Alguns fatos interessantes sobre os reais 1 Gabriel Zanetti Nunes Fernandes 1 e Lúcia Renato Junqueira (Orientadora) 2 1 (Aluno) Universidade de São Paulo (USP), Brasil gabriel.zanetti@hotmail.com 2 Universidade de São Paulo (USP), Brasil Mostraremos também uma maneira não intuitiva de decompor R 3. As demonstrações requerem apenas fatos básicos sobre números ordinais, cardinais, o teorema da recursão transnita e o princípio da indução trans- nita. lucia@ime.usp.br 1. Introdução O conjunto dos números reais é utilizado em muitos cursos, principalmente nos de exatas. Nossa noção intuitiva do que seja uma reta, que é uma das representações do conjunto dos números reais, parece bastante clara. No entanto a construção e formalização deste conjunto foi feita pela primeira vez apenas em 1858 por Richard Dedekind. Muitas coisas foram desenvolvidas na matemática para se estudar o conjunto dos números reais, como por exemplo: dado um conjunto fechado F R, tomando sussecivamente o derivado (i.e o conjunto dos pontos de acumulção do conjunto dado) dos derivados de F, seria possível obter em alguma etapa, um conjunto fechado e sem pontos isolados ou um conjunto vazio? Essa foi a motivação original de George Cantor para o desenvolvimento de sua teoria de números ordinais. Se A denota o derivado de um conjunto A tomamos : F (0) = F, F α+1 = (F (α) ), F (α) = ξ<α (A(ξ) ) (α um ordinal limite ). É possível mostrar que para se obter um conjunto fechado sem pontos isolados ou um conjunto vazio, basta repetir este processo de tomar o derivado do conjunto uma quantidade no máximo enumerável de vezes. Apresentaremos neste trabalho alguns resultados sobre a cardinalidade de conjuntos relacionados ao conjuto dos números reais, como por exemplo a cardinalidade do conjunto das funções contínuas de R em R e a cardinalidade dos conjuntos fechados de R. Apresentaremos também um enunciado equivalente à Hipótese do Contínuo. Para mostrar um pouco da complexidade do contínuo construiremos alguns subconjuntos interessantes de R, R 2 e R 3, dentre eles alguns com propriedades aparentemente paradoxais. 1 Este trabalho foi orientado pela Profa. Dra. Lúcia Renato Junqueira e teve o apoio nanceiro do CNPQ. 2. Preliminares Aqui apresentaremos algumas das denições princiapais para a compreensão do texto, juntamente com alguns teoremas que serão usados com frequência nas demonstrações. Denição 2.1. Uma relação é uma ordem parcial sobre um conjunto A quando satisfaz : (i) x y e y z x z, (ii) x y y x. Denição 2.2. Uma ordem parcial é uma ordem linear em um conjunto A se e somente se para todo x, y A temos : x y ou y x ou x = y. Denição 2.3. Uma relação é uma boa ordem em um conjunto A se e somente se é uma ordem linear e para todo conjunto S A existe m S tal que para todo y S\{m} temos m y. Denição 2.4. Um conjunto T é transitivo se e somente se para todo t T temos t T. Denição 2.5. Um conjunto α é um ordinal se e somente se α é bem ordenado por e α é transitivo. Teorema 2.6 (Princípio da Indução Transnita ). Dado um conjunto A bem ordenado e uma propriedade P tal que : P (µ) vale, onde µ = mina, para α A, se vale P (β) para todo β α então vale P (α). Então para todo α A temos que vale P (α). Demonstração. Considere um conjunto A bem ordenado. Dada uma propriedade P como na hipótese do teorema, vamos mostrar que P (α) vale para todo α A. Para isso suponha que B = {α A P (α)} e tome η = minb. Como para todo α η temos que P (α) vale, então por hipótese temos que vale P (η), uma contradição. Portanto para todo α A vale P (α). 131
Teorema 2.7 (Teorema da Recursão Transnita). Seja Z um conjunto, α um ordinal e F a família de todas as ξ-sequências para ξ < α com valores em Z, ou seja F = ξ<α Zξ. Então para cada função h : F Z existe precisamente uma função f : α Z tal que : f(ξ) = h(f ξ ) para todo ξ < α. Vamos agora dar algumas denições relacionadas a cardinalidade de conjuntos. Denição 2.8. Dados A, B conjuntos, dizemos que A tem a mesma cardinalidade que B se e somente se existir uma função f : A B bijetora e escrevemos A = B. Quando não existir tal função dizemos que a cardinalidade de A é diferente da cardinalidade de B e escrevemos A B. Denição 2.9. Sejam A e B conjuntos. Dizemos que a cardinalidade de A é menor ou igual a cardinalidade de B se e seomente se existir f : A B injetora. Escrevemos A B. Denição 2.10. Seja α um ordinal. Dizemos que α é um cardinal se e somente se para todo β < α, temos β α. Os seguintes teoremas serão usados muito frequentemente nas demonstrações presentes neste texto. Teorema 2.11 (Bernstein-Cantor). Sejam A e B conjuntos. Então se A B e B A então A = B. Teorema 2.12. Seja A um conjunto innito. Então A = A A. 3. A cardinalidade do contínuo Vamos precisar das seguintes denições : Denição 3.1. Dado (A, ), sendo uma ordem linear em A, dizemos que é uma ordem linear densa em A se e somente se para todo x, y A existe z A tal que x z y. Denição 3.2. Dados (A, ) e B A, se para todo x, y A existe z B tal que x z y, dizemos então que B é denso em A. O próximo resultado nos dá uma caracterização para Q. Teorema 3.3. Sejam (P, ) e (Q, <) conjuntos enumeráveis linearmente ordenados e não limitados, tais que e < sejam ordens lineares densas respectivamente em P e Q. Então (P, ) e (Q, <) são isomorfos. Demonstração. Considere p n n N uma enumeração dos elementos de P e q n n N uma enumeração dos elementos de Q. Dizemos que uma função h de um subconjunto P em Q é um isomor- smo parcial de P em Q se vale p p se e somente se h(p) < h(p ), para todo p, p domh. Precisamos do seguinte fato : Se h é um isomorsmo parcial de P em Q tal que domh é nito, dados p P e q Q, existe um isomorsmo parcial h p,q tal que h h p,q e p domh p,q e q Imh p,q. Prova da armação: Seja h = {(p i1, q i1 ),..., (p ik, q ik )} onde p i1 p i2 p ik e q i1 < q i2 < q ik. Se p / domh, temos então p p i1 ou p ie p p ie+1 para algum 1 e k, ou p ik p. Tome então o menor número natural n tal que q n esteja na mesma relação com q i1, q i2,..., q ik. Podemos tomar tal q n pois < é uma ordem linear densa em Q e Q é não limitado. Assim h = h {(p, q n )} é um ismorsmo parcial. Se q / Imh nós repetimos o processo porém agora no conjunto P onde obteremos p m tal que h (p,q) = h {(p m, q)}. Assim a armação está provada. Podemos agora construir uma sequência de isomorsmos por recursão tal que : h 0 =, h n+1 = (h n ) pn,q n, onde (h n ) pn,q n é como na armção acima. Então h = n N h n será um isomorsmo entre (P, ) e (Q, <) Existem diversas maneiras de provar que o conjunto dos números reais é não enumerável, além da que vamos apresentar abaixo. Teorema 3.4. O conjunto R dos números reais é não enumerável. Demonstração. (R, <) onde < é a ordem usual de R é uma ordem densa linear tal que R é não limitado. Se R fosse enumerável, (R, <) seria isomorfo a (Q, <) pelo teorema anterior. Uma contradição pois R é completo e Q não é completo. Teorema 3.5. P (N) = 2 N = R. Demonstração. Para cada S N dena a função carcterística de S, χ S : N {0, 1}, da seguinte maneira: { 0 se n S χ S (n) = 1 se n / S É facil vericar que a correspondência entre os subconjuntos de N e as funções características é uma função injetora de P(N) em {0, 1} N. 132
Para completar a prova, nós mostraremos que R P(N) e também 2 N R e aplicaremos o teorema de Bernstein-Cantor. (a) Considere a construção dos números reais através dos cortes em Q. A função que leva cada número real r = (A, B) no conjunto A Q é uma função injetora de R em P(Q). Assim R P(Q) e portanto R P(N). (b) Para provar 2 N R nós usamos a representação decimal dos números reais (usando séries). A função que associa a cada sequência innita l 2 N o único número real cuja expansão decimal corresponde a l é uma função injetora de 2 N em R. Portanto 2 N R. O próximo teorema será usado várias vezes na demonstração de outros teoremas do texto. Teorema 3.6. Se A é um subconjunto enumerável de B e B = 2 ℵ0, então B A = 2 ℵ0. Demonstração. Podemos assumir sem perda de generalidade que B = R R. Seja P = {x R : (x, y) A para algum y R}. Como A = ℵ 0 temos que P ℵ 0. Assim existe x 0 R tal que x 0 / P. Portanto X = {x 0 } R é disjunto de A e como X = R concluímos que 2 ℵ0 R A, logo R A = 2 ℵ0. Teorema 3.7. (a) O conjunto de todos os números irracionais tem cardinalidade 2 ℵ0. (b) O conjunto de todos os conjuntos innitos de números naturais tem cardinalidade 2 ℵ0. (c) O conjunto de todas as bijeções de N em N tem cardinalidade 2 ℵ0. Demonstração. (a) É claro que R\Q 2 ℵ0. Pelo teorema anterior e de Q = ω, concluímos que 2 ℵ0 R Q. (b) P(N) tem cardinalidade 2 ℵ0 e o conjunto de todos subconjuntos nitos de N é enumerável. Portanto, novamente pelo teorema anterior, temos o resultado. (c) Seja P o conjunto de todas as funções bijetoras de N em N. Como P N N, claramente P 2 ℵ0 Considere então E e O o conjunto dos números pares e o conjunto dos números ímpares, respectivamente. Se X E for innito, dena : f X (2k) = o k-ésimo elemento de X (k N) f X (2k + 1) = o k-ésimo elemento N X (k N). Note que O N X. Portanto N X é innito e f X é uma bijeção de N em N. Como X 1 X 2 implica em f X1 f X2, temos então uma função injetora do conjunto dos subconjuntos innitos de N em P. Do ítem (b) segue então que 2 ℵ0 P. Teorema 3.8. (a) O conjunto de todas as funções contínuas de R em R tem cardinalidade 2 ℵ0. (b) O conjunto de todos os subconjuntos abertos de números reais tem cardinalidade 2 ℵ0. Demonstração. (a) Usaremos o fato de que dadas funções contínuas f e h de R em R, temos que se f Q = h Q então f = h. Seja C o conjunto das funções contínuas de R em R, denia g : C R Q por g(f) = f Q. Temos então que a função g : C R Q é uma função injetora. Assim C R Q = 2 ℵ0. Por outro lado se considerarmos apenas as funções constantes ca claro que 2 ℵ0 C. (b) Este resultado segue do fato de que todo subconjunto aberto de R pode ser escrito como a união de uma família de intervalos abertos com extremos racionais. Como existem ℵ 0 intervalos abertos com extremos racionais, concluímos que podem haver no máximo 2 ℵ0 = P(Q 2 ) abertos. Por outro lado temos que se a, b R, a b, então ]a, [ ]b, [, ou seja, existem no mínimo 2 ℵ0 conjuntos abertos. Teorema 3.9. A cardinalidade do conjunto das funções de R em R é 2 2ℵ 0. Demonstração. A cardinalidade de R R é (2 ℵ0 ) 2ℵ 0 = 2 ℵ0 2ℵ 0 = 2 2ℵ 0. 3.1 A hipótese do contínuo (HC) Cantor foi o primeiro a trabalhar com questões sobre a cardinalidade dos conjuntos provando que o conjunto dos números naturais não é equipotente ao conjunto dos números reais. Após demonstrar este fato, ele levantou a seguinte hipótese: (HC): Todo subconjunto innito de R ou é enumerável ou é equipotente à R, ou seja 2 ℵ0 = ℵ 1. Em 1939, HC foi demonstrada ser irrefutável, a partir de ZFC, por Kurt Gödel. Ou seja, ele mostrou que não seria possível, assumindo ZFC provar a negação da Hipótese do Contínuo. Em 1963 Paul Cohen provou que não é possível assumindo ZFC, provar HC. Uma questão intrigante é a possibilidade de se construir modelos de ZFC em que a cardinalidade de R seja tão grande quanto se queira. O estudo dos enunciados equivalentes a HC em alguns casos ajudam a avaliar quão intuitiva ou não é a hipótese. O seguinte resultado é uma equivalência de HC, que foi mostrada por Sierpinski em 1919. 133
Na demonstração a seguir denotaremos os seguintes conjuntos {x R : x, y R 2 } e {y R : x, y / A} por A y e (R\A) x, respectivamente. Teorema 3.10. HC é equivalente a existência de um conjunto A R 2 tal que A y ω e (R\A) x ω para todo x, y R. Demonstração. Assuma HC e considere uma boa ordem de R tal que (R, ) (ω 1, ). Considere A = {(x, y) R 2 : x y}. Temos que A y = {x R : x, y R 2 } = {x R : x y}. Assim para todo y, A y é um segmento inicial de (R, ) e portanto A y ω. Analogamente para todo x R, (R\A) x = {y R : x, y / A} = {y R : y x}, ou seja, (R\A) x é um segmento inicial de (R, ), logo (R\A) x ω. Para mostrar a outra implicação, suponha que ω 1 < R. Seja A R 2 tal que A y ω para todo y R. Vamos mostrar que existe x R tal que ω < (R\A) x. Tome para isso Y R tal que Y = ω 1. Seja X = y Y Ay. Assim X ω 1, pois X é uma reunião de ω 1 conjuntos enumeráveis. Tomando x R\X temos x, y / A para todo y Y. Logo {x} Y R 2 \A e portanto Y (R 2 \A) x, o que implica que ω < ω 1 (R 2 \A) x. Apresentaremos abaixo mais uma equivalência da Hipótese do Contínuo porém sem sua demonstração. Denição 3.11. Chamamos f : R R 2 de uma função de Peano se f[r] = R 2. Teorema 3.12 (Morayane). [3] A Hipótese do Contínuo é equivalente à existência de uma função de Peano F = (f 1, f 2 ) tal que, para todo x R, existe f 1(x) ou existe f 2(x). 2 4. Alguns subconjuntos de R, R 2 e R 3 Nesta seção construiremos conjuntos com propriedades interessantes. O teorema abaixo prova a existência de um subconjunto A de R 2, tal que toda seção vertical A ({x} R) possui só um elemento e toda seção horizontal A y é um conjunto denso em R. Teorema 4.1. Existe um subconjunto A R 2, tal que para todo x, y R temos que A y = {x R : (x, y) A} é denso em R e A ({x} R) = 1. 2 Veja também uma demosntração em [4]. Demonstração. Vamos construir o conjunto com as propriedades desejadas usando recurção. Para isso vamos reduzir o problema de forma que que mais fácil para fazer esta construção. Como queremos que A y seja denso em R precisamos que A ]a, b[ para todo intervalo ]a, b[ na reta. Sendo assim tome F = { ]a, b[ {y} : (a, b, y R) (a < b)} e {J δ : δ < 2 ℵ0 } uma enumeração de F. Queremos construir A tal que: (i) A J δ para todo δ < 2 ℵ0 ; (ii) A [{x} R] = 1 para todo x R. Considere então uma sequência S = (x δ, y δ ) : δ < ξ tal que J δ S para todo δ < ξ e S ({x} R) 1 para todo x R. Queremos provar que existe (x ξ, y ξ ) R 2 tal que (S (x ξ, y ξ )) J ξ e (S (x ξ, y ξ )) ({x} R) 1 para todo x R. [ Para isso note que J ξ δ<ξ {x δ} R] ξ < [ R = J ξ. Podemos então tomar (x, y ) ] J ξ \ δ<ξ {x δ} R. Denimos (x, y ) = (x ξ, y ξ ). Temos então, pelo teorema da recursão, que existe uma sequência A 0 = (x δ, y δ ) δ<2 ℵ 0 com A 0 J δ para todo δ < 2 ℵ0 e A 0 ({x} R) 1 para todo x R. Para nalizar a demonstração tomamos A = A 0 A 1 onde A 1 = {(x, 0) R 2 : A 0 [{x} R] = }. Note que na demonstração do teorema acima listamos os objetos e supomos que havia uma sequência construída até certo ponto. Então indutivamente adicionamos um novo par ordenado à sequência de forma que ainda fossem preservadas as condiçõesconcluímos do enunciado. Esse tipo de técnica é chamada técnica de diagonalização. Nos próximos três teoremas daremos mais exemplos de como utilizar esta técnica. No próximo teorema construiremos um conjunto A R que intersecta todas as linhas retas em exatemente dois pontos. Para isso iremos listar todas as linhas retas do espaço e a cada passo da construção do conjunto, garantir que a reta correspondente àquele passo tem exatemente dois pontos pertencentes a A de forma que não hajam três pontos colineares em A. Teorema 4.2. Existe um subconjunto A do plano R 2 que intersecta toda linha reta do plano em exatamente dois pontos. Demonstração. Seja {L ξ : δ < 2 ℵ0 } uma enumeração de todas as linhas retas de R 2. Vamos construir por indução transnita uma sequência {A ξ : ξ < 2 ℵ0 } satisfazendo: (I) A ξ tem no máximo dois pontos ; (P) δ ξ A δ não tem 3 pontos colineares ; 134
(D) δ ξ A δ contém precisamente 2 pontos de L ξ. Note que A = ξ<2 A ℵ0 ξ satisfaz o enunciado pois (P) nos dá que cada linha L ξ tem no máximo dois pontos em A e (D) nos dá que A tem ao menos 2 pontos de L ξ. Basta mostrar então que é possível construir A ξ para todo ξ < 2 ℵ0. Para isso assuma que a sequência {A δ : δ < ξ} esteja construída e satisfaça (I), (P) e (D). Temos por (I) que B = δ<ξ A δ é tal que B < 2 ℵ0. Analogamente a família G de todas as retas contendo dois pontos de B é tal que G B 2 < 2 ℵ0. Note que, por (P), B L ξ 2. Assim se, B L ξ = 2 tomamos A ξ =. Se B L ξ = 1 ou B L ξ = 0, temos que G L ξ = L G L ξ L G < 2 ℵ0, pois L G implica que L L ξ 1. Assim, tomamos A ξ L ξ \ G onde A ξ = 2 se B L ξ = 0 e A ξ = 1 se B L ξ = 1. A escolha de A ξ satisfaz (P) e (D) completando a construção. O próximo teorema é mais um exemplo de um problema geométrico resolvido com a ajuda do teorema da recursão. Abaixo círculos signicam qualquer conjunto de pontos formando algum círculo não trivial em algum plano de R 3 Teorema 4.3. R 3 é uma união de círculos disjuntos. Demonstração. Seja {p ξ : ξ < 2 ℵ0 } uma enumeração dos elementos de R 3. Vamos construir uma sequência {C ξ : ξ < 2 ℵ0 } de círculos tal que: (P) G ξ ( δ<ξ C δ) = e (D) p ξ δ ξ C δ. Vamos supor que para algum ξ < 2 ℵ0 a sequência {C δ : δ < ξ} está contsruída, satisfazendo (D) e (P). Se p ξ / δ<ξ C δ, dena p = p ξ. Caso contrário tome p R 3 \ δ<ξ C δ. Podemos tomar tal ponto p pois para toda reta em R 3 temos L ( δ<ξ C δ) = δ<ξ (L C) que tem cardinalidade menor que 2ℵ0. Vamos escolher C ξ contendo p e satisfazendo (P). Para isso note que a cardinalidade do conjunto de planos que contém p é igual a 2 ℵ0 e ξ < 2 ℵ0. Assim podemos tomar um plano h que não contenha nenhum C δ com δ < ξ. Note que o plano h contém no máximo dois pontos de cada círculo C δ. Segue então que S = L ( δ<ξ C δ) tem cardinalidade menor que o contínuo. Fixe uma linha reta L h contendo p e seja C 0 a família de todos os círculos em h contendo p e tangentes a L. Note que círculos diferentes de C 0 se intersectam apenas no ponto p. Assim existe C ξ C 0 disjunto de S, terminando a construção. Teorema 4.4. O plano R 2 não é a união disjunta de círculos. Demonstração. Assuma que F seja uma família de círculos disjuntos tal que R F. Podemos construir, indução em n < ω, uma sequência {C n : n < ω} de círculos de F da seguinte maneira : xe C 0 F qualquer e dena C n+1 tal que C n+1 F e contém o centro c n de C n. Como c n+1 c n = r n+1 < rn 2, onde r n+1 e r n são respectivamente os raios de C n+1 e C n, temos que c n n<ω é uma sequência de Cauchy. Seja lim c n = n p. Temos que p D n onde D n = {(x, y) R : (x, y) c n r n } (i.e. D n é o disco fechado limitado por C n ). Então p não pode pertencer a nenhum C n pois p D n+1 que é disjunto de C n. Seja C F tal que p C. Temos que C C n para todo n < ω. Mas se n < ω é tal que r n é menor que o raio de C então C C n contradizendo o que supomos para F. 5. Subconjuntos fechados de R Nesta seção demonstraremos que todo conjunto fechado F R é enumerável (nito ou innito) ou F = 2 ℵ0. Teorema 5.1. Para todo F R fechado não enumerável existe um subconjunto A F tal que A é fechado e não tem pontos de acumulação. Demonstração. Seja F um conjunto fechado não enumerável de números reais. Chamaremos a R um ponto de condensamento de F se para todo δ > 0 o conjunto de todos os x F tal que x a < δ é não enumerável. Fica claro que todo ponto de condensamento é um ponto de acumulação de F. Armação O conjunto F c cujos elementos são exatamente os pontos de condensamento de F é fechado e não tem pontos isolados. Se a é ponto de acumulação de F c, então dado δ > 0 existe x F c tal que a x < δ. Tome ɛ = δ a x > 0. Teremos então uma quantidade não enumerável de y F c tal que y a y x + x a < ɛ + x a = δ. Assim a F c e portanto F c é fechado. Considere C = F \F c vamos mostrar que C é no máximo enumerável. Note se a C, então existem r, s Q, tais que F ]r, s[ é no máximo enumerável. Como C {F ]r, s[ : r, s Q, r < s} concluímos que C é no máximo enumerável. Resta mostrar que F c não tem pontos isolados. Suponha por absurdo que existe a F c tal que a 135
seja um ponto isolado de F c. Então existe δ tal que x a < δ implica que x / F c se x a. Assim ]a δ, a+δ[ (F \F c ) é no máximo enumerável, uma contradição. Como F é fechado temos que F c F. Concluímos então que F c é um subconjunto fechado não vazio sem pontos isolados de F. Então A = F c é o conjunto procurado. Teorema 5.2. Todo F R fechado sem pontos isolados em R é equipotente a R. Demonstração. Suponha que exista H : {0, 1} <n P (F ) sendo P (F ) = {x P (F ) : x é fechado } e H satisfaça: Considere uma função H : 2 <n P(F ) com as seguintes propriedades : i) H = F e H s = V s F onde V s é um aberto de R tal que V s F, ii) V s V t se t s iii) H s 0 H s 1 =. Vamos mostrar que exite uma função H + : 2 <n+1 P(F ) que satizfaça i), ii) e iii) e além disso H s + = H s para todo s 2 <n. Deniremos então H s + da seguinte maneira: se s 2<n, H s + = H s. Se t 2 n temos que t = s 0 ou t = s 1 com s 2 n 1. Como F não tem pontos isolados e H s é aberto, existem x 0, x 1 V s F com x 0 x 1. A partir de x 0 e x 1 podemos obter V 0, V 1 conjuntos abertos de R, com x 0 V 1 e x 1 V 1, tais que V 0 V 1 =, V 0 V s e V 1 V s. Então se t = s 0 denimos H t + = V 0 F e se t = s 1 denimos H + s 1 = V 1 F. Pelo teorema de recursão temos a existência de uma familia de conjuntos fechados {H s : s 2 ω }. Dena t : {0, 1} ω F onde t(f) = n ω H(f n). Temos t(f) F, sabemos que uma familia de conjuntos fechados e limitados de R, tal que qualquer intersecção nita de seus elmentos é não vazia, tem como intersecção qualquer de seus elementos um conjunto não vazio. Concluímos assim que t(f) F e t(f). Por (ii) conluimos que t(f) h(g) se f g. Construímos assim uma função injetora de {0, 1} ω em F, logo F = R. Demonstração. Para todo ponto isolado p F existe δ tal que ]p δ, p + δ[ F =, logo existem r, s Q tais que p ]r, s[ e ]r, s[ ]p δ, p + δ[. Assim podemos ter no maximo uma quantidade enumerável de pontos isolados pois Q 2 = ω. Referências [1] Krzysztof Ciesielski, Set Theory for the Working Mathematician, 1997. [2] Tomas Jech and Karel Hrbacek, Introduction to Set Theory, 1984. [3] M. Morayne, On dierentiability of Peano type functions (1987). [4] Leandro Fiorini Aurich, Sobre a hipótese do contínuo algumas aplicações e equivalências (2005). Corolrolario 5.3. Todo conjunto fechado é enumerável ou tem a mesma cardinalidade que R. Demonstração. Caso o conjunto fechado não seja enumerável basta aplicarmos o teorema 5.1 e em seguida o teorema 5.2. Teorema 5.4. Todo conjunto F R tem uma quantidade no máximo enumerável de pontos isolados. 136