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Timpanoplastias II e III- Revisão de 10 anos Type II and type III timpanoplasties - A 10 year revision Clara Silva Pedro Mesquita Natércia Silvestre João Carlos Ribeiro Ana Margarida Amorim António Paiva Resumo Este trabalho tem como objectivo avaliar as diferenças epidemiológicas e funcionais entre as timpanoplastias II (T2) e III (T3) de Portmann e factores de sucesso funcional. Estudo retrospectivo dos doentes submetidos a T2 ou T3 no Serviço de Otorrinolaringologia dos HUC entre 2000 e 2009. Avaliaram-se 171 doentes: 119 T2 e 52 T3. As T2 apresentaram um rinne audiométrico (GAP) pré-operatório de 28,1±8,5dB e limiar aéreo médio (LAM) de 47,1 ± 15,2dB, enquanto as T3 apresentaram um GAP pré-operatório de 32,8±8,0dB e LAM de 55,9 ± 16,4dB (p<0,05). A melhoria média foi 9,7±13,8dB e 7,0±11,8dB para as T2 e T3, respectivamente (p<0,05). Observou-se uma diferença significativa no sucesso funcional das T2 (82%) relativamente às T3 (63,5%), p<0,05. As T2 e T3 diferem na idade à data da cirurgia, LAM e GAP préoperatório e tipo de prótese mais usada. O LAM pré-operatório é um factor preditivo do sucesso nas T2. O sucesso funcional é maior nas T2 do que nas T3. Palavras chave: Timpanoplastias; rinne audiométrico; limiar aéreo médio Clara Silva Interna de Otorrinolaringologia dos HUC-CHUC Pedro Mesquita Interno de Otorrinolaringologia dos HUC-CHUC Natércia Silvestre Interna de Otorrinolaringologia dos HUC- CHUC João Carlos Ribeiro Assistente Hospitalar de Otorrinolaringologia dos HUC-CHUC Ana Margarida Amorim Assistente Hospitalar de Otorrinolaringologia dos HUC-CHUC António Paiva Director de Serviço de Otorrinolaringologia dos HUC; Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Correspondência: Clara Silva ORL-10ºpiso Hospitais da Universidade de Coimbra - Centro Hospitalar Universitário de Coimbra Praceta Mota Pinto 3000-075 Coimbra claranetosilva@gmail.com Abstracts This study aims to assess the epidemiological and functional differences between Portmann s type II (T2) and III (T3) tympanoplasties trying to find functional predictors of success. Retrospective study of 171 patients undergoing a T2 or T3 surgery between 2000 and 2009. A total of 171 cases (119 T2 and 52 T3) were pooled. T2 had a preoperative air bone GAP (ABG) of 28.1+8.5dB and pure tone average (PTA) of 47.1±15.2dB, while T3 showed a 32.8±8.0dB ABG and a 55,9±16,4dB PTA (p<0.05). The average improvement was 9.8±13.8dB and 7.0±11.8dB for T2 and T3, respectively (p<0,05). Functional success was significantly different between T2(82%) and T3(63,5%,p<0,05). Our data suggests that the T2 have younger individuals and better preoperative ABG and PTA. Preoperative PTA is a predictor of functional success T2. Functional success is greater in T2 rather than T3. Keywords: timpanoplasties; Air bone GAP; Pure tone average Introdução A otite média é uma entidade clínica multifactorial que se manifesta no ouvido médio, mastóide e tuba auditiva. Cerca de 60% da patologia otológica crónica está associada a alterações ossiculares 1. Cerca de 40-90% das timpanoplastias necessitam de reconstrução ossicular 2. A alteração/destruição ossicular resultante de otites crónicas é uma complicação séria que leva à perda de audição, dificuldades no discurso e na aprendizagem 3. Os ossículos do ouvido médio são fundamentais para o funcionamento do mesmo e é a manutenção de um espaço arejado entre a membrana timpânica e a janela redonda que permite uma impedância mais eficiente 1. A reconstrução ossicular foi realizada pela primeira vez em 1950 3. Inicialmente tentou-se variar a posição da membrana timpânica de forma alterar o volume do ouvido médio 3. Seguidamente procurou-se usar na reconstrução ossicular homoenxertos e aloenxertos. Mais tarde, começaram a investigar-se vários materiais de cerâmica, plástico e titânio 3. Vários estudos têm vindo a avaliar o uso e o sucesso das próteses de titânio na reconstrução ossicular 1,2,3. A timpanoplastia tipo II (T2) e III (T3) segundo Portmann baseia-se na presença da integridade da superestrutura do estribo ou não, respectivamente. Consiste na interposição de um material entre a cabeça do estribo VOL 52. Nº1. MARÇO 2014 5

(T2) ou platina (T3) e o cabo do martelo ou tímpano 4. O objectivo principal da cirurgia de reconstrução ossicular é o de recuperar a audição 5. Contudo, os resultados variam de estudo para estudo porque a cirurgia da patologia crónica do ouvido apresenta resultados e prognósticos diferentes de acordo com vários factores (ex: ausência ou presença/extensão do colesteatoma, gravidade da doença, método de tratar mastóide, métodos de reconstrução ossicular e experiência do cirurgião) 3. Vários autores estabeleceram factores de prognóstico para o sucesso da reconstrução ossicular, como Austin et al,1971, que desenvolveu um sistema de estadiamento baseado na presença do cabo do martelo e da superestrutura do estribo, sendo que a ausência destes conferia pior prognóstico. Belluci et tal, 1989, desenvolveram uma classificação baseada no status do ouvido médio e presença de otorreia, que define 4 grupos de prognóstico considerando o pior a associação a otorreia persistente e malformações da nasofaringe 6. Kartush et al, 1994, desenvolveu o middle ear risk index, que incorpora os sistemas de estadiamento de Belluci e Austin, baseando-se na presença de otorreia, perfuração, colesteatoma e cirurgia de revisão6. Yung et al, 2006, analisou doentes no pós-operatório aos 6 meses e 5 anos que tinham sido submetidos a ossiculoplastia. O autor verificou que a ausência de cabo do martelo e otorreia eram os piores factores de prognóstico aos 6 meses enquanto a ausência de martelo era o único factor de mau prognóstico aos 5 anos 7. O objectivo deste estudo é fazer uma descrição comparativa das variáveis epidemiológicas, clínicas e funcionais das T2 e T3, e estabelecer factores de prognóstico. Material e Métodos Estudo retrospectivo observacional de 171 doentes submetidos a T2 ou T3 no serviço de otorrinolaringologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2009. Incluiram-se no estudo todos os doentes com o diagnóstico de otite média crónica colesteatomatosa ou supurada simples, sequelas de otite submetidos a timpanoplastia. Destes seleccionaram-se aqueles com audiograma pré e pós-operatório e com tempo de seguimento minímo de 6 meses (n=171). Foram criados e comparados dois grupos: grupo T2 (doentes submetidos a timpanoplastia tipo II) e grupo T3 (doentes submetidos a timpanoplastia tipo III), segundo a classificação de Portmann 4. Foram estudadas as seguintes variáveis: idade, sexo (variáveis epidemiológicas); lateralidade, actividade da doença à data da intervenção cirúrgica (definida pela presença de otorreia), presença de martelo, rinne audiométrico (GAP) e limiares auditivos médios (LAM) no pré-operatório (variáveis clínicas); tipo de técnica cirúrgica (T2 ou T3): isolada, associada a mastoidectomia canal wall up (CWU) e associada a mastoidectomia canal wall down (CWD), tipo de prótese ossicular (titânio, hidroxiapatite, osso de cortical, osso autólogo), uso de cartilagem, uso de fáscia (variáveis da técnica cirúrgica), GAP e LAM no pós-operatório (resultados funcionais). O GAP e LAM pré-operatórios foram definidos pela análise do último audiograma realizado antes da cirurgia. O GAP e LAM pós-operatório foram definidos pelo audiograma realizado entre os 6 e 12 meses depois da intervenção cirúrgica. Os LAM foram calculados para 500, 1000, 2000 e 3000 Hz. O GAP foi calculado a partir das mesmas frequências. Os resultados do sucesso funcional são apresentados de acordo com as Guidelines da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial de 1995: GAP <10dB, 11-20dB, 21-30dB, >31dB 12. O sucesso foi definido de acordo com as guidelines da Academia Americana. A análise estatística dos dados foi realizada com recurso ao programa SPSS 20. Na comparação das amostras independentes foi utilizado o teste t para amostras independentes em dados normais e o teste Mann whitney diante da normalidade dos dados avaliada pelo teste de Shapiro Wilk. Foi utilizado o teste de t de student para comparar variáveis quantitativas e o teste de chiquadrado para a comparação de variáveis qualitativas, considerando-se um nível de significância estatística quando p<0,05. Resultados Foram avaliados 171 doentes, com uma média de idades de 38,6±16,0 anos com intervalo entre os 7 e os 73 anos (Gráfico 1). Dos doentes estudados, 63,7% eram do sexo feminino. Das cirurgias efectuadas, 134 foram realizadas como cirurgia primária e 27 como cirurgia de revisão. GRÁFICO 1 Distribuição das idades 6 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

Análise das variáveis epidemiológicas, clínicas e técnicas Não se observam diferenças entre os grupos T2 e T3 no que diz respeito à lateralidade, indicação, actividade da doença, presença de martelo, via de abordagem, tipo de cirurgia, uso de cartilagem, uso de fáscia e cirurgia primária vs revisão (Tabela 1). A idade é superior nos indivíduos submetidos a T3 relativamente às T2, (p<0,05). O GAP e LAM préoperatório das T3 são maiores do que nas T2 (p<0,05). No grupo das T3 usam- se mais as próteses de titânio. (Tabela 1) TABELA 1 Comparação entre os 2 grupos T2 T3 p Idade média (anos) 36,7% 42,9% 0,017 Lado Direito(%) 45.4% 51.9% 0,506 Indicação (%) OMCC 43,7% 44,2% OMCSS 24,3% 30,8% 0,279 Sequelas de Otite 32,0% 25% Doença activa (%) 8,4% 11,5% 0,571 Presença de Martelo (%) 93,9% 83,7% 0,065 GAP pré-operatório médio (db) 28.8dB 32.8dB 0,005 LAM pré-operatório médio(db) 47.1dB 55.9dB 0,001 Via de Abordagem Posterosuperior 73.9% 76.9% Transcanal 26.1% 23.1% 0,680 Cirurgia primária 76,5% 82,7% 0,424 Tipo de cirurgia Isolada 58,8% 61,5% CWU 37,0% 32,7% 0,810 CWD 4,2% 5,8% Tipo de prótese Titânio 51,3% 73,1% Osso autólogo 27,7% 9,6% Osso de cortical 5,9% 3,8% 0,028 Hidroxiapatite 1,3% 3,8% Uso de cartilagem 77,6% 85,7% 0,341 Uso de fáscia 73,9% 71,2% 0,711 Análise dos resultados funcionais O GAP pré-operatório é superior ao pós-operatório em cada grupo, (T2: GAP pré-operatório: 28,8±8,5dB e pós-operatório: 19,1±11,2dB; T3: GAP pré-operatório: 51,4±20,0dB e pós-operatório: 32,8±8,0dB), p<0,001 (Gráfico2). A melhoria média do GAP para as T2 foi de 9,7±13,8 db e para as T3 7,0±11,8 db, não havendo diferenças entre os grupos (p>0,05). O GAP pós-operatório das T3 é maior do que nas T2, p<0,001. GRÁFICO 2 GAP pré e pós-operatório de cada grupo GRÁFICO 3 LAM pré e pós-operatório de cada grupo O LAM pré-operatório é superior ao LAM pós-operatório nas T2, (p<0,001), o mesmo nas T3, (p=0.04) (T2: LAM préoperatório: 47,1±15,2dB e pós-operatório: 36,4±20,9dB; T3: LAM pré-operatório: 55,9±16,4 db e pós-operatório 51,4±20,0dB), (Gráfico 3). A melhoria média pré e pós-operatória para cada grupo é de 10,6dB e 4,5dB, respectivamente, portanto superior nas T2, p=0,02. O LAM pós-operatório das T3 é superior às T2 p<0,001. Apresentam-se os resultados funcionais de acordo com as Guidelines da Academia Americana, com o sucesso funcional das T2 sendo de 82% e para as T3 63,5%,(p<0,05). (Gráficos 4 e 5). Análise dos factores preditivos de sucesso da reconstrução ossicular Na análise univariada da amostra, verifica-se que o LAM pré-operatório se correlaciona com o GAP pósoperatório, p<0,05, (Gráfico 6). Não se verificou relação entre o GAP pré-operatório e o GAP pós-operatório. Na análise univariada da amostra para avaliar a relação do GAP pós-operatório com cirurgia primária vs revisão, presença de martelo, técnica, uso de fáscia, actividade da doença e uso da cartilagem não se verificaram diferenças significativas. No grupo das T2 verifica-se que o LAM pré-operatório se associa a sucesso funcional, p= 0,02. Para as restantes VOL 52. Nº1. MARÇO 2014 7

GRÁFICO 4 Distribuição do GAP pós-operatório das T2 GRÁFICO 5 Distribuição do GAP pós-operatório das T3 GRÁFICO 6 LAM pré-operatório preditor do GAP pós-operatório variáveis de cada grupo não foram encontrados preditores de sucesso. Na análise univariada, verifica-se que os indivíduos com sucesso tinham idade menor, sendo esta factor de prognóstico, p=0.035. Discussão A reconstrução da cadeia ossicular e reparação da membrana timpânica continuam a ser os procedimentos críticos da cirurgia timpanoplástica 8. Neste estudo comparamos as T2 e T3 relativamente às características epidemiológicas, clinicas e funcionais e procuramos estabelecer factores preditivos de sucesso. No que concerne à idade no momento da cirurgia, esta é menor nas T2 do que nas T3 (p=0,017). A análise univariada sugere que os indivíduos mais jovens têm maior sucesso. Observa-se todavia uma tendência para os doentes mais jovens apresentarem melhores resultados funcionais (p=0,06) Um alargamento do estudo permitira eventualmente concretizar esta tendência. Na literatura, Bared et al, 2010, conclui que a idade não influencia o GAP pós-operatório médio nos procedimentos de reconstrução ossicular 6. A ausência de martelo, considerada um factor de mau prognóstico por alguns autores, não apresenta diferenças estatisticamente significativas entre os 2 grupos. A análise univariada da amostra demonstrou que a presença/ ausência de martelo não afecta o GAP pós-operatório médio 6,10. Na análise por grupos relativamente ao sucesso não houve diferenças significativas. Alguns estudos apoiam este resultado, nomeadamente Brackman et al, 1984, e Shimizu, 2008, mais recentemente, em que se verifica que a presença do cabo do martelo não tem implicações clinicas significativas 6,10. No entanto, outros estudos apresentam resultados opostos, nomeadamente Bared et al, 2006, e Yung et al, 2006 que concluem que a ausência de martelo é preditiva de pior GAP pósoperatório 6,7. Um martelo presente e intacto pode ser correlacionado com menor extensão da doença do ouvido médio, e assim associar-se a maior sucesso da reconstrução ossicular 5. De Vos et al, 2006, refere que o cabo do martelo suporta o enxerto da membrana timpânica e aumenta a estabilidade da cadeia ossicular 11. A presença de otorreia/actividade da doença, não é diferente entre os 2 grupos. A análise univariada da amostra não estabeleceu relação com o GAP pósoperatório médio. Vários autores consideram a presença de otorreia um factor de mau prognóstico 6. No nosso serviço, as cirurgias em geral realizam-se no ouvido seco, o que terá influenciado este resultado. Na análise univariada o uso de fáscia não se correlaciona GAP pós-operatório mais pequeno. No entanto a análise multivariada não o confirmou. Relativamente as próteses utilizadas, verifica-se que no grupo das T3 se utilizam mais as próteses de titânio, relativamente às T2, p=0,028. Não se verificou relação 8 REVISTA PORTUGUESA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA CÉRVICO-FACIAL

entre o tipo de prótese e o GAP pós-operatório. Existem vários estudos que avaliam os resultados funcionais das próteses de titânio, que demonstram resultados comparáveis a outros materiais 1,2,3. O tipo de cirurgia não influencia o GAP pós -operatório médio (p=n.s.). Na literatura, alguns estudos nomeadamente Bared et al, 2006, conclui que o procedimento realizado aquando da reconstrução ossicular é um factor determinante de sucesso. Este autor considera que o GAP pós-operatório maior observado nos procedimentos com mastoidectomia CWD se deve a 2 cenários: maior extensão da doença ou compromisso do espaço do ouvido médio 6. Intuitivamente, a preservação da parede do canal auditivo externo deixa o ouvido médio num estado considerado mais fisiológico 5. Mas também há artigos que contradizem estes achados, nomeadamente o de De Corso et al que numa revisão de mastoidectomia CWD num tempo cirúrgico, demonstra uma diminuição significativa no GAP de 28,8dB préoperatório para 13,9 db no pós-operatório 12. Neste estudo, verifica-se que apenas o LAM préoperatório das T2 é um factor preditivo de sucesso funcional. LAM pré-operatórios médios maiores têm tendencialmente GAP pós-operatórios mais elevados. Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas no que concerne ao GAP pré-operatório médio como factor preditivo de sucesso funcional nas amostras independentes no conjunto da reconstrução ossicular. No estudo de Bared et al, 2006, o GAP préoperatório é considerado factor de prognóstico favorável na reconstrução ossicular 6. Algumas limitações deste estudo resultam da comparação directa ente grupos que incluem os procedimentos associados a mastoidectomia CWU ou CWD (estes últimos, em geral associados a piores resultados funcionais). Outros factores como, diferentes cirurgiões, experiência clinica (hospital universitário) e duração do tempo de brocagem podem afectar os resultados. Conclusões Neste estudo, as T2 e T3 diferem na idade à data da cirurgia, LAM e GAP pré-operatório e tipo de prótese mais usada. O LAM pré-operatório é um factor preditivo do sucesso nas T2. O sucesso funcional é maior nas T2 do que nas T3. Referências bibliograficas: 1.Ho SY, Battista RA, Wiet RJ. Early results with Titanium Ossicular Implants. Otology & Neurotology.2003; 24:149-152. 2.Cuadra RI et al. Type III Tympanoplasty with titanium total ossicular replacement prosthesis: anatomic and functional results. Otology&Neurotology, 2010; 31: 409-414. 3.Roth J.A. ; Pandit S.R.; Soma M.; Kertesz T.R. Ossicular chain reconstruction with a titanium prosthesis. The Journal of Laryngology &Otology. 2009, 123, 1082-1086. 4 Portmann M. et al. Traitê de Technique Chirurgical ORL et Cervical. Tome Premier Oreille et Os Temporal. Les Timpanoplasties à visée mixte. Masson&die, 1975. 5. Choi H, et al. Frequency-Specific Hearing Results after Surgery for Chronic ear diseases. Clinical and Experimental Otorhinolaryngology. 2011; 4: 126-130 6.Bared A. Angeli S.I. Malleus handle: determinant of success in ossiculoplasty. American Journal of Otolaryngology- Head and Neck Medicine and Surgery. 2010; 31: 235-240. 7.Yung M, Vowler SL. Long term results in ossiculoplasty: an analysis of prognostic factors. Otology& Neurotol. 2006; 27: 874-81. 8.Committee on Hearing and Equilibrium. Guidelines for the evaluation of results of treatment of conductive hearing loss. Otolaryngol Head and Neck Surgery.1995; 113:186-7. 9.Ikramullah K. Amir MJ, Farrukh S. Midldle ear reconstruction: a review of 150 cases. The Journal of Laryngology & Otology. 2002, 116: 435-439. 10.Shimizu Y, Goode R.L. Effect of absence of malleus on ossiculoplasty in human temporal bones. Otolaryngology Head Neck Surgery. 2008; 139: 301-6. 11.De Vos C. et al : Prognostic factors in ossiculoplasty. Otology& Neurotology. 2006; 28: 61-7. 12.De Corso E. et al. Role of ossiculoplasty in canal wall down tympanoplasty for middle ear cholesteatoma: hearing results. J Laryngol Otol. 2007; 121: 324-8. VOL 52. Nº1. MARÇO 2014 9