A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO DO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DE ÁLCOOL E DROGAS DA PREFEITURA DE UBERLÂNDIA



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Transcrição:

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO DO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DE ÁLCOOL E DROGAS DA PREFEITURA DE UBERLÂNDIA Trabalho de curso 2009 Thalita Mara dos Santos Marina Duarte Graduandas do Curso de Psicologia da UNIMINAS - União Educacional de Minas Gerais, Uberlândia (Brasil) Email: thalitapsico@yahoo.com.br RESUMO Partindo de uma breve revisão da história da reforma psiquiátrica no Brasil até a instituição dos Centros de Atenção Psicossocial, o trabalho visa elucidar a atuação do psicólogo no contexto do Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas da Prefeitura de Uberlândia, destacando as atividades que realiza, o embasamento teórico que utiliza e visão que possui sobre o trabalho desempenhado. Enfoca a importância dos aspectos históricos, culturais e legais na constituição dos Centros de Atenção Psicossocial e juntamente com as observações e entrevistas feitas com psicólogos atuantes na área, explicita a postura do psicólogo no âmbito de tratamento do fenômeno da dependência química. Palavras-chave: Reforma psiquiátrica, dependência química INTRODUÇÃO O presente trabalho visa abordar a atuação do psicólogo no contexto do Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas- CAPS AD da Prefeitura de Uberlândia, devido ao interesse em buscar um maior conhecimento no que diz respeito aos transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas e em elucidar a presença, a atuação e a função do psicólogo dentro deste contexto de atendimento psicossocial, possibilitando assim, uma postura Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 1/13

mais reflexiva e crítica mediante a realidade na qual o dependente químico encontra-se inserido e o conhecimento das possíveis ações do profissional de psicologia frente a essa demanda. Os procedimentos metodológicos utilizados são: pesquisa bibliográfica de conteúdos referentes à Reforma Psiquiátrica e assuntos relacionados com a dependência química e pesquisa de campo através da qual realizamos entrevistas com os profissionais atuantes na área e observações do espaço físico do CAPS-AD da Prefeitura de Uberlândia. A Reforma Psiquiátrica O processo de reforma das instituições psiquiátricas percorre uma trajetória de estruturação que marcada por atores de diferentes cenários, como o político e o societário, possui em sua essência a busca pelo aspecto humanizador da saúde mental. Nesse percurso de humanização é possível notar que até a nomenclatura utilizada no tratamento aos portadores de transtornos mentais sofreram alterações. Atualmente, os textos de programas de ação em saúde mental, utilizam uma terminologia que traduz os doentes mentais como usuários dos serviços de saúde mental. Assim, se tínhamos anteriormente pacientes que eram objeto, passivo de ações técnicas ou terapêuticas, agora, a pretensão é de que esses sujeitos existam na condição de cidadãos, que demandam e usufruem serviços ofertados por agências públicas. (GOULART, 2006, p.4) Os primeiros manicômios brasileiros, no Rio de Janeiro e São Paulo, em meados do século XIX, utilizavam um modelo terapêutico precário, fundamentado no uso indiscriminado de psicofármacos e no isolamento dos doentes mentais em hospitais psiquiátricos. O cenário que estava formado era de um número altíssimo de internações, sem condições mínimas de higiene e bemestar, em que os pacientes sofriam com abusos e maus tratos. Situação esta, sustentada até o ano de 2000. No Brasil, particularmente em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, explodiu no final dos anos setenta e durante os anos oitenta uma crítica ao modelo assistencial vigente. Foram denúncias realizadas por diversas associações profissionais de psiquiatria e psicologia que tornaram pública a realidade da assistência psiquiátrica hospitalar brasileira e propuseram princípios teóricos e éticos de assistência lançando o lema Por uma sociedade sem manicômios, visando à extinção dos manicômios e desospitalização progressiva dos portadores de transtornos mentais (Rocha, 2001). É quando se esboça o que seria alguns anos mais tarde, em 1987, o Movimento de Luta Antimanicomial brasileiro. As denúncias e reivindicações desencadearam a transferência de responsabilidade assistencial ao setor privado e as reformas de hospitais públicos, que, no entanto, se revelaram insuficientes frente à gravidade do problema. Tudo isso ocorria em um cenário de luta por Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 2/13

redemocratização, por eleições diretas para presidente e pela reestruturação do sistema de saúde brasileiro. Em 1987, data-se o início do Movimento de Luta Antimanicomial, nascido de movimentos e de fóruns de discussão política, de crítica e denúncia ao modelo assistencial tradicional. Em suma, pode-se dizer que a reforma ocorre paralelamente à transição política brasileira desde o regime ditatorial militar dos anos setenta, à consolidação de democracia representativa com a retomada das eleições diretas em 1989. O sistema assistencial é confrontado e um modelo alternativo em saúde mental começa a ser desenvolvido, problematizando as relações entre as esferas públicas e privada, ampliando o acesso, na forma de direito social á saúde (SUS), que posteriormente busca ações substitutivas para o modelo asilar ou centrado no hospital psiquiátrico. (GOULART, 2006, p.10) Como se pode perceber, o direito ao acesso à saúde começa a ser garantido com a implantação do SUS-Sistema Único de Saúde, a qual é realizada de forma gradual: primeiro veio o SUDS-Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (1987); depois a incorporação do INAMPS-Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social ao Ministério da Saúde (1990); e por fim a Lei Orgânica da Saúde (1990) que fundou o SUS. E com o SUS a saúde é instituída como direito de todos e dever do Estado, enquanto acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. (Brasil, Ministério da Saúde, 2002) Já no que se refere à reforma psiquiátrica propriamente dita, pode-se dizer que se trata de um processo de transformação institucional heterogêneo e não linear que implica uma mudança radical no que concerne ao campo psi (psiquiatria e psicologia) incitando uma postura reflexiva e aberta às mudanças. O Movimento de Luta Antimanicomial dentro do processo de Reforma Psiquiátrica O Movimento de Luta Antimanicomial pode ser considerado um dos mais importantes fenômenos no processo de mudança no campo da saúde mental. Trata-se de um movimento que reuniu profissionais de saúde mental, os portadores de sofrimento mental e familiares dos portadores de sofrimento psíquico. O Movimento tem como palavra de ordem o fim dos manicômios, entendidos aqui como metáfora a todas as práticas de discriminação e segregação daqueles que venham a ser identificados como doentes mentais e todas as pessoas que sejam vítimas de exclusão e violência. (GOULART, 2006, p.12) No âmbito nacional, Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 3/13

foi apresentado, em 1989, o Projeto de Lei n 3.657, que passou a ser conhecido pelo nome de seu propositor do deputado federal Paulo Delgado, do Partido dos Trabalhadores. O Projeto previa em quatro claros e breves artigos, a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais (1989) e regulamentava a internação psiquiátrica compulsória. (GOULART, 2006, p.13) Já no âmbito estadual, o projeto Paulo Delgado, se estendeu em propostas direcionadas pelo Movimento Antimanicomial aos debates legislativos de cada estado. Alguns dos resultados que visa um modelo terapêutico diferenciado, no qual o usuário não é retirado de seu contexto social e relacional, compreende um novo formato de atendimento que pode ser ilustrado pelos Centros de Atenção Psicossocial CAPS. Os CAPS devem funcionar como um serviço aberto, com ligação com o espaço social, atuando como um lugar de passagem. O tratamento no próprio CAPS visa não apenas mantê-los na condição de usuário de serviços de Saúde Mental, mas abrir perspectivas em sua vida: o namoro, as amizades, o estudo, o trabalho, o lazer. Portanto, as coisas não vão bem quando a maioria dos usuários é mantida por muito tempo dentro dos limites do serviço (Minas Gerais, Secretaria de Saúde, 2006, p. 12). Dentro do contexto do Movimento Antimanicomial, iremos abordar diversos aspectos dos CAPS que visam questionar e reverter o meio de tratamento utilizado pelos tradicionais Hospitais Psiquiátricos conforme o Projeto de Implantação de um Centro de atenção Psicossocial em Macaé. São eles: 1- A exclusão: os CAPS pretendem criar um dispositivo social de tratamento onde a exclusão é questionada em todos os seus aspectos, aceitando a diferença de modo radical. 2- O poder médico: os CAPS possuem funcionamento baseado em equipes multidisciplinares sem hierarquia rígida, buscando a distribuição de responsabilidades e de poderes. 3- Os CAPS com suas propostas de organização comunitária pretendem reverter a tendência autoritária das instituições de saúde, estimulando o questionamento dos papéis estereotipados na equipe, na família e na comunidade. 4- Organização do sistema de atendimento: os CAPS pretendem tornarem-se um dos fatores de organização do atendimento em Saúde Mental, para isso assumindo a totalidade das ações em relação à população atendida, inclusive nos episódios de crise. 5- Resultados: os CAPS estão conseguindo alguns resultados animadores, uma vez que seus usuários interrompem o ciclo anterior de múltiplas internações, conseguindo vidas Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 4/13

produtivas junto à família, à comunidade, sem causar problemas (cf. Projeto de Implantação de um Centro de Atenção Psicossocial em Macaé). Dependência Química O termo dependência química é utilizado atualmente para colocar álcool e drogas na mesma situação. A dependência química pode ser vista pela óptica biomédica, genética e psicossocial e um consenso entre as definições de cada área não é esperado. Assim, a Organização Mundial de Saúde, na sua Classificação de Transtornos Mentais de Comportamento da CID 10, definiu a síndrome da dependência um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o indivíduo encontra na substância a sua prioridade. E caracteriza-se pelo forte desejo de consumir drogas psicoativas (com ou sem consentimento médico), álcool ou tabaco (cf CID 10, 1993, p.74). A dependência é caracterizada pela necessidade incontrolável de prosseguir consumindo uma substância, compulsivamente, devido ao prazer que produzem e apesar dos problemas significativos que podem surgir, sejam físicos, emocionais, sociais, financeiros, etc. Os motivos que podem levar alguém a provar ou usar ocasionalmente as drogas são: curiosidade influência de amigos prazer imediato que produzem fácil acesso e obtenção desejo ou impressão de que elas podem resolver todos os problemas ou aliviar as ansiedades. Estas são também razões para a utilização abusiva de drogas. Muitas pessoas usam drogas - a primeira vez, pelo menos por causa de seus efeitos prazerosos. A curiosidade, a busca de prazer e o modismo são as principais razões para a primeira experiência. A maioria dos adolescentes, nos estágios iniciais do uso de drogas, vê a viagem como uma experiência agradável e positiva. Soma-se a isso a fase extremamente crítica da adolescência, quando aumentam os questionamentos, a insegurança e a revolta contra o sistema. A droga pode ser uma saída nesses casos. Mas apenas escondem sentimentos e Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 5/13

problemas ruins ou desagradáveis por um breve momento, elas não os fazem desaparecer para sempre. As drogas dão a falsa impressão de que se está lidando melhor com as próprias emoções. No entanto, elas só anestesiam, disfarçam, encobrem as emoções e seu consumo traz conseqüências ruins ao ser humano, tanto física quanto psicologicamente. (cf. www.araras.sp.gov.br) Portanto, diante da crescente demanda pelo uso de substâncias psicoativas, lícitas ou ilícitas, bem como dos problemas decorrentes do uso ou abuso das mesmas, torna-se necessário criar, ampliar e qualificar as iniciativas voltadas para intervenção nestas questões, tanto no âmbito da prevenção, quanto no tratamento. De acordo com as idéias tratadas até o momento, nas partes seguintes serão descritas as observações e entrevistas 1 realizadas na instituição e que contribuíram para a edificação deste trabalho. Sendo assim, a metodologia utilizada constitui-se de pesquisas teóricas referentes à temática escolhida, como também a pesquisa de campo que compreende a duas visitas que foram realizadas na instituição, mediante as quais fizemos as observações e entrevistas com dois profissionais psicólogos atuantes no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas da Prefeitura de Uberlândia. Instituição CAPS AD-Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas da Prefeitura de Uberlândia O CAPS AD é uma instituição governamental fundada no ano de 2004. Tem como objetivo oferecer atenção secundária à saúde mental dos munícipes de Uberlândia, em situações de transtorno mental e sofrimento psíquico ligados ao uso e abuso de álcool e outras substâncias, articulando políticas públicas e ações sociais, visando à discussão e prevenção do abuso dessas substâncias. O CAPS AD trabalha de forma consoante com os princípios da reforma psiquiátrica e da reforma sanitária brasileiras, em integração com os outros serviços do Sistema Único de Saúde. A instituição do CAPS AD conta com uma equipe formada por: médicos, psicólogos, técnicas de enfermagem e enfermeira, assistentes sociais, uma pedagoga, um educador físico, um farmacêutico, auxiliares de administração e serviços gerais, seguranças e um coordenador. Além de um ambiente físico que compreende: a recepção (sala onde se faz o prontuário do paciente), o consultório médico, as salas de materiais para as oficinas, de atendimento (psicológico ou de outra especialidade), de acolhimento, de grupo para realização de atividades, de oficinas, da coordenação, de descanso para a equipe e a enfermaria. 1 Não houve registro oficial (gravação) das entrevistas, apenas anotações. Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 6/13

As demandas do CAPS AD são de origem espontânea, da Promotoria Pública, de entidades assistenciais, de Conselhos Municipais de Assistência, das Unidades de Atendimento Integrado (UAIs), de Unidades Básicas de Saúde (UBS) e dos Programas de Saúde da Família (PSFs). O procedimento realizado quando o adicto chega ao CAPS AD compreende: acolhimento, avaliação psicológica, avaliação social e avaliação clínica. Atuação do Psicólogo no CAPS AD Segundo o que foi descrito pelos dois psicólogos do CAPS AD através de entrevistas, com relação aos métodos mais utilizados por eles, não há um método específico, cada profissional segue uma linha com a qual se identifica, possibilitando a troca de experiências, sobretudo considerando as habilidades e percepções pertinentes a cada um. Devido a isto as abordagens psicológicas variam. Como a equipe é composta de oito psicólogos e cada um trás consigo uma concepção diferente, podendo ser a psicanálise, a comportamental cognitiva, a histórico cultural (concepção do homem e do mundo) por exemplos, a escolha de trabalhar com determinada abordagem é de cada psicólogo. Tratando-se um trabalho interdisciplinar, os profissionais fazem sugestões dentro da abordagem de cada um, visto que como psicólogos todos têm noções de cada uma das abordagens utilizadas. Segundo relatos dos psicólogos, quando o paciente ingressa no CAPS, é comum iniciar o tratamento na abordagem cognitiva, pois neste estágio é freqüente o adicto estar no estágio da compulsão. De acordo com o relato de um dos psicólogos a vantagem de se trabalhar de maneira interligada com os demais profissionais, é que possibilita os vários olhares em uma mesma situação. O projeto terapêutico -projeto de tratamento dos pacientes- é baseado na avaliação da equipe, principalmente por parte do psicólogo, que acompanha mais de perto o paciente. As atividades que podem ser desenvolvidas no Projeto terapêutico abarcam: grupos de família do usuário, grupo de adolescentes, grupos informativos (que possuem um caráter preventivo e informativo, dando ao paciente formação educativa nas áreas da saúde, higiene, direitos humanos, deveres, segurança etc.), grupo de medicação (tem a finalidade de instruir o paciente sobre os medicamentos que utilizam), grupos recreativos e oficinas terapêuticas (conta com atividades como pinturas, construção de cartazes, realização de festas, capoeira), grupos antitabagismo, atendimentos individuais pelos diferentes profissionais de acordo com a demanda de cada caso e visitas domiciliares. Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 7/13

São feitas reuniões semanais com toda a equipe de cada período. Mas seria interessante uma reunião periódica com os profissionais dos três turnos (manhã, tarde e noite), possibilitando assim as discussões de casos, diz o psicólogo. A manutenção processo de prevenção de recaídas - no período em que isto acontece, prazo de dois meses, o psicólogo atua preparando o paciente para o convívio social e aspectos quanto aos possíveis riscos de recaídas e formas de evitá-las. Caso esse indivíduo tenha uma recaída e retorne ao CAPS, ele terá que passar novamente por uma avaliação e só então será definida uma nova inserção grupal, isto é, se será ingresso no grupo de iniciante ou de manutenção. Com relação à aceitação do indivíduo aos serviços prestados no CAPS, é freqüente no início do tratamento, o paciente querer que o psicólogo fale aquilo que ele (paciente) deseja ouvir, mas esta não é a conduta profissional. Isto pode causar distanciamento, não aceitação, cautela e resistência no paciente.como o psicólogo trabalha embasado em argumentos científicos e consistentes, aos poucos vai acontecendo a aproximação e a quebra da resistência. Quando perguntado se a dependência química é uma doença, um dos psicólogos do CAPS AD, disse que sim, que é uma doença, mas não se fala em cura, diz-se sobriedade. Segundo o psicólogo a dependência química surge quando a droga começa a interferir, mudar e controlar a vida da pessoa. Pode até desencadear uma doença mental se a pessoa possuir uma predisposição para tal, que só irá surgir se houver um gatilho (pressão social e outras situações semelhantes). Sendo o psicólogo um profissional integrante da equipe, ele atua de acordo com as demandas que cada caso requer. Dependendo da necessidade percebida, o psicólogo realiza psicoterapia individual, por tempo determinado. Quando ocorre a chegada do paciente no CAPS, o mesmo é atendido individualmente pelo psicólogo para avaliação. Os grupos terapêuticos são desenvolvidos pelos psicólogos e se diferenciam em grupos de iniciantes (inserção do paciente no serviço), manutenção e prevenção de recaída. Os grupos de família são realizados por psicólogos e outros profissionais. Grupos terapêuticos com alcoolistas Os desafios no tratamento de alcoolistas são grandes e há todo um espectro de alternativas de tratamento, uma vez que não existe uma técnica terapêutica eficaz para todos os casos, daí a necessidade de se adequar determinado esquema terapêutico para cada paciente. Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 8/13

Conforme Ramos (1997), pacientes menos graves e mais motivados para o tratamento podem ser tratados com psicoterapia breve, alicerçada em técnicas de prevenção de recaídas e com o foco centrado nas relações do indivíduo com a bebida alcoólica. Pacientes graves, já cronificados, exigem uma atenção especial; nesses casos, atendimentos individuais são indicados, até que se estabeleça um vínculo com o terapeuta e ele possa ser encaminhado para o grupo terapêutico. No caso dos alcoolistas é importante um contrato terapêutico bem feito, estipulando: objetivos do tratamento, prazo mínimo de compromisso, tentativa de abstinência, abstinência no dia da sessão, sigilo, horário e local das sessões, aviso prévio quando não puder comparecer etc. Um contrato bem feito já constitui boa parte do tratamento. Grupos terapêuticos com drogadictos Com relação aos grupos com drogadictos, Brasiliano (1997), aponta que o objetivo é o de criar um espaço de reflexão, onde o paciente possa buscar o sentido de suas próprias vivências, tentando encontrar uma resposta diferente da droga para a sua realidade psíquica, marcada pela fragilidade, pela angústia do aniquilamento. A droga protege-o do confronto com seu desamparo e abster-se dela é experimentar o vazio, a dor do desespero e da impotência. Isso requer cuidados por parte do terapeuta. Um desses cuidados é firmar um contrato terapêutico, com regras muito claras e definidas, pois drogadictos estruturam mecanismos de defesa, no sentido de adequar a realidade às suas vivências, fugindo do aprofundamento das suas questões psicológicas. O contrato segue especificações semelhantes às dos alcoolistas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se dizer que a realização deste trabalho, bem como todos os aspectos abordados dentro da temática escolhida nos incita a buscarmos continuamente a postura de eternos aprendizes no sentido de que, faz-se necessário estarmos sempre dispostos a aprender e inclusive compartilharmos o conhecimento adquirido na forma de troca de informações. Ou seja, tivemos a oportunidade de conhecer alguns dos vários aspectos que permeiam a atuação do psicólogo em contextos psicossociais, que no nosso caso refere-se ao CAPS- AD da Prefeitura de Uberlândia e, tal oportunidade, trouxe consigo a necessidade de procurarmos perenemente a ânsia por uma visão mais ampla dos fenômenos que compreendem o universo no qual o psicólogo esteja inserido. Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 9/13

É nesse contexto que foi possível relatar a grande importância da consideração dos aspectos históricos e culturais na análise de qualquer evento humano. Sendo que, somente através de uma visão ampla do contínuo processo histórico da nossa sociedade, juntamente com as peculiaridades que cada cultura possui, é que se torna possível uma visão a respeito da dependência química de forma mais reflexiva e crítica, sem nos apegarmos aos reducionismos existentes. Deve-se acrescentar que neste trabalho procuramos abordar informações que fornecem subsídios históricos, culturais, até mesmo legais como é caso do processo de constituição dos Centros de Atenção Psicossociais, a fim de que ao reunirmos todas estas características juntamente com a coleta de dados, mediante as observações feitas na instituição selecionada, possamos criticamente refletir sobre a postura do psicólogo frente aos problemas e desafios sociais que abarcam o âmbito do tratamento dos fenômenos humanos, especialmente os que dizem respeito à dependência química. Portanto, coube a nós absorver reflexivamente as informações que tivemos acesso para utilizarmos na edificação do nosso processo de aprendizagem enquanto psicólogas. Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 10/13

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS *BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. O desenvolvimento do Sistema Único de Saúde: avanços, desafios e reafirmação dos seus princípios e diretrizes. Brasília: 2002. BRASILIANO, S. Grupos com Drogadictos. In: ZIMERMAN, David; OSORIO, L. C. (Org.). Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 229-239. GOULART, M. S. B. A Construção da Mudança nas Instituições Sociais: A Reforma Psiquiátrica. Pesquisa e Práticas Psicossociais, v.1, n.1, São João del- Rei, jun. 2006. *MINAS GERAIS, SECRETARIA DE SAÚDE. Linha Guia em Saúde Mental. Belo Horizonte: Coordenação de Saúde Mental, 2006. Motivos que podem levar alguém a usar drogas. COMAD-Conselho Municipal Anti-drogas de Araras. Disponível em: <http://www.araras.sp.gov.br/comadprinc.html>. Acesso em: 08 out. 2007. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Trad. Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. PINTO, J. C. S. G.; PEIXOTO, P. T. C. Projeto de Implantação de um Centro de Atenção Psicossocial em Macaé. Disponível em: <www.saudemental.med.br/caps1.htm> Acesso em: 18 out. 2007. RAMOS, S. de P. Grupoterapia para Alcoolistas. In: ZIMERMAN, David; OSORIO, L. C. (Org.). Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 219-227. *ROCHA, I. Abaixo a barbárie! In: Rocha, I. Apostila Cidadania. Brasília: Gabinete Deputado Paulo Delgado, 2001. Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 11/13

ZIMERMAN, David; OSORIO, L. C. (Org.). Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. * As referências assinaladas com * não foram consultadas diretamente. Thalita Mara dos Santos, Marina Duarte 12/13

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