Empoderamento feminino e comportamento Aline G. Couto Estamos participando de uma época onde o feminismo e a necessidade de alcançar a equidade entre gêneros estão sendo extensamente discutidos por pessoas de todas as idades. Em muito graças às redes sociais, homens e mulheres se deparam frequentemente com os desafios de transformar a si próprios e transformar a sociedade para que ela seja mais justa para ambos. Mas como chegar a essa justiça? Como superar as opressões vividas por mulheres de diversas etnias, idades, classes sociais? A palavra empoderamento surge como resposta a essas perguntas em muitos dos lugares onde procuramos tais respostas. Empoderamento é um termo frequentemente utilizado no seio dos movimentos sociais, tendo sua origem nesse contexto atribuída a Paulo Freire, que falou do empoderamento
como necessário aos excluídos e oprimidos. A princípio, ele se refere à tomada de poder por esses grupos, de forma que se relacione diretamente com os motivos pelos quais esses grupos são oprimidos. Trocando em miúdos, para alcançar o que não se consegue por ser mulher, ou negro(a), ou pobre, é preciso, inicialmente, tomar consciência dos limites que são impostos pura e simplesmente por ser mulher, ou negro(a), ou pobre; depois, participar de contextos que mudem essas realidades; e, por fim, dividir tudo isso com outras pessoas que sofrem das mesmas opressões, a fim de garantir mudanças duradouras e coletivas. No caso das mulheres, rediscutir tudo o que nos é dado como sempre foi assim é um exercício importante, profundo, cotidiano e por vezes, doloroso para aquelas que se consideram feministas e também para aquelas que começaram a ser. Perceber que nossas escolhas foram direcionadas para se encaixar no que se espera de uma mulher; perceber o quanto fomos impedidas de chegar em tantos lugares que almejamos, ou ainda, sequer almejamos pois isso não é coisa de menina ; e, mais ainda, se ver como reprodutora de muitas das ideias que mantém nossos papeis de gênero deve ser constante, para perceber onde o poder nos falta e então, lutar contra. Nesse momento, percebemos quanta coisa nos é empurrada goela abaixo sem que nunca tenhamos questionado o suficiente por que as coisas são assim. Dietas malucas, pois a mulher deve ser magra; maquiagem o tempo inteiro, pois a mulher deve ser bonita; pele lisinha, sem estrias, marcas, celulite ou pelos, pois a mulher deve ser delicada; cabelos lisos e sempre brilhantes, pois a mulher deve ter traços de uma mulher branca; bem vestida, com cuidado para não mostrar pele demais, nem pele de menos. Tem que casar, tem que ter filhos pois só assim a mulher está realizada; mas tem que ter uma carreira também, senão é fútil e acomodada. Tem que ganhar dinheiro, tem que estar sempre forte, mas tem que ser amorosa e dedicada. Tem que se dedicar inteiramente aos filhos, mesmo ao final de toda essa lista do que fazer. Notar o
quanto nos é imposto faz pensar em desistir de lutar contra imposições, e só ver quanta coisa há pra fazer dá cansaço e tristeza. Apenas perceber, no entanto, não faz ninguém mudar por si só. Participar de contextos em que a mudança seja importante é vital para qualquer mulher que se indigna ao ver as opressões que sofremos e quer mudá-las. Estar em contato com outras mulheres que se apoiam nesse processo de descoberta e de mudança ajuda a não se sentir nadando contra a corrente desde a segunda onda feminista, que apontou tantas dessas constrições à mulher, sabemos que a sororidade é poderosa (sisterhood is powerful), frase famosa pelas mãos de Robin Morgan, escritora feminista americana. Vale a pena unir esforços junto a outras mulheres que estão aprendendo como se libertar das amarras. O empoderamento feminino deve ser um processo fundamentalmente coletivo, e para isso, há que se pensar o quanto o poder de uma é o poder de todas. Muitas críticas vêm sendo feitas na literatura e nos movimentos feministas sobre o individualismo com que esse fenômeno vem sendo tratado. Uma mulher empoderada é por vezes retratada como uma mulher com grande autoestima, bonita ou que se sente bonita, e, mais que qualquer coisa, bem-sucedida na vida, ganhando dinheiro. Sentimentos e ganhos financeiros são parte do processo de empoderamento de muitas mulheres, sem dúvida especialmente quando a falta de recursos e de perspectivas contribuem enormemente para mantê-las numa mesma situação, como presas a um casamento abusivo ou infeliz, a um emprego sem possibilidades de ascensão, a relações com pessoas que reforçam os lugares a que elas deveriam pertencer. No entanto, a estrutura da sociedade capitalista contribui para que o poder seja meramente uma expressão do consumo, quando ele não tem real potencial transformador das opressões sofridas pelos grupos marginalizados. É o caso das críticas às propagandas, por exemplo, de produtos de beleza que usam o empoderamento feminino como parte do marketing, quando tal indústria é voltada apenas às mulheres e as faz investir tempo e dinheiro em ideais que, em última análise, apenas as tornam mais desejáveis para os
homens; ou às discussões sobre a esfera sexual do empoderamento, que confunde liberdade sexual com a mulher desinibida, mas que não pode dizer não a uma relação que não deseje, sob acusação de ser frígida, travada, santinha... Empoderar-se é um processo que, por definição, não deve ser solitário. Embora nossa linguagem nos permita falar de uma mulher empoderada, a mudança dos contextos dos quais as mulheres participam é indispensavelmente coletiva afinal, a opressão sofrida pelas mulheres é resultado de uma longa cadeia de eventos dos quais todas e todos participam e que, se fosse fácil de quebrar, não seria necessária tanta mobilização. Para falar do empoderamento da mulher, temos de falar da transformação de estruturas que desprivilegiam as mulheres enquanto coletivo. O que, portanto, fala de mudança da forma com que agimos o que estudamos nas nossas pesquisas? A serviço de quem trabalhamos? Que ensinamos às crianças? Como vemos homens e mulheres? Tudo o que podemos fazer pode ser visto de outra forma quando sabemos o que combater e o que queremos alcançar resta, portanto, dar forças às mulheres e à união entre nós para construir um mundo mais justo para todas. Referência: Couto, A. G. (2017). Uma análise behaviorista radical da discussão feminista sobre o empoderamento da mulher (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Paraná UFPR, Curitiba, PR, Brasil. Aline G. Couto Psicóloga graduada pela Universidade Federal da Bahia UFBA e mestre em psicologia pela Universidade Federal do Paraná UFPR. Atua como psicóloga clínica na cidade de São Paulo e tem experiência com psicologia da saúde e
psicologia perinatal. Feminista, participa do Coletivo Marias e Amélias de Mulheres Analistas do Comportamento desde sua fundação e pesquisou sobre o empoderamento feminino em uma perspectiva analítico-comportamental na pós-graduação. Foi membra do site Comporte-se (https:// www.comportese.com) e manteve o blog Behaviorist Lady (http:// behavioristlady.blogspot.com.br) durante sua formação como psicóloga.