APONTAMENTOS SOBRE A INFORMALIDADE E AS MUDANÇAS NO TRABALHO NA FRONTEIRA GUAÍRA-PR/ BRASIL E SALTO DEL GUAIRÁ/PARAGUAI



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Transcrição:

APONTAMENTOS SOBRE A INFORMALIDADE E AS MUDANÇAS NO TRABALHO NA FRONTEIRA GUAÍRA-PR/ BRASIL E SALTO DEL GUAIRÁ/PARAGUAI Cíntia Fiorotti 1 Resumo Este texto traz algumas reflexões levantadas inicialmente em uma pesquisa de doutorado vinculada ao programa de pós-graduação em História da UFU. Nele discuto alguns apontamentos sobre as dinâmicas locais de duas cidades, Guaíra-PR/BR e Salto Del Guairá/PY, localizadas na fronteira entre Brasil e o Paraguai. Procuro destacar as mudanças ocorridas neste espaço a partir da década de 1980 a 2012, juntamente as transformações vivenciadas pelos sujeitos que estão envolvidos em relações de trabalho que envolve o comércio de mercadorias entre os dois países. Introdução: Os esforços para refletir sobre os trabalhadores envolvidos em ocupações geradas pelas relações comerciais entre o Brasil e o Paraguai, em especial pela fronteira localizada na Costa Oeste do Paraná, são traços de uma trajetória acadêmica que remonta ao menos desde a década de 1990. São exemplos desta trajetória os vários trabalhos que vem sendo elaborados através das pesquisas da graduação e das linhas do programa de pós-graduação de história da UNIOESTE, e de outros institutos. 2 Todos estes empenhos têm contribuído aos poucos para nossa compreensão sobre as formas de viver e trabalhar na região. As informações e análises apontadas neste texto, pretendem contribuir com estas reflexões trazendo para o campo da pesquisa em história, as mudanças experimentadas pelos trabalhadores envolvidos em ocupações geradas pelo comércio entre a fronteira Guaíra-PR/BR e Salto Del Guairá/PY a partir da década de 1980. Nesse sentido, aponto algumas indagações sobre este espaço da Fronteira, buscando identificar quais as especificidades deste local e as relações de tensão produzidas entre as classes sociais envolvidas neste comércio. Para tanto, trago a análise de algumas fontes levantadas, tais como, dados estatísticos produzidos pelo Estado, reportagens 1 Professora SEED/PR e, doutoranda em história pela Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: cintiafiorotti@hotmail.com 2 CARDIN, Eric Gustavo. A expansão do capital e as dinâmicas da Fronteira. Araraquara: UNESP. Tese (Doutorado em sociologia), 2010. DARC, Aparecida. Formação econômica e social de Foz do Iguaçu: um estudo sobre as memórias constitutivas da cidade (1970-2008). São Paulo: USP. Tese (Doutorado em história econômica), 2009. DAVI, Elen.Trabalhadores na Fronteira: experiências dos sacoleiros e laranjas em. Foz do Iguaçu Ciudad del Este (1990/2006). Marechal Cândido Rondon: UNIOESTE, Dissertação (Mestrado em história). 2008. MASUZAKI, Teresa Itsumi. Condições de Trabalho dos Brasileiros no Comércio em Salto Del Guairá - Paraguai. (Monografia em Geografia) Marechal Cândido Rondon/PR:UNIOESTE, 2010.

2 da imprensa local e informações coletadas com entrevistas feitas com os trabalhadores de ambas as cidades. Informalidade e mudanças no trabalho na fronteira entre Guaíra-PR/BR e Salto Del Guairá-PY. As pesquisas realizadas na cidade de Guaíra-PR/BR 3 e Salto Del Guairá-PY 4 indicam uma grande quantidade de trabalhadores envolvidos em ocupações consideradas informais e precárias, ou mesmo consideradas ilegais. Cabe mencionar que de acordo com entrevistas realizadas anteriormente em Guaíra com trabalhadores envolvidos na cata de recicláveis e na venda de produtos por catálogo 5, o envolvimento em ocupações consideradas precárias e sem contrato de trabalho formal nesta cidade é uma realidade experimentada por muitos desde as décadas de 1970 e 1980. Entretanto, muitos destes trabalhadores estavam envolvidos em ocupações ligadas diretamente ao campo, tais como, o trabalho no cultivo para subsistência, na colheita de algodão, mandioca e nas lavouras de café sob a condição de trabalhadores contratados por dia ou por empreitada. Atualmente em Guaíra os dados divulgados pelo IBGE em 2000, indicam que entre uma população economicamente ativa de 7.658, há 3.550 ocupados informalmente, ou seja, 46% do total. 6 Estes dados vão de encontro com a porcentagem de trabalhadores envolvidos em ocupações urbanas ano de 2000, onde aproximadamente 58% da população economicamente ativa concentravam-se em ocupações urbanas no chamado setor terciário ou de serviços. Trago estes dados, para destacar que, embora Guaíra possua uma taxa de 3 Em 2010, Guaíra contava com 30.669 habitantes. Localiza-se à margem esquerda do Rio Paraná no extremo oeste do Estado. Foi declarada como município em 1952, em alguma medida, resultando dos interesses do governo federal em aumentar o controle da divisa com Salto Del Guairá - Paraguai e com Mundo Novo, estado do Mato Grosso do Sul. 4 Em 1997, Salto Del Guairá, sua população era de 12.000 habitantes. A região a qual pertence Salto Del Guairá, é conhecida por departamento de Canindeyu e conta com aproximadamente 145.841 habitantes, estando 83% destes, também localizados nas áreas rurais. DGEE/STP, dados referentes ao ano de 2007. Disponível em: <http//:www.dgeec.gov.py>. Acesso em 04 de outubro de 2010 5 Pesquisa feita entre os anos de 2004 e 2008, In: FIOROTTI, Cíntia. Mudanças no Mundo dos Trabalhadores: Um Estudo Sobre as Vendedoras de Produtos por Catálogo Avon e Natura. Dissertação (Mestrado em história). Marechal Cândido Rondon: UNIOESTE, 2009., Cíntia. Catadores de Recicláveis no município de Guaíra-PR (1970 a 2006). Marechal Cândido Rondon: UNIOESTE, Colegiado do Curso de História. 2006. 6 Estes dados são referentes ao ano de 2000, ano do Censo Demográfico do IBGE. Em seu banco de dados, SIDRA, os trabalhadores ocupados são separados por algumas categorias, onde também consta Empregados - outros sem carteira de trabalho assinada. Para chegar a esta taxa, foi verificado o quanto corresponde esta categoria em porcentagem com relação a todos os Empregados por município. Entretanto é possível observar que a taxa de informalidade é muito maior que a apresentada, uma vez, considerado os métodos de realização e classificação utilizados pelo IBGE. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?z=t &c=2959>. Acesso em fevereiro de 2011.

3 informalidade registrada próxima a de outras cidades que compõe a regiões Oeste do Paraná 7, ela tem apresentado algumas especificidades, tais como, a existência de algumas ocupações consideradas informais e ilegais possibilitadas pela relação com a fronteira com o Paraguai que, em sua maioria, não são registradas nestas taxas. Em uma pesquisa 8 realizada junto a 60 trabalhadores e estudantes com idade entre 21 e 39 anos, de um centro estadual de educação de jovens e adultos de Guaíra, observou-se que o contato com o mundo do trabalho experimentado por trabalhadores jovens, também tem, na maioria das vezes, iniciado através de formas de trabalho sem vínculo empregatício e carteira de trabalho assinada. Sobre isto, entre estes trabalhadores e estudantes pesquisados, houve 40% deles que relataram nunca terem trabalhado com o registro em carteira. Além disso, 60% do total dos entrevistados ocupados mencionaram que se encontram envolvidos em formas de trabalho informais e precárias, tais como, diaristas, vendedores ambulantes e laranjas. Ou seja, trabalhando sem garantia de nenhum direito trabalhista, como carteira assinada, fixação de jornada de trabalho, definição de salário, depósito de fundo de garantia, etc. Nesse sentido, observa-se inicialmente que a informalidade não é vivida pelos entrevistados mais jovens como algo extraordinário ou provisório em suas vidas, mas que se faz presente para muitos desde que começam a trabalhar. Entre o universo de trabalhadores ouvidos nesta pesquisa, chamou atenção que, muitos sujeitos jovens têm buscado beneficiar-se de formas de trabalho resultantes das relações comerciais entre o Brasil e o Paraguai na fronteira entre Guaíra e Salto Del Guairá. Entretanto, nem todos os trabalhadores que vivenciam a perda de suas ocupações anteriores ou não conseguem melhores condições de trabalho que ocupações informais e precárias em Guaíra conseguem ou procuram envolver-se em ocupações geradas por este comércio com a fronteira. De alguma forma, a própria localização de Guaíra na fronteira com Salto Del Guairá tem contribuído para o envolvimento de trabalhadores em ocupações relacionadas ao comércio com o Paraguai. No entanto, o surgimento de ocupações relacionadas ao comércio de mercadorias entre o Brasil e o Paraguai, também tem sido possibilitada, dentre outros 7 Um exemplo é o contraste entre as cidades que compõe a microregião de Toledo, na qual 70% delas possuem uma taxa de informalidade de 42 a 62% entre o total de trabalhadores ocupados. Enquanto isso, 30% das cidades, desta mesma microregião, indicam entre 28 a 39% de ocupados informalmente. Os dados referentes a estas últimas cidades são justificados pelo crescimento do número de trabalhadores empregados no setor agroindustrial responsável pelo abate de aves e suínos, sendo que, a matéria-prima necessária para estas indústrias é ofertada pelo trabalho de pequenos e médios produtores rurais da região.no entanto, cabe ponderar que, de acordo com pesquisas realizadas com trabalhadores destas indústrias, a formalidade vivida nestes empregos não tem significado a isenção de formas de trabalho precárias ou mesmo instáveis. 8 FIOROTTI, Cíntia. Trajetórias de vida e experiências dos sujeitos envolvidos na educação de jovens e adultos (EJA) em Guaíra/PR (2000 2010). Medianeira: UTFPR, Monografia de especialização, 2010.

4 fatores, pelas diferenças econômicas e políticas entre os dois países. Uma dimensão dessas diferenças é analisada por Fernando Rabossi (2004) ao discutir que, A partir do plano de estabilização acordado com o Fundo Monetário Internacional em 1956, o governo paraguaio eliminou as tarifas externas de exportação, diminuiu os impostos às importações e nunca implementou uma política de desenvolvimento industrial baseada em um modelo de substituição de importações [...] Brasil e Argentina, pelo contrário, implementaram este último modelo estabelecendo altos impostos ou diretamente proibindo a importação daqueles produtos cujas indústrias se pretendiam incentivar. (RABOSSI; p.16, 2004) Conforme Fernando Rabossi, isto proporcionou a transformação do Paraguai num centro comercial da América do Sul, recebendo a entrada de mercadorias de vários países, como China, Índia, Coréia e EUA, e reexportando para os países visinhos. Contribuem para isto, os próprios tratados definidos com o Mercosul 9, que, aparentemente virou-se contra as intenções imperialistas do Brasil com o Paraguai. 10 Para esta política econômica adotada pelo Paraguai, houve o investimento por parte deste governo em infra-estrutura, como as realizadas em Ciudad Del Este, em favor da comercialização e reexportação de mercadorias do Paraguai para outros países vizinhos, como Argentina e Brasil. Entretanto, tais investimentos não foram atribuídos a Salto Del Guairá/PY que, até o início da década de 2000, não se apresentava como uma região de papel significativo na comercialização de produtos importados pelo Paraguai. De acordo com a Dirección General de Estadísticas, Encuestas y Censos (DGEEC/STP) 11, Salto Del Guairá, esteve caracterizada até o ano de 1997 por possuir uma parte significativa de sua população de 12.000 habitantes, vivendo e trabalhando no campo. Ainda cabe mencionar que, esta relação dos trabalhadores que moram em Guaíra com formas de trabalho geradas pelo comércio com o Paraguai que, visam buscar rendimentos em virtude das diferenças entre a moeda dos dois países, não é recente. Entrevistas com os moradores da cidade, têm indicado que por volta da década de 1970, produtores rurais de Guaíra e de algumas cidades da região, como Altônia e Palotina, já se beneficiaram do contrabando de café produzido no Brasil e vendido ilegalmente para o Paraguai. Este 9 De acordo com o site do Mercosul, o tratado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai realizado em 1991 visava [...] a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social. Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br>. Acesso em 24 de maio de 2011. 10 Sobre isto, conferir Virgínia Fontes, 2005. 11 DGEE/STP, dados referentes ao ano de 2007. Disponível em: <http//:www.dgeec.gov.py>. Acesso em 04 de outubro de 2010.

5 comércio mobilizou e envolveu diversos trabalhadores para o transporte e armazenamento deste produto agrícola para o Paraguai. Já na década de 2000 a prática crescente de atividades comerciais em Salto Del Guairá relacionadas à venda de produtos importados pelo Paraguai de países como, China, Coréia e Indonésia, é apresentada pelos meios de comunicação locais, como decorrente de diversos aspectos. Entre estes, está o aumento de fiscalização na fronteira entre Foz do Iguaçu/BR e Ciudade Del Leste/PY na década de 2000, que estaria proporcionando o deslocamento dos compradores para a fronteira entre Guaíra e Salto Del Guairá por ser considerada como menos rígida quando comparada a de Foz do Iguaçu. 12 Outro aspecto é atribuído à construção da ponte Ayrton Senna em 1998 entre Guaíra/PR e Mundo Novo/MS que, de certa forma, contribuiu com o acesso rodoviário do Paraná a Salto Del Guairá/Py. 13 Além destes, outro fator que tem contribuído significativamente para este crescimento do comércio em Salto Del Guairá, é a baixa do dólar na última década em comparação a moeda brasileira. Tal crescimento do comércio de mercadorias entre Guaíra e Salto Del Guairá, pode ser observado principalmente entre os anos de 2006 e 2010 pela quantidade de novas lojas, galerias e shoppings, bem como vendedores ambulantes que tem se estabelecido na Avenida Paraguay e suas respectivas ruas paralelas em Salto Del Guairá. De acordo com o jornal Paraná On-line, Em 2006, cerca de 200 lojas trabalhavam com a venda de produtos importados. Em 2010, esta cifra subiu para algo em torno de 1,3 mil estabelecimentos. Associado a este crescimento estão diversos conflitos sociais, entre eles, as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores locais e outros sujeitos que buscam nestes lugares formas de sobrevivência. Além disso, também há um grande número de trabalhadores brasileiros que tem se deslocado diariamente de Guaíra para Salto Del Guairá, a fim de trabalharem como vendedores em lojas ou shoppings, bem como em outras atividades ligadas ao transporte e comercialização de mercadorias entre um país e outro (MASUZAKI, 2010). 14 12 Brasil e Paraguai intensificam fiscalização na fronteira. Disponível em: <http://www.parana-online.com.br> Acesso em 11 de dezembro de 2010. 13 Antes da construção da ponte, a travessia entre Guaíra e Salto Del Guairá era realizada somente por embarcações. A travessia até Salto Del Guairá continua sendo feita por balsas que demoram cerca de 30 minutos para concluir o trajeto. Neste trajeto, as pessoas passam pela aduana da Receita Federal do Brasil localizado próximo ao Porto Sete Quedas na barranca do Rio Paraná em Guaíra. Outro trajeto é o acesso de Guaíra/PR a Salto Del Guairá por meio da travessia da ponte Ayrton Senna, passando primeiramente cerca de 8 km pelo estado do Mato Grosso do Sul para depois chegar a Salto Del Guairá/Paraguai. Neste último, a aduana da receita federal está localizado numa extensão de terra que pertence à cidade de Mundo Novo/MS. Também há um posto de fiscalização da polícia rodoviária federal na margem da ponte Ayrton Senna do lado de Guaíra/PR. 14 Lembranças da ditadura. Disponível em: <http://www.parana-online.com.br>. Acesso em 15 de dezembro de 2010.

6 Sobre isto, cabe mencionar que diferentemente de Ciudad Del Este, referência de espaço para compras realizadas por sacoleiros no Paraguai para a revenda das mercadorias em diversas cidades do Brasil, Salto Del Guairá é apresentada como centro comercial que, até o momento, tem atendido principalmente aos chamados turistas-turistas. 15 Portanto, uma das justificativas para o aumento de trabalhadores de Guaíra/PR e Mundo Novo/MS que se deslocam diariamente para trabalhar no comércio em Salto Del Guairá/PY, tem sido apresentada pelos meios de comunicação como consequencia do público consumidor ser oriundo do Brasil. 16 Este, também é um argumento utilizado principalmente por parte dos lojistas ao darem preferência à contratação de pessoas de origem brasileira a que paraguaia para trabalharem como vendedores em lojas. Isto tem gerado alguns conflitos na forma como sujeitos de nacionalidades diferentes, mas trabalhadores têm percebido um ao outro. Ainda, existe o fato de muitos dos proprietários de lojas e importadoras no Paraguai serem brasileiros, que dão preferência à contratação destes devido à informalidade nas relações de trabalho (MASUZAKI, 2010). Ou seja, quando o trabalhador está na condição de trabalhador ilegal no outro país, ele praticamente não tem direito nem as leis trabalhistas do Paraguai e muito menos as do Brasil. Entretanto, existe a possibilidade do trabalhador brasileiro legalizar-se no Paraguai, mas esta exige um valor alto a ser pago pelo trabalhador e residência fixa no Paraguai, o que muitos resistem a fazer. 17 Ainda, alguns trabalhadores entrevistados se queixam que, mesmo quando legalizados, não conseguem usufruir dos poucos direitos trabalhistas 18 que tem acesso no Paraguai, devido a falta de fiscalização ao descumprimento destes direitos. Ainda, é preciso problematizar que por trás desta referência de uma região de comércio para turistas, construída pelos meios de comunicação regional, estão presentes diversas atividades comerciais que mobilizam inúmeros trabalhadores. Servem de exemplo, as várias tarefas realizadas pelos sujeitos que trabalham na compra e transporte de mercadorias entre os dois países, tais como, sacoleiros e laranjas 19. A existência destas formas de 15 Este é o termo utilizado pelos comerciantes de Salto Del Guairá para definir os sujeitos que se deslocam de diversas cidades do Paraná, e de outros estados, tais como São Paulo e Santa Catarina para comprar esporadicamente mercadorias destinadas a usos pessoais. 16 Salto Del Guairá se projeta como opção turística. Disponível em: <http://www.rioparanazao.com. br>. Acesso em 07 de maio de 2011. 17 Informações coletadas com 13 entrevistas produzidas em 2011 e 2012 com trabalhadores de nacionalidade brasileira e paraguaia que atuam em no comércio em Salto Del Guairá. 18 Protocolo sobre Relações e Trabalho e Previdência Social assinado a 11 de fevereiro de 1974 em Assunção. Disponível em: <http://www81.dataprev.gov.br>. Acesso em 25 de maio de 2011. 19 O sacoleiro pode ser um trabalhador autônomo ou ter um patrão. Ele normalmente compra a mercadoria no Paraguai, seja para revender em seu próprio estabelecimento comercial ou por encomenda de um patrão, proprietário de loja do Brasil que o contrata para fazer suas compras no Paraguai. São responsáveis por parte

7 trabalho já indica que a comercialização de produtos importados nestas cidades, não se restringe apenas ao público que consome as mercadorias compradas, mas sim àqueles que compram para revender em diversas outras regiões do Brasil. Também servem de exemplo, as inúmeras pessoas de diversas cidades do Brasil que passam pela rodoviária, hotéis e restaurantes de Guaíra deslocando-se para fazer compras em Salto Del Guairá 20 para depois revender os produtos em lojas ou nos chamados camelôs presentes em muitas cidades. Além das formas de trabalho que envolve o comércio de mercadorias consideradas legalizadas pelos acordos entre os dois países, há diversos sujeitos mobilizados em tarefas, muitas vezes com riscos, que envolvem a comercialização ilegal de mercadorias, por exemplo, o contrabando de cigarros que, tem atraído um grande contingente de trabalhadores adolescentes e jovens. As ocupações geradas pelas diferenças entre a as relações econômicas entre Brasil e Paraguai, muitas vezes, tem sido repreendidas pelas constantes tentativas de fiscalização por parte do Brasil. A pesquisa realizada por Eric G. Cardin, 2010, serve de exemplo ao problematizar como a lei 11.898 21 que afirma visar a regulamentação do trabalho dos sacoleiros na fronteira estabelecendo os critérios de atuação para os mesmos, tem tentado disciplinar o circuito, definindo as práticas aceitas e criminalizando os trabalhadores que não seguirem as novas regras (CARDIN, 2010, p.162). Considerações parciais O crescimento nas atividades comerciais entre as cidades de Guaíra/PR e Salto Del Guairá/PY que envolvem a comercialização de mercadorias entre o Brasil e o Paraguai, tem mobilizado uma grande quantidade de trabalhadores oriundos desta região de fronteira. Constatou-se que muitos jovens tanto de nacionalidade brasileira e residentes em Guaíra, como de nacionalidade paraguaia e residentes em Salto del Guairá, têm se envolvido no comércio de mercadorias entre os dois países, trabalhando informalmente como vendedores em lojas, shoppings e o comércio de rua na cidade de Salto Del Guairá. A maioria destes significativa da entrada de mercadorias do Paraguai que abastecem o Brasil. Já o laranja, é contratado para transportar mercadorias compradas por diversos sujeitos, podendo ser sacoleiros, que já atingiram a cota de consumo permitida pela aduana, ou turistas-turistas que compraram acima da cota de U$ 300,00. Sobre isso, conferir Elen Patrícia de Jesus S. Davi, 2008. 20 Salto Del Guairá se projeta como opção turística. Disponível em: <http://www.rioparanazao.com. br>. Acesso em 07 de maio de 2011. 21 Lei 11. 898, Institui o Regime de Tributação Unificada - RTU na importação, por via terrestre, de mercadorias procedentes do Paraguai. Disponível em: < http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em 24 de maio de 2011.

8 trabalhadores, não desfruta dos direitos trabalhistas disponibilizados na legislação de ambos os países. No entanto, as práticas e ações dos trabalhadores com relação ao seu trabalho e o lugar onde vivem ainda não são plenamente conhecidas. Nesse sentido as informações levantadas sobre a informalidade e as mudanças no trabalho existentes na fronteira entre Guaíra e Salto Del Guairá e apresentadas neste texto, possibilitam apenas um mapeamento inicial sobre como as relações de trabalho tem se constituído nesta região de fronteira. Entretanto, levanta apontamentos e reflexões que contribuirão para discutir posteriormente como os trabalhadores interpretam e lidam com estas formas de trabalho, bem como percebem e se relacionam com os lugares e os sujeitos de onde vivem e trabalham. REFERÊNCIAS CARDIN, Eric Gustavo. A expansão do capital e as dinâmicas da Fronteira. Araraquara: UNESP. Tese (Doutorado em sociologia), 2010. DARC, Aparecida. Formação econômica e social de Foz do Iguaçu: um estudo sobre as memórias constitutivas da cidade (1970-2008). São Paulo: USP. Tese (Doutorado em história econômica), 2009. DAVI, Elen.Trabalhadores na Fronteira: experiências dos sacoleiros e laranjas em. Foz do Iguaçu Ciudad del Este (1990/2006). Marechal Cândido Rondon: UNIOESTE, Dissertação (Mestrado em história). 2008. FONTES, Virgínia. Reflexões Im-pertinentes: História e Capitalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2005. MASUZAKI, Teresa Itsumi. Condições de Trabalho dos Brasileiros no Comércio em Salto Del Guairá - Paraguai. (Monografia em Geografia) Marechal Cândido Rondon/PR:UNIOESTE, 2010. RABOSSI, Fernando. Nas ruas de Ciudad del Este: Vidas e vendas num mercado de fronteira. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Rio de Janeiro: Museu Nacional, 2004.