DIVERSIDADE, ESTRUTURA E SÍNDROME DE DISPERSÃO DE ESPÉCIES LENHOSAS COMPONENTES DO SUB-BOSQUE DE UM POVOAMENTO DE Eucalyptus sp. NA REGIÃO CENTRAL DO RIO GRANDE DO SUL Rafael Marian Callegaro 1,*, Solon Jonas Longhi², Ângelo Augusto Ebling³, Leonardo Job Biali¹ 1 Engenheiro Florestal, aluno do Curso de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS. E-mail: mariancallegaro@yahoo.com.br, ljbiali@yahoo.com.br. 2 Dr., Professor Titular, Departamento de Ciências Florestais, Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS. E-mail: longhi.solon@gmail.com. 3 Engenheiro Florestal, aluno do Curso de Mestrado, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências Florestais, Universidade Estadual do Centro-Oeste, Campus Irati, Irati, PR. E-mail: angeloflorestal@gmail.com. * Autor para correspondência. Resumo: O objetivo deste trabalho foi caracterizar a diversidade e aspectos estruturais, e determinar a síndrome de dispersão de espécies lenhosas componentes do sub-bosque de um povoamento de Eucalyptus sp., em Santa Maria, RS. Foram alocadas, sistematicamente, dentro de 8 linhas paralelas eqüidistantes 50 m, 40 parcelas com dimensão de 5 x 5 m (25 m 2 ) e distantes 10 m uma da outra. Os indivíduos foram amostrados em 3 classes de altura (h): Classe I h 1 m; Classe II 1 m < h 3 m; e Classe III h > 3 m. Foram encontrados 747 indivíduos pertencentes a 27 espécies e 17 famílias botânicas. Encontrou-se 20 espécies de dispersão zoocórica, 5 espécies anemocóricas e 2 espécies autocóricas. Nas classes de altura I, II e III, Prunus myrtifolia (L.) Urb., Eugenia uniflora L.e Pinus sp. foram as espécies que apresentaram maior densidade de indivíduos e freqüência de ocorrência nas parcelas. O Índice de Diversidade de Shannon estimado foi de 1,66 nats/ind. e o índice de equabilidade de Pielou foi 0,51. Palavras-chave: regeneração natural, biodiversidade, plantios florestais, fitossociologia, classes de altura, aspectos ecológicos Introdução Em uma paisagem degradada ou descoberta de florestas, a formação de comunidades arbóreas é prejudicada por alguns fatores como a ausência de chuva e/ou banco de sementes, e um ambiente desfavorável a germinação destas sementes. Espécies arbóreas, como as do gênero Eucalyptus sp., utilizadas em povoamentos comerciais conseguem se desenvolver consideravelmente em sítios de baixa qualidade. Assim, pode fornecer ambiente favorável a chegada de sementes e ao desenvolvimento das plântulas. Segundo Neri et al. (2005), a abordagem ecológica do sub-bosque de plantas nativas em plantios silviculturais tem como pontos fundamentais o reconhecimento de quais espécies ocorrem e o entendimento de como se relacionam com o meio abiótico. Além disso, o conhecimento da estrutura da regeneração estabelecida pode auxiliar no planejamento da condução dessa vegetação visando à estruturação de povoamento heterogêneo até um estágio de sucessão ecológica mais avançada. Este trabalho objetivou caracterizar a diversidade e aspectos fitossociológicos, e determinar a síndrome de dispersão de espécies lenhosas componentes do sub-bosque de um povoamento de Eucalyptus sp., localizado no Município de Santa Maria, Região Central do Estado do Rio Grande do Sul. Material e Métodos A área de estudo localiza-se no Campus da Universidade Federal de Santa Maria, município de Santa Maria, RS, entre as coordenadas 29 43 00 e 29 43 07 S, 53 43 19 W e 53 43 34 W, com altitude média de 98 m, na região fisiográfica denominada de Depressão Central.
O clima da região é do tipo Cfa (Subtropical Úmido) de acordo com a classificação climática de Köppen (MORENO, 1961). O povoamento de Eucalyptus sp. tem aproximadamente 27 anos e possui área de 3,5 ha, implantado inicialmente em área de vegetação campestre. Atualmente, o povoamento é circundado a oeste por um talhão de pinus, ao norte por fragmento com eucaliptus ao lado de um talhão de pinus, a sul por capoeirão e a leste por uma pequena quantidade de eucaliptus. O povoamento de Eucalyptus foi plantado no espaçamento de 2 x 2 m, em área de forma geométrica irregular, com orientação no sentido N S. Aos 12 anos de idade, realizou-se um corte raso em grande parte do talhão, sendo que no restante fora utilizado o desbaste por alto fuste, o que revela uma talhadia de 15 anos. A coleta dos dados foi realizada no ano de 2008. Para a amostragem foram instaladas 40 parcelas de 5 x 5 m, que totalizaram 1.000 m² de superfície amostral, distribuídas sistematicamente em 8 linhas paralelas, distantes entre si em 50 m e orientadas na direção Norte-Sul, instalados a partir de uma borda de 5 m. As parcelas foram alocadas mantendo-se a distância de 10 m entre uma e outra. Como critério de inclusão, os indivíduos foram amostrados em três classes de altura: Classe 1 - altura inferior ou igual a 1 m (h 1 m); Classe 2 - altura acima de 1 m até 3 m (1 m < h 3 m); Classe 3 - altura maior que 3 m (h > 3 m) e Circunferência à Altura do Peito (CAP, tomado à 1,30 m de altura) inferior a 30 cm. As espécies que não tiveram identificação imediata foram coletadas e levadas para a determinação no Herbário do Departamento de Ciências Florestais (HDCF), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Para atualização e confirmação da nomenclatura das espécies e nome dos respectivos autores foi utilizado o site do Missouri Botanical Garden (2010). A delimitação das famílias seguiu o sistema de classificação Angiosperm Phylogeny Group (APG III, 2009). Calculou-se o índice de diversidade de Shannon e o índice de Equabilidade de Pielou para caracterizar a diversidade de espécies. Os aspectos fitossociológicos estimados foram densidade de indivíduos e a frequência de ocorrência nas parcelas. Quanto à síndrome de dispersão as espécies foram classificadas em 3 tipos: zoocóricas (Zoo) - quando são dispersas por animais, anemocóricas (Ane) quando são dispersas pelo vento e autocóricas (Aut) quando apresentam dispersão por gravidade, explosão ou características próprias de dispersão. Essa classificação se baseou em observações a campo e no conhecimento prévio sobre o tipo de fruto e/ou semente pertencente a cada espécie que permite a determinação da síndrome de dispersão. Estratificaram-se as espécies lenhosas da regeneração nas classes de altura amostradas. Resultados e Discussão Foram encontrados 747 indivíduos com densidade total de 7470 ind/ha. Os indivíduos amostrados pertencem a 27 espécies distribuídas em 17 famílias (Tabela 1). O Índice de Diversidade de Shannon calculado para o povoamento foi de 1,67 nats/ ind. Ávila et al. (2007) encontraram 1,93 nats/ind em um povoamento de Eucalyptus camaldulensis em Santa Maria, RS. Esses valores denotam a baixa diversidade da regeneração avaliada em alguns povoamentos de Eucalyptus. A proximidade com florestas vizinhas, de uma fisionomia vegetal que apresenta diferentes níveis de riqueza de espécies e densidade de indivíduos, está intimamente ligada à diversidade no povoamento de estudo (NERI et al., 2005).
O índice de equabilidade de Pielou estimado foi 0,51, indicando baixa equabilidade e dominância da regeneração natural por espécies de elevada abundância, como Prunus myrtifolia e Eugenia uniflora. Relacionase o baixo valor do índice de Pielou a disparidade de abundância entre as espécies amostradas, em que algumas concentram a maior parte dos indivíduos em detrimento da baixa densidade das demais espécies. A diversidade da regeneração natural, citada para diversas plantações florestais, é de difícil comparação por causa de algumas diferenças metodológicas, como área amostral, tamanho e idade do povoamento e fitogeografia da região. Entretanto, a maioria dos valores de diversidade encontrada, na literatura, indica que apesar deste índice ser menor nessas plantações quando comparado com ambientes naturais, elas não impedem o desenvolvimento de espécies nativas em seu sub-bosque (MOCHIUTTI; HIGA; SIMON, 2008). Os indivíduos amostrados possuem síndrome de dispersão predominantemente zoocórica (20 espécies), seguida de anemocórica (cinco espécies) e autocórica (duas espécies). Associa-se a dominância da zoocoria à capacidade do povoamento de Eucalyptus sp. em servir como abrigo e poleiro para agentes dispersores. A sindrome zoocórica predomina sobre a anemocórica e a autocoórica também no número de indivíduos amostrados, apresentando 91,4% em relação a 8,6 % dessas duas síndromes conjuntamente. Em todas as classes de altura Prunus myrtifolia apresentou a maior densidade. Esta espécie é classificada como secundária inicial (CATHARINO et al., 2006), que necessita de plena luz para crescimento e reprodução. Assim, constatou-se que P. myrtifolia se adaptou bem ao sub-bosque do povoamento de Eucalyptus, o que pode estar relacionado à maior abertura do dossel e, consequentemente, a intensa luminosidade incidente no subbosque. Ainda na Classe I, verificou-se que Eugenia uniflora apresentou uma elevada densidade. Cabe ressaltar que várias espécies como Syagrus romanzoffiana e Acacia mearnsii tiveram representantes apenas nesta classe. Na Classe II, Prunus myrtifolia têm maior densidade, sendo acompanhado por Eugenia uniflora e Pinus sp. Percebe-se que o número de indivíduos diminuiu na maioria das espécies, o que não ocorreu com Parapiptadenia rigida e Sebastiania commersoniana, as quais não possuíam indivíduos na Classe I. Na Classe III, verifica-se que Prunus myrtifolia, Pinus sp. e Handroanthus chrysotrichus apresentam as maiores densidades. Ressalta-se que Eugenia uniflora apresentou uma proporção de indivíduos menor que 2% do que possuía na Classe I. Este fato ocorre devido à característica heliófila da planta (LORENZI, 2002), ao passo que o sombreamento ocasionado pelo dossel do povoamento dificultaria o desenvolvimento das plântulas de Eugenia uniflora. Quanto ao parâmetro freqüência destacam-se Prunus myrtifolia, Eugenia uniflora, Pinus sp., Solanum erianthum e Myrsine coriacea. Nota-se que nenhuma das espécies se encontra presente em todas as parcelas. Cabe ressaltar que S. erianthum e M. coriacea, apesar de não possuírem densidade expressiva, estiveram presentes entre as cinco espécies mais freqüentes no povoamento. Conclusões O sub-bosque lenhoso no interior do povoamento de Eucalyptus sp. possui uma baixa diversidade, que pode estar relacionada à distância de formações florestais, e uma baixa equabilidade, que está relacionada à elevada abundância de poucas espécies. As espécies Prunus myrtifolia e Eugenia uniflora se adaptaram melhor ao sub-bosque, apresentando maior densidade de indivíduos e maior ocorrência nas parcelas.
A síndrome de dispersão zoocórica é predominante na maioria das espécies e indivíduos. Prunus myrtifolia é a espécie que apresenta maior densidade de indivíduos nessa síndrome de dispersão, em ambas as classes de altura. Referências APG III. Angiosperm Phylogeny Group III. An update of the Angiosperm Phylogeny Group classification for the orders and families of flowering plants. Botanical Journal of the Linnean Society. London, v.16, [s.n], p.105-121, 2009. ÁVILA, Angela L. de et al. Regeneração Natural em um Sub-bosque de Eucalyptus camaldulensis Dehnh.,Santa Maria, RS. Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v.5, n.2, p.696-698, jul. 2007. CATHARINO, E. L. M. et al. Aspectos da composição e diversidade do componente arbóreo das florestas da Reserva Florestal do Morro Grande, Cotia, SP. Biota Neotropica, v. 6, n. 2, 2006. 2, LORENZI, Harri. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. 4. ed. Nova Odessa: Instituto Plantarum, 2002. MOCHIUTTI, Silas; HIGA, Antonio R.; SIMON, Augusto A. Fitossociologia dos estratos arbóreo e de regeneração natural em um povoamento de acácia-negra (Acacia mearnsii de Wild.) na região da Floresta Estacional Semidecidual do Rio Grande do Sul. Ciência Florestal, Santa Maria, v.18, n.2, p.207-222, abr.-jun., 2008. MORENO, José A. Clima do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria da Agricultura, 1961. 42 p. NERI, Andreza V. et al. Regeneração de espécies nativas lenhosas sob plantio de Eucalyptus em área de Cerrado na Floresta Nacional de Paraopeba, MG, Brasil. Acta Botanica Brasilica, São Paulo, v.19, n.2, p.369-376, 2005.
Tabela 1 Síndrome de dispersão, densidade de indivíduos em classes de altura e freqüência absoluta de espécies lenhosas componentes do sub-bosque de um povoamento de Eucalyptus sp., em Santa Maria, RS. Família Espécie SD Classes de altura FA I II III (%) N/ha Anacardiaceae Lithraea molleoides Engl. Zoo 30 10 0 40 7,5 Schinus terebinthifolia Raddi Zoo 50 10 30 90 12,5 Arecaceae Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman Zoo 200 0 0 200 5,0 Handroanthus chrysotrichus (Mart. ex A. DC.) Mattos Ane 20 60 50 130 5,0 Bignoniaceae Jacaranda micrantha Cham. Ane 10 0 0 10 2,5 Euphorbiaceae Sebastiania commersoniana (Baill.) L.B. Sm. & Downs Aut 0 20 0 20 2,5 Acacia mearnsii De Wild. Aut 20 0 0 20 5,0 Fabaceae Ateleia glazioveana Baill. Ane 20 10 20 50 10,0 Parapiptadenia rigida (Benth.) Brenan Ane 0 20 30 50 7,5 Lauraceae Ocotea sp. Zoo 10 0 0 10 2,5 Myrsinaceae Myrsine coriacea (Sw.) R. Br. ex Roem. & Schult. Zoo 130 10 0 140 17,5 Myrsine lorentziana (Mez) Arechav. Zoo 10 0 0 10 2,5 Myrtaceae Eugenia pyriformis Cambess. Zoo 10 10 0 20 2,5 Eugenia uniflora L. Zoo 1390 570 20 1980 57,5 Pinaceae Pinus sp. Ane 150 140 70 360 47,5 Pittosporaceae Pittosporum undulatum Vent. Zoo 10 0 0 10 2,5 Rhamnaceae Hovenia dulcis Thunb. Zoo 10 40 30 80 7,5 Rosaceae Eriobotrya japonica (Thunb.) Lindl. Zoo 10 10 0 20 5,0 Prunus myrtifolia (L.) Urb. Zoo 2850 590 280 3720 90,0 Rutaceae Zanthoxylum rhoifolium Lam. Zoo 230 10 0 240 12,5 Salicaceae Casearia sylvestris Sw. Zoo 10 0 0 10 2,5 Allophylus edulis (A. St.-Hil., Cambess. & A. Juss.) Sapindaceae Radlk. Zoo 50 20 0 70 10,0 Cupania vernalis Cambess. Zoo 10 0 0 10 2,5 Cestrum intermedium Sendtn. Zoo 20 0 0 20 2,5 Solanaceae Solanum erianthum D. Don Zoo 100 30 0 130 20,0 Solanum sp. Zoo 20 0 0 20 5,0 Symplocaceae Symplocos uniflora (Pohl) Benth. Zoo 0 0 10 10 2,5 Total 5370 1560 540 7470 350 Legenda: SD= Síndrome de dispersão; N/ha= número de indivíduos por hectare; FA= freqüência absoluta; Classes de altura I= altura 1m; II= 1 m < altura 3 m; III= altura > 3 m..