 1 1 Corynoneura mf2 21 Lopescladius 1 55 19 Nanocladius 16 1 Onconeura 1 8 Parametriocnemus 216 282 7 Clinotanypus 3 Djalmabatista mf1 1 3 Djalmabatista mf2 3 Djalmabatista mf3 1 Fittkauimyia 1 Larsia 1 11 2 Macropelopini 1 Pentaneura mf1 9 23 Pentaneura mf2 1 Pentaneurini mf1 23 131 30 Pentaneurini mf2 1 Procladius 5 Caladomyia 137 1090 116 Chironomus mf1 1 Chir. gr. riparius Endotribelos 10 1 Harnischia 13 78 Lauterborniella 8 4 Paratendipes 2 690 19 Polypedilum 4 39 40 Pseudochironomus 25 4 Rheotanytarsus mf1 2
268 Continuação Grupos Taxonômicos Mina dacasinha Das Furnas Se Ch Se Ch Rheotanytarsus mf2 2 74 4 Stenochironomus 7 2 Tanytarsus mf1 44 47 4 Tanytarsus mf2 1 T. rabhdomantis 2 Xestochironomus 3 Ceratopogonidae 28 1 88 20 Culicidae 1 18 1 Empididae 2 9 2 Ephydridae 1 Pyralidae 2 Psychodidae 6 Simuliidae 6 5 Stratiomydae 1 1 1 Tabanidae 1 2 8 Tipulidae 15 20 6 Odonata Coenagrionidae 2 2 Argia 5 2 1 Neocordulia 10 Progomphus 3 3 11 Dasythemis 3 Brechmorhoga 1 2 Idiataphe 1 Gynothemis 4 2 Macrothemis 1 Micrathyria 1 Elga 1 Planiplax 2 4 Hemíptera Belostomatidae 1 Naucoridae 10 2 40 74 Pleidae 1 Veliidae 4 3 7 16 Hebridae 2 Coleoptera Curculionidae 1 Dryopidae 39 5 30 15 Pelonomus 29 1 44 3 Deravatellus 10 12 Heterelmis 64 23 3 Hydroscapha 1 Hydraena 1 Tropisternus 1 1 1 Oligochaeta Aluroididae Brinkhurstia 50 14 14 7 Naididae Dero 21 Nais 5 Tubificidae 3 70 1
269 A presença da mata ciliar influencia significativamente na fauna de macroinvertebrados, como pode ser constatado através dos valores do índice de riqueza de táxons, onde os menores valores no córrego Mina da Casinha foram decorrentes de maior interferência humana e do processo de recuperação da mata. Através deste trabalho pôde-se constatar que a preservação e integridade das matas ciliares são importantes para a manutenção da comunidade de macroinvertebrados. Apesar de contar com a proteção legal, continuam sendo devastadas, principalmente sob pressão da expansão agro-industrial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BISPO, P.C.; OLIVEIRA, L.G. Distribuição espacial de insetos aquáticos (Ephemeroptera, Plecoptera e Trichoptera) em córregos de cerrado do Parque Ecológico de Goiânia, Estado de Goiás. In: NESSIMIAN, J.L.; CARVALHO, A.L. (ed.) Ecologia de Insetos Aquáticos. Rio de Janeiro: UFRJ/Instituto de Biologia, 1998. p.175-189. (Série Oecologia Brasiliensis). BROWN JR., K. S. 2001. Insetos indicadores da história, composição, diversidade e integridade de matas ciliares. In: RODRIGUES, R. R. & LEITÃO FILHO, H. F. (ed.). Matas Ciliares: conservação e recuperação. São Paulo: Edusp, 2001. p. 223-232. BUSH, M. B. 1997. Ecology of a Changing planet. Prentice Hall, 434p. KIKUCHI, R.M.; UIEDA, V.S. Composição da comunidade de Invertebrados de um ambiente lótico tropical e sua variação espacial e temporal. In: NESSIMIAN, J.L. & CARVALHO, E. (Ed.) Ecologia de insetos aquáticos. Rio de Janeiro, 1998. p.157-173. (Série Oecologia Brasiliensis). RICKLEFS, R. E. 2003. A economia da natureza. Guanabara Koogan, 503p. VANNOTE, R. L. et al. The river continuum concept. Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences, v. 37, p.130-137, 1980.