ABSTRACT. Key words: Parathyroid Glands; Parathyroid Neoplasms; Carcinoma.

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Relato de Caso Diagnóstico e tratamento cirúrgico de carcinoma de paratireoide atípico: relato de caso Diagnosis and surgical treatment of atypical parathyroid carcinoma: a case report Emidiana Raquel Rodrigues de Souza Oliveira 1 Cláudia Isabel Silva Carlos 1 Sheila Maria da Conceição Costa 1 Thiago Demétrio Nogueira Costa e Silva 2 Resumo Introdução: O carcinoma de paratireoide é uma situação clínica rara, correspondente a menos de 1% dos casos de hiperparatiroidismo primário. Os sinais e sintomas comuns são o comprometimento ósseo, renal e a hipercalcemia, que, na maioria das vezes, possui evolução clínica evidente e dramática. Objetivo: Descrever e discutir um caso de carcinoma de paratireoide que se manifestou de forma atípica, sem nenhuma outra sintomatologia além do nódulo na região cervical. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, 29 anos, procurou o médico após perceber um nódulo na região cervical. Inicialmente a suspeita, baseada no ultrassom cervical e exame clínico, foi de neoplasia maligna da tireoide. Somente após cirurgia e estudo imuno-histoquímico do nódulo, foi possível confirmar o carcinoma. A conduta adotada foi a realização de nova cirurgia com tireoidectomia parcial direita em monobloco com linfadenectomia cervical do nível II ao VI ipsilateral. O carcinoma de paratireoide já havia sido ressecado em cirurgia anterior. Paciente evoluiu com hipotireoidismo, sendo realizada a reposição hormonal com levotiroxina 75 mcg. No seguimento, os exames clínico e complementar não evidenciaram persistência ou recidiva. Conclusão: Este relato traz um caso atípico de carcinoma de paratireoide e alerta os profissionais da importância de se considerar este diagnóstico em casos semelhantes, realizando um diagnóstico diferencial e mais abrangente. Descritores: Glândulas Paratireoides; Neoplasias das Paratireoides; Carcinoma. ABSTRACT Introduction: Parathyroid carcinoma is a rare clinical situation, corresponding to less than 1% of the cases of primary hyperparathyroidism. The common signs and symptoms are bone and kidney damage and hypercalcemia, which, in most cases, has clear and dramatic clinical improvement. Objective: To describe and discuss a parathyroid carcinoma case manifested atypically, without any other symptoms besides the node in the cervical area. Case report: A male patient, 29 years old, sought medical help after noticing a node in the neck. Initially the possible diagnosis, based on cervical ultrasound and clinical examination, was thyroid cancer. Only after surgery and immunohistochemical study of the node, the carcinoma was confirmed. The adopted approach was the execution of a new surgery with right hemithyroidectomy in mono block and cervical lymphadenectomy from level II to ipsilateral VI. The carcinoma parathyroid had already been resected in the previous surgery. The patient developed hypothyroidism, thus applying the hormone replacement with levothyroxine 75 mcg. Moreover, the clinical and complementary exams showed no persistence or recurrence. Conclusion: This report brings an atypical case of parathyroid carcinoma and alert the professionals to the importance of considering this diagnosis in similar cases, performing a differential and wider diagnosis. Key words: Parathyroid Glands; Parathyroid Neoplasms; Carcinoma. INTRODUÇÃO O carcinoma de paratireoide é uma neoplasia rara, descrita, pela primeira vez em 1904, por Quevain 1,2. Até 2001, o número de casos reportados na literatura científica não passou de 500. A etiologia dessa patologia ainda é desconhecida, contudo houve relatos de ocorrência em pacientes com adenoma, glândula paratireoide hiperplásica e hiperparatiroidismo secundário à doença celíaca 3. Normalmente, possui crescimento lento 2,4, progressivo e com alto grau de recidiva. Além disso, ocorre geralmente em indivíduos de 40 a 50 anos, acometendo, de forma igual, ambos os sexos. Apresentase como um caso típico de hiperparatiroidismo primário sintomático, com manifestações clínicas relacionadas ao excesso de secreção de paratormônio (PTH) causado pelo tumor 2,3,5, tais como comprometimento ósseo e renal, sendo que, na maioria das vezes, sua evolução 1) Estudante. Acadêmica do curso de Medicina da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). 2 Especialista. Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Professor efetivo de Cirurgia do curso de Medicina da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Instituição: UERN - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - Curso de Medicina. Mossoró / RN - Brasil. Correspondência: Emidiana Oliveira - Rua Artur Bernardes, 1207 - Barrocas, Mossoró / RN - Brasil - CEP: 59621-210 - Telefone: (84) 98843-4038 - E-mail: emidiana.oliveira@hotmail.com Artigo recebido em 29/02/2016; aceito para publicação em 29/06/2017; publicado online em 30/06/2017. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: Financiamento Próprio. 142 e Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 4, p. 142-146, Outubro / Novembro / Dezembro 2016

clínica é evidente e dramática 2,4,5. Dos pacientes com hiperparatiroidismo primário, o carcinoma corresponde a menos de 1% dos casos 2,5. O diagnóstico é difícil 2, tendo em vista que há um desafio clínico entre a diferenciação do hiperparatireoidismo benigno e o quadro maligno, devido à coincidência dos sintomas 3,5. Microscopicamente, a principal dificuldade é pela diferenciação com o adenoma de paratireoide 1,6. Características celulares como pleomorfismo nuclear, hipercromatismo, células tumorais livres nos vasos sanguíneos, núcleos bizarros, mitose e células gigantes, que são encontradas no carcinoma, podem ser encontradas em até 25% dos adenomas 1. Assim, muitas vezes as suspeitas diagnosticas se inclinam para os adenomas. Nessa ótica, tal discussão se torna importante, tendo em vista que a abordagem clínica, extensão da operação e tomada de decisões no tratamento, são muito diferentes em cada uma das doenças. No carcinoma, a ressecção em bloco do tumor ou glândula afetada parece ser a melhor opção. Além disso, a retirada, incluindo o lobo tireoidiano acometido, oferece um prognóstico favorável 4,6. Levando em consideração a raridade da patologia e a importância de reconhecer tal quadro clínico, este trabalho trata de um relato de caso, cujo objetivo é descrever e discutir o diagnóstico diferencial e a conduta adotada em um paciente com carcinoma de paratireoide, atendido no Centro de Oncologia e Hematologia de Mossoró (COHM), no Rio Grande do Norte (RN), no ano de 2005. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 29 anos, pardo, notou em 2005 nódulo em região cervical anterior direita ao fazer a barba. Menos de uma semana depois, procurou o posto de saúde, onde foi atendido por um clínico geral, que solicitou exames sanguíneos, ultrassonografia (USG) da tireoide e o encaminhou a um serviço oncológico. Na consulta inicial, no serviço de cirurgia de cabeça e pescoço, três meses após a percepção do nódulo pelo paciente, foi identificado massa paratraqueal direta medindo 4 cm, fibroelástica, imóvel à deglutição e indolor. O paciente negava outras queixas e comorbidades. Não foram encontradas alterações na laringoscopia indireta. A USG mostrou cisto heterogêneo junto ao polo inferior do lobo direito da tireoide, medindo 3,5 x 2,6 cm, de contorno regular e reforço acústico posterior, com conteúdo anecoico e heterogêneo, de etiologia desconhecida. Foram solicitados, então, Punção Aspirativa por Agulha Fina (PAAF) do nódulo, Tomografia Computadorizada (TC) da região cervical e Radiografia (RX) de tórax. Um mês depois, paciente retornou com exames. A PAAF mostrou-se inconclusiva, devido à escassez de células foliculares. A TC (Figura 1) indicou presença de cisto de conteúdo espesso no polo inferior do lobo tireoidiano direito, de contornos bem definidos Figura 1. Tomografia Computadorizada da região cervical. Data:16/12/2005. Fonte: Modificada do artigo de Maciel 15. e regulares, medindo 3,23 cm x 2,13 cm, com baixo coeficiente de atenuação e septo fino, causando suave compressão na parede lateral da traqueia. O RX de tórax encontrava-se sem alterações. A conduta escolhida foi a tireoidectomia parcial direita com exame de congelação intraoperatório devido à suspeita de malignidade. A cirurgia precisou ser remarcada duas vezes devido à greve dos anestesiologistas que prestam serviço ao município, ocorrendo seis meses após sua indicação. Durante o procedimento cirúrgico, mudou-se a conduta, uma vez que a tireoide apresentava aspecto normal, com presença de lesão nodular justaposta ao polo inferior do lobo direito com aspecto sugestivo de paratireoide. A congelação intraoperatória resultou como benigna. O anatomopatológico da lesão indicou adenoma de paratireoide, no entanto foi sugerido um estudo imunohistoquímico para diagnóstico diferencial com neoplasia maligna de tireoide. O estudo imuno-histoquímico indicou presença de citoqueratinas AE1+AE3, CAM 5.2, cromogranina, p27, PTH e sinaptofisina na amostra coletada, chegando à conclusão de que se tratava de um carcinoma de paratireoide. A conduta adotada, três meses após a primeira ressecção, foi a tireoidectomia parcial direita associada ao esvaziamento cervical dos níveis II a VI ipsilateral. Foram identificadas as três paratireoides restantes com aspecto normal. O paciente obteve alta um dia após o procedimento, recebendo acompanhamento mensal no primeiro ano pós-cirúrgico. Três meses depois, paciente retornou com exames solicitados em consultas anteriores. A cintilografia de corpo inteiro não indicou evidências de metástases. Além disso, apresentou quadro de hipotireoidismo, sendo prescrito levotiroxina 75mcg ao dia e indicado acompanhamento clínico. O primeiro relato de níveis PTH e cálcio (Ca) sérico ocorreu oito meses após a cirurgia (PTH: 108 pg/ ml, VR: 16 a 87 pg/ml; Ca sérico: 9,4 mg/dl, VR: 8,5 a 10,2 mg/dl), sendo solicitados exames para pesquisar possível persistência da doença. Quatorze meses depois, os níveis de PTH e Ca sérico continuaram levemente elevados (PTH: 108 pg/ml; Ca sérico: 10,8 mg/dl), voltando ao normal (PTH: 48 pg/ml) dezenove meses depois. Os exames solicitados para avaliar Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 4, p. 142-146, Outubro / Novembro / Dezembro 2016 143

persistência da doença encontravam-se sem alterações: a TC indicava aspecto normal da região e ausência de lesões expansivas, a cintilografia não demostrou sinais de metástase. Os hormônios da tireoide ficaram dentro da normalidade com a prescrição de levotiroxina 75 mcg. Até o momento, o paciente não apresenta indicativos de recidiva. DISCUSSÃO A suspeita pré-operatória do carcinoma de paratireoide deve surgir através de achados clínicos como a presença de massa cervical palpável, presente em até 76% dos casos, paralisia de prega vocal ou presença de metástase regional ou à distância 1, 2. Ressalta-se que metástase à distância é considerada um evento tardio da doença, podendo ocorrer nos ossos, pulmões, fígado e pâncreas 7. A presença do PTH alto (muitas vezes superior a 500 ng/l) e Ca sérico elevado (em geral superior a 14,0 mg/dl) 2,5 também são indicativos da doença. O hiperparatireoidismo e a hipercalcemia são bastante presentes no carcinoma 1,5,6. Os sinais e sintomas gerais relacionados à hipercalcemia são a anorexia, perda de peso, polidipsia e distúrbios psiquiátricos, além de sintomas musculoesqueléticos, geniturinários e gastrintestinais 2,5. Ressalta-se que o percentual de casos assintomáticos chega apenas a 7% 8. No paciente em questão, o exame de USG relata um cisto anecoico e com contorno regular. Não traz dados sobre a presença ou não de microcalcificações, além de não conseguir mostrar a real localização do nódulo, já que se trata de um nódulo na paratireoide. Em virtude de não ter sido realizada a USG com Doppler, não foi possível obter dados sobre a vascularização, que é uma característica importante no conjunto de preditores da malignidade do nódulo. Mediante o resultado inconclusivo da USG, foi realizada a PAAF guiada por USG. Este exame deve ser evitado no carcinoma de paratireoide devido ao risco de disseminação local 1. Em decorrência da dificuldade no diagnóstico, acarretado pela diversidade de características patológicas destes tumores e similaridade com lesões benignas, a confirmação pode ocorrer, algumas vezes, apenas no intraoperatório ou no pós-operatório por meio de investigação histológica 1,2,4. Na literatura, foi observado que 86% dos pacientes não recebem nenhum diagnóstico de carcinoma no intraoperatório 9, contudo alguns achados podem indicar presença de carcinoma da paratireoide, tais como nódulo com tamanho superior a 1,5 cm, aderente ao tecido adjacente, invasão do lobo tireoidiano ipsilateral e da musculatura cervical 7. Outros autores ainda acrescentam o aspecto lobulado, consistência endurecida e coloração acinzentada do nódulo 9. A Tabela 1 mostra patologias para o diagnóstico diferencial do carcinoma de paratireoide. No relato em questão, houve dificuldade no diagnóstico. Inicialmente, a suspeita foi de carcinoma de tireoide (devido à localização do nódulo) e, posteriormente, após exame anatomopatológico, foi de adenoma de paratireoide, sendo que este último se aproximou mais do diagnóstico final, tendo em vista as semelhanças do adenoma e do carcinoma 10. Em nenhum momento foi cogitada a hipótese do carcinoma de paratireoide, o qual só foi confirmado após realização de imuno-histoquímica 1,5. Isso pode ter sido consequência da ausência de solicitação de exames referentes à função paratireoideana, que devem ser sempre pedidos na presença de nódulos cervicais, os quais podem indicar várias doenças (Tabela 1), inclusive carcinoma de paratireoide 2 ; bem como da baixa qualidade da USG, que não proporcionou muitos detalhes sobre a massa palpável. Em relação à conduta terapêutica, esta deve ser pautada na cirurgia com a ressecção do tumor, por isso é importante a suspeita da malignidade para que o cirurgião possa programar sua intervenção de maneira correta. Assim, trabalhos indicam a retirada do tumor ou da glândula afetada (em monobloco), com tireoidectomia parcial ipsilateral e linfonodos da região, além de inspeção glanglionar, e das outras glândulas paratireoides 4,5,6. Alguns autores sugerem o uso de radioterapia em alguns casos como complemento do tratamento cirúrgico, que pode evitar o aparecimento de metástases 5. No presente caso, foi realizada a tireoidectomia parcial ipsilateral ao nódulo, juntamente com o esvaziamento cervical (níveis II a VI). Entretanto, o esvaziamento cervical só deve ser realizado na presença de metástase cervical 2. Alguns trabalhos alegam que a linfadenectomia da região paratraqueal (esvaziamento nível VI) que acompanha a ressecção em bloco pode se justificar. No entanto, a linfadenectomia eletiva de linfonodos regionais diferente do nível VI não é recomendada, pois metástases linfáticas são incomuns, e nenhum benefício terapêutico foi estabelecido 10. O acompanhamento desses pacientes deve ser cuidadoso e a longo prazo (Figura 2); pois, no pósoperatório, é comum os pacientes apresentarem uma hipocalcemia severa, devido à queda importante dos níveis de PTH em virtude da manipulação cirúrgica, ressecção, comprometimento ou lesão do pedículo Tabela 1. Patologias para diagnóstico diferencial do Carcinoma de Paratireoide. Patologias para diagnóstico diferencial do Carcinoma de Paratireoide Adenoma de Paratireoide Cisto de Paratireoide Cisto Tireoglosso Fibrose Local Pós-Cirúrgica Linfonodo Reacional ou Suspeito para Malignidade Laringocele Nódulo Tireoidiano Benigno Nódulo Tireoidiano Maligno 144 e Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 4, p. 142-146, Outubro / Novembro / Dezembro 2016

Figura 2 - Fluxograma do seguimento clínico no pós-operatório. Fonte: Criado a partir dos trabalhos de Cordeiro et al. 4, Vieira et al. 5 e Montenegro et al. 6. vascular das paratireoides. Essa queda será menos expressiva mediante a preservação parcial das glândulas e tenderá a voltar ao normal mediante a recuperação das glândulas remanescentes 11. A hipocalcemia pode ocorrer de forma transitória após cirurgia tireoidiana em até 83% dos casos 13, a qual, após o período de 6 meses, é considerada definitiva 15. Assim, este seguimento deve incluir estudos bioquímicos adequados, dosando níveis séricos de cálcio e de PTH, com intervalos de 4 a 6 meses. É importante salientar que um aumento de PTH é sugestivo de persistência, por isso tais condutas no acompanhamento são essenciais para o prognóstico do paciente. Caso ocorra, estudos de imagem apropriados devem ser realizados para localizar o remanescente tumoral e observar se o mesmo é ressecável. Essa avaliação deve incluir USG cervical, TC ou ressonância magnética. O valor de imagem PET no seguimento permanece indefinida neste momento 5. O prognóstico dessa neoplasia incomum é variável. Sabe-se que o reconhecimento precoce e ressecção completa na cirurgia levam a um prognóstico melhor. A recidiva já foi relatada em até 3 anos, embora tenham sido citados intervalos de até 20 anos. Em 5 anos, a sobrevida varia de 40 a 86% dos casos 3. Estudos relatam uma sobrevivência de 10 anos em cerca de 49% dos pacientes 1. Já a mortalidade geral é de cerca de 29% 1,8. CONCLUSÃO Assim, o caso apresentado foi de um carcinoma de paratireoide atípico, o qual não manifestou os sinais e sintomas clínicos mais comuns, que, segundo a literatura, são evidentes na maioria dos pacientes. Além disso, a patologia se desenvolveu em um indivíduo fora da idade usual. Desse modo, o relato alerta os profissionais da importância de se considerar o mesmo diagnóstico em casos semelhantes, como diagnóstico diferencial, no intuito de realizar um atendimento mais abrangente e eficaz. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao Dr. Fábio Luiz de Menezes Montenegro, Dr. Sérgio Samir Arap e Dr. Climério Pereira do Nascimento Júnior pelos ensinamentos. REFERÊNCIAS 1. Morimitsu LK, Uyeno MNO, Goulart ML, Hauache OM, Vieira JGH, Alberti, et al. Carcinoma de paratireóide: características clínicas e anátomo-patológicas de cinco casos. Arq Bras de Endocrinol & Metab. 2001;45(2):148-156. 2. Montoro JRMC, Fava AS,Sartini AL, Mattiola LR, Brito AJP, Costa GP. Carcinoma de paratireóide. Arq Int Otorrinolaringol. 2008;12(1):145-149. 3. Shane E, Bilezikian J. Parathyroid carcinoma. J Clin Endocrinol Metab. 2001;86(2):485-493. 4. Cordeiro AC, Montenegro FL, Kulcsar MA, Dellanegra LA, Tavares MR, Michaluart P Jr, et al. Parathyroid carcinoma. Am J Surg. 1998;175(1), 52-55. 5. Vieira JGH, Ohe MN, Hauache OM, Oliveira UM, Delana JM. Golnçalves A, et al. Parathyroid carcinoma. Arq Bras de Endocrinol & Metab. 2005;49(5):811-815. 6. Montenegro FLM, Tavares MR, Durazzo MD, Cernea CR, Cordeiro AC, Ferraz AR. Clinical suspicion and parathyroid carcinoma management. Sao Paulo Med J. 2006; 124(1):42-44. 7. Wang C, Gaz RD. Natural history of parathyroid carcinoma. Am J Surg. 1985; 149:522-7. 8. Wynne AG, Van HJ, Carney JA, Fitzpatrick LA. Parathyroid carcinoma: clinical and pathologic features in 43 patients. Medicine. 1992;71(4):197-205. 9. Shane E, Bilezikian J. Parathyroid Carcinoma: a review of 62 patients. Endocr Rev. 1982;3:218-26. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 4, p. 142-146, Outubro / Novembro / Dezembro 2016 145

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