AVALIAÇÃO DO VERNIZ INTERNO DE EMBALAGENS METÁLICAS PARA ALIMENTOS AÇUCARADOS LÁCTEOS 1. INTRODUÇÃO No início do século XIX, durante as guerras Napoleônicas, pela necessidade de conservação dos alimentos por um período mais longo foram desenvolvidas as embalagens metálicas. O grande responsável por esta invenção foi Nicolas Appert. Primeiramente, recipientes metálicos foram confeccionados empregando ferro e estanho. Os recipientes eram produzidos manualmente e em pequena quantidade, portanto, não apresentavam um padrão, sendo confeccionados com capacidades e dimensões variadas. Atualmente, as linhas de produção são industrializadas e automatizadas, operando de forma rápida, precisa, e padronizada (CABRAL et al., 1984). O objetivo principal das embalagens metálicas destinadas a produtos alimentícios é proteger, adequadamente, o alimento contra qualquer alteração (cor, sabor, odor) e ataque microbiológico. As propriedades fundamentais das embalagens metálicas para alimentos são a resistência à corrosão e resistência mecânica, sendo que se classificam em dois tipos: embalagem de três peças, com corpo, tampa e fundo; e embalagens de duas peças, cujo corpo e fundo são uma peça única e tampa (CABRAL et al., 1984). A folha de flandres é o material utilizado na confecção de diversos tipos de embalagens, com boa soldabilidade e excelente superfície para impressão. É um material laminado constituído por uma folha de aço com baixo teor de carbono e de baixa espessura, revestida em ambas as faces por uma camada de estanho. Esta camada aumenta a resistência à corrosão, possibilitando a utilização desta liga na fabricação de latas para acondicionamento de certos alimentos e óleos, além de utensílios domésticos e industriais. As embalagens de folha de flandres são de fácil reciclagem, de acordo com requisitos de proteção ambiental, apresentam elevada propriedade de vedação, opacidade e boa maleabilidade (CALLISTER, 2008). As embalagens metálicas para alimentos são protegidas internamente por uma película orgânica (verniz). A função essencial do verniz é de minimizar as interações dos metais da embalagem com os produtos acondicionados no seu interior. Os vernizes aplicados devem resistir à deformação mecânica e aos tratamentos térmicos e não devem apresentar qualquer risco de toxicidade ou transmitir qualquer gosto ou odor ao produto enlatado (JORGE et al., 2013). São constituídos comumente por compostos fenólicos, epóxi, vinílicos, acrílicos, alquídicos e polibutadieno (GENTIL, 2011). Dantas et al. (2000) avaliaram a utilização da folha de flandres, com envernizamento interno, no acondicionamento de palmito e concluíram que, além do revestimento de estanho, a película e a qualidade do verniz aplicado são fatores decisivos na definição dos mecanismos e velocidades dos processos decorrentes da interação metal-produto. As interações metal-alimento são as principais causas de alteração dos produtos enlatados e, em alguns casos, a velocidade de corrosão da embalagem é o fator determinante da vida útil do alimento (DANTAS, 1999). Segundo a ABEAÇO, a melhor forma e acondicionar produtos lácteos, como leite em pó, leite condensado e creme de leite é em lata hermeticamente fechada e
protegida por verniz. Dados de 2013 revelam que o aço está presente na embalagem de 65% do leite condensado comercializado no Brasil, destacando-se a folha de flandres. O objetivo deste trabalho foi avaliar a morfologia do verniz de embalagens metálicas para alimentos açucarados lácteos, por microscopia óptica, sendo selecionadas latas de leite condensado, de diferentes marcas fabricantes, e de doces prontos lácteos açucarados, como os chamados brigadeiro e beijinho. Com isso, espera-se inferir sobre a eficiência da proteção conferida pelo verniz ao alimento. 2. METODOLOGIA As embalagens selecionadas para a realização deste trabalho foram adquiridas no mercado local do município de Bagé-RS, sendo compostas de latas de leite condensado de três marcas diferentes (A, B, C), e dos doces prontos beijinho (D) e brigadeiro (E). As embalagens foram abertas (por abridor manual), esvaziadas, higienizadas com sabão neutro e água destilada, secas ao ar ambiente, e submetidas ao corte de amostras, com tesoura. Foram preparadas amostras da tampa, corpo e fundo da lata, em duplicata. Segundo os fabricantes das latas, estas eram compostas de folha de flandres envernizadas. A morfologia do verniz das amostras foi analisada por microscopia óptica, em estereomicroscópio MOTIC, e microscópio metalúrgico com sistema de aquisição de dados acoplado FORTEL. Os alimentos foram caracterizados por análises de ph (por fitas indicadoras) e condutividade elétrica (em condutivímetro digital portátil, HANNA). 3. RESULTADOS e DISCUSSÃO Os alimentos foram caracterizados por valores de ph e condutividade elétrica, apresentados na Tabela 1. Observa-se que todos os alimentos lácteos açucarados analisados apresentaram o mesmo valor de ph 5,0, sendo um valor considerado não agressivo ao metal ou ao revestimento polimérico, segundo GENTIL, 2011. Os valores de condutividade elétrica foram definidos como elevados para as amostras de leite condensado, principalmente, para as marcas B e C. Um elevado valor deste parâmetro indica grande concentração de sais no meio, os quais são promotores de reações eletroquímicas, como o processo de corrosão em metais (oxidação). CALLISTER (2008) e GENTIL (2011) alertam que produtos ou meios com elevada condutividade elétrica aceleram a oxidação de materiais metálicos, degradando-os. Tabela 1: Caracterização dos alimentos. Produtos ph Condutividade elétrica [ms/cm] Temperatura do produto [ºC] A 5,0 3,30 21,0 B 5,0 5,00 19,6 C 5,0 5,40 20,4 D 5,0 1,48 20,3 E 5,0 1,87 20,3
Os alimentos são visualizados na Figura 1, na qual estão contidos nas suas respectivas embalagens. Figura 1. Alimentos analisados dentro de suas respectivas embalagens. B C A D E A morfologia dos vernizes das embalagens metálicas analisadas é apresentada na Figura 2 e na Figura 3. Na Figura 2 são apresentadas as morfologias visualizadas em estereomicroscópio, o qual permite uma observação direta e simples da superfície das amostras. E na Figura 4 são apresentadas as morfologias visualizadas em microscópio metalúrgico em campo escuro, no qual o metal é observado com menor incidência de luz pelo emprego de filtros, o que permite maior riqueza de detalhes nas imagens, como a existência de falhas, ataque corrosivo, trincas, etc. Observando a Figura 2 pode-se constatar que o verniz foi aplicado em um único sentido em todas as embalagens e nas três partes (corpo, fundo e tampa). A morfologia do verniz dos corpos das latas foi semelhante entre si e em bom estado de conservação. Para a morfologia do verniz da tampa e do fundo foram observadas diferenças, com evidências de ataque ao verniz da embalagem do leite condensado B, com elevada condutividade elétrica (5,0 ms/cm). Neste caso, pequenos poros no verniz foram revelados, o que poderá comprometer a função de barreira do verniz, quanto ao isolamento entre metal e alimento. O fundo da lata de leite condensado A (3,3 ms/cm) apresentou a formação de um filme esbranquiçado ao verniz, possivelmente resultante de algum tipo de ataque ao verniz e oxidação do metal. Pela análise da Figura 3 pode-se avaliar com maiores detalhes as morfologias dos vernizes. Os corpos das latas mantiveram-se praticamente isentos de ataques, somente para o alimento B, pequenos pontos escuros foram verificados, podendo indicar a nucleação de um ataque ao verniz. No entanto, para fundo e tampa deste alimento (B) o ataque ao verniz foi mais intenso, refletindo em manchas grandes e pronunciadas. As amostras de leite condensado, mais fluidas e com maiores condutividades elétricas, foram mais agressivas ao verniz, do que os doces prontos. Convém salientar que todas as embalagens analisadas estavam dentro do prazo de validade informado pelo fabricante e não apresentavam amassados ou outros defeitos aparentes externamente.
Parte da Lata Amostra de Alimento A B C D E Corpo Fundo Tampa Figura 2. Morfologia do verniz analisada em estereomicroscópio. Parte da Lata Amostra de Alimento A B C D E Corpo Fundo Tampa Figura 3. Morfologia do verniz analisada em microscópio metalúrgico. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A morfologia do verniz das embalagens de alimentos lácteos açucarados foi facilmente caracterizada por microscopia óptica. O corpo das latas foi a região com verniz em melhor estado de conservação. A tampa foi a região com maior incidência de ataques ao verniz, podendo ser devido ao atrito do alimento com a tampa, já que existe um espaço superior o qual permitiria a movimentação do alimento e fricção na tampa com maior impacto. Além disso, o leite condensado B, foi o alimento mais agressivo ao verniz, com condutividade elétrica elevada (5,0 ms/cm), e morfologia da tampa e fundo com ocorrência de manchas escuras e pequenos poros. É fundamental a manutenção da qualidade do verniz das embalagens metálicas para alimentos para garantir a segurança e qualidade do produto contido.
5. REFERÊNCIAS ABEAÇO. Associação Brasileira de Embalagem de Aço. Bela Vista SP. [acesso em 15 set 2017]. Disponível em: http://www.abeaco.org.br/estatisticasabeacotexto.html CABRAL, A. C. D. et al Apostila de embalagem para alimentos. Campinas, 1984. 335p. CALLISTER Jr., W. D. Ciência e Engenharia de Materiais: uma Introdução. LTC, Rio de Janeiro, 2008. 705p. DANTAS, S. T.; GATTI, J. A. B.; SARON, E. S. Embalagens Metálicas e a Sua Interação com Alimentos e Bebidas. Campinas: CETEA/ITAL, 1999. DANTAS, S. T.; GATTI, J. A. B.; SARON, E. S. Estudo da viabilidade de redução da camada de estanho em latas para palmito. In: Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos, 2000, Fortaleza. Livro de Resumos, v.1, p.6. GENTIL, V. Corrosão. LTC, Rio de Janeiro, 2011. 392p. JORGE, N. Embalagens para Alimentos. São Paulo: Cultura Acadêmica: Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Graduação, 2013. p.42-44.