GEP Grupo de Estudos Preparatórios do Congresso de Direito Comercial REFORMA DA LEI DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS



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Transcrição:

GEP Grupo de Estudos Preparatórios do Congresso de Direito Comercial REFORMA DA LEI DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS São Paulo 2011

Professor Responsável: Francisco Satiro Breve currículo dos autores: Francisco Satiro Professor da USP e da Direito GV. Sheila Christina Neder Cerezetti Doutora em Direito Comercial pela USP. Paulo Fernando Campana Mestre e Doutorando em Direito Comercial pela USP. Maria Eduarda Fleck da Rosa Mestranda em Direito Comercial pela USP. Bruno Von Dreifus Graduando em Direito pela USP. Daniel Shan Lee Graduando em Direito pela USP. Vanessa Rezende Graduanda em Direito pela USP. Caroline Alves de Castro Graduanda em Direito pela USP. Leônidas Tanus Graduando em Direito pela USP.

SUMÁRIO Apresentação Por Francisco Satiro Aspectos Gerais Por Sheila Christina Neder Cerezetti Parte I Recuperação de Empresas 1. Pressuposto Subjetivo Por Leônidas Tanus 2. Aprovação, alteração e efeitos do plano na recuperação judicial Por Vanessa Rezende e Caroline Alves de Castro 3. O Papel do Fisco na Recuperação Judicial Por Maria Eduarda Fleck da Rosa 4. Recuperação Extrajudicial Por Francisco Satiro Parte II Falência 5. Responsabilidade dos Agentes na Falência Por Bruno Von Dreifus e Daniel Shan Lee 6. Extensão da Falência ou de seus efeitos Por Bruno Von Dreifus e Daniel Shan Lee 7. Falência transnacional Por Paulo Fernando Campana

Apresentação Por Francisco Satiro O presente relatório delineia os principais temas que foram objeto de investigação pelo Grupo de Pesquisa de Recuperação de Empresas do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP nos últimos meses. Os assuntos centrais explorados pelo Grupo são aqui apresentados com o propósito de contribuir para discussões sobre o aprimoramento das regras brasileiras acerca do Direito da empresa em crise. O grupo de pesquisa foi constituído durante o ano de 2010. Na sua composição, buscouse reunir pesquisadores com diferentes perfis acadêmicos. Nesse sentido, fizeram parte dos trabalhos alunos de graduação, de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado e em nível de pós-doutorado. A proposta do grupo era identificar alguns tópicos que pareciam ser especialmente críticos na Lei 11.101/2005 e buscar sugestões de solução. Os trabalhos puderam ser parcialmente apresentados nas reuniões do IBR Instituto Brasileiro de Recuperação de Empresas, quando foram submetidos a criticas, comentário e acréscimos. O resultado final é apresentado abaixo de maneira substancialmente sucinta, e descartando as inúmeras questões que, não obstante tivessem sido levantadas, não foram objeto de mais profunda reflexão. O grupo de pesquisas continuará seus trabalhos, agora sob um ponto de vista mais vertical. Finalmente, cumpre agradecer cada um dos integrantes do grupo de pesquisas que, apesar do curto prazo disponível e mesmo em vista dos inúmeros compromissos acadêmico-profissionais, empenharam seus esforços a fim de viabilizar esse primeiro trabalho cuja evolução e aprimoramento poderão representar importante contribuição à discussão sobre o regime de gestão das empresas em crise.

Aspectos Gerais Por Sheila Christina Neder Cerezetti Após quase seis anos de vigência, a Lei n.º 11.101/2005 continua a gerar perplexidades e dúvidas, especialmente no que se refere a algumas das matérias aqui tratadas, as quais podem, desde logo, ser divididas em três blocos. O primeiro deles abrange tópicos controversos que encontraram solução, ainda que não ideal, em construção jurisprudencial voltada a favorecer a boa aplicação da lei. Outros temas, contudo, continuam a gerar incerteza e insegurança, prejudicando a efetiva realização do objetivo de recuperação de empresas viáveis e liquidação de inviáveis. Há, por fim, aqueles assuntos que, não obstante de extrema importância, nem mesmo receberam tratamento por parte do legislador. Dentro do primeiro bloco encontra-se o tratamento jurídico concedido às dívidas fiscais quando do pedido de recuperação judicial. Como se sabe, o ordenamento ainda não conta com lei específica de parcelamento automático de débitos fiscais e, na prática, empresas em crise não conseguem obter certidões fiscais negativas ou positivas com efeito de negativas, as quais, nos estritos termos da lei, são necessárias para a concessão de recuperação judicial. Ocorre que inúmeras decisões judiciais passaram a reconhecer a inexigibilidade das certidões, em um nítido esforço para tornar possível a aplicação do instituto da recuperação judicial de empresas no país. Esta questão e seus principais desdobramentos são abordados abaixo. No que tange ao segundo bloco, pode-se afirmar que inúmeros são os tópicos que ainda geram incerteza dentre os aplicadores e receio por parte dos destinatários da lei. Alguns deles são aqui abordados, como, por exemplo, a recuperação extrajudicial e determinados aspectos da aprovação do plano de recuperação judicial. Ambos encontram-se entre os pontos mais debatidos do atual direito concursal e, por este motivo, também foram objeto de investigação pelo Grupo. Ao bloco dos assuntos que não encontram disciplina na Lei n.º 11.101/05 pertence, por exemplo, o relevante tema da falência transnacional. Acredita-se que o melhor

tratamento da matéria decorreria da adoção da lei-modelo sobre insolvências transfronteiriças da UNCITRAL, conforme detalhado abaixo. Esta brevíssima explanação identificou apenas alguns dos mais instigantes aspectos da disciplina da crise empresarial. Muitos outros merecem atenção e as linhas que se seguem versam sobre alguns deles. Almeja-se que os resultados preliminares ora apresentados possam colaborar para o bom andamento dos debates acerca do aprimoramento do regime jurídico brasileiro das empresas em crise, na esperança de que os próximos seis anos de aplicação da lei reflitam um sistema mais adequado a lidar com os delicados momentos de dificuldades empresariais.

Parte I Recuperação de Empresas 1. Pressuposto Subjetivo Por Leônidas Tanus A Lei n. 11.101/2005, ao definir os limites de sua aplicação no que tange aos seus destinatários, restringiu seus efeitos aos sujeitos especificamente previstos em seu artigo 1, quais sejam, o empresário e a sociedade empresária. Com isso, diversos sujeitos foram excluídos da aplicação do novo diploma legal. A presente pesquisa vem buscando avaliar a possibilidade de se aplicar os institutos da falência e da recuperação de empresas às demais sociedades atuantes no mercado. Com isso, ocorreria o abandono do conceito de empresa previsto no Código Civil, e a conseqüente adoção do critério de agentes de mercado. Para tanto, pretendemos tratar aqui daqueles sujeitos que restaram excepcionados dos efeitos da lei de falência e recuperação de empresas, a fim de verificar os fatores envolvidos em cada exclusão. Dito isso, podemos, primeiramente, tratar das empresas públicas e sociedades de economia mista. Neste aspecto, o legislador, inovando em relação ao antigo Dec.-lei n. 7.661/1945, optou por expressamente excluir da aplicação do novo diploma as empresas públicas e sociedades de economia mista. Da análise do artigo 2º da Lei n. 11.101/2005, verificamos que tanto a empresa pública quanto a sociedade de economia mista não podem recorrer ao sistema de recuperação, seja judicial ou extrajudicial, já que o Estado estaria impedido de recorrer a tais sistemas em atendimento ao princípio constitucional da moralidade administrativa. Por conseguinte, as instituições financeiras e as empresas de administração de consórcios também ficaram fora da aplicação da lei. Isso porque compreende-se que não podem tais empresas recorrer aos sistemas de recuperação, porque seu regramento específico já prevê uma sistemática própria, a cargo do Banco Central do Brasil.

Já quanto às sociedades cooperativas, não obstante não sejam alcançadas pelos efeitos da Lei n. 11.101/2005, entendemos que aquelas cuja organização esteja voltada para atuação junto ao mercado, colocam bens e serviços em circulação, possam ser consideradas sociedades empresárias, cabendo perfeitamente no artigo 1º da Lei n. 11.101/2005. Exceção seriam as cooperativas de crédito. Outra figura excluída do alcance dos efeitos da lei é a sociedade seguradora e de capitalização. Isso porque há previsão de intervenção da SUSEP, bem como um sistema próprio de recuperação mediante a concessão por aquela autarquia de tratamento técnico e financeiro excepcional às seguradoras em crise. Já as entidades de previdência complementar, quando fechadas, não atuam perante o mercado. Portanto, elas jamais poderiam ser classificadas como empresários ou sociedades empresárias, especialmente quando organizadas na forma de fundações que não têm finalidade lucrativa. Já as entidades de previdência complementar abertas são S/A e, portanto, o legislador contrariou um efeito que nelas seria absolutamente natural ao excetuá-las dos efeitos da lei. Nessa mesma linha, temos as sociedades operadoras de planos de saúde que, por serem sociedades empresárias e caberem na definição do artigo 966 do Código Civil, deveriam ser abarcadas pelo artigo 1 da Lei n. 11.101/2005.

2. Aprovação, alteração e efeitos do plano na recuperação judicial Por Vanessa Rezende e Caroline Alves de Castro A aprovação e alteração do plano de recuperação judicial, bem como seus principais efeitos, refletem diretamente na relação entre credores e devedor, cada qual tentando fazer prevalecer seus próprios interesses. Diante disso, o que pretendemos aqui tratar é da relação entre estes sujeitos, notadamente no que diz respeito ao equilíbrio de suas forças. As sugestões que abaixo seguem procuram, portanto, apresentar mecanismos para auxiliar no realinhamento da relação entre credores e devedor no momento da aprovação e alteração do plano de recuperação judicial. A primeira sugestão que apresentamos trata da possibilidade de abstenção de voto por parte de credores em assembléia geral. Nessa situação, poder-se-ia refletir sobre a possibilidade de se dar tratamento legal para as abstenções de voto nas assembléias, mantendo a forma de contagem de votos com abstenção a exemplo da Lei das Sociedades Anônimas. Nessa linha, cada voto de abstenção poderia contar como favorável à aprovação do plano de recuperação judicial. Outra sugestão trata da possibilidade de flexibilização das classes de credores. Para tanto, seriam elaborados critérios objetivos para a classificação destes créditos. Ainda, nesta mesma idéia, também sugerimos a flexibilização do Cram Down. Quanto ao processo de aprovação do plano de recuperação, acreditamos que seria muito bem vinda a possibilidade de negociação prévia entre credores e devedor (Aprovação Prévia do Plano), na qual o devedor apresentaria um esboço do plano de recuperação, contendo suas principais diretrizes. No que se refere, ainda, à aprovação do plano de recuperação, também sugerimos a possibilidade de sua aprovação fora da Assembléia Geral, por meio de simples adesão dos credores, obedecendo a determinado quórum (Aprovação do Plano por Adesão).

Por fim, na hipótese de rejeição do plano apresentado pelo devedor, oferecemos a possibilidade de apresentação de um plano alternativo criado pelos credores. Dessa forma, o devedor poderia escolher entre aprovar o plano alternativo ou ter a sua recuperação convolada em falência. No que tange à habilitação de créditos, sugerimos a imposição de prazo prescricional a fim de se fixar um limite temporal para esta apresentação. Nos casos de impugnação dos valores dos créditos apresentados no plano de recuperação elaborado pelo devedor, oferecemos a possibilidade de o credor votar em assembleia pelo valor que declarou ter em sua Impugnação de Crédito. Entretanto, na hipótese de se apurar dolo na manifestação equivocada do valor do crédito, o credor responderia por crime podendo, inclusive, ter seus créditos reclassificados para uma classe de sub-quirografário. 1 Ainda sobre o valor do crédito, acreditamos que necessária a responsabilização por crime falimentar do devedor que apresentar, dolosamente, valor equivocado do crédito em seu plano de recuperação. Por conseguinte, trataremos da questão dos créditos decorrentes de honorários advocatícios. Nessa situação, sugerimos a imposição de limite do valor máximo que possa ser classificado como crédito trabalhista. Com isso, evitaríamos prejuízos aos demais trabalhadores com a habilitação de créditos demasiadamente vultosos. Isto porque os créditos trabalhistas geralmente são pequenos e pulverizados. A inclusão de um crédito muito grande poderia comprometer as condições de recebimento dos demais credores. No entanto, não há dúvida do caráter privilegiado e emergencial deste crédito. Em razão disso, a nossa sugestão seria a de determinar um limite, tal como ocorre na falência. Assim, o que sobejasse este limite entraria para a classe de créditos quirografários. 1 Porém, visando a manutenção da segurança jurídica, a aprovação do plano não poderia ser revertida na hipótese de se apurar que o valor declarado pelo credor em votação não corresponde ao crédito verdadeiro.

Por fim, sugerimos que seja dado tratamento legal para a suspensão das Assembléias Gerais de Credores, minimizando ao máximo esta possibilidade.

3. O Papel do Fisco na Recuperação Judicial Por Maria Eduarda Fleck da Rosa O presente estudo traz sugestões que buscam auxiliar na solução para o tratamento do crédito fiscal no curso do processo de recuperação judicial de empresa viável. Em linhas gerais, o que aqui se pretende é apresentar alternativas que solucionem os grandes impasses da atual legislação no que se referem ao débito fiscal, quais sejam: a inexistência de lei de parcelamento automático de débito fiscal que suspenda sua exigibilidade por parte do Fisco (impedindo assim a continuidade das ações de execução fiscal contra a empresa recuperanda), e a conseqüente impossibilidade, por parte do devedor, de apresentação das certidões negativas de débitos fiscais (CND s), obrigação esta prevista no artigo 57 da Lei 11.101/2005 2 e no artigo 191-A do Código Tributário Nacional. 3 Diante disso, serão apresentadas três possibilidades de tratamento para o crédito fiscal, a saber: (a) inclusão do crédito fiscal no Plano de Recuperação; (b) inclusão de capítulo específico no já existente Anteprojeto da Lei de Transação Tributária tratando do parcelamento automático de débito fiscal de empresa em processo de recuperação; e (c) criação de uma lei específica de parcelamento automático de débito fiscal para empresa em processo de recuperação. Importante salientar que em todas as três possibilidades haveria, nos termos do CTN, 4 a suspensão da exigibilidade do crédito, seja pela sua inclusão no plano de recuperação judicial, seja pelo seu parcelamento (nos termos da Lei de Transação Tributária e de lei específica de parcelamento automático). Com isso, a exigência legal de apresentação das CND s pelo devedor seria satisfeita, haja vista que a suspensão de seu débito com o Fisco possibilitaria a emissão de certidão positiva com efeitos de negativa. 2 Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei n o 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional. 3 Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) 4 Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I - moratória; VI o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

Por conseguinte, também relevante tratar sobre a forma de composição do crédito tributário que será objeto do plano de recuperação do devedor. Neste sentido, tem-se que o crédito fiscal, ao ser incluído no plano de recuperação, deveria ser composto pelo valor dos tributos não pagos e pelas eventuais penalidades e juros (valor do tributo + juros + multa), ou seja, pela a totalidade do débito do contribuinte frente ao Fisco, nos termos do artigo 113 do CTN. 5 Uma vez esclarecidas algumas questões de fundo sobre o assunto, passemos às sugestões que serão apresentadas com breves considerações a fim de melhor explicá-las para, logo após, serem oferecidas as vantagens e desvantagens de cada uma das propostas. I. Inclusão do Crédito Fiscal no Plano de Recuperação Trata-se de possibilidade de o credor, ao elaborar o Plano de Recuperação Judicial, elencar o crédito fiscal juntamente com os demais créditos. Salienta-se aqui que a inclusão do crédito fiscal no plano de recuperação não se confunde com a participação no Fisco em Assembléia Geral de Credores. Ao Fisco não será dado poder de voto em AGC em nenhuma das hipóteses abaixo apresentadas. Aponta-se que o crédito fiscal, nesta primeira sugestão de inclusão no plano de recuperação, será analisado sob dois critérios: (a) o quantitativo, que dirá respeito ao valor do crédito que constará no plano de recuperação; e (b) e o temporal, que tratará das condições de parcelamento deste crédito. Para esta sugestão serão elencadas quatro formas de consecução da idéia, ou seja, quatro hipóteses para a inclusão do crédito fiscal no plano de recuperação. Cada uma delas será brevemente apresentada para, em seguida, serem oferecidos seus respectivos prós e contras. 5 Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

1ª Hipótese: Fisco entraria com o valor total do crédito (critério quantitativo), e credor teria limitação legal ao estipular os parâmetros do parcelamento (critério temporal): neste caso, a única liberdade (limitada por lei) do devedor seria quanto ao número de parcelas em que pagaria o crédito fiscal. Isso porque o valor do crédito não seria negociável, entrando o Fisco na recuperação com o seu valor integral. A proposta aqui, quanto ao prazo para pagamento, é a de fixar em lei o número máximo de parcelas que o devedor poderia atribuir ao crédito fiscal em seu plano de recuperação. Este prazo poderia ser sempre fixo, ou condicionado ao valor do crédito, i.e., quanto maior o crédito, maior o prazo para parcelamento. Exemplo: para crédito de até 100 parcelamento em até 10 meses; para créditos até 200 parcelamento em até 20 meses; para créditos acima de 200, parcelamento em até 40 meses. Vantagens: 1. Fisco entraria na recuperação pelo valor integral do crédito. Isso afastaria a possibilidade de discussões sobre eventual ferimento à Lei de Responsabilidade Fiscal. 2. O deferimento do processamento da recuperação pelo Juiz suspenderia imediatamente as execuções fiscais. 3. A suspensão das execuções fiscais possibilitaria ao devedor a obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa. Desvantagens: 1. Ausência de possibilidade de negociação pelo devedor quanto ao valor do crédito fiscal. 2. Menor flexibilidade para o devedor ao estabelecer as condições de pagamento, vez que os limites do parcelamento estariam fixados em lei. 2ª Hipótese: Fisco entraria com o valor total do crédito (critério quantitativo), e os parâmetros de parcelamento a ele impostos seriam os mesmos que os aplicados aos credores quirografários (critério temporal): esta hipótese apresenta a possibilidade do Fisco entrar na recuperação pelo valor integral de seus créditos, sem, contudo, poder intervir (seja por meio de lei ou em AGC) na forma de parcelamento deste montante, que seria estabelecido nos mesmo termos dos pagamentos dos credores quirografários. Aqui, a forma de parcelamento dos créditos dos credores quirografários, devidamente aprovada em AGC, seria imposta também ao Fisco.

Vantagens: 1. Fisco entraria na recuperação pelo valor integral do crédito. Isso afastaria a possibilidade de discussões sobre eventual ferimento à Lei de Responsabilidade Fiscal. 2. O deferimento do processamento da recuperação pelo Juiz suspenderia imediatamente as execuções fiscais. 3. A suspensão das execuções fiscais possibilitaria ao devedor a obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa. 4. Maior flexibilidade para o devedor ao estabelecer as condições de pagamento, vez que não haveria limitação legal quanto às condições de parcelamento do débito fiscal. Desvantagens: 1. Ausência de possibilidade de negociação pelo devedor quanto ao valor do crédito fiscal. 3ª Hipótese: Fisco entraria na recuperação, e credor teria limitação legal ao elencar no plano o valor do crédito fiscal (critério quantitativo) e os parâmetros do seu parcelamento (critério temporal): a hipótese aqui é a de que a lei conferisse ao devedor (nunca ao Fisco) a possibilidade de compor a forma de pagamento do crédito fiscal, por meio de trade offs entre o critério quantitativo e o critério temporal. Isso significa dizer que o devedor poderia optar entre um maior prazo de parcelamento e uma menor redução do valor do crédito ou vice-versa. Neste caso, o importante é salientar que estes critérios estariam estabelecidos em lei, a fim de conferir maior objetividade e segurança ao credor ao estipular a forma de pagamento do crédito fiscal. Por exemplo: se optar pelo pagamento do valor integral do crédito, poderá parcelar em até 40 meses; se optar por pagar com uma redução de 10% no valor do crédito, poderá pagar em até 30 meses; etc. Vantagens: 1. Maior flexibilidade para o devedor ao estabelecer as condições de pagamento, pois a ele seria dada a possibilidade de composição da forma de adimplemento do crédito (nos limites legais), nos termos que entendesse mais adequado ao contexto de sua recuperação. 2. O deferimento do processamento da recuperação pelo Juiz suspenderia imediatamente as execuções fiscais.

3. A suspensão das execuções fiscais possibilitaria ao devedor a obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa. Desvantagens: 1. Fisco poderia não entrar na recuperação pelo valor integral do seu crédito (dependendo da opção feita pelo devedor). Isso poderia gerar eventual discussão acerca de ferimento à Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso porque a Lei Complementar 101/2000, conhecida nacionalmente como Lei de Responsabilidade Fiscal, possui, sem eu artigo 14, 6 previsão, condições e requisitos para que possa ser considerada válida a renúncia de receita. Entretanto, em que pese tal consideração, importante frisar que o presente caso não estaria sujeito à aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal. A referida lei tem como principal objetivo o de obrigar todos os governantes a obedecerem às normas e limites para administrar as finanças, prestando contas sobre quanto e como gastam os recursos da sociedade, a fim de melhorar a administração das contas públicas no Brasil. Ou seja, sua intenção é disciplinar a gestão pública, evitando medidas populistas e eleitoreiras tomadas no interesse de um governante em detrimento do interesse do poder público que representa, assim como evitar distorções comuns ao sistema federativo, como é o caso da guerra fiscal. Ocorre que a Lei de Recuperação de Empresas é uma lei nacional e, portanto, válida e aplicável igualmente a todos os entes federativos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. 6 Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. 1 o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. 2 o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. 3 o O disposto neste artigo não se aplica: I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu 1 o ; II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

Ocorre que a LRF visa coibir abusos que venham a ser ou tenham sido cometidos por gestões nos entes federativos, portanto, no raio de suas competências federal, estaduais ou municipais, como, por exemplo, leis que instituam benefícios, isenções ou subsídios fiscais. A Lei de Recuperação de Empresas e qualquer regramento paralelo que pertença ao seu regime jurídico também é lei nacional, pois a sua validade, vigência e eficácia irradiam-se para todos os entes federativos. Nesse sentido, não há espaço no contexto da Lei de Recuperação que envolva a relação Fisco/devedor para ações irresponsáveis por parte dos poderes executivo ou legislativo federal, estaduais ou municipais. Além disso, o Fisco estaria fora da negociação, o que reforça mais ainda o argumento de impossibilidade de ações irresponsáveis em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Como não há discricionariedade alguma seja em nível executivo ou legislativo, não há possibilidade de afronta a este diploma legal. 4ª Hipótese: Fisco entraria com valor total do crédito (critério quantitativo), que seria pago em parcelas mensais, calculadas mediante a estipulação em lei de um percentual incidente sobre a receita bruta mensal da recuperanda (critério temporal): a idéia aqui é a de se utilizar como inspiração os parâmetros empregados pelo primeiro Refis em 2000, 7 que determinava que o débito fiscal seria pago mensalmente pelo contribuinte, sendo o valor de cada parcela determinado em função de percentual da receita bruta do mês imediatamente anterior. 8 Neste caso, o Fisco entraria na recuperação pelo valor integral de seu crédito, mas o pagamento variaria de um mês para o outro, pois dependeria do desempenho da empresa recuperanda no mercado. Vantagens: 1. Fisco entraria na recuperação pelo valor integral do crédito. Isso afastaria a possibilidade de discussões sobre eventual ferimento à Lei de Responsabilidade Fiscal. 2. O deferimento do processamento da recuperação pelo Juiz suspenderia imediatamente as execuções fiscais. 7 Lei 9.964, de 10 de abril de 2000. 8 Art. 2 o O ingresso no Refis dar-se-á por opção da pessoa jurídica, que fará jus a regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais a que se refere o art. 1 o. 4 o O débito consolidado na forma deste artigo: II será pago em parcelas mensais e sucessivas, vencíveis no último dia útil de cada mês, sendo o valor de cada parcela determinado em função de percentual da receita bruta do mês imediatamente anterior, apurada na forma do art. 31 e parágrafo único da Lei n o 8.981, de 20 de janeiro de 1995, não inferior a: (...)

3. A suspensão das execuções fiscais possibilitaria ao devedor a obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa. 4. Maior flexibilidade para o devedor ao adimplir seu débito, vez que a empresa vai pagando na medida em que vai se recuperando. Desvantagens: 1. Ausência de possibilidade de negociação pelo devedor quanto ao valor do crédito fiscal. 2. Ausência de prazo previamente definido para adimplemento total do crédito tributário. 3. O valor da parcela recebida mensalmente pelo Fisco fica condicionado ao desempenho da recuperanda. II. Inclusão de capítulo específico no já existente Anteprojeto da Lei de Transação Tributária tratando do parcelamento automático de débito fiscal de empresa em processo de recuperação Aqui, a idéia seria a de se incluir um capítulo no Anteprojeto da Lei de Transação Tributária 9 que estabelecesse os critérios do parcelamento automático do débito fiscal de empresa em recuperação judicial. O fato de o Código Tributário Nacional, no 3 do artigo 155-A, 10 falar em lei específica, não rechaça esta possibilidade. Isso porque o legislador complementar, ao inserir este dispositivo no CTN, 11 o fez apenas para determinar que não seria o próprio Código o responsável pela fixação dos parâmetros do parcelamento. Com isso, essa lei específica, no caso da recuperação, pode ser a de transação tributária. Vantagens: 1. O crédito fiscal não faria parte do plano de recuperação do devedor. 9 Projeto de Lei 5.082/2009, que dispõe sobre transação tributária, nas hipóteses que especifica, altera a legislação tributária e dá outras providências. 10 Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) 3 o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) (grifo nosso) 11 Por meio da Lei Complementar 118/2005.

2. O deferimento do processamento da recuperação pelo Juiz suspenderia imediatamente as execuções fiscais. 3. A suspensão das execuções fiscais possibilitaria ao devedor a obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa. 4. Há o já acima referido anteprojeto de transação tributária já tramitando, de autoria do Professor Heleno Taveira Torres, o que poderia facilitar e acelerar a aprovação de eventual parcelamento de débito fiscal de empresa em recuperação. Desvantagens: 1. Controvérsias a respeito da transação tributária poderiam acarretar numa maior dificuldade para aprovação da lei. 2. O projeto de lei em trâmite é de lei federal, logo, alcança apenas os tributos dessa competência. Para que os tributos de outras competências fossem incluídos, seriam necessárias leis de transação nas esferas estadual e municipal. III. Criação de uma lei específica de parcelamento automático de débito fiscal para empresa em processo de recuperação Por fim, a terceira e última sugestão versa sobre a possibilidade de criação de legislação específica acerca do parcelamento automático do débito fiscal de empresa em recuperação judicial. Trata-se de hipótese prevista pelo legislador 12 e incluída no CTN por meio da Lei Complementar 118/2005. 13 O ideal para fins de eficiência na recuperação seria se a lei fosse nacional, o que cumpre dizer: parcelamento automático vinculando as competências tributárias federal, estaduais e municipais. Esta lei de parcelamento, para que alcançasse a esfera nacional, deveria ser elaborada sob a forma de lei complementar, a exemplo do Projeto de Lei 5.250/2005. 14 A necessidade de submeter a lei de parcelamento automático aos ditames 12 Trata-se de regra constante no artigo 68 da Lei 11.101/2005, onde consta que as Fazendas Públicas e o INSS poderão deferir parcelamento de seus créditos, nos termos de legislação específica, em sede de recuperação judicial, de acordo com as disposições do CTN. 13 Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) 3 o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) 14 Que dispõe sobre o parcelamento de débitos tributários de devedores em recuperação judicial.

próprios das leis complementares encontra respaldo no artigo 146, inciso III, alínea b da Constituição Federal. 15 O Código Tributário Nacional, com as modificações trazidas pela Lei Complementar 118/2005, refere-se à lei específica de cada ente federativo. Neste caso, cada município, estado e a federação, deveriam elaborar suas leis ordinárias com base na sua competência (municípios tratariam de tributos municipais, estados de estaduais e a União dos federais). Ou seja, seriam mais de 5.500 leis tratando sobre o tema. É a forma mais custosa ex ante para se regular esse instituto ligado à recuperação de empresas, porém afastaria inevitáveis discussões posteriores sobre constitucionalidade de uma eventual lei nacional. A exemplo deste raciocínio, pensemos no tratamento que é dado ao Refis. Em que pese não seja exatamente a mesma situação, o Refis pode ser bastante ilustrativo. A União instituiu várias edições dessa moratória federal, o que motivou diversos Estados e municípios a fazerem o mesmo em relação aos tributos de suas competências. Vantagens: 1. O crédito fiscal não faria parte do plano de recuperação do devedor. 2. O deferimento do processamento da recuperação pelo Juiz suspenderia imediatamente as execuções fiscais. 3. A suspensão das execuções fiscais possibilitaria ao devedor a obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa. Desvantagens: 1. Há risco de se considerar inconstitucional uma lei nacional de parcelamento, ainda que adstrito à recuperação, pelo argumento de que se estaria invadindo a autonomia do ente federativo, vez que obrigatoriamente o débito seria parcelado, débito este que corresponde ao crédito do ente federativo. 2. Necessidade de elaboração de legislação específica de cada ente federativo. 15 Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

3. Decurso de tempo que poderia demandar a elaboração de leis específicas federal, estaduais e municipais. Outra possibilidade: emenda ao artigo 151 do Código Tributário Nacional: A possiblidade acima referida consiste em emendar, via lei complementar, o artigo 151 do CTN, 16 de modo a incluir mais uma hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, qual seja, a recuperação. O parcelamento já é previsto no artigo 151 do CTN. Inclusive, o parcelamento no contexto da recuperação está disposto no artigo 155-A, 3 e 4 17 (dispõe que cada ente federativo deverá ter lei específica de parcelamento em casos de recuperação e, na falta desta, se utilizará da sua lei geral, desde que o número de parcelas não seja inferior ao da lei federal específica). De qualquer forma, reforçaria se fosse incluída a hipótese de recuperação como suspensiva no rol do artigo 151. Assim, a existência do processo de recuperação já suspenderia a exigência dos créditos tributários, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Normalmente, as leis gerais de parcelamento dos entes federativos dispõem de prazo máximo de 60 parcelas (5 anos). Todavia, o artigo 155, 4 do CTN proíbe o número de parcelas inferior ao da lei federal específica. Uma solução, portanto, seria propor lei federal com número maior de parcelas. O que aconteceria seria o seguinte: as leis de parcelamento municipais e estaduais que tivessem prazo inferior ao fixado pela lei federal teriam que respeitar este novo prazo mínimo. Para aqueles estados e municípios que não dispusessem de lei de parcelamento, 16 Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I - moratória; II - o depósito do seu montante integral; III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) VI o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes. 17 Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) 3 o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) 4 o A inexistência da lei específica a que se refere o 3 o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

seriam aplicadas as previsões da lei geral de parcelamento, qual seja, da lei federal ( 4 do artigo 155-A do CTN). 18 18 4 o A inexistência da lei específica a que se refere o 3 o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)

4. Recuperação Extrajudicial Por Francisco Satiro A Lei no.11.101/2005 oferece diferentes opções para a solução de problemas referentes às empresas em crise. Em caso de inviabilidade econômico-financeira, definida pelos credores, a empresa deverá ser liquidada, o que se fará através do processo de falência. Se a empresa necessitar simplesmente de recomposição de suas dívidas ou reorganização, três são as opções disponibilizadas: o acordos privados, fruto do livre exercício da autonomia privada de devedor e credores, e que prescinde de um regime especial, não obstante seja expressamente revisto no art. 167; a recuperação judicial que representa um estado especial que envolve a grande maioria dos credores, e que, nos termos do art, 50, oferece uma ampla gama de alternativas a fim de manter a atividade produtiva, a mais valia da empresa em atividade e a preservação de sua função social (art. 47); e entre as duas, a recuperação extrajudicial (arts. 161-166), uma modalidade com claro caráter contratual, importante como meio de gestão de interesses creditícios com grau de complexidade inferior àqueles que demandam a recuperação judicial, cujos custos são significativos. Entretanto, o que se percebeu desde a entrada em vigor da Lei 11.101/2005, a utilização da recuperação extrajudicial ficou muito abaixo do esperado. O numero de pedidos de homologação judicial de planos de recuperações extrajudiciais não parece proporcionalmente compatível com a quantidade de pedidos de falência e recuperação judicial. Mesmo que se alegasse que existe hoje uma dúvida sobre a necessidade de homologação o que poderia levar à existência de recuperações extrajudiciais que não aparecem nas estatísticas oficiais colhidas a partir de dados fornecidos pelo Poder Judiciário os resultados são frustrantes. Uma breve análise do instituto da forma como é hoje desenhado, oferece uma primeira explicação do porque terem os agentes aberto mão dessa possibilidade. Seu único grande atrativo atual é a possibilidade de cram down, ou de imposição do plano a certos credores resistentes. Em contrapartida, ainda que tenha que satisfazer todos os requisitos formais para ajuizamento de um pedido de recuperação extrajudicial, são varias as desvantagens

verificadas: possibilidade de revogação de atos praticados em cumprimento do plano no caso de falência, ausência de precisão quanto à não sucessão trabalhista, tributária e geral do adquirente de bens alienados no âmbito do plano, limitação dos credores submetidos, entre outros. O excesso de custos e a fragilidade dos benefícios parece apontar para a melhor solução nos extremos: recuperação judicial ou acordo privado. Nesse sentido, a proposta é a de se criar incentivos para que o devedor opte pela recuperação extrajudicial. Algumas das sugestões são: a) Permitir que qualquer credor à exceção do FISCO pela peculiaridade de seu regime jurídico seja incluído no plano b) Abolir prazos mínimos entre as recuperações. O próprio caráter de possibilidade de solução pontual da recuperação extrajudicial parece incompatível com tais prazos. Não parece coerente impedir que um credor, que tenha aprovado um plano reestruturando seus débitos bancários com garantias pessoais, não possa logo a seguir aprovar novo plano, desta vez englobando fornecedores, por exemplo. c) Conferir segurança aos atos praticados de acordo com plano homologado judicialmente, evitando o risco de declaração de ineficácia, por exemplo. d) Plano para gerar efeitos de recuperação extrajudicial tem que ser homologado judicialmente. e) Possibilidade que o plano preveja alienação de ativos e que seus adquirentes estejam livres da sucessão, desde que a alienação se de através do Juizo.

Parte II Falência 5. Responsabilidade dos Agentes na Falência Por Bruno Von Dreifus e Daniel Shan Lee No aspecto da responsabilidade dos agentes na falência, a questão abordada em nossos estudos refere-se a eventual conveniência de revisão das atribuições do Comitê de Credores e do Administrador Judicial no processo falimentar, considerando (i) as suas atribuições atualmente dispostas na Lei 11.101/05; e (ii) a dificuldade para a atuação efetiva de ambos os órgãos em decorrência da esparsa disposição sobre suas responsabilidades por atos praticados. No tocante ao Comitê de Credores, nossa análise preliminar indica que o órgão apresenta raríssima utilização, possivelmente pelas escassas atribuições concedidas a tal órgão pelo diploma legal não serem suficientes para justificar os custos atrelados a sua constituição e manutenção. Neste sentido, nossos estudos preliminares, ainda não conclusivos, parecem indicar a uma possível conveniência em: (i) transferir parcela das funções deliberativas da Assembleia Geral de Credores ao Comitê de Credores, que passaria a ter funções fiscalizatórias e deliberativas restritas (e.g. podendo aprovar a prática de alguns atos durante o processo de recuperação ou falência como aprovação de despesas de manutenção do empreendimento contas e despesas diárias, entre outras); (ii) possibilitar a constituição prévia deste órgão para a negociação representativa do plano de recuperação a ser submetido à aprovação dos credores; (iii) promover incentivos à formação do Comitê de Credores, como por exemplo, vantagens no recebimento dos créditos para os representantes.

Em contrapartida às maiores atribuições que poderiam eventualmente ser sugeridas, nossas análises indicam a importância de ajustes quanto a: (i) representatividade das classes de credores, e.g., possibilidade de número variável de membros, garantia de representante à determinadas classes (e.g. trabalhadores); e, notadamente, (ii) em decorrência das vantagens e maiores atribuições que poderiam vir a ser atribuídas a este órgão, a um maior detalhamento em relação a deveres fiduciários e responsabilidades de seus membros (com potencial paralelo às disposições da Lei 6.404/76). No tocante aos administradores judiciais, nossos estudos preliminares corroboram uma proposta de revisão de suas atribuições, com uma delimitação a uma atividade fiscalizadora do processo falimentar, sendo restringidos poderes para adotar posturas de risco (e.g., buscar negócios); e.g., não obstante um resguardo do poder do Administrador Judicial de contratar profissionais ou empresas especializadas para auxiliar na busca de negócios, conforme estabelece a alínea "h" do inciso I do Art. 22, sujeita a uma deliberação da Assembleia Geral dos Credores ou Comitê de Credores (e não mera autorização judicial). Neste sentido, o Administrador Judicial assumiria um papel de fiscal do processo, com responsabilidade objetiva com base em critérios fixados com base nos deveres do Administrador Judicial de prestar informações (relatórios) durante o processo falimentar.

6. Extensão da Falência ou de seus efeitos Por Bruno Von Dreifus e Daniel Shan Lee No tocante à extensão da falência e extensão dos efeitos da falência (que conforme estudos realizados até o momento apontam resultados práticos semelhantes, apesar de divergências técnicas) a problemática que se observou foi que, não rara as vezes, ocorre um uso aparentemente indiscriminado deste suposto artifício, com base, primordialmente, nos artigo 81 e 82 da Lei 11.101/05 para atingir patrimônio de terceiros com o intuito de, essencialmente, compor a massa falida (comumente insuficiente). No entanto, o mencionado artifício, como se observou em nossos estudos preliminares realizados, permitiria tão somente a extensão da falência aos sócios com responsabilidade ilimitada (e.g., os sócios das sociedades comuns) e, ainda, somente após assegurar-lhes o direito ao contraditório (em deferência à Constituição Federal). Nesta hipótese, preconizada principalmente pelo artigo 81 da Lei 11.101/05, a agentes definidos (sócios de responsabilidade ilimitada) ser-lhes-ia atribuído a condição de falido com todas as repercussões legais aplicáveis (e.g., vencimento antecipado de dívidas). Por outro lado, nos estudos preliminares quanto ao disposto no artigo 82 da Lei 11.101/05, vislumbramos uma possibilidade de responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, controladores e administradores da sociedade falida, independentemente da realização do ativo ou de prova de sua insuficiência, por meio de ação própria de responsabilidade no juízo falimentar com fundamento nos diplomas específicos (e.g., o Artigo 158 da Lei 6.404, o Artigo 50 do Código Civil, entre outros). Ressalta-se, assim, que nossos estudos preliminares indicam que tal dispositivo (o Artigo 82 da Lei 11.101/05) restringiria (i) os sujeitos (sócios de responsabilidade

limitada, controladores e administradores) e (ii) as conseqüências de eventual responsabilização (tão somente a obrigação de indenização da massa falida pelos prejuízos causados). Por nossos estudos, tal Artigo indicaria uma aparente impossibilidade de extensão da condição de falido ou de extensão dos efeitos da falência (seja tal extensão delimitada ou não), e suas sérias conseqüências. Com um objetivo de endereçar tal problemática, uma proposta preliminar seria (i) propor um aperfeiçoamento da redação do Artigo 81 da Lei 11.101/05, de forma a estabelecer que a extensão da falência somente poderá ocorrer nas hipóteses previstas no caput do Art. 81, e (ii) propor uma alteração do Artigo 82 da Lei 11.101/05, de forma a estabelecer critérios preliminares para uma responsabilidade exclusivamente patrimonial de todos os agentes mencionados na legislação própria referida (i.e., possível inclusão de terceiros) limitada a extensão do prejuízo causado pelos atos que ensejarem a responsabilização. Ainda no tocante ao Artigo 82 da Lei 11.101/05, não obstante as particularidades da situação na qual se encontra a sociedade, nossos estudos ainda não possibilitaram uma conclusão quanto a eventual conveniência de inclusão na Lei 11.101/05 de um regime próprio de responsabilidade, em detrimento da referência a legislações específicas.

7. Falência transnacional Por Paulo Fernando Campana As falências internacionais foram, durante o século XIX e a maior parte do século XX, um assunto complexo relegado aos debates acadêmicos e que mostrava pouca importância prática. A crise do petróleo da década de 70 mostrou, entretanto, que as quebras das empresas multinacionais, que haviam proliferado no decorrer do século XX, produziam efeitos que se faziam sentir em diversos países. As implicações transfronteiriças dessa crise levaram os Estados Unidos a incorporar a Section 304 ao seu Bankruptcy Code de 1978, dedicada aos casos auxiliares aos processos estrangeiros, e que seria usado com frequência crescente nos anos que se seguiram. Com efeito, a partir de então, as falências com repercussão internacional tornaram-se um fenômeno cada vez mais comum. A partir da década de 90, teve início o desenvolvimento de uma forte cooperação internacional entre juízes e tribunais em casos de falência, sobretudo nos países de tradição jurídica anglo-saxã, tais como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. Essa ajuda mútua baseava-se, muitas vezes, em protocolos de cooperação ad hoc, e não em leis específicas. A ideia dessa cooperação internacional era promover processos falimentares que, mesmo tendo sido abertos em diferentes países, se comportassem, na medida do possível, como um conjunto harmônico isto é, coordenar processos de insolvência em diversos Estados para que os seus efeitos se fizessem sentir como se houvesse apenas um juiz, com jurisdição sobre todo o patrimônio do devedor e sobre todos os seus credores, aplicando uma única lei. A busca pelo ideal da unicidade da falência que os teóricos chamaram de universalismo é o motor que propulsionou não apenas as iniciativas ad hoc, mas também a maior parte das reformas legislativas nas últimas décadas. As iniciativas ad hoc de cooperação que se desenvolveram durante a década de 90 baseavam-se no modelo da Section 304 do Bankruptcy Code, que previa a

possibilidade de abertura de processos judiciais auxiliares, cujo objetivo era promover o apoio a processos de insolvência estrangeiros. Em 1997, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL) publicou uma lei modelo sobre insolvências transfronteiriças que servia como recomendação para a uniformização das normas sobre direito internacional privado que dizem respeito à falência. A lei modelo, sendo unicamente uma recomendação legislativa, pode ser adotada com ou sem alterações por quaisquer Estados. Ela foi inspirada, em grande parte, na experiência de cooperação internacional entre os países nos casos de insolvência. Ela incentiva o reconhecimento dos efeitos de processos de insolvência abertos no exterior, inclusive determinando a suspensão das execuções contra o devedor e o auxílio aos juízes e administradores judiciais estrangeiros, e dispensa o exequatur como requisito para o reconhecimento de processos estrangeiros. A lei modelo foi incorporada, desde sua entrada em vigor, por diversos Estados com tradições jurídicas muito distintas, tais como Estados Unidos (na forma do Chapter 15 do seu Bankruptcy Code, que substituiu a Section 304), Reino Unido, Japão, México, África do Sul, Coréia do Sul, Colômbia, Eslovênia, Sérvia, Grécia e Polônia. Outros Estados, embora não tenham incorporado as disposições da lei modelo, elaboraram suas próprias leis para tratar das insolvências internacionais é o caso, por exemplo, da Alemanha e de Portugal. Na Europa, entrou em vigor, em 2000, um regulamento comunitário sobre o assunto, que havia sido discutido por cerca de 40 anos. O regulamento trouxe regras mais específicas sobre direito internacional da falência, determinando a existência de um processo principal, aberto no Estado onde se localiza o centro de interesses principais do devedor, com jurisdição sobre todo o território comunitário, e processos secundários, de cunho territorial, com jurisdição sobre o Estado em que se localiza um estabelecimento do devedor. Além da lei modelo da UNCITRAL e do regulamento europeu, há diversas outras iniciativas que contribuem para a proliferação das normas de direito internacional falimentar, tais como tratados e convenções internacionais, grupos de estudo fomentados por entidades de classe e organizações internacionais e conjuntos de diretrizes elaborados por entes privados.