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Este documento faz parte do Repositório Institucional do Fórum Social Mundial Memória FSM memoriafsm.org

CONFERÊNCIA: SAÚDE, MEDICAMENTOS, HIV-AIDS Forum Social Mundial Porto Alegre Dia 02/02/2002 Participantes do Painel i Rede Puxadora Médicos sem Fronteira Michel Lotrowska, Reprsentante do MSF no Brasil e coordenador da Campanha de Acesso aos Medicamentos Essenciais Debatedores Mário Sheffer do Grupo Pella Vida, Brasil, representando o movimento brasileiro de AIDS Mustafa Barghoutti Presidente da Union of Palestinian Medical Relief Committees, Palestina Adrien Lovett OXFAM, Inglaterra, ccordenação de Campanhas globais Animadora Sonia Corrêa, IBASE e Rede DAWN Originalmente desenhada para examinar as implicações das lutas globais recentes por acesso a medicamentos essenciais, especialmente os medicamentos para tratamento do HIV- AIDS, a conferência, de fato, tratou da questão do acesso à sáude e medicamentos essenciais no sentido amplo. Igualmente foi considerado um espectro de barreiras no acesso ao direito à saúde. Esta ampliação (do tema inicial) se deveu, de um lado à composição da mesa, de outro, à expectativa dos/das participantes. Isto sugere a necessidade de que o Fórum Social Mundial inclua em sua agenda, para os próximos Memória FSM memoriafsm.org 1

anos, um número maior de eventos de grande porte que tratem de questões de saúde no contexto da globalização. Na verdade esta foi uma demanda explícita do público presente. ii Uma primeira conclusão relevante dos debates é o reconhecimento de que o acesso aos medicamentos e serviços não é sinônimo de saúde. As questões de saúde devem ser pensadas e equacionadas no marco mais amplo da economia política global. Elas envolvem necessariamente relações de poder: entre o Norte e o Sul; entre os organismos internacionais e estados nacionais; entre diferentes níveis de gestão dos sistemas de saúde e, sobretudo entre as pessoas, ou se quisermos usuários dos sistemas de saúde e dos medicamentos, os Estados e as instituições globais. Da mesma forma, a questão do acesso aos medicamentos e serviços deve ser pensada na sua enorme complexidade. Num extremo podemos identificar limites decorrentes das novas regras globais relativas às patentes (Acordo TRIPS), aos constrangimentos impostos aos indíviduos e grupos sociais, inclusive no que diz respeito aos direitos de se deslocar livremente para aceder a um serviço de saúde. A situação vivida por palestinos e palestinas nos territórios ocupados pelo exército israelenese é um exemplo contudente destes constragimentos. À luz deste entedimento é fundamental que as políticas e recomendações relativas à saúde (no seu sentido amplo)-- quer se dêem, no plano global, quer se façam nos planos nacionais e locais -- seja também pautada pelo empoderamento das pessoas como sujeitos de direitos e portadores ativos de propostas para transformação dos sistemas de saúde. O Acesso aos Medicamentos Essenciais A despeito da amplitude que caracterizou o debate, o foco principal das discussões foram as iniciativas de mobilização social e de campanha voltadas para acesso aos medicamentos essenciais em especial as drogas para tratamento do HIV-AIDS -, que em anos recentes possibilitaram romper algumas barreiras importantes tanto no contexto nacional brasileiro, quanto no plano global. O significado e o sucesso destas inciativas, embora parcial, não deve ser minimizado. Há lições a serem aprendidas com estes Memória FSM memoriafsm.org 2

sucessos e, sobretudo, este processos hoje se desdobram em uma plataforma de ação e uma lista de prioridades levadas a cabo pela sociedade civil nos últimos anos. Alguns dados apresentados por Michel Lotrowska do MSF iluminam o significado destes ganhos políticos recentes: 72% da população mundial vive em países em desenvolvimento Estas populações representam 7% das vendas mundiais de produtos farmacêuticos 1/3 população mundial não tem acesso a medicamentos essenciais, sendo que nas regiões mais pobres da África ou Ásia, este percentual sobre para 50%. A tabela abaixo que informa sobre investimentos feitos por algumas das maiores empresas farmacêuticas também nos diz que faltam investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de medicamentos para tratar as chamadas doenças negligenciadas que, são majoritariamente doenças do mundo em desenvolvimento. Empresas Gasto em P&D em 2000 (Bilhões de $ US Pfizer 4,44 GlaxoSmithKline 3,82 Johnson&Johnson 2,93 AstraZeneca 2,89 Pharmacia 2,75 (Source : Pharmaceutical Executive April 2001) Pesquisa en Doenças Tropicais 0,01 Outro aspecto crucial a considear é que as dificuldades de acesso às drogas essenciais foram aprofundadas após a adoção do chamado acordo TRIPS pelos países membros da OMC na medida em que o acordo: Memória FSM memoriafsm.org 3

Aumenta a proteção patentária e favorece o monopólio, o que aumenta os preços de medicamentos Limita a concorrência Tem efeitos dramáticos na capacidade de manufatura local Impede a chamada Engenharia Reversa (cópia) Desincentiva P&D para as doenças negligenciadas No mesmo contexto histórico em que se adotou o TRIPS na OMC, ganhou enorme relevância a questão das drogas para tratamento do HIV-AIDS. Isto decorreu, por um lado, do caráter global e democrático da epidemia (a AIDS afeta ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, homossexuais e heterosexuais), mas também graças à ação sistemática de redes globais de ativismo e da resposta comunitária à epidemia. Ainda assim é importante lembrar que ao lado do HIV-AIDS o quadro epidemiológico dos países em desenvolvimentos continua caracterizado pela prevalência de doenças infecciosas como malária e tuberculose ao mesmo tempo em que já se manifestam índices importantes de outras doenças como câncer, hipertensão e diabetes. Em todos estes casos o acesso a medicamentos essenciais é crucial. Exatamente por esta razão, as redes envolvidas nas lutas pelo acesso aos anti-retrovirais estabeleceram vínculos solidários com grupos e organizações lutando pelo acesso a medicamentos essenciais de forma mais ampla. Os sucessos obtidos ao longo dos últimos anos, em especial, no contexto da OMC devem ser compreendidos à luz desta capacidade de articulação e mobilização. Breve Nota sobre a Experiência Brasileira No marco deste contexto mais amplo a experiência brasileira é relevante em vários aspectos. Embora não seja possível detalhar a complexidade de uma trajetória de quase vinte anos é interessante pontuar alguns de seus elementos mais relevantes. Em primeiro lugar, é importante referir que a luta por uma política efetiva de resposta ao HIV-AIDS se deu, desde os anos1980, de forma articulada com a luta pela consolidação de um sistema público, universal e gratuito de saúde, ou seja da sáude como direito. Foram Memória FSM memoriafsm.org 4

esta as condições que favoreceram a adoção de uma legislação obrigando a distribuição gratuita de medicamentos em 1996. Em segundo lugar, o Brasil já produzia algumas destas drogas para tratamento do HIV desde o início da década de 1990, pois as mesmas haviam sido objeto de engenharia reversa antes que a lei nacional de patentes (que é consistente com o TRIPS) tivesse sido aprovada. Além disto a Lei de Patentes brasileira adotada em 1996 ( embora convergent com o TRIPS) inclui, a exemplo do que acontece, com a lei norte-americana, uma cláusula que autoriza o licenciamento compulsório em situações de ameaça a saúde pública. iii Sobretudo, é importante sublinhar que os caminhos trilhados pela política brasileira de AIDS são resultado de um longo processo de embates (mas também cooperação) entre a sociedade civil e o Estado. A experiência brasileira pode e deve ser interpretada como exemplo de política pública que se fez da margem para o centro. Na origem e base da luta pelo acesso aos medicamentos no Brasil estão a mobilização e redes de solidaridedade de grupos discriminados e marginalizados como gays, travestis, trabalhadoras do sexo e usuários de drogas. Dito de outro modo, o debate sobre acesso aos medicamentos no Brasil se construiu com base nas premissas de saúde como direitos, não discriminação e respeito e promoção dos direitos humanos. Esta longa trajetória é o que respaldou a decisão ousada do governo brasileiro de ameaçar a industria farmacêutica com a quebra de patentes (2000-2001) para reduzir os custos dos antiretrovirais. Embora a política brsileira de resposta ao HIV-AIDS ainda apresente limites e nem sempre o acesso à prevenção e tratamento esteja assegurado - especialmente no caso dos grupos mais pobres - estas caracteristicas tem claramente convergido com e informado o debate global sobre acesso a medicamentos essenciais. As Campanhas Globais e seus Resultados Ao longo dos últimos anos da década de 1990 as iniciativas e campanhas globais por acesso aos medicamentos tiveram alguns resultados muito relevantes, entre os quais chamamos atenção para iv : Memória FSM memoriafsm.org 5

O reconhecimento do HIV-AIDS como questão de direitos humanos e crise humanitária (Comitê dos Direitos Humanos, 2001) Criação do Fundo Global para o HIV, Malária e Tuberculose (Sessão Especial da ONU para o HIV-AIDS, junho de 2001) Adoção em DOHA, na última rodada de negociação da OMC, de um texto em relação ao direitos de propriedade intelectual e saúde pública que abre importantes janelas de oportunidade para ampliar o acesso a medicamentos essenciais nos próximos anos. Embora estes ganhos não sejam totais nem definitivos é importante examinar as lições aprendidas. Entre os aprendizados está o reconhecimento de que é vital que as ações e campanhas sejam articuladas entre países do Sul e do Norte, assegurando, porém a primazia da agenda e das prioridades do Sul. Um outro aspecto fundamental é que a mensagem das campanhas seja clara e que os alvos polítcos e institucionais das mesmas estejam bem definidos, a cada etapa. Lemas e Argumentos Utilizados pelas Campanhas Globais Medicamentos não são CD-ROMs, bonecas Barbie, nem jogos de computador. Eles são uma questão de vida ou morte para milhões de pessoas. Há um desequilíbrio profundo entre a santidade das patentes e a saúde das pessoas. Acesso a medicamentos essenciais não deveria ser um luxo reservado aos ricos, mas deveria ser reforçado como componente crítico do direito humano à saúde. Segundo Gro Brutland, diretora geral da OMS, o fato de existam drogas essenciais enquanto milhões de pessoas morrem por falata de acesso a elas implica um problema político, um problema moral e um problema de credibilidade dos sistema global de mercado. A primazia do direito de propriedade intelectual está em contradição com o direito à vida tal como gravado na Declaração Universal de Direitos Humanos. Memória FSM memoriafsm.org 6

Desafios e Prioridades Os debates da conferência fazem emergir uma lista de desafios e tarefas para o futuro. Alguns deles são de ordem geral. Outros se referem mais diretamente aos desdobramentos potenciais dos resultados obtidos em DOHA. Tarefas de Ordem Geral É vital articular toda e qualquer campanha por acesso a medicamentos essenciais com campanhas de educação pública sobre o signficado das políticas de saúde pública. No caso especifico do HIV-AIDS as mobilizações voltadas para o acesso a tratamento e medicamento devem ser feitas de forma articulada com as iniciativas de prevenção. Exigir dos governos rigoroso controle de qualidade dos medicamentos, de marcas, genéricos ou similares; aprovados e dsitribuídos pela rede pública ou privada; produzidos em nível local ou importados; criação de agências ou consórcios regionais de controle de qualidade. Exigir posicionamento político público mais contundente dos organismos internacionais (ONU, OMS, OPAS, UNAIDS etc.) e dos governos dos países desenvolvidos, com declarações de que as regras de patentes e propriedade intelectual devem estar a serviço do direito à vida e à saúde, e não aos interesses econômicos. Promover debates, manifestos e atos públicos visando ampliar a conscientização de todas as pessoas sobre o impacto da quebra das patentes e da revisão das regras de propriedade intelectual na garantia do acesso a medicamentos, exames diagnósticos e outros insumos de saúde. Definir os medicamentos necessários à preservação da vida como bens públicos mundiais não patenteáveis. Vincular a luta por acesso a saúde e medicamentos essenciais às lutas por: cancelamento da dívida; reforma radical das instituições financeiras multilaterais, especialmente aquelas como o Banco Mundial cujas diretrizes tem impactos Memória FSM memoriafsm.org 7

deletérios sobre as políticas de saúde adotadas nos planos nacionais; e cumprimento da meta de 0,7% de investimento do PIB dos países industrializados em programs de ajuda ao desenvolvimento; comércio justo. Assegurar que a destinação de recursos do Fundo Global de Combate à Aids, Malária e Tuberculose, criado em 2001, não seja apenas para políticas de prevenção, mas também para ampliar o acesso ao tratamento, com aquisição de medicamentos (sobretudo para o continente africano), e investimentos em tecnologia de produção de genéricos nos países em desenvolvimento. A verba do fundo deve ser controlada conjuntamente pelos países ricos (doadores), países pobres e ONGs. Tarefas Relacionadas aos Desdobramentos de Doha A declaração oferece um caminho claro para todas as flexibilidades contidas no acordo TRIPS. OU seja permite a licença compulsória por qualquer motivo e não só em casos de emergência. Neste sentido os países estão agora potencialmente livres para determinar o que é uma emergência nacional ou uma urgência o que permite um procedimento simples e rápido para a licença compulsória A promoção do acesso a medicamentos para todos é explicitamente reconhecida como fazendo parte do direito de cada membro da OMC de proteger a sua saúde pública. Em nome do acesso a medicamentos para todos, os países em desenvolvimento e menos desenvolvidos poderão, por exemplo, utilizar com confiança seu direito à licença compulsória. O texto libera os regimes de importações paralelas dos países e os países menos desenvolvidos têm agora até 2016 (e não mais 2006) para implementar os termos do acordo TRIPS. Neste sentido crucial nos próximos anos: Estabelecer o diálogo e articulação com outras redes e iniciativas que tem atuado no âmbito da OMC. Isto se faz necessário pois há controvérsias em relação aos resultados de DOHA e enormes questionamentos em relação a outras Memória FSM memoriafsm.org 8

definições que resultaram das negociações. Isto porque no que se refere aos acesso a medicamento e saúde pública os resultados abrem uma janela de oportunidade, enquanto em outro campos os acordos potenciais são claramente deletérios. Fazer valer a declaração de Doha, OMC, que afirma que o acordo TRIPS não deve impedir seus membros de adotar medidas para proteger a saúde pública e, em particular, de promover o acesso aos medicamentos para todos. Assegurar o direito dos países em desenvolvimento, não só de solicitar o licenciamento compulsório, mas de produzir, importar, exportar e transferir tecnologias referentes a medicamentos genéricos, sem represálias dos países que abrigam as empresas detentoras das patentes. Buscar uma solução para os países sem nenhuma capacidade de produção farmacêutica, sobretudo da África e América Latina. Incentivar os países em desenvolvimento a exercer sua soberania para excluir definitivamente, por meio de legislações nacionais, os medicamentos do sistema de patentes, alegando interesse de saúde pública. Ampliar a campanha de oposição à área de Livre Comércio das Américas (ALCA) que prevê tornar os padrões de proteção às patentes ainda mais rígidos do que o TRIPS. Igualmente, condenar qualquer outra forma de pressão bilateral ou regional como é o caso do acorgo de Bangui (África) que impeça os países em desenvolvimento de produzir, importar ou exportar medicamentos genéricos. Exigir imediata e drástica redução de preços dos medicamentos para os países pobres, a partir do fim do monopólio, concorrência dos produtos genéricos e transparência das informações. Que a OMS honre o compromisso de criação e manutenção de um banco público de preços comparativos dos medicamentos praticados em cada país. Operacionalizar a licença compulsória quando não há capacidade de produção nacional e articular os países em desenvolvimento para complematar capacidades. No caso específico do Brasil é importante pressionar o governo para que exprima sua solidariedade com outro países, especialmente latino-americanos e africanos, exportando os medicamentos atualmente disponíveis no país a custo reduzido. Memória FSM memoriafsm.org 9

Doha: desafios que persistem Há contudo aspectos mal definidos da Declaração de Doha que precisam ser esclarecidos e debatidos. Por exemplo, foi reconhecido que há um problema quando um país A quer instituir uma licença compulsória e não tem capacidade de produção industrial no país. A pergunta que fica é se outro país B poderia produzir para exportação ao país A? Além disto reconhece-se que mantido o acordo TRIPS para medicamentos as doenças negligenciadas dificilamente terão novos tratamentos. Isto implica duas alternativas. A primeira seria um esforço de campanha para excluir os medicamentos essenciais do acordo TRIPS. A segunda, que seria mais bem de curto e médio prazo, é buscar outras alternativas para pesquisas em doenças negligenciadas com participação pública e dos países em desenvolvimento com capacidades de P&D. Palestina: Uma Moção de Protesto Além de discutir extensivamente os aspectos relacionados a propriedade intelectual e acesso a medicamentos básicos a plenária da conferência propõe que o Fórum Social Mundial faça uma declaração de repúdio à ocupação militar do território palestino pelo exército israelense na medida em que ela infringe diretamente o direito humano à saúde da populaçâo palestina. i Dois outros especialistas não puderam lemantavelmente, chegar a Porto Alegre. O dr. Zafrullah Chowdory, da Peoples Assembly of Bangladesh, que participaria da conferência também como rede puxadora não recebu sua ordem de passagem a tempo e o Dr. Mark Heywood, do TAC (África do Sul), teve problemas pessoais que impediram sua viagem. Neste sentido agradecemos à OXFAM por haver aceitado um convite de último momento para compor a mesa. ii Os temas debatidos na conferência contém uma agenda potencial para os próximos Fóruns: Instituições Financeiras Multilaterias e Reforma dos Sistemas de Saúde; Disparidades Globais em termos de Gasto, Investimento e Acesso; Acesso à Saúde nas Situações de Conflito Armado; Formação dos Profissionais e Tecnologias em Saúde; Grupos Vulneráveis, Globalização e Acesso à Saúde. Memória FSM memoriafsm.org 10

iii Esta cláusula, incluisive, está na base da quebra de patente do CIPRO autorizada pelo governo americano por ocasião da ameaça de Antrax em outubro de 2001. iv É interessante referir que em vários momentos estas iniciativas contaram com o apoio/parceria de governos de governos dos paíse em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, e de empresas como a CIPLA que fabrica genéricos na Índia (que ainda não assimou o acordo TRIPS). Memória FSM memoriafsm.org 11