Espaço Entrevista Tentamos ver o sistema como um todo
Interface Administração Pública 49 Em discurso directo, o responsável pela gestão das infra-estruturas tecnológicas do Instituto Nacional de Estatística esclarece a sua posição face à generalização do Software de Código Aberto nas organizações. António Sanches Tanto no campo das aplicações, como na área dos servidores, o Instituto Nacional de Estatística (INE) tem vindo a implementar uma série de soluções Open Source Software (OSS) em toda a sua Infra-estrutura. A Interface AP entrevistou Joaquim Machado, Chefe de Serviço no Departamento de Sistemas de Informação e Informática. AP: Considera-se um defensor das soluções Open Source? R: Não sou fundamentalista. Acredito que para cada problema há um tipo de solução. Até admito que para determinado problema a solução não está no OSS, embora acredite também que, por vezes, se adoptam certos sistemas proprietários, não por que seja a melhor solução, mas porque não existe alternativas na área do Software Livre. Geralmente, quando há uma alternativa de código aberto ela revela-se melhor do que as soluções proprietárias. Isto porque, na minha opinião, as ferramentas OSS são mais estáveis e mais flexíveis. Não é só uma questão financeira. A componente preço é muito relativa face aos objectivos que queremos atingir. AP: Qual o espaço que o OSS ocupa na estrutura do INE? R: Em termos globais, a nível das infra-estruturas, o Linux ocupa 50 por cento do espaço, ficando a Microsoft com 48 por cento dos sistemas. Os restantes dois por cento são sistemas Unix. Como é lógico, nós temos de integrar todos estes sistemas. Eles têm de comunicar uns com os outros e, nesse aspecto, o OSS é um tipo de software que se presta muito bem aos aspectos de interoperabilidade. Também posso adiantar
50 Administração Pública Interface que, neste momento, temos praticamente concluído a migração dos servidores Microsoft Windows NT para Linux (com Samba). AP: Tem havido algum problema no decurso desse trabalho de migração? R: Tivemos algumas dificuldades. Mas, contactámos a comunidade que trabalha com esta solução, fomos trocando algumas ideias com outros aplicadores e os problemas foram sendo resolvidos. No que diz respeito à correcção de alguns bugs que existiam, falámos directamente com os programadores que se prontificaram a corrigir esses erros. AP:Inicialmente, a adopção de soluções Open Source foi consensual? R: O problema punha-se a nível técnico, pois, tínhamos apenas dois profissionais com conhecimentos nesta área. Era eu, que tinha acabado de entrar, e outro colega. Naturalmente, quando não se tem conhecimentos em determinadas áreas, há sempre maior receio quanto a solução a adoptar. Tivemos, por isso, de investir na sensibilização dos nossos técnicos. Neste momento, todos percebem as vantagens. Aliás, hoje em dia já não fazemos uma distinção muito clara entre técnicos Windows ou técnicos Linux (ou Unix). Aqui, no INE, todos trabalhamos em equipa com o objectivo de encontrar as melhores soluções possíveis, sejam elas de código fechado ou aberto. Tentamos ver o sistema como um todo. AP: O argumento financeiro teve algum peso? R: O argumento de que era mais barato não chegou para convencer a direcção. Tivemos de demonstrar qualidades dos sistemas OSS, como a robustez, a segurança, a flexibilidade, etc. Há medida que os sistemas se foram revelando robustos e fiáveis, e que eram capazes de interoperar em ambientes mistos, as barreiras foram desaparecendo. AP:Tem havido algum problema na gestão e na manutenção dos sistemas? R: Uma das grandes vantagens do Linux do Open Source em geral está precisamente na forma como fazemos a sua gestão. Por exemplo, o INE tem escritórios espalhados por todo o território português, sendo que nos casos dos Açores e da Madeira, apesar de serem entidades independentes, a infra-estrutura também é a do INE. Ora, como temos uma infra-estrutura que se espalha pelo país, e como todo o processo é coordenado e realizado a partir de Lisboa, é muito importante encontrar soluções que, para o processo de gestão, não nos obrigue a constantes deslocações. A experiência tem-nos dito que é mais fácil conseguir isso com sistemas OSS. AP: Por alguma razão em especial? R: Porque conseguimos fazer a gestão remota através de linhas de comando, sem ser necessário recorrer a ambientes gráficos. A própria configuração do sistema é muito mais flexível, existem muito mais opções. O facto de podermos ler e alterar o código, permite-nos muito mais configurações e adaptações a cada tipo de realidade, isto relativamente aos sistemas proprietários. Por todos estes motivos, os nossos técnicos acabam por gostar mais deste tipo de soluções. Conseguem construir a solução à medida das necessidades. Esta é uma das grandes mais-valias do Open Source. AP: Podemos estar perante um cenário onde, num futuro próximo, todo o sistema informático do INE corre em OSS. R: O problema é só um: ainda não há soluções de código aberto na área da estatística que garantam tanta qualidade como os sistemas proprietários. São ferramentas dedicadas, muito específicas, que só meia dizia de empresas a nível nacional é que terá necessidade de utilizá-las. Isto faz com que, a nível de OSS, não se encontrem grandes alternativas a estas ferramentas. Começam a surgir algumas, nós já estamos a vê-las, nomeadamente uma R Project que já estamos a testar. Mas acho que nesta matéria ainda falta um pouco. O argumento de que era mais barato não chegou para convencer a direcção. Tivemos de demonstrar qualidades dos sistemas OSS, como a robustez, a segurança e à flexibilidade, etc.
Interface Administração Pública 51 AP: Só mesmo na área da estatística é que poderá haver problemas? R: Sim. Não estamos aqui a falar do processador de texto ou da folha de cálculo. Se fosse só isso, seria muito simples. Também nos servidores o processo é relativamente simples. Hoje em dia, o trabalhador está no seu desktop e nem se apercebe que já não está a trabalhar com um servidor Windows, mas sim Linux. Isto, porque o ambiente de trabalho é sempre o mesmo. Agora, quando estamos a falar de alterações no ambiente de trabalho dos utilizadores, o desafio pode ser maior, não tanto por questões técnicas, mas porque é mais complicado promover alterações de hábitos entre os trabalhadores. AP: Migrar o sistema operativo pode levantar o mesmo problema? R: Trocar um sistema operativo também é relativamente fácil, até porque nós conseguimos criar um ambiente gráfico muito parecido com o Windows, até mais seguro, mais robusto e mais fácil de gerir. Nem vai ter tantos problemas com vírus ou spyware, como tem actualmente o Windows. Portanto, com cores e itens semelhantes, o utilizador não sente muita diferença e, dessa forma, adapta-se bem à mudança. AP: Muitos defendem que a generalização do OSS põe e risco o desenvolvimento de software. Acredita nisto? R: A soluções OSS, na minha opinião, acabam por ser de melhor qualidade e de mais rápido desenvolvimento. Por exemplo, uma solução desenvolvida pela Microsoft não tem de se preocupar com a integração com outro produto. Nesta medida, o Software Livre tem vindo a ganhar vantagem, com produtos flexíveis, robustos e que, simultaneamente, se integram com soluções proprietárias. Por outro lado, na área do software de código aberto, como estamos a falar de comunidades em rede, que partilham o conhecimento entre si, dentro do mesmo projecto estão técnicos oriundos de vários pontos do mundo, o que acaba por resultar num desenvolvimento 24 sobre 24 horas. AP: Concorda com o regime de patentes em vigor? R: A questão que está à volta das patentes parece-me, em algumas situações, um pouco idiota. Por exemplo, acho ridículo patentear o algoritmo do clique do rato. Acho ridículo patentear os scrool down de uma janela. Por que razão havemos de pagar uma patente de situações como estas? Era a mesma coisa que o inventor da roda ter Joaquim Machado Chefe de Serviço no Departamento de Sistemas de Informação e Informática direito a receber dinheiro por cada vez que a utilizamos. Não me parece lógico. Sou mais apologista da existência de patentes a nível dos algoritmos de processos. Por exemplo, a forma como o Google faz a sua pesquisa. AP: Acredita que o OSS é uma solução credível para a Administração Pública? R: Há duas ou três medidas que devem ser implementadas, um pouco a exemplo do que está a ser feito em outros locais do mundo. Por exemplo, é urgente adoptar um standard para documentos (Open Document). Aliás, até já existe um definido pelo consórcio Oásis (entidade que define standards a nível documental). Isto significa que, ao adoptarmos estes standard, seja qual for o processador de texto, podemos sempre abrir o documento. A outra medida tem a ver com o browser que utilizamos na Web. Há muita informação na Internet que só funciona com o Internet Explorer. Ora, estamos novamente a forçar o mercado a utilizar o browser da Microsoft. Por exemplo, eu utilizo o FireFox (um browser Open Source) e em resultado disso tenho mais dificuldade a navegar em determinados sites institucionais. Mas, de uma forma geral, já não há grandes questões sobre se o OSS vai ou não ser utilizado de forma mais massificada na Administração Pública (AP). Estou convencido que ele vai ter o seu espaço, tanto na AP como no mercado empresarial. Acho que é inevitável e irreversível.
52 Administração Pública Interface A informática tem-nos enganado sempre Pedro Guerreiro é Professor Associado no Departamento de Informática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. António Sanches Com 25 anos de experiência, enquanto professor de programação e de engenharia de software, Pedro Guerreiro não embarca no aprofundamento da polémica em torno da utilização das soluções Open Source Software (OSS). Garante o professor, que ambos os sistemas são opções viáveis, sendo que, se tiver de optar, o que determinará a sua escolha é a necessidade operacional de cada projecto e não o facto de serem (ou não) sistemas de código aberto. AP: A generalização do OSS é, para si, um assunto polémico? R: Sinceramente acho que não. Se calhar, isto é um daqueles assuntos do género do bug do ano 2000. Enfim, um daqueles assuntos que periodicamente surgem para manter as massas agitadas, que depois não dão em nada. Os acontecimentos encarregam-se de resolver a questão, independentemente das opiniões das pessoas que se vão pronunciando. Uns gritam por um lado, outros berram por outro, mas a questão acaba por se resolver por si. Ambos os modelos de desenvolvimento de software fazem sentido. AP: Acha, então, que este é um debate estéril? R: Não! Acho que é animado. Eu, sinceramente, não sei se o Open Source tem futuro ou não. Também não sei se alguém sabe. Mas também não acredito naqueles que dizem que sabem ou, pelo menos, nos que dizem ter a certeza. Acho que há boas coisas de um lado e boas coisas do outro. E, como tudo na vida, escolhemos os bons e excluímos os maus. Desde que caiba no nosso orçamento, claro. AP: Ambos os sistemas serão complementares? R: A minha experiência de utilização dos dois tipos de software vai nesse sentido. Quando preciso de qualquer coisa, a primeira questão que ponho não passa pelo facto de ser ou não Open Source. O que eu quero é encontrar uma solução, o mais rapidamente possível, que me resolva o problema. Isto, sem olhar para o facto de ser ou não ser gratuito. Até porque, para utilização pessoal, os custos das licenças não são assim tão problemáticos. É evidente que o ideal seria fazer as coisas para que os sistemas corram em qualquer plataforma. Aliás, nas minhas aulas há muito que vou pregando essa doutrina. Isso valoriza o nosso trabalho.
Interface Administração Pública 53 AP: Considera legítimo o regime de licenças em vigor? R: A primeira questão é: patentes de software? Não percebo! Admito que haja certas situações passíveis de serem patenteadas, como um software de encriptação, novíssimo, melhor do que os anteriores. Por outro lado, há coisas anedóticas, como patentear o scrol do rato. Sinceramente, eu não sei desenhar essa fronteira. Admito que possa haver coisas que devem ser patenteadas, outras que não. Era muito mau que isto se tornasse em uma guerra de advogados. Quem deve desenhar essa fronteira são as autoridades competentes. Pedro Guerreiro Professor Associado no Departamento de Informática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. AP: É verdade que o Open Source garante mais fiabilidade e robustez? R:Realmente o Open Source tem uma vantagem, que diz respeito as questões de segurança. Isso consigo perceber. Claro que se todos podem ver o código, teoricamente, há maior tranquilidade relativamente àquilo que o software está, de facto, a fazer. Ou seja, não há armadilhas dentro do código. Não é uma caixa preta, as pessoas especializadas vêm o sistema e certificam-se de que nada está escondido. Agora, acho que o mercado encarregar-se-á de afastar aqueles que não cumprem com o que prometem. Acho que o mercado está atento a essa problemática. AP:A generalização do Open Source põe em perigo o investimento em desenvolvimento? R: Acredito que se houvesse um monopólio Open Source as coisas podiam empastelar um pouco. Mas, também aqui se aplica a lei do mercado: se a coisa empastelasse, alguém havia de reparar nisso e investir imediatamente. Há trinta anos atrás, quando comecei, não havia Microsoft mas sim a IBM. Na altura ninguém pensava que a IBM ia perder força no Software. No entanto, veja o que aconteceu. Quem sabe se de aqui a uns anos a Microsoft não se distrai e perde o estatuto que tem hoje. Repito: na informática ninguém acerta previsões. AP: Consegue prever como é que o mercado vai reagir? R:A informática tem-nos enganado sempre. Todas as previsões acabaram por não se cumprir. Até há listas de previsões feitas que não se cumpriram. Há até uma famosa de um quadro superior da IBM que dizia não haver mercado para os computadores. O próprio Bill Gates disse um dia que 600k de memória seria o suficiente durante largos e longos anos. As previsões saíram sempre furadas. Os grandes êxitos da informática foram sempre surpreendentes, na verdadeira acepção da palavra.
54 Administração Pública Interface A solução informática vale pelos seus méritos O autor do estudo Open Source Software que oportunidades em Portugal fala dos projectos que conhece e esclarece os seus pontos de vista. António Sanches Luís Arriaga da Cunha é um Quadro do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e membro da Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade de Informação (APDSI). Está envolvido em uma série de projectos de desenvolvimento e implementação de soluções na área do Open Source Software (OSS), não apenas de âmbito nacional. Na entrevista que se segue, Luís Arriaga da Cunha conta um pouco da sua experiência. AP: É urgente generalizar a utilização das soluções OSS na Administração Pública (AP)? R: Um primeiro passo básico, que considero imprescindível, é que a AP portuguesa passe a tratar em pé de igualdade as soluções livres e as soluções proprietárias nos seus processos de aquisição de software e serviços. Uma outra vertente que deverá ser implementada diz respeito à imposição de normas abertas de interoperabilidade: veja-se a propósito as decisões recentes do Ministério da Justiça da Finlândia ou do Estado de Massachusetts relativas ao Open Document Format (ver caixa). Urge, ainda, a constituição de uma rede de organismos eficaz, capaz de dar apoio na selecção de soluções e em processos de migração (que tal recorrer-se aos Centros de Excelência em Software Livre?). AP: Como considera que tem corrido o ritmo de implementação do OSS na AP? R: Com pouco alarido, mas com forte expansão, interessa referir que a AP portuguesa começa a recorrer rotineiramente ao designado ambiente LAMP (Linux, Apache, mysql, PHP et al) que permite o desenvolvimento de soluções com custos financeiros reduzidos (embora, relativamente a estes projectos, haja um total desconhecimento por parte dos níveis de topo das organizações!). Penso que esta tendência será claramente visível nos resultados do próximo inquérito às TIC na AP levado a cabo pela Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) e pelo Instituto de Informática do Ministério das Finanças. AP: Quais os benefícios para o Estado, para o cidadão e para a economia? R: Em termos globais, o Estado deverá encarar realisticamente as soluções OSS como uma oportunidade para a contenção de despesas na obtenção das soluções informáticas de que necessita, e da sua racionalização, por
Interface Administração Pública 55 adaptação, partilha ou co-desenvolvimento (surge aqui o grande obstáculo que é a descoordenação persistente na gestão dos meios informáticos na AP, que parece não ter conserto). Por outro lado, o Estado ainda sofre das consequências nefastas dos monopólios de facto no domínio do software. A competição introduzida pelos produtos OSS pode dar resultados tangíveis: surge competição, alternativa, capacidade negocial (mesmo que no fim se escolha uma solução proprietária!). O OSS deve também ser visto como uma oportunidade estratégica para a real democratização da tão badalada sociedade de informação e do acesso de todos os cidadãos às tecnologias de informação. Sem investimentos desmesurados, o cidadão passa a ter serviços onde encontra uma utilidade indiscutível, com enorme comodidade de utilização. Pessoalmente, também continuo a acreditar que o software livre pode abrir novos caminhos para uma indústria local de software, para o lançamento de empresas de apoio e para as indústrias de base tecnológica. O desafio estará nas ideias, sem as barreiras de software de base com custos asfixiantes. AP: Na área do OSS, quais os projectos em que esteve (ou está) envolvido? R: Talvez o projecto OSS mais importante, no qual ainda estou envolvido, seja o Alinex (www. Alinex.org). Trata-se de um projecto conduzido pela Universidade de Évora que visa a localização e adaptação para Portugal da distribuição LinEx da Junta da Extremadura espanhola (ver página 38). É uma iniciativa ambiciosa, que conta com o apoio e experiência dos nossos vizinhos espanhóis. Creio que poderá ter um impacto real na região a diferentes níveis: nos estabelecimentos de ensino, na administração local, na banalização de novos canais de informação para o cidadão, na criação de reais oportunidades de negócio. Outro projecto ao qual estou ligado tem a ver com a criação de um Centro de Excelência em Software Livre. Este centro, que associa em consórcio a Universidade de Évora e instituições da administração pública e empresas privadas, tem como objectivos básicos a aquisição e posterior transferência para a indústria de software nacional de know-how para o desenvolvimento e comercialização de soluções e serviços baseados em software livre (apoio e consultoria em projectos de migração, divulgação e formação nos estabelecimentos de Luis Arriaga Quadro Técnico no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) ensino e certificação de qualidade e de conformidade dos produtos baseados neste paradigma). Posso ainda mencionar a adopção, numa perspectiva de exploração corrente de soluções OSS em vários domínios, outros projectos de que faço parte: arquivo digital de documentos, o sistema de ticketing, a gestão de bibliotecas, a gestão de expediente e o desenvolvimento de sites. AP: Outros casos práticos de sucesso que conhece? R: Vou referir apenas alguns casos que considero marcantes. Comecei por mencionar o projecto da Junta Extremadura espanhola como um caso de sucesso. Sobre ele recomendo a leitura do dossier sobre Conocimiento Libre produzido a propósito da II Conferencia Internacional de Software Libre 2005, que teve lugar em Mérida, em Outubro de 2005 um exemplo de uma verdadeira visão estratégica e da capacidade de planear acções de sucesso. Ainda em Espanha, dever-se-á reconhecer o mérito das experiências na implantação de soluções OSS em várias comunidades (Zaragoça, Valência, La Mancha, etc). Claro que se mantêm os exemplos clássicos, de que interessa não esquecer, como a Amazon ou a Google, suportando-se em muitos milhares de servidores Linux, ou a Bolsa de Nova Iorque com as suas workstations Linux, seria difícil pensar em ambientes mais exigentes. A recente publicação da versão em inglês do guia de migração do governo federal alemão é também, a meu
56 Administração Pública Interface O Ministério da Justiça Finlandês O Ministério da Justiça Finlandês avaliou a utilização de Open Source Software em dez mil postos de trabalho. E, em resultado, recomendou a migração parcial (8.500 postos de trabalho) para o Open- Office, substituindo o actual ambiente baseado em Lotus Smartsuite e Microsoft Office. Os custos esperados vão permitir reduzir a factura em mais de 50 por cento. A recomendação a favor das aplicações Open Source parece ter sido motivada por factores financeiros e por condições de assistência ao formato Open Document baseado em XML. O Estado Norte-Americano de Massachusetts liberta-se do Microsoft Office Foi veiculada uma notícia no Financial Times, onde se pode ler que, a partir de Janeiro de 2007, o Estado de Massachusetts vai adoptar formatos padronizados em todos os seus documentos. Os dois formatos adiantados como possíveis de serem usados no futuro são o Open Document, utilizado pela maioria dos pacotes de Office OSS (como por exemplo, o OpenOffice) e o PDF. ver, um exemplo da seriedade e da perspectiva que o executivo alemão tem em relação ao OSS. AP: Conhece algum exemplo nacional mas de âmbito mais local? R: A nível da Administração Local não posso deixar de realçar a linha seguida, com sucesso, pela Câmara Municipal de Arraiolos, que suporta grande parte do seu sistema de informação em software livre. Esta via permitiu-lhes avançar, com meios reduzidos, para projectos do seu core business. AP: Os sistemas OSS e proprietário podem ser complementares? R: É inevitável. Nunca se aliene o princípio de que se deve escolher uma solução informática pelos seus méritos e não por qualquer evangelismo fundamentalista. Será, na minha opinião, completamente normal a coexistência de soluções OSS com soluções proprietárias em uma organização ou empresa. Aliás, a interoperabilidade e integração de sistemas heterogéneos tem, hoje em dia, soluções tecnológicas robustas e seguras, sobretudo se caminharmos resolutamente para a adopção de normas abertas. AP: É, portanto, algo de irreversível? R: O OSS está, a meu ver, numa fase de menor exposição mediática (em Portugal) mas de progressiva implantação no mercado. No domínio dos servidores (e serviços base) o software livre é já uma realidade inquestionável. Quanto aos sistemas operativos de desktop/portáteis tem havido algum receio, que considero exagerado, na adopção de software livre, embora perceba que se trata de uma área com largas centenas de utilizadores. Até já há uma oferta de distribuições estáveis, de instalação fácil, capazes de rivalizar com os produtos proprietários mais difundidos. E devo dizer penso ser previsível que a curto prazo haja uma forte mudança na importância do desktop tal como o conhecemos.veremos proliferar os thin clients em que os recursos estão algures num servidor, eventualmente lá longe na Internet, provavelmente bem salvaguardados e imunes a vírus e outros males (como vê acredito que, mesmo entre nós, havemos de ter um dia uma verdadeira banda larga acessível a todos). Ou veremos a disseminação de aparelhos realmente de bolso, onde o utilizador contém todos os seus dados e recursos incluindo o sistema operativo os computadores funcionarão apenas para housing destas unidades. AP: Depreendo que, na sua opinião, o OSS está para ficar? R: As utilizações sérias de OSS, com base em produtos de elevada reputação, estão mesmo para ficar. Inclusivamente, é interessante verificar que, em algum software infra-estruturante (arquivos digitais, workflows, bibliotecas, etc.) as soluções OSS estão a ser aceites mesmo por instituições mais conservadoras. As dúvidas do tipo quem presta apoio? ou com quem assino o contrato de manutenção?, parecem-me ultrapassadas. Até já se pode escolher entre pequenas-novas-empresas e grandes players do mercado de software. Para aqueles que punham dúvidas de princípio sobre o modelo de negócio do software livre, que consideravam insustentável, a realidade está a mostrar que funciona mesmo. Perante estes argumentos a melhor resposta será: e contudo ela move-se (Galileu Galilei).