DISPUTAS AGRÍCOLAS NA OMC: os casos envolvendo o Brasil como demandante INTRODUÇÃO



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Transcrição:

246 DISPUTAS AGRÍCOLAS NA OMC: os casos envolvendo o Brasil como demandante Claudine Campanhol Milinski 1 Carla Aparecida Arena Ventura 2 INTRODUÇÃO Observa-se, ao longo da história, a grande relevância do comércio internacional e o quanto este tema é motivo de conflitos entre as nações. As guerras são a expressão máxima de como as políticas e as relações comerciais entre os países são poderosos mecanismos que dificultam a manutenção da paz. As políticas comerciais são uma das molas propulsoras da economia dos países. Nesta perspectiva, o sistema multilateral de comércio, consubstanciado pela Organização Mundial do Comércio OMC, representa na atualidade um fórum mundial de negociações comerciais e possui hoje um grande número de adesões, uma vez que os países-membros estão cada vez mais interessados nos benefícios que as negociações comerciais possam conferir ao seu sistema econômico e, conseqüentemente, ao seu desenvolvimento. Sob essa perspectiva, se do comércio internacional emana grande parte dos conflitos e se da ausência de uma solução pacífica aos mesmos sobrevêm os golpes à estabilidade e harmonia nas relações internacionais, entende-se como muito adequado a existência de um sistema sólido e eficaz para a resolução pacífica das diferenças comerciais surgidas entre os países, como o Órgão de Solução de Controvérsias OSC da OMC. O mecanismo de solução de controvérsias, mais conhecido pela sigla em inglês DSU Dispute Settlement Understanding, está estabelecido no acordo contido no Anexo 2 do Tratado Constitutivo da OMC e representa uma conquista 1 Mestranda do Programa Interdisciplinar em Desenvolvimento Regional do Centro Universitário de Franca Uni-FACEF. 2 Orientadora e professora colaboradora do Programa Interdisciplinar em Desenvolvimento Regional do Centro Universitário de Franca Uni-FACEF.

247 institucional valiosa para a Organização, pois traz maior segurança jurídica para os membros discutirem e solucionarem suas controvérsias. O primeiro passo para a solução de uma controvérsia comercial entre dois membros é a realização de consultas entre os países divergentes. Não havendo acordo, o país que iniciou o processo poderá então solicitar ao OSC o estabelecimento de um painel composto por especialistas para emitir um parecer sobre a questão. O painel inicia o procedimento de apreciação e julgamento do caso e deve emitir um parecer, determinando se houve violação das regras da OMC, e o OSC deve determinar recomendações para sanar o problema. Existe ainda a possibilidade de se recorrer ao Órgão de Apelação OA, que manterá ou modificará o primeiro parecer em decisão final, definitiva e obrigatória. O Órgão de Apelação faz parte da estrutura do OSC e pode ser considerado a segunda instância ou o duplo grau de jurisdição. De acordo com Barral (2002), o Brasil é o país em desenvolvimento mais atuante no âmbito da utilização do sistema de solução de controvérsias, visto que está atrás, em número de casos, somente dos Estados Unidos, da União Européia e do Canadá. Foi considerado vitorioso na maior parte dos casos em que se envolveu e atualmente encontra-se como demandante nos setores de algodão, açúcar e frango salgado e demandado nos setores de pneus usados e plásticos (OMC, 2009). Desde a criação do OSC em 1995 até o final do ano de 2009 ocorreram, no total, 400 disputas comerciais entre os membros da OMC. Neste período, o Brasil esteve envolvido em 38 disputas, sendo 24 como demandante e 14 como demandado. Na área agrícola, neste mesmo período, ocorreram 3 disputas comerciais envolvendo o Brasil apenas como demandante (OMC, 2009). Foram os casos dos subsídios à exportação de açúcar contra a União Européia em 2002, o imposto especial cobrado pela Flórida sobre produtos processados de laranja e os subsídios ao algodão, ambos contra os Estados Unidos em 2002 e que são objeto de discussão deste artigo. O setor agrícola possui grande relevância para os países, especialmente os países em desenvolvimento, já que produzem basicamente commodities e comumente precisam exportar o excedente de produção para manter as suas economias supridas dos mais diversos produtos industrializados. O Brasil é o quarto maior exportador de produtos agrícolas do mundo. Desde o período colonial, a agricultura sempre foi um dos sustentáculos da economia

248 brasileira, passando pelos ciclos canavieiro, cafeeiro, cacaueiro, açucareiro, tritícola e ultimamente a soja. A partir dos anos 1970, a agricultura brasileira deu um salto de qualidade e passou a produzir, em lavouras mecanizadas, arroz, milho, soja e os antigos sistemas de engenho deram lugar a modernas usinas. A produtividade aumentou e introduziu-se a energia, antes escassa, no auxílio ao setor agrário. Na década de 80, a agricultura de exportação passou a agregar custos, promovendo o Brasil como um dos maiores produtores de grãos do mundo. Atualmente, a agricultura brasileira tornou-se agronegócio, já que as atividades envolvendo todos os elos das cadeias produtivas passaram a ter foco empresarial, e a tendência de crescimento é cada vez maior, haja vista que o Brasil detém tecnologia de ponta e recursos humanos qualificados para suprir o crescente e exigente mercado internacional, promovendo o desenvolvimento integral do país. Nesta perspectiva, o presente artigo apresentou como objetivo identificar o contexto e as motivações das disputas agrícolas envolvendo o Brasil como demandante desde a criação da OMC em 1995. A pesquisa justifica-se em função da necessidade de contextualização a respeito das controvérsias agrícolas ocorridas no cenário internacional envolvendo o Brasil como demandante e identificação das principais motivações que levam a essas controvérsias entre os países. Cabe ressaltar que ao se compreender as controvérsias internacionais na área agrícola, identificam-se também os principais entraves enfrentados pelo Brasil como exportador de produtos agrícolas. Como esta é uma área importante da economia brasileira, verificam-se ainda os problemas e desafios enfrentados para o desenvolvimento do país. Ademais, o papel do país demandante nas disputas comerciais é relativamente complexo, pois requer alocação de recursos técnicos, financeiros e suporte jurídico, exige informações abundantes e, via de regra, envolve empresas do setor privado do país demandado em uma disputa comercial. A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO OMC

249 A OMC foi criada em 1995 pelo Acordo de Marrakesh, integrada aos instrumentos legais resultantes da última reunião da Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio GATT (OMC, 2009), que representou a mais ampla rodada de negociação comercial, abrangendo quase a totalidade das temáticas atinentes ao comércio mundial de mercadorias e de serviços. A OMC é atualmente a organização que melhor representa a globalização do comércio. Sua sede está localizada em Genebra, na Suíça, e atualmente é composta por 153 países-membros (OMC, 2009). Os membros da OMC negociam e assinam acordos que depois são ratificados pelo parlamento de cada nação e passam a regular o comércio internacional. A OMC tem a função de administrar os acordos comerciais entre seus membros, ser um fórum para as negociações comerciais, direcionar e solucionar as suas disputas comerciais, fazer o monitoramento de políticas comerciais dos paísesmembros, oferecer assistência técnica e cursos de formação aos países em desenvolvimento e cooperar com outras organizações internacionais (PEREIRA, 2005). A criação da OMC assenta-se em valores ligados à globalização, que consolida e intensifica os processos de codificação e harmonização do direito internacional público e, mais especificamente, a cooperação econômica entre a comunidade internacional (MARTINS, 2002). A OMC visa regular o comércio internacional e veio conferir ao cenário globalizado um sistema comercial internacional integrado, sólido e eficaz, já que é uma organização internacional, dotada de personalidade jurídica. Atua, portanto, como o pilar jurídico e institucional do sistema multilateral de comércio, pois estabelece as principais obrigações contratuais que determinam como os governos dão forma a suas leis de comércio e as aplicam. Sua estrutura institucional, um tanto complexa, funciona em quatro níveis organizacionais, em que há uma grande quantidade de comitês e grupos de trabalhos (Figura 1).

250 Figura 1. Organograma simplificado da estrutura da OMC. Fonte: Pereira (2005). A Conferência Ministerial configura o nível mais alto do processo de tomada de decisão da OMC e é composta por Ministros das Relações Exteriores e/ou os Ministros de Comércio Exterior dos países membros. Na Conferência Ministerial são definidos os temas a serem tratados em cada rodada de negociação que devem ocorrer num prazo de até dois anos. O segundo nível é representado por três organismos: o Conselho Geral, o Órgão de Solução de Controvérsias OSC e o Órgão de Revisão de Política Comercial ORPC. O órgão mais expressivo é o Conselho Geral, um órgão permanente e que é formado por Embaixadores ou chefes de delegações de todos os países membros. A esse conselho cabe a função de zelar pelos acordos multilaterais, administrar as atividades diárias da OMC e executar as decisões das conferências ministeriais. Além do Conselho Geral, há outros dois órgãos que auxiliam os seus trabalhos. O primeiro é o OSC, composto por todos os membros da organização, sendo a instituição máxima do sistema de solução de litígios. Subordinado a ele está o Órgão de Apelação OA, que consiste num corpo independente formado por sete pessoas para rever o painel em questão. Isso ocorre quando uma das partes envolvidas no painel não aceita sua decisão. O segundo é o Órgão de Revisão de Política Comercial ORPC, criado junto com a OMC, que tem o objetivo de estabelecer um cronograma anual de entrega de relatórios periódicos pelos membros da OMC. Ainda, com base nos acordos multilaterais de comércio, verifica a

251 consistência das políticas econômicas dos países. Assim, a função do ORPC é a de revisar as políticas comerciais de seus membros e com isso contribuir para uma maior adesão dos países membros às regras da instituição, à sua disciplina e aos compromissos assumidos nos acordos multilaterais de comércio. O Comitê de Negociações Comerciais da Agenda do Desenvolvimento de Doha também possui vínculo direto com o Conselho Geral. No terceiro nível há três Acordos: o GATT, O GATS e o TRIPS. O primeiro, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade GATT) foi substituído pela OMC em 1995. Atualmente esse acordo é colocado dentro da OMC para regular as tarifas e o comércio. O Acordo Geral de Comércio de Serviços (General Agreement on Trade in Service GATS) apresenta como objetivo estabelecer um quadro de referência multilateral de princípios e regras para o comércio de serviços. O acordo inclui mais de 150 subsetores que contemplam serviços profissionais e de consultoria, serviços de comunicação, serviços de construção e de engenharia, serviços de distribuição, serviços de educação, serviços ambientais, serviços financeiros e seguros, serviços de turismo e viagens, serviços de recreação, cultural e de esporte, serviços de transporte dentre outros. O Acordo sobre Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights TRIPS) tem como objetivo criar uma situação para negociações multilaterais de princípios, de regras e de disciplina relacionados com os direitos de propriedade intelectual. O quarto nível é formado por uma grande quantidade de comitês e grupos de trabalhos que tratam de diversos temas que não se encaixam ao GATT ou GATS. As normas de organização e as de conduta que integram o ordenamento jurídico da OMC convergem para a ação dos países-membros na promoção de interesses comuns. Tais normas objetivam uma interação organizada entre uma multiplicidade de economias nacionais em um mercado globalizado. Portanto, a OMC assume importante papel de administrar os acordos multilaterais sobre comércio internacional. As negociações na OMC são feitas através de rodadas. Atualmente ocorre a nona rodada, a rodada Doha, iniciada em 2001 na capital do Catar, Doha, com o

252 objetivo de ser a Rodada do Desenvolvimento, beneficiando principalmente o interesse dos países em desenvolvimento. A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986 da Organização das Nações Unidas ONU considera o desenvolvimento como direito humano inalienável e o apresenta como: um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes (ONU, 1986) No entanto, esta rodada encontra grandes dificuldades para chegar ao fim, já que há alguns entraves no que tange às negociações de produtos agrícolas e bens industrializados. Os países em desenvolvimento querem maior abertura e redução de subsídios e os países desenvolvidos querem maior acesso a mercados. O conflito de interesses é justamente o que impede com que se chegue a um denominador comum e os subsídios agrícolas são o principal tema de controvérsia nas negociações da rodada Doha. O foco da rodada Doha é reduzir os subsídios e o protecionismo dos países ricos às exportações agrícolas dos países em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, permitir que esses tenham margem para o desenvolvimento nacional e para políticas industriais. Na prática, até o momento, as promessas de desenvolvimento encontram grandes entraves nas negociações. O insucesso de uma rodada de desenvolvimento é expressão inequívoca da ação dos países centrais EUA e União Européia no sentido de alongar no tempo a atual divisão internacional do trabalho, baseada na enorme assimetria entre o capitalismo central e o periférico, notadamente nas relações norte-sul. Os impasses da Rodada Doha reafirmam que o avanço dos países pobres está no interesse dos mais desenvolvidos, subtraindo daqueles o direito ao desenvolvimento igualitário de todo o globo. No âmbito internacional, é necessária a cooperação entre os países para que o direito ao desenvolvimento seja garantido. Assim, deve ser assegurada a segurança internacional, a paz e a participação de todos. A participação e a cooperação internacional são fundamentais para que as divergências internacionais possam ser resolvidas.

253 A questão agrícola sempre foi motivo de impasses no comércio internacional. As nações em desenvolvimento, que têm na agricultura sua arma para competir no mercado internacional, exigem o fim dos subsídios governamentais que os Estados Unidos e a União Européia oferecem aos seus agricultores e pecuaristas mais de 300 bilhões de dólares por ano. Isso porque a prática torna a competição comercial injusta. Do outro lado, os países desenvolvidos querem maior acesso aos mercados de bens e serviços dos países em desenvolvimento, ou seja, a diminuição das taxas de importação cobradas sobre os seus produtos industrializados. O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS - OSC Na Rodada Uruguai, ocorrida de 1986 a 1994 (OMC, 2009), foi elaborado um Entendimento sobre a Resolução de Litígios que criou um Órgão de Solução de Controvérsias OSC com o objetivo de resolução das disputas relativas à aplicação e interpretação dos acordos da OMC. Tal medida proporcionou ao sistema internacional de resolução de conflitos uma maior segurança, pela natureza fortemente jurisdicional e vinculativa com que o dotou, e uma maior celeridade, pela redução dos prazos das diversas etapas do processo (LAFER, 1998, p.30). A controvérsia surge quando um país acredita que outro está violando um acordo ou um compromisso comercial firmado no âmbito da OMC. Os autores dos acordos são os próprios países-membros da OMC e a responsabilidade de resolução dos litígios recai sobre os próprios países, através do OSC. O procedimento da OMC para a resolução de disputas comerciais no âmbito do OSC é vital para a aplicação das regras e, portanto, para assegurar fluxos comerciais sem problemas (OMC, 2009). As divergências comerciais insolúveis por meio de negociação direta entre os países envolvidos e que ultrapassem o âmbito da integração econômica regional muitas vezes dotado de sistemas próprios de solução de controvérsias atingem seu ponto final no OSC, que atua por meio de painéis, uma espécie de tribunal onde se discutem os atos que um país praticou contra outro e os juízes dos painéis decidem o que é aceitável de acordo com as regras de concorrência comercial. Neste sentido, o OSC garante a segurança jurídica na solução dos litígios, pois estabelece um mecanismo eficaz no sentido de promover um maior entendimento entre os Estados soberanos (CRETELLA NETO, 2003).

254 O objetivo principal do sistema de controvérsias é garantir... uma solução positiva e pacífica para as controvérsias... (MELLO, 2004, p. 329) e preferencialmente dar soluções que sejam aceitáveis entre os membros envolvidos e que esteja em conformidade com os acordos abrangidos. São, portanto, funções do OSC: autorizar a criação de painéis; adotar o relatório do painel ou aquele elaborado pelo órgão de apelação; acompanhar a implementação das recomendações sugeridas pelo relatório do painel, determinando se há obediência às normas da OMC; e, por último, autorizar a imposição de sanções aos países que não se adequarem ao relatório (FELIX, 2002). A credibilidade no sistema de solução de controvérsias da OMC resulta, principalmente, da sua efetividade, ou seja, o sistema permite a aplicação de sanções econômico-comerciais aos países-membros que infringirem as regras fixadas nos acordos da organização. A efetividade é um fator que distingue o sistema de solução de controvérsias da OMC dos demais tribunais internacionais, como apresenta Barral (2002, p. 28): De fato a sanção econômico-comercial, materializada na forma de retaliações e suspensão de benefícios, faz que a demanda pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) seja muito maior que o recurso a outros tribunais internacionais, demanda inclusive mais volumosa que a da própria Corte Internacional de Justiça; e o índice de cumprimento das decisões do OSC seja bastante significativo. Ambos são indícios da importância e da efetividade do mecanismo criado pela OMC. A imposição de sanções é a última alternativa, devendo ser usada quando determinado país não se adequar ao relatório, como no caso da elevação de tarifas em compensação aos prejuízos sofridos. É claro que os países deveriam mudar suas políticas comerciais voluntariamente. Outrossim, isso nem sempre ocorre, e, para tanto, existe a possibilidade da imposição de sanções. Na prática, os países acabaram por adquirir a chance de efetivar as decisões dos painéis. Nesta perspectiva, torna-se evidente a importância do OSC para a luta por melhores práticas no comércio internacional (JACKSON, 2004). No Brasil, os órgãos mais influentes sobre os litígios apresentados à OMC são a Câmara de Comércio Exterior - Camex e a Coordenação Geral de Contenciosos CGC. De acordo com Cabral (2008), o Brasil já esteve envolvido em 37 disputas comerciais na OMC. Destas, 23 foram queixas feitas contra outros países (Figura 1) e 14 se constituíram a partir de reclamações de outras nações contra o Brasil. Além dos 18 casos em que já houve decisão, o país também esteve envolvido em 17

255 consultas de terceira parte, que são verificações feitas por países sobre a validade das práticas comerciais de outros, sem a criação de painéis de conciliação. A participação em litígios como terceira parte requer esforços e recursos mínimos, sendo normalmente decidida pela CGC, sem formalidades e sem consulta à Camex ou a outras instâncias do Poder Executivo brasileiro. Figura 1. Países com os quais o Brasil possui disputas comerciais como demandante na OMC. Fonte: WTO (2009). O Brasil é o quarto país com maior número de disputas na OMC. O líder nas disputas são os Estados Unidos, com 201 casos. Na seqüência aparece a União Européia, com 148 e o Canadá, com 48 processos (OMC, 2009). De acordo com Arbix (2008), até hoje as demandas propostas pelo Brasil na OMC acompanharam fielmente as previsões relativas à sua pauta de exportações. Nove pedidos de consultas dirigiram- se aos EUA, seis às Comunidades Européias, três ao Canadá, dois à Argentina, um ao México, um à Turquia e um ao Peru. Os litígios do Brasil dirigidos aos países desenvolvidos, 18 dentre 23, representam 80% do total. Este percentual confirma que a escolha estratégica de demandas pelos países pobres privilegia seus mercados principais (GUZMAN e SIMMONS, 2005). As controvérsias da OMC têm, em geral, sido bem-sucedidas para modificar políticas nacionais e para fomentar mudanças de rumo nas negociações comerciais. O mecanismo de solução de controvérsias é, enfim, imprescindível para que os acordos firmados pelos membros da OMC gozem de efetividade. DISPUTAS AGRÍCOLAS

256 Principalmente a partir dos anos de 1990, com a estabilidade econômica e a desvalorização cambial, acompanhada pela redução das barreiras comerciais e por uma forte expansão da economia global, ocorreu a ampliação do grau de abertura econômica e o aumento do comércio internacional brasileiro. O Acordo sobre Agricultura da OMC, que também surgiu como resultado da Rodada Uruguai, não contemplou plenamente as necessidades dos países em desenvolvimento. O grupo de Cairns (grupo de países exportadores de produtos agropecuários), composto por África do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Fiji, Filipinas, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paraguai, Tailândia e Uruguai, que são responsáveis por cerca de 25% da produção agrícola mundial (CAIRNS GROUP, 2009), luta pela liberalização do comércio mundial de produtos agropecuários por meio da redução tarifária para os produtos agrícolas, da redução ou eliminação das barreiras não-alfandegárias, e, especialmente, da revisão da forte política de subsídios ao setor agrícola praticada nos países desenvolvidos. Estados Unidos, União Européia e Japão têm subsídios que alteram e prejudicam especialmente o esforço exportador das nações em desenvolvimento, além de colocar os preços das principais commodities agrícolas muito abaixo do que deveria ser o seu preço efetivo, enfraquecendo exatamente a área em que as economias em desenvolvimento são mais competitivas e mais eficientes, como é o caso do Brasil. Conforme Figueiredo et al., (2008), no ano de 2001 a União Européia subsidiou a sua agricultura com cerca de US$ 35 bilhões ao ano, os EUA com US$ 21 bilhões e o Japão com US$ 6 bilhões. Em 2004, os subsídios totais dos EUA atingiram US$ 43,45 bilhões (BUREAU ECONOMIC ANALYSIS, 2005). Tais subsídios representam uma enorme perda de acesso das exportações dos países em desenvolvimento aos mercados daquelas nações. O montante de apoio interno ou de subsídios domésticos conferidos ao setor agrícola é uma medida utilizada como parâmetro para as notificações à OMC, sendo freqüentemente usada em análises e negociações comerciais envolvendo o setor subsidiado (JANK e JALES, 2003). O Acordo sobre Agricultura da OMC colocou ao alcance do OSC problemas relacionados à agricultura, antes resguardados de sua apreciação e o aumento das demandas relativas às novas regras agrícolas da OMC corresponde também ao término da Cláusula da Paz, que refreava contenciosos nesse campo.

257 A Cláusula da Paz estabeleceu, em 1994, que os países signatários do Acordo Agrícola da Rodada do Uruguai se limitariam a conceder um volume específico de subsídios que não distorcessem o comércio agrícola internacional, ou seja, essa cláusula representava uma restrição ao questionamento de subsídios agrícolas. A Cláusula da Paz expirou em dezembro de 2003 e os subsídios tornaram-se passíveis de contestação em painéis, ficando sujeitos à adoção de medidas compensatórias. Pelos motivos expostos, é importante que os países em desenvolvimento, como no caso do Brasil, utilizem o OSC para reclamarem seus direitos comerciais diante das desigualdades, especialmente no comércio de produtos agrícolas. No OSC, as causas das reclamações brasileiras obedecem a motivos econômicos e políticos. Os primeiros estão relacionados ao perfil das exportações brasileiras, e os segundos são decorrentes, especialmente, do andamento das negociações comerciais. Os demandados são, via de regra, os principais mercados de exportação dos produtos brasileiros e os objetos das disputas, isto é, as medidas questionadas, guardam relação próxima com a pauta de exportação nacional. É possível verificar tendências nas demandas brasileiras. Se forem excluídas, dos 23 pedidos de consultas, as disputas sobre combustíveis, defesa comercial e propriedade intelectual, nove são as demandas restantes e estas tratam de produtos do agronegócio (ARBIX, 2008). Costumeiramente, no OSC o Brasil realiza pressão por acesso a mercados agrícolas e por diminuição de subsídios nos maiores mercados importadores. São reivindicações brasileiras centrais: cortes nas tarifas sobre produtos agrícolas, eliminação dos subsídios à exportação e controles mais impositivos sobre subsídios domésticos. Os membros da OMC mais resistentes a tais propostas são justamente os Estados Unidos e Comunidades Européias, alvos de oito das nove demandas brasileiras envolvendo agronegócios (ARBIX, 2008). DESENHO DO ESTUDO Neste estudo os dados foram coletados no site da OMC (http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dispu_e.htm#intro). As disputas

258 pesquisadas foram os casos agrícolas envolvendo o Brasil como demandante, desde a criação da OMC em 1995. Os casos pesquisados foram: o imposto especial cobrado pela Flórida sobre produtos processados de laranja (DS 250), os subsídios ao algodão (DS 267), ambos contra os Estados Unidos e os subsídios à exportação de açúcar contra a União Européia (DS 266). Todos os conflitos envolvendo o Brasil como demandante ocorreram no ano de 2002. Foi realizada a análise comparativa dos seguintes itens descritos nos documentos referentes a cada disputa: atores participantes da disputa; razões da disputa; contra-argumentação do país demandado e decisão final do OSC. AS DISPUTAS AGRÍCOLAS DO BRASIL COMO DEMANDANTE NA OMC DISPUTA DS250 IMPOSTO DE EQUALIZAÇÃO DO ESTADO DA FLÓRIDA SOBRE O SUCO DE LARANJA (INÍCIO EM 20/03/2002) Atores: os atores envolvidos nessa disputa foram o Brasil como demandante, Estados Unidos como demandado e Chile, União Européia, México e Paraguai como terceira parte. Razões da disputa: Em março de 2002, o Brasil reclamou na OMC que o imposto de equalização cobrado pela Flórida sobre o suco concentrado de laranja constituía violação de dispositivos do GATT 1994, no que diz respeito à cláusula do tratamento nacional (Artigo III), que determina que os países devem dar aos produtos importados o mesmo tratamento concedido aos nacionais. É com base nesta cláusula que os países se defendem de atitudes discriminatórias no comércio internacional.

259 A taxa de equalização dos produtos importados é cobrada para compensar os produtores locais da Flórida, eliminando a vantagem do suco importado. Essa taxa é um fator decisivo para diminuir a competitividade do suco brasileiro no mercado norte-americano, já que o Brasil é o principal exportador do produto para os EUA, US$ 80 milhões anuais só para o estado da Flórida. A Flórida cobra US$40 a mais por tonelada de suco, além da já cobrada tarifa de US$ 418, paga quando a laranja entra nos EUA. Isso significa que o suco americano paga menos US$ 458 por tonelada que o brasileiro. O destino da arrecadação proveniente dessa taxa era o investimento na propaganda do suco de laranja dos produtores locais, concorrentes do brasileiro. A barreira ao suco de laranja vinha sendo aplicada desde 1970, sendo a mais antiga lei protecionista enfrentada pelos exportadores brasileiros. Contra-argumentação: Não houve Decisão final: Após rodadas de consultas entre os dois governos e consultas entre a indústria da Flórida e o Estado da Flórida, em abril de 2004 o legislativo alterou o estatuto da Flórida no que se refere ao imposto sobre equalização e o governador assinou a alteração da lei. Houve, portanto, entendimento entre as partes e o governo brasileiro considerou que foi alcançada solução mutuamente satisfatória para a disputa. Em maio de 2004, Brasil e EUA dirigiram notificação conjunta ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC comunicando o entendimento e o painel foi encerrado. O resultado final foi ganho de causa para o Brasil. DISPUTA DS266 SUBSÍDIOS À EXPORTAÇÃO DE AÇÚCAR (INÍCIO EM 27/09/2002) Atores: Os atores envolvidos nessa disputa foram o Brasil como demandante, União Européia como demandada e Austrália, Barbados, Belize, Canadá, China, Colômbia, Cuba, Fiji, Guiana, Índia, Jamaica, Quênia, Madagascar, Malawi, Ilhas Maurício, Nova Zelândia, Paraguai, São Cristóvão e Nevis, Suazilândia, Tanzânia, Tailândia, Trinidad e Tobago, Estados Unidos e Costa do Marfim como terceira parte. Razões da disputa: Em setembro de 2002 foi solicitada pelo Brasil, acompanhado por Austrália e Tailândia, a abertura de um painel na OMC

260 questionando dois elementos do regime do açúcar europeu: a exportação de excedentes de produção o açúcar da quota C (açúcar proibido de ser vendido no mercado comunitário), comercializado na União Européia (UE) e exportado com subsídios diretos e a reexportação subsidiada do açúcar originário das excolônias européias na África, Caribe e Pacífico ACP e da Índia, acima dos limites acordados pela União Européia no âmbito do Acordo sobre Agricultura da OMC. O regime de açúcar das CE prejudica os países em desenvolvimento de quatro maneiras: restringe o acesso ao seu mercado por meio de cotas e tarifas altas ao açúcar refinado; ao promover artificialmente as exportações européias, tira terceiros mercados dos países mais competitivos; impede que os países da própria ACP agreguem valor ao seu açúcar, que jamais entra refinado na Europa; e derruba os preços internacionais do produto. O Brasil é atualmente o produtor de açúcar mais competitivo do mundo, com custos que giram em torno de US$ 150 milhões. É o maior produtor mundial, com cerca de 23% da produção, sendo responsável por aproximadamente 37% do açúcar comercializado no mercado internacional (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA, 2004). A produção do bloco europeu não consegue competir com o açúcar brasileiro, pois os custos de produção de açúcar de beterraba são consideravelmente superiores aos da produção do açúcar de cana (SILVEIRA E BURNQUIST, 2004). Além disso, é importante considerar que o preço pago ao produtor doméstico na UE vem sendo mantido em nível bastante superior ao do mercado mundial. (BURNQUIST E BACCHI, 2002). Contra-argumentação (no Órgão de Apelação da OMC): A União Européia recorreu ao Órgão de Apelação da OMC em janeiro de 2005. Brasil, Austrália e Tailândia, em resposta ao recurso europeu, também levaram ao Órgão de Apelação questões secundárias da decisão do painel. O Órgão de Apelação reuniu-se com as partes da disputa e em abril de 2005 emitiu seu relatório dando ganho de causa aos co-demandantes Brasil, Austrália e Tailândia. Decisão final: A OMC anunciou reconhecer que a União Européia concede subsídios à exportação do açúcar acima dos limites estipulados, confirmando a decisão do OSC, e requer a adequação de sua política para o açúcar às obrigações firmadas perante a OMC.

261 A OMC considerou correta a argumentação de que o bloco europeu concede subsídios acima do que foi firmado em compromissos comerciais anteriores e deu ganho de causa também para a questão do açúcar da cota C. Nesse caso, a ênfase é para o reconhecimento de que exportações estão indiretamente distorcendo esse mercado. O prazo para a União Européia implementar as recomendações aprovação da reforma do regime europeu de açúcar e monitoramento das exportações européias aos níveis recomendados pelo OSC foi decidido por meio de arbitragem, cujo relatório, divulgado em outubro de 2005, concedeu prazo de 12 meses e 3 dias à União Européia para a implementação dessas recomendações. O resultado definitivo foi o ganho de causa ao Brasil no painel e no Órgão de Apelação, bem como para Austrália e Tailândia. DISPUTA DS267 SUBSÍDIOS AO ALGODÃO AMERICANO (INÍCIO EM 27/09/2002) Atores: Os atores envolvidos nessa disputa foram o Brasil como demandante, Estados Unidos como demandado e Argentina, Austrália, Benin, Canadá, Chade, China, Taipei Chinês; União Européia, Índia, Nova Zelândia, Paquistão, Paraguai, Venezuela, Japão e Tailândia como terceira parte. Razões da disputa: A demanda, iniciada em setembro de 2002 com pedido de consulta por parte do Brasil, envolveu o questionamento de subsídios concedidos pelos Estados Unidos à produção e à exportação de algodão. O Brasil questionou programas de apoio interno à cotonicultura norte-americana, por entender que tais subsídios causavam graves prejuízos ao país. Foram questionados tanto os subsídios proibidos como os acionáveis, nos termos do Acordo sobre Agricultura e do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. Os subsídios proibidos referem-se a três programas de

262 garantias de crédito à exportação 3 GSM 102, GSM 103 e SCGP que, de acordo com o Brasil, configuravam subsídios à exportação e estavam incompatíveis com os compromissos dos Estados Unidos no Acordo sobre Agricultura da OMC. Os subsídios acionáveis referem-se a três programas de apoio interno norte-americanos Marketing Loan 4, Counter-Cyclical Payments 5 e Step 2 6 que violavam o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. O total de subsídios questionados foi da ordem de US$12,5 bilhões, com os quais os produtores norte-americanos receberam benefícios de até 120% sobre o valor do preço de mercado. Com estes subsídios, os Estados Unidos foram capazes de manter sua posição como segundo maior produtor e maior exportador mundial de algodão, seguidos pelo Brasil. Contra-argumentação (no Órgão de Apelação da OMC): A decisão do painel foi levada pelos Estados Unidos ao Órgão de Apelação, que em março de 2005 deu ganho de causa para o Brasil. Em setembro de 2006, o Brasil solicitou a formação de um painel de revisão na OMC (Artigo 21.5 do Dispute Settlement Understanding) para examinar a adequação do processo de implementação das determinação da OMC pelo governo norte-americano. O Brasil argumentou que os EUA não deram pleno cumprimento às decisões do OSC no contencioso, na medida em que os programas de apoio doméstico remanescentes (Marketing Loan e Counter-Cyclical Payments) continuaram a causar prejuízos graves ao Brasil e que o programa GSM 102 de garantias de crédito à exportação, a despeito das modificações nele introduzidas, continuou a configurar subsídio proibido à exportação. O relatório do painel de 3 Garantias de Crédito à Exportação: facilitam a obtenção de crédito por importadores nãoamericanos, aumentando a competitividade do produto norte-americano, em detrimento dos demais competidores naquele mercado importador. 4 Marketing Loan Program: garante aos produtores renda de 52 centavos de dólar por libra-peso da produção de algodão. Se os preços ficarem abaixo desse nível, o Governo norte-americano completa a diferença. É o mais importante subsídio doméstico concedido pelo governo norte-americano ao algodão. 5 Counter-Cyclical Payments (Lei agrícola de 2002): realizado tendo como parâmetro o preço de 72,4 centavos de dólar por libra-peso. Tais recursos custeiam a diferença entre os 72,4 centavos de dólar por libra-peso (target price) e o preço praticado no mercado ou o valor de 52 centavos de dólar por libra-peso (loan rate), o que for mais alto. 6 Step 2: pagamentos feitos a exportadores e a consumidores (indústria têxtil) norte-americanos de algodão para cobrir a diferença entre os preços do algodão norte-americano, mais altos, e os preços do produto no mercado mundial, aumentando dessa forma a competitividade do algodão norteamericano.

263 revisão foi circulado em dezembro de 2007, dando novamente ganho de causa ao Brasil. Os Estados Unidos entraram, em fevereiro de 2008, com procedimento de apelação contra a decisão do painel de revisão. O Órgão de Apelação, em relatório final circulado em junho de 2008, deu novamente ganho de causa ao Brasil, confirmando as decisões do painel de revisão. O Brasil acionou em agosto de 2008, procedimento arbitral (artigo 22.6 do Dispute Settlement Understanding) para definir o valor da contramedida (retaliação) que será adotada em relação aos Estados Unidos. O Brasil solicitou o direito de retaliação de US$ 2,5 bilhões que, se aprovados, serão aplicados na forma de tarifas adicionais para a importação de produtos americanos, a fim de que os Estados Unidos efetivamente cumpram as determinações da OMC para o caso do algodão. Decisão final: Todos os painéis e apelações deram razão sucessivamente aos brasileiros. As decisões condenaram amplamente os subsídios norteamericanos ao algodão, tanto com relação aos subsídios proibidos, como aos subsídios acionáveis. Em agosto de 2009, o resultado definitivo emitido por arbitragem foi ganho de causa ao Brasil nos painéis e no Órgão de Apelação. No que diz respeito aos subsídios proibidos, o painel e o Órgão de Apelação consideraram que os três programas de garantias de crédito à exportação configuravam subsídios à exportação, aplicados de forma incompatível com os compromissos dos Estados Unidos no Acordo sobre Agricultura da OMC. Julgou-se que tais subsídios eram violatórios tanto do Acordo sobre Agricultura como do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. Com respeito aos subsídios acionáveis, o painel e o Órgão de Apelação consideraram que os três programas de apoio interno norte-americanos causavam prejuízo grave ao Brasil, tendo gerado supressão significativa dos preços do algodão no mercado internacional, em violação ao artigo 6.3 (c) do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. A disputa do caso dos subsídios ao algodão americano durou sete anos. Até 2009 ocorreram cinco grandes decisões sobre este tema e em todas o Brasil obteve ganho de causa.

264 Nos três casos de disputas na OMC apresentados, a instalação de painéis junto ao OSC demonstra que o Brasil está buscando a oportunidade de competir, em pé de igualdade, no mercado internacional dos produtos agrícolas. Foi possível constatar a efetividade do OSC da OMC. Não se pode negar que o sistema obtém sucesso considerável na busca de soluções comerciais pacíficas, devendo os países membros buscarem o seu aperfeiçoamento e continuarem a garantir a ordem do comércio mundial. Todas as disputas agrícolas nas quais o Brasil esteve envolvido como demandante foram contra os Estados Unidos e a União Européia, os principais países desenvolvidos do mundo e os que mais sofrem reclamações na OMC. Das 400 disputas existentes na OMC desde a sua criação, Estados Unidos e União Européia estão envolvidos em 349, sendo 174 como demandantes e 175 como demandados (OMC, 2009). As motivações que levaram o Brasil às disputas agrícolas discutidas neste artigo referem-se a subsídios agrícolas e sobretaxas de produtos agrícolas importados, demonstrando a postura dos países ricos na tentativa de diminuir a competitividade dos produtos agrícolas brasileiros. É importante destacar que esses países não possuem aptidão agrícola natural e por esse motivo, precisam fornecer subsídios e aplicar sobretaxas para dominar o mercado dos produtos agrícolas. Essa é uma das principais questões, ainda pendente, na Rodada Doha. A atuação comercial desigual dos países desenvolvidos através do fornecimento de dinheiro para a produção agrícola nacional e da utilização de estratégias protecionistas que ferem as regras do comércio internacional não permite e coloca distante o desenvolvimento igualitário entre todas as nações. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados permitiram constatar a importância do OSC para o entendimento dos conflitos comerciais entre o Brasil e os países importadores de produtos agrícolas brasileiros Estados Unidos e União Européia e visualizar o posicionamento pacífico do Brasil com relação às demandas agrícolas, em busca de igualdade mercadológica e justiça nas transações comerciais internacionais.

265 Através das informações descritas neste artigo, foi possível demonstrar que o OSC da OMC obtém sucesso efetivo na busca de soluções comerciais pacíficas para garantir a ordem do comércio mundial. Todas as disputas agrícolas nas quais o Brasil esteve envolvido como demandante foram contra os Estados Unidos e a União Européia, países que mais sofrem reclamações no OSC da OMC. Demonstrou-se a postura dos países ricos que, através de estratégias protecionistas, diminuem a competitividade dos produtos agrícolas brasileiros por meio de subsídios e sobretaxas, ferindo as regras do comércio internacional e inviabilizando o desenvolvimento equânime de todos os países do globo. REFERÊNCIAS ARBIX, D. Contenciosos brasileiros na Organização Mundial do Comércio (OMC): pauta comercial, política e instituições. Revista Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 30, n. 3, set./dez. 2008. BARRAL, W. (Org). O Brasil e a OMC. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2002. BUREAU ECONOMIC ANALYSIS. Annual industry accounts. 2005. Disponível em: <http://www.bea.gov/>. Acesso em: 10 set. 2009. BURNQUIST, H. L.; BACCHI, M. R. P. Análise de barreiras protecionistas no mercado de açúcar. In: MORAES, M. A. F. D.; SHIKIDA, P. F. A. (Orgs.). Agroindústria canavieira no Brasil: evolução, desenvolvimento e desafios. São Paulo: Atlas, 2002. CABRAL, M. Brasil vence metade de suas disputas na OMC. G1 globo.com - notícias - economia e negócios. São Paulo: 08 jun. 2008. Disponível em: http://g1.globo.com/noticias/economia_negocios/0,,mul591903-9356,00- BRASIL+VENCE+METADE+DE+SUAS+DISPUTAS+NA+OMC.html. Acesso em: 03 out. 2009. CAIRNS GROUP. Cairns Group Economic Indicators. Disponível em: <http://www.cairnsgroup.org/statistics/cg_economic_statistics.pdf>. Acesso em: 07 out. 2009. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA. Cana-de-açúcar: OMC confere que Brasil produz açúcar sem subsídio. 2004. Disponível em: <http://www.cna.org.br/site/noticia.php?n=3535>. Acesso em 22 dez. 2009. CRETELLA NETO, J. Direito processual na Organização Mundial do Comércio OMC: casuística de interesse para o Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

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