A formação do professor de Sociologia e a Sociologia Publica Vanice da Silva Pereira dos Santos SEEDUC-vanice.vanvan@gmail.com Georgia da Conceição Reis UFRJ- georgia-reis@hotmail.com Esse ano, eu tive o prazer de receber a professoranda Georgia Reis como estagiária na minha viagem docente. Passamos um dia inteiro juntas, com aqueles a quem posso chamar de nossos alunos, pois ela soube com competência conquistar esse espaço na vida deles. Ao final do nosso dia, sempre discutimos nossas experiências durante o dia nas escolas e as nossas histórias de vida. Eu como docente de Sociologia durante 14 anos na rede pública de ensino, e ela como aspirante a docência, questionamos a relação da academia com o docente de sociologia da educação básica e a consequente formação que recebemos por conta disso. Ao pensarmos sobre a elaboração desse texto para o Encontro de professores de Sociologia, pensamos em discutir com nossos colegas qual deveria ser o papel do profissional que se dedica a tarefa de ensinar Sociologia a jovens e adolescentes em uma sociedade marcada pela desigualdade de acesso ao conhecimento e a cultura? Qual a importância política desse papel no contexto em que vivemos? A ação docente é uma ação política. O seu caráter político se apresenta na legitimação de sua atuação em sala de aula, e nas possibilidades de expandir o diálogo estabelecido em sala de aula para além dos muros da escola. Para desenvolver essa ideia, convidamos para o nosso diálogo dois autores que colocam a importância do conhecimento sociológico como um instrumento de ação política: Florestan Fernandes e Ruy Braga. 1-Papel do Cientista Social e do Docente de Sociologia : encontros e desencontros 1
Florestan Fernandes, em texto intitulado A sociologia como afirmação, propõe discutir como a sociologia dever contribuir para a modernização da sociedade brasileira. O pensador entendia que não pode haver um progresso na produção do conhecimento sociológico apartado de uma transformação no ambiente cultural, cientifico e social da sociedade brasileira. E o cientista social tem um papel a cumprir nessa transformação. Questionamos como o professor de sociologia também pode se posicionar nesse processo. Florestan discute essa questão nos anos 60, preocupado com o desenvolvimento da Sociologia no país naquele momento. Nós dialogamos com ele preocupadas com legitimação do discurso cientifico das ciências sociais na escola pública, não apenas com o mero caráter ilustrativo, mas com um instrumento de ação no espaço público. Por isso, qual seria o papel do docente de Sociologia em uma escola pública onde o discurso reinante é adequar jovens e adolescentes para o mercado de trabalho? Será que a formação que recebemos nos auxilia na tarefa de ampliar a perspectiva de jovens e adolescentes? Naquele contexto dos anos 60, Fernandes avalia como o ambiente cultural em que vivemos influencia a produção do conhecimento em Sociologia. O atraso cultural impossibilitaria o diálogo entre as pessoas leigas e os cientistas sociais. A sociologia se desenvolveu enquanto ciência, porem não avança com seu olhar para a educação básica. O local onde podemos começar a diminuir a distancia entre o público leigo e o discurso científico. Ruy Braga, ao falar do ensino de sociologia no ensino médio, afirma que o tema educação não recebeu a atenção necessária da produção cientifica em sociologia. Para Fernandes, o cientista não deve contribuir para a sociedade apenas com suas descobertas, mas também oferecendo novos olhares para a experiência no contexto social. O sociólogo brasileiro não pode ficar limitado a sua especialidade. Além de contribuir para o avanço da pesquisa sociológica, deve oferecer a sua perspectiva cientifica como um instrumento de explicação da realidade social. Não se mantendo alheio aos acontecimentos sociais da sociedade onde está inserido. O cientista para ele deve ser motivado com preocupações de sobreviver e ascender em sua vida profissional, mas também com o compromisso com a emergência e a consolidação do horizonte cultural inerente à concepção cientifica de mundo (Fernandes,1963,p115).Essa função atribuída ao cientista social pode ser conferida também ao docente de sociologia da educação básica. Esse docente deve atuar na escola publica como um defensor da 2
democratização ao acesso do conhecimento, tendo como referencia a história e os valores de sua disciplina. Naquele momento, ele acreditava na necessidade de uma transformação nas instituições de pesquisa e ensino voltadas para a formação desse profissional. No caso do docente de sociologia da educação básica, acreditamos que a sua formação não tem a atenção que merece dessas instituições. Esse docente ainda é visto como um mero reprodutor de conhecimento produzido na academia. Se antes não havia uma licenciatura voltada para o ensino de sociologia, no momento assistimos a formação de cursos de licenciatura onde a parte teórica é negligenciada em nome do saber pedagógico. O que dificulta a possibilidade desse profissional atuar do modo delineado por Florestan Fernandes. Defensor do ensino de sociologia na educação básica como mais um instrumento da formação do ser humano e não como adequação ao discurso dominante. 2-A Sociologia Pública e a Docência O texto de Ruy Braga e Michael Burawoy convida os sociólogos e os aspirantes a profissão para um debate sobre o papel da sociologia na sociedade. Quem são os sociólogos que temos e para que e para quem é feita a sua sociologia. Michael Burawoy conclui que se no passado os pensadores que iniciaram a história da disciplina tinham como missão mudar o mundo, na atualidade os sociólogos buscam conservar a realidade como ela se encontra. O progresso seria o culpado por esse processo doloroso. Se nos seus primórdios havia uma preocupação com os problemas da população, agora a sociologia serve aos interesses do sistema sócio econômico onde vivemos, transformando a disciplina cientifica em mais uma mercadoria. Para esses autores é chegada a hora da mudança. Precisamos retomar as questões principais e que interferem na vida da sociedade, e não apenas da minoria dominante. Essa mudança se faria através do engajamento do profissional de sociologia com os interesses da comunidade em que vive. A sociologia deve vislumbrar a qualidade de vida de todos os sujeitos que compõe a comunidade. Como Florestan Fernandes, os 3
autores citados afirmam que o sociólogo publico deve utilizar a sociologia como um instrumento de transformação social. A sociologia pública não seria uma negação da sociologia profissional, mas uma forma de devolver o conhecimento da sociedade e aos grupos que possibilitaram a produção do conhecimento. Com efeito, consideramos essa mudança de postura essencial para que a formação de professores da educação básica receba a devida atenção dos seus pares acadêmicos. As pesquisas das universidades voltadas para a sociedade civil apenas devolve a esta o investimento involuntário que fazem em educação. Não deve haver intenção maior do conhecimento senão a emancipação do homem, é essa a ideia que toda a produção deve servir. Por isso a sociologia pública aproximaria o professor de sociologia e os adolescentes e jovens do ensino médio. Segundo Ruy Braga, é importante construir um espaço para refletir a escola publica e as suas demandas priorizando a produção e o conhecimento sociológico. Que a escola publica seja vista pela sociologia profissional como um laboratório de pesquisa. E os desafios da educação sejam apropriados pelos estudantes e profissionais da disciplina. A sociologia profissional também pode dentro da academia articular-se com a sociologia critica para que ambas possam priorizar o debate social. A função da sociologia esta intrinsicamente ligada a sociedade e não seria aceito que apenas um grupo se beneficie do trabalho desses profissionais. 3-A sociologia como conhecimento: Esse esvaziamento do currículo de licenciatura em sociologia pode ser atribuído a conjuntura das politicas educacionais no Brasil. O curso de licenciatura tem menos horas que o bacharelado, e mais disciplinas, as pedagógicas. E a base teórica prejudicada, retirando disciplinas necessárias para a compreensão dos fenômenos sociais, como Filosofia, Geografia, História e Economia. 4
A educação surge no ideário capitalista como uma solução para os problemas oriundos do capitalismo, nas suas várias etapas. É uma politica social defendida pelos organismos internacionais, capaz de diminuir os problemas que surgem como desemprego estrutural e a precarização do mercado de trabalho. A questão é que não há preocupação em formar profissionais para democratizar o conhecimento cientifico. Para discutir esse tema temos que entender como a noção de competências e habilidades que norteia os currículos da escola básica hoje no Brasil favorece o esvaziamento das disciplinas escolares de sua perspectiva cientifica. No âmbito das políticas educacionais, a noção de competência direciona a construção de um currículo que valorize as experiências dos educandos no processo ensino aprendizagem. Os conteúdos devem desenvolver competências nos educandos (Ramos, 2004,p2) Essa pedagogia favorece a legitimação dos valores do mercado e o currículo é esvaziado em nome das novas necessidades do capitalismo. Nesse contexto, o professor de sociologia, pode e deve tornar a sua profissão, a docência, uma forma de militância. Na sua função de expandir o conhecimento sociológico para aqueles que não teriam acesso de outra forma, ele deve priorizar devolver os conhecimentos adquiridos na graduação transformando-os em instrumentos de emancipação humana. E isso não é uma militância baseada em anseios de partidos políticos ou ideologias, mas sim acreditar em uma sociedade fundada na ciência. A sociologia na educação básica deve ser vista com a conquista de público. Referências: BRAGA,Ruy, e 2009.Alameda BURAWOY, Michael. Por uma Sociologia Publica. São Paulo, FERNANDES,Florestan. A Sociologia como afirmação. In: Coleção Grandes Cientistas Sociais. Organizador: Ianni, Otacvio. 2008.Ática. RAMOS, Marise Nogueira. Os limites da noção de competência sob a perspectiva da Formação humana. 2004. Movimento nº4 5