Carta 035/ 2015 Brasília, 12 de maio de 2015 Carta Aberta da Undime às Senadoras e aos Senadores integrantes da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal referente ao PLS 532/ 2009 Prezadas Senadoras, Prezados Senadores, A Undime, instituição que reúne os responsáveis pela gestão das secretarias de educação nos 5.570 municípios do país, vem, pela presente, apresentar a Vossas Excelências algumas considerações acerca do PLS 532/2009 de autoria do Senador Cristovam Buarque, que determina que os concursos públicos para ingresso na carreira de magistério garantam a reserva de 5% (cinco por cento) das vagas por disciplina. 1. Esta matéria tramita em fase final da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal e recebe parecer favorável da senadora Ângela Portela. Entretanto, a proposta fragiliza a realidade da educação pública municipal e projeta a possibilidade de haver, em um futuro breve, desequilíbrio na relação entre receitas e despesas com pessoal na área da educação e o inchaço dos quadros de profissionais do magistério. Além disso, é necessário ressalvar que o texto do PLS fere a autonomia de cada ente federado conforme disposto na Constituição Federal. 2. A proposta apresentada pelo Senador Cristovam Buarque dispõe da obrigatoriedade da ampliação do quadro de professores por disciplina em percentual de 5% (cinco por cento) a partir dos concursos públicos. Observase que a previsão trata da ampliação de professores nas disciplinas ofertadas e não nos quadros das redes de ensino. Importante lembrar aos nobres legisladores, que o ingresso não se dá apenas em áreas específicas, isto é, disciplinas; fato este que pode ser observado, por exemplo, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Mesmo não sendo apropriado para a realidade da educação brasileira, este projeto de lei teria alcance apenas nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, isto porque são raros os casos em que encontramos disciplinas específicas nos anos iniciais do ensino fundamental. Se a alegação do Senador que propõe a matéria é evitar a falta de professores, motivada em razão dos afastamentos e licenças, sua proposta não teria alcance para toda a educação básica.
3. Dois outros aspectos ainda devem ser analisados sobre a realidade da educação brasileira. O primeiro diz respeito ao advento da Emenda Constitucional 59/2009 e da Lei 11.738/2008. Estes marcos legais impõem a necessidade de uma nova organização da estrutura de cada rede municipal ou estadual de ensino. A obrigatoriedade da matrícula para crianças e adolescentes com idade entre 4 e 17 anos e a destinação de um terço da jornada docente em atividades extraclasse determinam uma significativa expansão no número de profissionais do magistério. Mais professores, entretanto, sem o amparo da ampliação de receitas destinadas à educação. Prefeituras e governos estaduais continuam financiando as matrículas dos estudantes com a base prevista no artigo 212 da Constituição Federal: aplicação de 25% (vinte e cinco por cento) das receitas resultantes de impostos e transferências. Mesmo com o advento da Lei 13.005/2014, ainda não chegaram nas contas da educação pública os recursos advindos do petróleo e da implementação do CAQi Custo Aluno Qualidade Inicial. Na realidade, a ampliação no número de profissionais do magistério e todos os outros investimentos necessários para a ampliação das matrículas, se dá apenas com a redistribuição das já existentes receitas nos Fundos Contábeis Estaduais e dos recursos próprios necessários para alcançar os 25% (vinte e cinco por cento) obrigatórios para aplicação em manutenção e desenvolvimento do ensino. Portanto, a proposta do PLS 532/09 não dialoga com a realidade atual do financiamento da educação pública. Para ampliar o quadro de professores em 5% (cinco por cento) seria necessário determinar a chegada de novos recursos na educação pública. Outro aspecto que merece atenção nesta proposta é o efeito indesejável que pode ser gerado. Atualmente, verifica-se que cresce consideravelmente o índice de absenteísmo nas redes de ensino. A carreira do magistério, diferente de tantas outras áreas, impõe ao profissional um maior desgaste físico e emocional. Não raro é possível verificar que, para além deste real problema, há a necessidade de efetuar readaptações sugeridas por perícias médicas. Se uma legislação determinar a ampliação dos quadros e, ainda, com a justificativa de que é preciso haver profissionais para suprir eventuais afastamentos, na prática a medida vai ocasionar uma busca permanente por licenças, readaptações e desvios de função. Certamente, a proposta poderá ser compreendida como a real possibilidade de buscar afastamentos. 4. O relatório apresentado pela Senadora Ângela Portela também desconsidera o dispositivo constitucional que organiza a República Federativa do Brasil a partir da existência de três entes federados que são autônomos entre si. É da competência do município ou do estado dispor sobre a organização e
realização de concurso para ingresso de servidores ou empregados públicos. Igualmente, para estabelecer as regras que culminarão com os processos de seleção de profissionais com vínculo precário para suprir eventual necessidade de excepcional interesse público, como bem dispõe o artigo 37 da Constituição Federal. Não compete à União estabelecer regra sobre matéria que é da competência de outro ente federado. Igualmente, é impossível concordar que estabelecer obrigação de ampliar o quadro de servidores ou empregados públicos é matéria relacionado a diretrizes e bases da educação, conforme frisa o relatório apresentado pela Senadora. Ampliar o quadro de profissionais e consequentemente o volume de gasto com pessoal não é tratar de diretriz educacional. Ao definir as regras sobre remuneração de pessoal, a Constituição Federal e a Lei Complementar 101/2000, inclusive, determinam responsabilização dos gestores públicos. Logo, o disposto no PLS 532/2009 é matéria distinta do previsto no artigo 22, XXIV, da Constituição: competência para editar normas sobre diretrizes e bases da educação nacional. 5. A organização da administração pública brasileira se dá pela construção das três peças de planejamento: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. A ampliação de profissionais dentro dos quadros deve seguir a lógica prevista nas três peças que, por sua vez, está atrelada à realidade de oferta de matrículas para a definição do quantitativo de profissionais. Não é possível criar vagas, realizar concursos e efetivar chamamento se não há na estrutura das redes de ensino a efetiva necessidade de profissionais. Destaque para o artigo 169 da Constituição Federal: Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (gn) A realidade dos municípios brasileiros aponta para uma situação desfavorável entre receitas da educação e investimento em pessoal. Nunca é demais lembrar que a Lei 11.738/2008 foi um importante marco na conquista da valorização dos profissionais do magistério. Entretanto, a Lei estabeleceu ampliação de gasto com pessoal por conta da definição do valor do piso no vencimento do profissional do magistério e na ampliação das atividades extraclasse sem a interação com alunos. Essa ampliação de despesa surgiu sem que houvesse qualquer ampliação de receita para a educação. Aliás, cabe lembrar que a ampliação do quadro de profissionais gera nova despesa e, de acordo com a LC 101/2000, tal medida somente poderá ser realizada mediante atendimento de algumas previsões: Art. 22.... Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:... II - criação de cargo, emprego ou função;... IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança; (gn) 6. Qualquer legislação deve ser criada sob o estrito cumprimento dos dispositivos constitucionais. Não resta dúvida de que é papel do legislador, por meio de suas proposições, preservar o equilíbrio orçamentário-financeiro dos entes federados como forma de conservar o patrimônio e o erário público. Assim prevê a Constituição Federal: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; (gn) Logo, gerar novas despesas com pessoal frente a difícil realidade atual de arrecadação poderá levar a um profundo desequilíbrio que acarretará dificuldade para manter o pagamento de salários e benefícios.
7. Ainda, causa estranheza a proposta de texto que altera o artigo 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ao dispor conforme voto da relatora: Art. 1º O art. 67 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte 4º: Art. 67.... 4º Os sistemas de ensino manterão, em cada disciplina, professores em número excedente que corresponda, no mínimo, a cinco por cento da respectiva necessidade, destinados a substituir os profissionais afastados para aperfeiçoamento profissional ou por licenças previstas em lei. (NR) De acordo com a proposta os SISTEMAS DE ENSINO MANTERÃO professor em número excedente. Impossível atender a proposta porque o vínculo definitivo ou temporário do profissional se dá com ente federado e não com o sistema que tem apenas a competência de normatizar e organizar as redes de ensino (públicas e privada). Pelo menos, é o que dispõe a LDB. Os profissionais são concursados e contratados para atuar em uma rede municipal ou estadual de ensino, não no sistema, pois este poderá reunir, por exemplo, a rede municipal de ensino e as unidades escolares privadas de educação infantil. A proposta, portanto, não está atendendo os preceitos técnicos e legislativos. Por fim, a Undime reconhece o intuito do Senador propositor do Projeto de Lei e da acolhida da matéria por parte da Relatora. Entretanto, a proposta ultrapassa os limites legais, determina a geração de novas despesas sem amparo orçamentário ou estabelecimento de novas receitas. Diante do exposto, solicitamos às Vossas Excelências a análise de nossas observações. Respeitosamente, CLEUZA RODRIGUES REPULHO Dirigente Municipal de Educação de São Bernardo do Campo/ SP Presidenta da Undime